No Benfica aplica-se a máxima: “quem se se levanta primeiro, calça os chinelos”, de sorte que, enfim, remetido fui hoje, por via da acrescida procura, para a ala esquerda, já algo de esguelha, da Varanda da Luz, que aparentemente é para onde ‘exilam’ os jornalistas estrangeiros – digo eu, pois, aqui ao derredor, vejo ‘olheiros’ da polaca Telewizia Polska, da alemã Sportbild Hamburg e da norte-americana ESPN.
Bem sei que cheguei ‘resvés Campo de Ourique’, com o apito do árbitro a apanhar ainda a meio da escadaria de mochila às costas e o famigerado farnel do futebol (FFF) na mão, mas sempre poderia o Benfica proceder como os ‘lagartos’ do outro lado da Segunda Circular: reservar posições fixas. Ah, já agora, fornecer uma sandes de leitão de Negrais: dei agora mesmo uma trinca nesta espécie de carcaça e consegui identificar um ligeiro sabor a carne na fatia posta – e não colocada [estás a ver, Manuel Monteiro?] – no pão aberto.
Enfim, culpem-me também por esta minha pouca inclinação para a pontualidade britânica – e não por considerar os ingleses snobs, que mereçam ser maltratados, como opina o ‘nosso’ almirante Gouveia e Melo –, mas a vida não anda fácil quando, no mesmo dia, se tem de lidar com as bicicletas disfuncionais da EMEL, com umas consultas de processos na ERC, com reclamações na Decathlon por uma encomenda não entregue e já paga [o que valeu uma devolução e um cliente perdido]. No meio disto, restou pouco tempo para avançar com a edição. E como podem, deste modo, aperceber-se, não estou hoje particularmente bem disposto…
(Golo do Feyenoord, grande porcaria! Isto não estava previsto; logo aos 11 minutos, com uma facilidade enorme)
Agora ainda menos… TSe calhar, mais valia ter-me atrasado ainda mais. O raio do tempo, esse tirano invisível que insiste em reger a nossa existência, mesmo, ou sobretudo, no futebol, que tudo se passa em noventa minutos mais os descontos. Para alguns, o relógio é uma bússola moral, um farol que os guia entre os perigos do caos, para outros uma imoralidade. O Kant, por exemplo, via a pontualidade como uma virtude, quase uma obrigação moral, um acto de respeito pela humanidade, uma espécie de imperativo categórico de quem entende que o tempo do outro também tem valor. Eu sei, e flagelo-me tanto, pelos meus atrasos.
(ena, c’um caraças, segundo golo do Feyenoord, e isto depois de um outro golo ter sido anulado; está lindo hoje)
Até porque nunca sequer usufruo da deliciosa arte de se chegar atrasado. E, se as há: as vantagens! Quem disse que o mundo é feito apenas para os que respeitam o relógio? Nietzsche defendeu, dizem-me, porque confesso que nunca li qualquer passagem a esse respeito, que a obediência cega ao tempo era uma das formas mais subtis de opressão. A liberdade verdadeira, essa sim, é a de quem chega quando bem entende. Chegar atrasado, sejamos sinceros, é uma afirmação de poder, uma espécie de grito silencioso contra a rigidez da vida moderna, sendo, contudo, que tenho dúvidas se a UEFA autorizaria que este jogo somente começasse quando eu chegasse…
Se eu tivesse chegado apenas às 22 horas, como dono do meu próprio tempo, senhor do meu destino, livre das correntes invisíveis que prendem os outros, não estaria agora impaciente, roendo as unhas, zangado por esta péssima primeira parte; ao invés, no desconhecimento e ignorância estaria a gozar de uma serenidade aristocrática, como se o universo simplesmente tivesse ajustado a sua cadência para se alinhar apenas para não me causar qualquer dano.
Chega o intervalo, entretanto, e nem sequer vale muito a pena fazer balanços. Foi mau em demasia. Avancemos para o intervalo…
E que já passou. Veremos como corre esta segunda parte. Vou estar um pouco mais atento nestes próximos minutos… Aliás, só vou escrevere novamente quando o Benfica marcar…
Isso estou eu agora a dizer porque neste momento sinto-me um existencialista, como Sartre, porque a liberdade de quem não se prende ao relógio pode rapidamente virar angústia. Estás tão livre, tão fora de qualquer compromisso temporal, que de repente percebes que a vida, sem as amarras do tempo, pode parecer um vasto vazio, onde até o prazer perde o gosto. Agora, na verdade, estarei nesta segunda parte agarrado ao relógio para saber se ainda vamos, hélas, a tempo de corrigir na segunda parte do tempo de jogo o mal que se fez na primeira.
Nisto, meto Epicuro: nem tanto ao mar, nem tanto à terra – o ideal será o equilíbrio. Obviamente, chegar sempre atrasado pode fazer-nos sentir uma espécie de semi-deus – por exemplo, eu poderia nem vir ver o jogo –, mas deste modo não aproveitaria o prazer, que por agora é pouco, de estar aqui. Já aquele que vivem agarrados ao relógio podem acabar sem ter vivido, sempre correndo de um compromisso para o outro, sem parar para sentir o prazer do momento.
(Goloooooo! Goloooooo! É do Benfica!)
E agora a pressa…
Ah, agora a pressa, essa fiel companheira da esperança e dos desesperados. Não há nada como o apelo dramático da sofreguidão quando tudo está prestes a desabar, mas há ainda uma réstia, um lampejo de ventura, que nos possa debelar o sofrimento, Schopenhauer já advertia que a vida é essencialmente sofrimento e se o sofrimento ainda se tornará maior depois de esgotado o tempo de jogo, porque aí a eventual derrota se mostrará irreversível, então o relógio mostra-nos como a esperança se escapa pelos dedos ao som de um tiquetaque, ainda mais quando, lá em baixo, não se anda sequer em correrias desenfreadas.
Em todo o caso, a pressa e a sofreguidão também nunca foram boas conselheiras nestes momentos, e nem seria desejável que agora, lá em baixo, os jogadores do Benfica se portassem como aqueles trabalhadores de olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados, correndo de uma tarefa para outra com a sofreguidão de quem acredita piamente que a pressa resolverá tudo. A pressa, na verdade, nunca se deve confundir nem ser um sinal de desespero. Para Nietzsche, a pressa era mais uma manifestação, uma revolta contra a falta de controlo que temos sobre o mundo. No caso, deste jogo, a pressa advém de, para se pontuar, pelo menos, o Benfica precisa de marcar mais um golo sem sofrer qualquer outro (válido) antes do árbitro apitar pela derradeira vez.
Aliás, precisamos de um pensamento cartesiano, racional, um “penso, logo existo’ aplicado à bola. E não é um “corro, logo existo’ nem um ‘chuto, logo existo’, mas sim um «penso, logo ganho’. Um jogador perdido em campo, sem direcção, ou a passar para trás, como o João Mário, não ‘existe’ de todo. Mas se apenas pensa, e não corre nem chuta que está ali a fazer? Nada. Na melhor das hipóteses, melhor estaria a escrever crónicas, sem préstimo, ou pouco.
Enfim, como se anunciam agora seis minutos de desconto, já pouco me importam as congeminações filosóficas: cada passe, cada decisão táctica, pode ser cartesiana ou raquidiana; interessa sim que o Benfica marque…
Com os seis minutos de desconto, já pouco me importam reflexões: cada passe, racional ou instintivo, que resulte em golo!
(… mas é o Feyenoord que marca)
Pronto, guardemos a guitarra. Pela primeira vez desde que subo à Varanda da Luz, vejo o Benfica perder. Aceitemos o amor fati: tanto o sucesso como a derrota são etapas da vida. Nietzsche diria que são necessárias para o espírito. Mas eu só penso no tempo que perdi com esta derrota.
O ritmo moderno parece pedir-nos pressa a todo o custo, esquecendo a importância de parar e pensar. Agimos por impulso, sempre contra o relógio. A pressa tem sua utilidade, mas é um remédio de efeito breve. Corremos porque acreditamos que isso resolverá tudo, mas, no final, acabamos exaustos, como num labirinto sem saída.
Felizmente, o meu regresso à Varanda da Luz, quatro dias depois, foi mais feliz. Fiz gazeta apenas para apreciar o jogo, tirar umas fotos e, enfim, vingar-me do Provedor do Adepto do Rio Ave, o ex-presidente de infausta memória do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas… Cinco ‘secos’. Agora, o regresso aqui à Luz, depois das visitas ao Algarve e a Munique (ai Jesus), será com o Porto! Carrega, Benfica! Ou não.
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Na décima sexta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a jornalista, escritora e crítica literária Isabel Lucas
Jornalista e professora da Escola Superior de Comunicação Social, Isabel Lucas é, actualmente, uma das mais conceitudas críticas literárias de Portugal, mas destacou-se também na literatura (ou jornalismo) de viagens, sendo autora do aclamado ‘Viagem ao sonho americano’, editado originalmente em 2017, e agora em nova edição.
O seu olhar sobre os Estados Unidos, que dá a conhecer ao longo de 12 reportagens, percorridos que foram 27 Estados, e a compliação das suas melhores entrevistas a escritores estrangeiros (‘Conversas com escritores’, publicado este mês) são o ponto de partida para uma conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, onde se percorrem os meandros da Literatura e do Jornalismo.
Isabel Lucas fotografada no PÁGINA UM.
Entre as obras patentes na Biblioteca do Página Um, Isabel Lucas escolheu o romance ‘A Torre de Barbela, de Ruben A., publicado em 1964, e o romance ‘Lilias Fraser’, de Hélia Correia, publicado originalmente em 2001.
Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Isabel Lucas
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Na décima quinta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o jornalista e escritor Frederico Duarte de Carvalho
Homem do Norte, mas sem sotaque, Frederico Duarte Carvalho ganhou tarimba jornalismo no extinto Primeiro de Janeiro até descer a Lisboa onde foi fazendo reportagens de investigação em diversos órgãos de comunicação social, aguçado pela curiosidade em desvendar enigmas e conspirações.
E foi também começando a escrever em outros formatos: em livros. Apesar de ser hoje um dos escritores que mais aborda assuntos associados às conspirações, atentados (como o que envolveu Sá Carneiro) e a sociedades mais ou menos secretas, como o Clube de Bilderberg, Frederico Duarte Carvalho estreou-se no ‘mundo da bola’, retratando a vida, na primeira pessoa, de Vítor Baptista, um futebolista irreverente com um percurso que foi do céu ao inferno.
Mas a seguir, entre jornalismo e a escrita de ensaios sobre os seus temas mais queridos, foi metendo também os dedos na ficção, tendo publicado já três romances. Sobre isto e muito mais, com detalhes mais ou menos picarescos, Frederico Duarte Carvalho conversa com Pedro Almeida Vieira de uma forma descontraída em mais uma sessão para a BIBLIOTECA DO PÁGINA UM.
Frederico Duarte Carvalho fotografado no PÁGINA UM.
Entre as obras patentes na BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Frederico Duarte Carvalho escolheu o romance ‘Adivinhas de Pedro e Inês’, de Agustina Bessa-Luís, publicado em 1983, e ainda o livro de contos sobre reis portugueses intitulado ‘Um conto por um real’, de Francisco Hipólito Raposo, publicado em 1988.
Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Frederico Duarte Carvalho
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Infelizmente, o Plano de Acção para a Comunicação Social, apresentado na semana passada pelo Governo Montenegro, não incluiu uma medida essencial: a moralização do sector dos media em Portugal. Quando digo moralização não é mera retórica; nem sequer significa que existe imoralidade. Antes fosse. Na verdade, os media sofrem hoje, em Portugal, de um processo de amoralidade – de uma completa ausência de moral, de uma compulsiva eliminação dos princípios éticos. A ideia de que o Jornalismo, tal como a Justiça, constitui um dos pilares da democracia foi subvertida; hoje, o Jornalismo e a Justiça tornaram-se subservientes e, em vez de funcionarem como ‘controladores’ do poder, sustentam-se agora, numa promiscuidade pornográfica, porque a troco de dinheiro ou de prebendas, no próprio poder. Mantêm-se como pilares para sustentar o Poder; de contrário, tudo cairá de podre.
Talvez o caso mais paradigmático – e portanto, não único, mas de maior gravidade – da amoralidade e da podridão do Jornalismo, e das suas promiscuidades, será a situação da Trust in News, a empresa unipessoal do empresário (e ex-jornalista) Luís Delgado, ‘dono’ de um império de 17 revistas supostamente vendidas pelo Grupo Impresa em 2018. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News conseguiu um prodígio: em apenas seis anos de existência, acumulou dívidas ao Estado (Segurança Social e Autoridade Tributária e Aduaneira) de 17,1 milhões de euros, dívidas a instituições financeiras de 4,3 milhões de euros, dívidas a uma panóplia de fornecedores no valor de 11,1 milhões de euros e dívidas a trabalhadores de quase meio milhão de euros. Quem se cruzou na ‘vida’ da Trust in News ‘ganhou’ um calote.
Miranda Sarmento, Pedro Duarte e Luís Montenegro: o Governo decidirá se comportamentos de maus administradores na imprensa, lesivos até das finanças públicas, são toleráveis.
Não foi uma situação inesperada – desde o primeiro dia, Luís Delgado começou a não pagar ao Estado e aos fornecedores. As dívidas começaram em 2018, continuaram em 2019, subiram em 2020, aumentarem mais em 2021, incrementaram em 2022, e mantiveram o crescimento em 2023. Os alertas surgiram – e, por isso mesmo, houve processos judiciais contra os gerentes da Trust in News instaurados pelo Fisco logo em 2018 –, mas houve um ‘abafamento’ político. É necessário destacar que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar as dívidas astronómicas da Trust in News, em Julho do ano passado, perante o silêncio do Governo – Fernando Medina recusou comentar por diversas vezes as nossas notícias – e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
A então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E, durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até que, na Primavera, no final de Maio passado, se iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal de Sintra para estancar uma falência imediata.
Mais do que o absurdo rol de dívidas de Luís Delgado, aquilo que mais surpreende é a desfaçatez do plano apresentado no passado dia 10 de Outubro, no âmbito do PER, onde se começa por dizer que “tem como finalidade a satisfação de todos os credores de uma forma mais favorável que uma liquidação ao abrigo de um processo de insolvência”.
Analisar os indicadores financeiros apresentados neste plano, considerar que Luís Delgado – que em seis anos ‘conseguiu’ dar mais de 30 milhões de euros em calotes – é um homem sério para vir a pagar aquilo que não pagou e pagar aquilo que vai ter de pagar no futuro, tudo ao mesmo tempo, é acreditar ainda no Pai Natal.
Luís Delgado, em 2018, celebrando a compras das revistas ao Grupo Impresa. Em seis anos, investindo 10 mil euros, deu calotes de mais de 30 milhões de euros, mais de metade ao Estado. E quer agora continuar à frente da Trust in News. Para continuar o calote?
Qualquer análise minimamente séria deste plano só pode levar ao seu ‘chumbo’ por parte do Estado, que é quem vai decidir se Luís Delgado vai ou não continuar a aumentar os calotes. Por exemplo, nem a demonstração de resultados histórica (2020-2023) da Trust in News, constante na página 56 do plano, coincide com os resultados registados na Base de Dados das Contas Anuais. Isto é de uma falta atroz de rigor e seriedade.
Na parte dos pressupostos, constante na página, é absurda a ligeireza a forma como se identifica a rubrica “Outras contas a receber”, que constituem, de forma surpreendente, o maior valor dos activos, tendo passado de 4,8 milhões de euros em 2020 para 14,8 milhões de euros em 2023. De uma forma aligeirada, o plano da Trust in News diz apenas que essa rubrica – que “ascende a 10 milhões de euros”, quando são quase 15 milhões – corresponde às “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes, quer assinaturas de imprensa física quer de assinaturas digitais”. Quem conhece o mercado só pode ficar surpreendido com o volume financeiro desta rubrica, bem como com a sua variação nos últimos três anos, sobretudo por não ser acompanhada pela rubrica Clientes, onde por norma deveriam ser contabilizadas vendas ainda não pagas.
Ora, se considerarmos que, entre 2021 e 2023, a Trust in News admite que teve vendas e prestações de serviços (que incluem assinaturas, mas também uma importante fatia de publicidade) no valor de 35,6 milhões de euros, como explicar que haja 10 milhões de euros (variação da rubrica Outras Contas a Receber) que não foram pagos? Não haverá aqui uma ‘contabilidade criativa’, com facturação inexistente ou virtual, para amenizar prejuízos em anos anteriores? Note-se ainda que esta variação de 10 milhões de euros em supostas “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes” entre 2021 e 2023 coincide com uma quebra de vendas de cerca de 18% entre 2020 e 2023. Não faz qualquer sentido, tanto mais que os resultados previsionais para 2024 apontam para vendas (talvez estas reais, até por não fazer aumentar a rubrica Outras Contas a Receber) de apenas 7,9 milhões de euros, menos 3 milhões de euros face aos valores indicados em 2023. Ora, com uma queda de 28% da vendas, porque a rubrica Outras Contas a Receber se mantém estável pela primeira vez, as previsões para este ano apontam para prejuízos de 1,4 milhões de euros. E eu desconfio, pelo indicadores, que foi a ‘contabilidade criativa’ que em anos anteriores evitou prejuízos desta dimensão.
Revista Visão: em fase de PER, o administrador judicial não pode ‘vasculhar’contas.
A impossibilidade de, em fase de PER, o administrador judicial poder ‘meter a mão na contabilidade’ das empresas, e de ter um papel determinante no esclarecimento de eventuais falcatruas que levaram à desastrosa situação da Trust in News, deve ser um motivo mais que fulcral para o categórico ‘chumbo’ do PER, e a consequente ‘passagem’ para a insolvência.
Quando se diz insolvência, não se está a falar do fim da actividade das revistas – ou, pelo menos, de todas –, mas sim da ‘expulsão’ de Luís Delgado do sector do media, que ele conspurca. Aprovar o PER significa, na prática, que Luís Delgado se mantém à frente da Trust in News a fazer o pior que tem feito nos últimos seis anos: dar calotes. Aprovar o PER será acreditar no ‘conto do vigário’: acreditar que alguém que, em seis anos, conseguiu colocar uma empresa de media com um passivo de 30 milhões de euros, dos quais metade em dívidas fiscais e à Segurança Social, vai agora passar a pagar a tudo e a todos, passar a pagar no futuro, e tudo isto mantendo níveis de receitas com uma redução da massa salarial de jornalistas da ordem dos 40%. Luís Delgado promete fazer omeletes sem ovos e ainda promete chocar ovos sem ter galinhas poedeiras.
Ao invés, passar a Trust in News para um processo de insolvência possibilitará, com uma gestão profissional séria – e sem Luís Delgado –, a busca de uma solução empresarial para que as revistas eventualmente se mantenham através de outro modelo de negócio (mais sério). Pode até suceder que os credores tenham, nessa hipótese, de assumir eventuais perdas, mas a outra alternativa parece-me bem pior: com medo de se perder tudo, ainda se permite que o calote ainda aumente mais.
Votar contra o PER e avançar para uma insolvência (que pode não ser uma dissolução), servirá sobretudo para afastar Luís Delgado dos destinos da (nunca bem explicada) venda em 2018 do portefólio das revistas então detidas pelo Grupo Impresa. Permitiria saber, de forma rápida, que ilegalidades ou mesmo eventuais fraudes terão sido cometidas. Haveria responsabilização.
Na verdade, dar-se-iam os primeiros necessários passos para a moralização do (agora promíscuo) sector dos media. Um sinal de que não há espaço, pelo contrário, para projectos amorais, que apenas sobrevivem através de esquemas políticos e em clara deslealdade concorrencial. ‘Salvar’ a Trust in News, incluindo no ‘pacote’ Luís Delgado, é criar um precedente de jornalismo de mão estendida.
O Governo Montenegro tem por isso, no final deste mês, uma excelente oportunidade para mostrar se quer mesmo valorizar o papel da imprensa, que não tem medo de uma imprensa rigorosa, sem ser “ofegante” nem subserviente. E isso passa por exigir que se ‘expulsem’ do sistema os maus administradores dos media, que são o principal entrave à liberdade de imprensa. Por tudo isto, mesmo não estando aí inscrito, o ‘chumbo’ do PER da Trust in News será uma das melhores medidas de um qualquer Plano de Acção para a Comunicação Social.
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Os dois últimos relatórios e contas da Ordem dos Médicos, recentemente divulgados, revelam que a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e um dos vice-presidentes da bancada parlamentar do PSD, Miguel Guimarães, agiram como “fiéis depositários” de uma conta solidária durante a pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros, ‘engrossada’ quase na sua totalidade com dinheiros de farmacêuticas. Os dois políticos agiram durante os respectivos mandatos na Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, sobretudo entre 2020 e 2022. Além de ficar, assim, assumido que houve contabilidade paralela, com fugas ao Fisco de permeio, o expediente de “fiel depositário” é completamente desajustado à gestão de donativos e coloca mesmo sérias suspeitas de fraude com eventuais responsabilidades civis e criminais, uma vez que inexistem sequer documentos formais que mandatassem Ana Paula Martins e Miguel Guimarães para essa função. Além da actual ministra e do deputado, um terceiro titular da conta foi Eurico Castro Alves, como representante das farmacêuticas (APIFARMA), que recentemente foi anfitrião das férias de Luís Montenegro no Brasil.
A Ordem dos Médicos assume, nos seus dois últimos relatórios e contas, que houve contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’, uma polémica iniciativa de solidariedade durante a pandemia, protagonizada pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD Miguel Guimarães. Então bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, Martins e Guimarães abriram pessoalmente uma conta bancária, com Eurico Castro Alves – actual presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos e ‘anfitrião’ das recentes férias de Luís Montenegro no Brasil –, para gerir donativos de cerca de 1,4 milhões de euros, com a quase totalidade da verba a ser proveniente de empresas farmacêuticas. A esmagadora maioria destas verbas não foi sequer comunicada no Portal da Transparência e Publicidade, gerida pelo Infarmed, e não foi pago Imposto do Selo, como determina a lei.
Numa longa investigação do PÁGINA UM – apenas possível após o Tribunal Administrativo de Lisboa ter permitido o acesso aos documentos operacionais e contabilísticos desta campanha que visava distribuir sobretudo equipamentos de protecção individual –, já se tinha detectado que a conta aberta não era titulada por nenhuma das duas ordens profissionais, mas sim por Miguel Guimarães (primeiro titular), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. E, além de não terem pagado Imposto do Selo – ou seja, cometeu-se uma fuga ao Fisco, no valor estimado de cerca de 125 mil euros, 10% das doações acima de 500 euros –, também permitiram que uma parte substancial das facturas dessem entrada na Ordem dos Médicos, embora os pagamentos tivessem sido consumados através da conta particular, indiciando assim possibilidades de criação de um ‘saco azul’. Houve, além disso, um vasto conjunto de declarações falsas para obtenção de benefícios fiscais ilegítimos por parte de diversas farmacêuticas.
Ana Paula Martins e Migue Guimarães foram co-fiéis depositários em campanha solidária com contabilidade paralela com donativos provenientes sobretudo de farmacêuticas.
Mas agora, e somente com a revelação pública dos relatórios e contas da Ordem dos Médicos dos últimos anos – uma iniciativa reveladora de uma louvável transparência por parte do actual bastonário Carlos Cortes, em contraste com a postura do seu antecessor Miguel Guimarães –, confirmou-se não apenas a existência de contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’ como terá havido recurso a uma figura jurídica ilegítima e que configura desvio de função com responsabilidade civil e mesmo criminal.
Com efeito, se nos relatórios e contas de 2020 e 2021 – elaborados ainda com Miguel Guimarães como bastonário –, nenhuma referência consta nos anexos sobre a campanha ‘Todos por quem cuida’, não havendo assim sequer sinais da entrada de donativos nas receitas desses anos, já nos relatórios e contas de 2022 e 2023 (da responsabilidade de Carlos Cortes) há uma justificação. E é essa justificação acaba por revelar uma relevante ilegalidade por parte dos ‘gestores’ da conta solidária: Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
De facto, tanto nas contas de 2022 como nas de 2023, já assinadas por Carlos Cortes como bastonário, é apresentada uma nota às demonstrações financeiras, referindo que, depois da abertura da conta da campanha, em Março de 2020, em nome de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Castro Alves, estes “ficaram fiéis depositári[o]s de contribuições financeiras para que, no uso criterioso desses fundos, pudessem, de acordo com as necessidades e prioridades, canalizar para as instituições, profissionais e doentes, material ou bens que consider[assem] essenciais”.
Ora, além desta nota consubstanciar uma contabilidade paralela numa iniciativa que envolveu mais de 1,4 milhões de euros – mesmo sem jamais explicar as razões de terem entrado na Ordem dos Médicos mais de 950 mil euros de facturas, que acabarem por ser pagas por essa conta pessoal, não havendo assim qualquer fluxo de caixa perante a assumpção de gastos –, a figura de “fiel depositário” jamais poderia ser usada nestas circunstâncias.
Trecho da nota sobre a conta solidária nas demonstrações financeiras da Ordem dos Médicos constante no relatório e contas do ano de 2023. Essa nota surge também no relatório e contas de 2022, esta semana disponibilizado no site desta entidade, mas não surge nos relatórios e conta de 2020 e 2021, sob responsabilidade de Miguel Guimarães.
De acordo com vários juristas consultados pelo PÁGINA UM, um ‘fiel depositário” é alguém que, sob superintendência de um tribunal, fica na posse temporária de determinados bens ou objectos que, perante alguma controvérsia ou medida judicial, estejam assim, de alguma forma, sob tutela judicial. Nessas circunstâncias, o “fiel depositário” tem de ser expressamente investido, até para que tome conhecimento, estabelecendo-se os seus deveres, obrigações e direitos no decurso dessa função. Ora, a opção por escolher “fiéis depositários” é temerária para uma simples campanha de solidariedade que envolve a entrada de donativos, que necessita até de autorizações governamentais. No pedido prévio feito ao Ministério da Administração Interna, as duas ordens indicaram a conta solidária criada, mas omitem que os titulares eram pessoas singulares, e nem sequer fazem qualquer menção à existência de quaisquer “fiéis depositários”.
Além disto, aquando da consulta da documentação da campanha ‘Todos por quem cuida’ pelo PÁGINA UM, nunca se detectou qualquer documento que sustente juridicamente a gestão de avultadas verbas, recebidas sobretudo de farmacêuticas, através de “fiéis depositários”. Nem tão-pouco seria tal expectável, porquanto nunca houve qualquer intervenção judicial, mas sim a mera gestão de donativos para a compra de equipamentos para o combate à covid-19. De uma forma prática, a única ‘vantagem’ terá sido criar uma contabilidade paralela.
Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves não poderiam assim assumir as funções de “fiéis depositários” nem tão-pouco de depositários convencionais, previsto no Código Civil, ou mercantis, porque isso também pressupõe um contrato específico em que uma das partes entrega à outra uma coisa móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.
Uma das fontes jurídicas do PÁGINA UM diz que, no contexto da gestão da campanha ‘Todos por quem cuida’, para além de outras vantagens ilegítimas, como a do não pagamento de impostos, o expediente do “fiel depositário” poderá configurar uma simulação e uma “fraude à lei, geradora da nulidade”, mesmo que tenha havido um “negócio jurídico”.
Eurico Castro Alves, actual presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, foi um dos três co-fiéis depositários que geriu, em contabilidade paralela, 1,4 milhões de euros. O médico, que foi este Verão anfitrião das férias brasileiras de Luís Montenegro, era o representante da APIFARMA, o principal ‘municiador’ dos donativos.
Porém, não há sequer provas de ter havido qualquer “negócio jurídico” – nem se vislumbra de que tipo poderia ser, no âmbito estrito de uma campanha solidária – e, deste modo, a referência aos “fiéis depositários” nos relatórios e contas de 2022 e de 2023 da Ordem dos Médicos aparenta ser um expediente do actual bastonário Carlos Cortes para se afastar das decisões do seu antecessor, Miguel Guimarães.
O PÁGINA UM questionou Carlos Cortes sobre se houve ou não algum documento, designadamente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, a sancionar a constituição de uma equipa de “fiéis depositários”. A resposta mostra-se elucidativa quanto à legítima vontade do bastonário se descartar das decisões tomadas por Miguel Guimarães. “Os juristas/advogados actualmente afetos” ao Departamento Jurídico da Ordem dos Médicos “não acompanharam o Protocolo então celebrado entre a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), a Ordem dos Médicos (OM) e a Ordem dos Farmacêuticos (OF) não tendo, como tal, na sua posse informação que permita responder ao solicitado no prazo indicado”, referiu ao PÁGINA UM fonte oficial do gabinete de Carlos Cortes. E a mesma fonte remete ainda para uma auditoria feita pela consultora BDO, que, como já salientou o PÁGINA UM, nem sequer identifica que a conta solidária como pertencente a Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eduardo Castro Alves.
De igual modo, o PÁGINA UM remeteu questões à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, sobre o seu papel no grupo de “fiéis depositários” de dinheiros provenientes de farmacêuticas. Não respondeu.
Também colocou questões a Miguel Guimarães, que afirmara ao Correio da Manhã, aquando do início da investigação do PÁGINA UM, que a campanha ‘Tudo por quem cuida’ era “à prova de bala”. Não respondeu.
Também se colocaram questões a Eurico Castro Alves. Não respondeu.
E também se colocaram questões ao actual bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Filipe Mota. Não respondeu.
O PÁGINA UM também questionou, pela quinta vez, a Procuradoria-Geral da República sobre se estava em curso algum procedimento sobre a gestão financeira da campanha ‘Todos por quem cuida’. A PGR nunca respondeu a qualquer das missivas colocadas sobre esta matéria.
Recorde-se que a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, e que serviria numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.
Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.
E foi aqui que começaram as irregularidades. Ao invés da conta solidária ser assumida pelas duas ordens profissionais – ou apenas por aquela com maior protagonismo, a Ordem dos Médicos – foi decidido que a conta com o NIB 003506460001766293021, aberta no balcão da Caixa Geral de Depósitos na Portela de Sacavém seria titulada por três pessoas: José Miguel Castro Guimarães, Ana Paula Martins Silvestre Correia e Eurico Castro Alves.
Ora, uma pseudo-auditoria da BDO, cujos trabalhos para a Ordem dos Médicos não foram sujeitos a contrato público conhecido, até confirma o NIB (e IBAN) usado, referindo que “foi criada uma conta destinada a receber, através de depósito directo ou por transferência, os donativos angariados com o IBAN P50 0035 0646 0001 7662 9302 1”. Porém, o documento assinado por Ana Gabriela Barata de Almeida (ROC nº 1366, inscrito na CMVM sob o nº 201606976, em representação da BDO & Associados – SROC) não se debruça, nem numa linha, no aspecto essencial: essa conta não era nem da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Farmacêuticos nem da própria Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), que se associou à campanha.
Não se diga que essa pesquisa era complexa. Na verdade, é pública e confirmável que pertence a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, onde surge, como primeiro beneficiário “José Miguel R Castro Guimarães”. A actual ministra é (era) co-titular desta conta particular, havendo ainda outro co-titular, Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde do PSD. A conta era movimentada com duas assinaturas. A actual ministra assinou diversas ordens de pagamento para facturas que, na verdade, entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos.
Conta bancária da campanha, para onde seguiram os donativos das farmacêuticas, de outras empresas e de particulares, foi aberta no dia 2 de Abril de 2020, em nome de Miguel Guimarães (como titular principal), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Todos os pagamentos da campanha foram efectuados através desta conta.
Sendo que a conta da campanha “Todos por quem cuida” não era institucional – mas sim de três pessoas, independentemente dos cargos ocupados –, o pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna para a angariação de fundos nunca poderia omitir o facto de que o NIB em causa não ser das entidades oficiosamente promotoras: a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticas. Aliás, foram indicadas no final do pedido duas contas que nunca foram usadas na angariação, e que efectivamente pertencem a estas duas instituições. Ambas as contas (com o NIB 000334778686020 e o NIB 000000182339728) estão no Santander, sendo tituladas, respectivamente, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticas.
A razão para não serem usadas contas oficiais de qualquer uma das ordens nunca foi dada, mas certo é que o Ministério da Administração Interna foi iludido. Além disso, o pedido de autorização apenas foi feito em 27 de Julho de 2020, quando a angariação de donativos para a conta paralela se iniciara em 6 de Abril daquele ano, ou seja, mais de três meses antes, o que constitui mais uma ilegalidade. Com efeito, à data do pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna já a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves tinha um saldo de 716.501,51 euros. Por lei, a angariação deve ser precedida da autorização ministerial.
Por outro lado, nessas circunstâncias jamais se poderia aplicar a Lei do Mecenato ou outro tipo de benefício, porque em termos formais se estava perante uma recolha de donativos por três pessoas, inexistindo uma justificação lógica (ou ilógica) para não se ter procedido sequer a qualquer correcção. Nessa medida, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente o Imposto do Selo no valor de 10% de todos os donativos recebidos acima dos 500 euros. E houve muitos.
Ora, face aos montantes das diversas transferências, sobretudo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), todas individualmente acima dos 500 euros, a actual ministra da Saúde e os seus parceiros deveriam ter declarado à Autoridade Tributária e Aduaneira o recebimento de 1.2561.251 euros, o que implicaria o pagamento de 125.125,10 euros de Imposto do Selo. Na documentação consultada pelo PÁGINA UM, nomeadamente extractos bancários, não existe qualquer saída de dinheiro para esse cumprimento fiscal.
Pedido de autorização para angariação de donativos omitiu que a conta solidária não era titulada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos. Nunca foi explicada opção por uma conta não-oficial, que permitiu uma contabilidade paralela cheia de irregularidades e ilegalidades. Não há qualquer documento que sustente ou valide a figura jurídica de “fiéis depositários” da conta aberta em nome de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Além desta grave falha fiscal – independentemente dos objectivos da campanha –, as 16 entidades do sector farmacêutico que concederam apoios também deveriam ter feito declarações no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando expressamente Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. Estes profissionais de saúde – dois médicos e uma farmacêutica – também nunca procuraram que o Infarmed, que vigia os patrocínios neste sector, envidasse esforços para incluir essas referências no portal. E o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, nunca se incomodou em incomodar as farmacêuticas por não declararem o ‘patrocínio’ de mais de 1,3 milhões de euros a três individualidades, uma das quais Ana Paula Martins, que agora tutela o regulador do medicamento.
Além destas irregularidades e incumprimentos fiscais, o uso da conta solidária em nome de três pessoas permitiu uma estranha e ilegal contabilidade paralela de todas as operações de aquisição, designadamente de facturação e pagamentos, dos equipamentos e materiais a serem doados. Ora, isso passou ao largo da BDO, apesar de se apresentar como uma das principais auditoras a operar em Portugal.
Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Na verdade, quem pagou foi a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.
Uma das ordem de pagamento assinadas por Ana Paula Martins foi para transferir 27.365,20 euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida pela disponibilização de locais e pessoal de enfermagem para vacinar, contra as regras da Direcção-Geral da Saúde, médicos considerados não-prioritários em Fevereiro de 2021, uma iniciativa pessoal de Miguel Guimarães. Esta decisão, com a concordância do então coordenador da task force Gouveia e Melo, após diversas reuniões, continua a ser analisada (há mais de um ano) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A factura das Forças Armadas foi, contudo, emitida para a Ordem dos Médicos. E a Ordem dos Médicos viria depois a emitir declarações (falsas) de recepção de donativos por parte de quatro farmacêuticas. Uma dessas falsas declarações de donativo, no valor de 3.725,20 foi passada em Março de 2022 à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.
Através da conta pessoal de que era co-titular, a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, assinou, por exemplo, uma ordem de transferência bancária ao Hospital das Forças Armadas num acordo com a task force liderada por Gouveia e Melo para pagar a vacinação contra a covid-19 de médicos não-prioritários numa altura de escassez de vacinas. Mas a factura das Forças Armadas foi emitida em nome da Ordem dos Médicos.
Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, nunca foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática, significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.
Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul’, ou mesmo um desvio de verbas até 968 mil euros. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Ora, a alegada auditoria da BDO – pelo menos, o título do documento obtido pelo PÁGINA UM após sentença do tribunal diz “Prestação de serviços de autoria às actividades e contas do fundo solidário #TodosPorQuemCuida” – comete aqui um erro de palmatória. Na página 10 da auditoria diz-se que “procedemos à análise dos gastos/aquisições efectuadas por forma a validar a documentação de suporte correspondente”, indicando que foram realizadas verificações às notas de encomenda, facturas, evidência de entrega aos beneficiários e comprovativo do pagamento, concluindo que se confirmou “a existência destes elementos para todas as aquisições”.
Mas também aqui há uma omissão grave, que aparenta ser intencional. Com efeito, se e BDO conferiu facturas e pagamentos teria sido assim impossível não ter detectado que as facturas eram emitidas em nome da Ordem dos Médicos mas os pagamentos eram feitos por terceiros, neste caso pela conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Significa isso que, sem qualquer documento justificativo – e não existia quando o PÁGINA UM consultou todos os documentos após a sentença do Tribunal Administrativo –, deram entrada documentos de despesa elevados (cerca de 978 mil euros) sem quaisquer fluxos de caixa associados às respectivas facturas, ou seja, houve indicação de que terá saído dinheiro da Ordem dos Médicos sem ter havido, efectivamente.
Se houve ou não a criação de um ‘saco azul’, não se sabe – e nem tal se vislumbra nas contas da Ordem dos Médicos, que vive desafogada com activos de quase 63 milhões de euros e depósitos registados no final do ano passado de 35 milhões de euros –, mas é estranho que haja uma completa omissão por parte da BDO neste aspecto sensível e de grande responsabilidade. No relatório e contas de 2023, na tal nota sobre a conta solidária, refere-se que foi entregue um saldo remanescente de um pouco mais de 107 mil euros para a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, mas não se indica se essa decisão foi tomada pela Ordem dos Médicos ou pelos titulares da conta solidária.
Edifício principal da sede da Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa.
Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.
Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.
Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da ‘sua campanha’, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.
A emissão de centenas de declarações falsas – trata-se mesmo de centenas, que englobam muitas pequenas IPSS – configura até fraude fiscal, porque as entidades beneficiadas assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que não é verdade, nem as farmacêuticas conseguirão comprovar qualquer compra através de facturas. Certo é que, com este estratagema, as farmacêuticas conseguiram enquadrar os seus donativos no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado – para levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue. Algo que não sucederia se tivesse sido tudo feito como sucedeu: os donativos foram entregues a três pessoas (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), foram feitas compras e entregues os géneros às IPSS, associações e unidades hospitalares.
Assim, com este esquema falso, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, e terão acabado por assumir, em termos contabilísticos, redução da matéria colectável da ordem dos 1,82 milhões de euros. Em conclusão, este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros. Note-se que este esquema, profundamente à margem da lei, envolveu também hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.
Apesar da logística desta campanha ter sido protagonizada sobretudo pela Ordem dos Médicos, e pelo seu então bastonário Miguel Guimarães, a actual ministra teve um papel bastante activo, e não apenas como co-titular da conta. Ana Paula Martins procedeu a várias ordens de pagamento de géneros – cujas facturas foram encaminhadas para a Ordem dos Médicos – e também participou em diversas reuniões específicas da campanha. De acordo com as actas consultadas pelo PÁGINA UM, a actual ministra da Saúde participou em pelo menos oito reuniões da comissão de acompanhamento entre 11 Maio de 2020 e 5 de Maio de 2021. Mesmo depois da sua saída da liderança da Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, manteve-se como titular da polémica conta solidária.
Ora, perante este intrincado esquema de falsas declarações – as farmacêuticas doaram o dinheiro para a conta de três pessoas, e não fizeram donativos directos para os beneficiários –, a BDO nada diz na sua suposta auditoria. No curto capítulo sobre a confirmação das declarações emitidas aos doadores, a auditora diz que “procedemos também à verificação das declarações emitidas aos doadores pelas entidades beneficiárias e pelo TPQC [‘Todos por quem cuida’].
Saliente-se que, de entre as centenas de declarações que o PÁGINA UM consultou, os beneficiários finais nunca tiveram contacto com os doadores iniciais; e, na verdade, a haver declarações verídicas deveriam ser de dois tipos: declarações de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves aos doadores, entre os quais as farmacêuticas; e, depois, declarações das diversas beneficiárias às referidas pessoas que pagaram os bens doados. O facto de a auditoria da BDO referir que foi “possível confirmar a concordância dessas declarações” é, no mínimo, estranho. Mas tudo é estranho neste processo.
Nota: Pode consultar os relatórios e contas da Ordem dos Médicos no respectivo site. Em alternativa, pode aceder aqui, aqui, aqui e aqui aos relatórios e contas de 2020 a 2023, no servidor do PÁGINA UM, para memória futura.
N.D. Como é do conhecimento público, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves contrataram, em conjunto, a sociedade de advogados Morais Leitão para me processarem por difamação. As acções judiciais desta índole, conhecidas por SLAPP (Strategic Lawsuits Against Public Participation), têm um objectivo claro, ademais perante a passividade do Ministério Público em encetar uma investigação criminal sobre as revelações do PÁGINA UM. Mas, se o objectivo é silenciar um jornalista independente, essa estratégia não funcionará, sobretudo se a sociedade não aceitar este tipo de conduta por parte de quem tem recursos financeiros aparentemente ilimitados. Desconhece-se quem, entre a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves, está a pagar a conta da sociedade Morais Leitão.
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Só este ano, a conta dos ‘contratos de mão-beijada’ milionários envolvendo prestadores escolhidos a dedo e sem concorrência – a antecâmara para a corrupção – já ultrapassou os 290 milhões de euros, e apenas incluindo os acordos acima de meio milhão de euros. O caso mais recente está a ‘incendiar’ a política dos Açores, e envolve a escolha de um dos accionistas privados da empresa pública de electricidade, a EDA, controlada pelo Governo Regional daquele arquipélago. O PÁGINA UM apanhou na ‘rede’ um autêntico regabofe, com justificações absurdas, e que aparentemente passam incólumes à fiscalização do Tribunal de Contas, apesar da jurisprudência.
É o segundo maior ajuste directo de sempre invocando “urgência imperiosa”, sendo apenas ultrapassado pela polémica construção de dois navios patrulha em 2015, por 77 milhões de euros, no Estaleiros de Viana do Castelo determinada pelo Governo de Passos Coelho. Um contrato celebrado no final de Setembro passado pela empresa pública EDA – Electricidade dos Açores e a Bencom, no valor de quase 50 milhões de euros, está a levantar polémica naquele arquipélago, não apenas por ter sido assinado a um sábado, mas por envolver uma empresa do Grupo Bensaúde.
Esta ‘holding’ é o principal accionista, através da ESA (39,7%) da empresa de electricidade dos Açores maioritariamente detida pelo Governo Regional (50,1%), e a decisão de adjudicação, após um concurso público internacional lançado em Maio deste ano ter ficado deserto, está a causar acusações de conflito de interesses. Os potenciais candidatos tiveram apenas um mês para apresentar propostas de fornecimento de combustível durante três anos.
A administração da eléctrica açoriana, sem explicar as razões de não se precaver deste tipo de imponderáveis em concursos públicos de grande complexidade, alegou agora ser “impossível repetir um novo procedimento concursal a tempo de garantir o abastecimento de fuelóleo necessário à produção de energia eléctrica” nas ilhas de São Miguel, Terceira, Pico e Faial, daí que optou por um ajuste directo por nove meses em condições que não sequer minimamente conhecidas através do Portal Base. Na plataforma da contratação pública, consultada pelo PÁGINA UM, consta apenas um contrato ‘minimalista’ sem o caderno de encargos e sem a proposta apresentada pela Bencom. Ignora-se assim o preço unitário do fuelóleo e os custos de logística e armazenamento. O contrato nem sequer foi assinado por qualquer membro do Conselho de Administração da EDA.
Foto: D.R./Bencom
Sem explicações concretas sobre as razões de um concurso público ter ficado deserto – sendo que, em casos similares, se deve a preços-base baixos ou a exigências de candidaturas que não permitem propostas em tempo útil –, e das verdadeiras responsabilidades da empresa pública, colocam-se em todo o caso dúvidas, a serem dirimidas pelo Tribunal de Contas, sobre a legalidade da invocação da “urgência imperiosa” para entregar de ‘mão-beijada’, e sem limite de valor, um fornecimento de combustíveis no valor de 50 milhões de euros. Isto porque o Código dos Contratos Públicos exige que os “motivos de urgência imperiosa” sejam resultantes de “acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante [neste caso, a EDA], não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Ora, uma administração que lança um concurso público ‘em cima da hora’ para o fornecimento de combustível que se sabe, há muito, ser necessário, não pode depois justificar que não teve responsabilidades. Além disso, o princípio dos “acontecimentos imprevisíveis” não deve configurar casos como os de concursos públicos sem concorrentes, um risco que pode ser previsível e até quantificável em termos percentuais. Na verdade, subjacente aos “acontecimentos imprevisíveis” estão fenómenos meteorológicos e naturais ou mesmo crises de saúde pública.
A interpretação do Tribunal de Contas tem sido no sentido de que “são motivos de urgência imperiosa aqueles que se impõem à entidade administrativa de uma forma categórica, a que não pode deixar de responder com rapidez […], sob pena de, não o fazendo com a máxima rapidez, os danos daí decorrentes causarem ou poderem vir a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação”. Mas o Tribunal de Contas salienta ser “ainda necessário que essa urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, e não sejam, em caso algum, a ela imputáveis”, reforçando que “acontecimentos imprevisíveis são todos aqueles que um decisor público normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto”. E acrescenta que ”estão, portanto, fora do conceito de acontecimentos imprevisíveis, os acontecimentos que aquele decisor público podia e devia ter previsto”.
Foto: D.R.
Contudo, cada vez com maior facilidade as empresas públicas e entidades da Administração Públicas, e mesmo o próprio Governo, pelo ‘esquema’ da “urgência imperiosa” para entregar, sem qualquer concurso público, adjudicações de avultados montantes. De acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM aos ajustes directos acima de meio milhão de euros publicados este ano, contabilizam-se 162 contratos, envolvendo 59 entidades públicas. A empresa de electricidade açoriana EDA lidera em termos de montante: além do já referido contrato de quase 50 milhões de euros, celebrou já este mês um ajuste directo ‘urgente’ de locação de uma central termoeléctrica à Aggreko Iberia por quase 973 mil euros. Os dois ajustes directos por “urgência imperiosa” despacharam assim 50,95 milhões de euros, sem IVA.
Em todo o caso, o Estado-Maior das Força Aérea é a entidade pública que mais vezes encontra “urgência imperiosa” para entregar contratos sem concurso público. Somente este ano, de acordo com os registos do Portal Base, contam-se 14 ajustes directos desta natureza que totalizaram quase 33,3 milhões de euros. Todos estes contratos se referem à contratação de meios aéreos para combate aos incêndios rurais de 2023 e deste ano, que beneficiaram a Avincis, a Helibravo, a HTA Helicópteros e a Gestifly. A simples aplicação do ‘bom senso’ – ou seja, da evidência da necessidade, ano após ano, de meios aéreos – deveria retirar, desde logo, o argumento da “urgência imperiosa”, mas Tribunal de Contas (e a decência) pouco se tem incomodado com esta repetida situação, e aparentemente só uma coisa é certa: para o ano o Estado-Maior da Força Aérea repetirá a dose com mais ajustes directos desta natureza.
Ajustes directos por “urgência imperiosa” com meios aéreos também foram usados pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), depois de atrasos nos concursos públicos por razões políticas. O segundo destes contratos, no valor de 12 milhões de euros, assinado em finais de Junho com a Avincis, levaria à demissão do então presidente do INEM, Luís Meira, mas já houvera outro, no valor de seis milhões de euros com a Babcock em finais do ano passado, que seria publicado no Portal Base em Janeiro deste ano. Acrescem, com o estafado argumento da “urgência imperiosa”, dois contratos de serviços de reparação e manutenção da frota do INEM, num total de 1,46 milhões de euros. Contas feitas, apenas em quatro “urgências imperiosas”, o INEM despachou, sem burocracias e com nula transparência, quase 19,5 milhões de euros nos últimos 10 meses.
(D.R.)
O Governo, ele próprio, também aprecia a “urgência imperiosa” para despachar ajustes directos por empresas escolhidas a dedo. Contas feitas, desde o início deste ano foram publicados no Portal Base um total de 10 contratos desta natureza celebrados por departamentos governamentais, totalizando cerca de 25 milhões de euros.
A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros já contabiliza três ajustes directos desta natureza no montante global de 17,7 milhões de euros para software e hardware de controlo de fronteiras. Mais uma vez a urgência foi invocada, quando, na verdade, o sistema de Smart Borders há muito estava previsto, como destacou o PÁGINA UM em Junho passado.
A Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contabiliza, por sua vez, quatro contratos por ajuste directo devido a alegada “urgência imperiosa”, mas os montantes são mais reduzidos: quase 4,9 milhões de euros, entregues à Timestamp (um contrato) e à Meo. No caso de um dos ajustes directos a esta última empresa, por exemplo, a justificação para a “urgência imperiosa” por “acontecimentos imprevisíveis” é absolutamente ridícula: tratou-se da “aquisição de serviços para implementação do Centro de Suporte aos Técnicos de Apoio Informático (CSTAI) para utilização dos Cadernos Eleitorais Desmaterializados”, no âmbito das eleições para o Parlamento Europeu em Junho passado. Custou, em três dias, um pouco mais de 1,3 milhões de euros, ganhos pela Meo, sem os incómodos da concorrência. Estas eleições estavam, obviamente, previstas há muitos e muitos anos.
Por fim, na área governamental, o Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Infraestruturas também já fez este ano três ajustes directos por “urgência imperiosa”, dois dos quais no mês passado, sendo que o outro se concretizou ainda no tempo do Governo Costa. Os três contratos, no valor de 2,4 milhões de euros, destinaram-se a suportar custos do serviço aéreo no arquipélago da Madeira e aquele que era prestado pela Sevenair – através da ligação Bragança-Vila Real-Viseu-Cascais-Portimão. No caso desta última ligação, o serviço acabou por ser suspenso no final do mês passado, devido à falta de pagamento. Para suspender o serviço, desta vez não houve mais “urgência imperiosa”.
A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros já contabiliza três ajustes directos para software e hardware de controlo de fronteiras. Foto: D.R.
As autarquias apreciam também bastante os ajustes directos por “urgência imperiosa”, embora com contratos acima de 500 mil euros ‘somente’ se encontram publicados este ano um total de 21 contratos, envolvendo 16 municípios: Murça, Porto, Santo Tirso, Sintra e Maia (dois, cada), Trofa, São João da Madeira, Vila Nova de Gaia, Lisboa, Barreiro, Moita, Seixal, Almada, Coimbra, Espinho e Gondomar.
De todos estes, Maia, Murça, Santo Tirso, Sintra, Porto e Gondomar ultrapassam a fasquia de um milhão de euros, mas o último destes municípios supera isso, e por muito. E é um ‘caso’ que tem todos os contornos de ser ‘de polícia’. De facto, o ajuste directo de quase 13,9 milhões de euros, celebrado no passado dia 25 de Setembro, e que entrou em vigor no início do presente, é a continuação, dir-se-ia ad aeternum, de uma relação comercial iniciada entre a autarquia socialista e a Rede Ambiente. Desde Julho de 2022, o município tem feito sucessivos contratos de aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, sem concurso, a esta empresa que integra o Grupo Terris, com sede naquele concelho nortenho e que é ré no processo ‘Ajuste Secreto’. O próprio CEO do Grupo Terris, e ex-presidente da Rede Ambiente, viu em 2019 o Tribunal de Santa Maria da Feira decretar-lhe o arresto preventivo de bens.
Estes ajustes directos sucedem a um contrato ganho por concurso público pela Rede Ambiente e EGEO em 2012, em consórcio, pelo valor de 35,8 milhões de euros. Até final do ano passado, a autarquia de Gondomar fez três contratos de ‘mão-beijada’ no valor de cerca de 12,9 milhões de euros, de acordo com dados disponíveis no Portal Base. Mas, supostamente, não teve tempo para concluir entretanto um concurso público e celebrou um novo ajuste directo por “urgência imperiosa” por um período de dois anos no valor de 13,9 milhões de euros. Este é, de longe, o maior ajuste directo da autarquia gondomarense e foge também do espírito legal do Código dos Contratos Públicos, uma vez que não só há responsabilidades do município na não conclusão de concurso público como, por outro lado, o prazo de execução (730 dias) excede muito o “estritamente necessário” previsto nos normativos.
Foto: D.R.
De entre o tipo de serviços e aquisição de bens acima de 500 mil euros alvo deste expediente de ajuste directo por “urgência imperiosa”, o sector da energia, muito por via dos contratos da EDA (quase 51 milhões de euros), é aquele que mais verbas envolve, totalizando, segundo a análise do PÁGINA UM, um pouco mais de 84 milhões de euros. No total de 23 contratos, além dos dois da EDA, destacam-se os cinco celebrados pela Infraestruturas de Portugal (12,5 milhões de euros), os seis da Transtejo (10,8 milhões de euros) e os cinco da Soflusa (quase seis milhões). Tudo “urgência imperiosa”, porque, alegadamente, não seria previsível haver necessidade de usar combustíveis para transporte.
Seguem-se, a grande distância, os contratos, já acima referidos, relacionados com a aquisição de serviços de aeronaves, que ultrapassam os 33,2 milhões de euros, aos quais se acrescentam mais 18 milhões de se incluírem os meios aéreos para emergência médica, e mais 2,4 milhões se se contabilizarem também a contribuição para os voos regionais.
Também rodeado por um mistério está o sistemático recurso à “urgência imperiosa” em 31 contratos por ajuste directo acima de meio milhão de euros para a prestação de serviços de refeições, detectados pelo PÁGINA UM no Portal Base, e envolvendo 16 entidades públicas, das quais sete são unidades locais de saúde (ULS), ou os antigos centros hospitalares, e seis são autarquias. No caso da ULS de São José – que sucedeu ao Centro Hospitalar de Lisboa Central –, este ano já se contam seis “urgência imperiosas” para alimentação, envolvendo quase 5,1 milhões de euros. A ULS de Santa Maria, antigo Centro Hospitalar de Lisboa Norte, não está longe: um pouco mais de quatro milhões de euros em refeições por quatro ajustes directos. A empresa ‘campeã’ destes ajustes directos, sobretudo nos hospitais, tem sido a Itau, que ‘apanhou’ 20 dos 31 contratos desta natureza, sacando 18 milhões do ‘bolo’ de 26,5 milhões de euros despachados por “urgência imperiosa”.
Os serviços de limpeza – mais um tipo de serviços ‘previsíveis’ em entidades com o mínimo de planeamento – são também ‘chão’ para negócios sustentados pela “urgência imperiosa”, que permitem escolhas a dedo. A análise do PÁGINA UM detectou 17 entidades de toda a natureza que usaram este expediente em contratos que já envolveram 23,5 milhões de euros. De entre as entidades públicas que mais dinheiro gastaram este ano com estes contratos de ‘mão-beijada’ com justificações espúrias estão a Autoridade Tributária e Aduaneira (2,04 milhões de euros), a Guarda Nacional Republicana (3,37 milhões de euros), o Metropolitano de Lisboa (3,59 milhões de euros), e a ULS de Santa Maria (2,94 milhões de euros). Aqui aparentemente existe uma espécie de oligopólio, porque são várias as empresas, consoantes os adjudicantes, que beneficiam destes negócios da “urgência imperiosa”. De acordo com os dados do Portal Base, houve 11 empresas de limpeza que conseguiram este tipo de ajustes directos, embora o destaque seja da Fine Facility Services, com 5,94 milhões de euros.
De resto, contabilizando os gastos pelos sectores definidos pelo PÁGINA UM, os X contratos por “urgência imperiosa” acima de meio milhão de euros no sector das comunicações já quase atingiu os sete milhões de euros, no sector do controlo de fronteiras um pouco mais de 10,9 milhões de euros, no sector da informáticxa quase 8,5 milhões de euros, no sector das obras públicas cerca de 14,6 milhões de euros – destacando-se a construção de um edifício modular no hospital de Ponta Delgada, no valor de 11,2 milhões de euros –, no sector da segurança quase 9,7 milhões de euros – e no sector dos serviços de manutenção aproximadamente 6,7 milhões de euros.
Também relevantes são os encargos hospitalares feitos ao abrigo da “urgência imperiosa”, tanto para medicamentos (11 milhões, onde se incluem 3,7 milhões de euros pagos à Novartis por duas doses de Zolgensma, o polémico fármaco do caso das gémeas) como para material e serviços hospitalares. Embora em diversos casos se possa admitir mesmo a aquisição urgente, pelas particularidades do sector, já tudo se mostra mais obscuro quando, por via de uma alegada – mas nunca justificada com argumentos escritos – “urgência imperiosa”, também não há redução de contrato a escrito. Por exemplo, na compra de material de consumo clínico pela ULS de Braga no valor de 729.636 euros ocorrida em Março deste ano, e publicada no Portal Base em Julho passado, não se sabe nem preço nem que produtos foram efectivamente adquiridos para o serviço vascular, de neurorradiologia e de anestesia. Mas a gestão do hospital de Braga, como o PÁGINA UM já teve oportunidade de revelar, é outro caso ‘doentio caso’ de gestão de dinheiros públicos a merecer atenção do Ministério Público.
Foto: D.R.
Pelo lado dos adjudicatários – ou seja, das 73 empresas e consórcios que beneficiaram da escolha a dedo por “urgência imperiosa –, da lista compilada pelo PÁGINA UM com contratos acima de meio milhão de euros, o destaque vai para a Bencom (por via do contrato com a EDA), com quase 50 milhões de euros, seguindo-se a Avincis (meios aéreos), a Petrogal (energia) e a Itau (alimentação), todos com valores a rondar os 18 milhões de euros.
A Rede Ambiente (resíduos) e a Iberdrola (energia) conseguiram facturar, graças aos ajustes directos por “urgência imperiosa”, analisados pelo PÁGINA UM, 13,9 milhões e quase 13,4 milhões de euros, respectivamente. Ainda acima dos 10 milhões, estão ainda incluídas a Modular Builders Worldwide (obras públicas, no caso a construção do edifício modular do hospital de Ponta Delgada) e a Gestifly (prestação de serviços de aeronaves).
Com valores entres cinco milhões e 10 milhões de euros surgem a Helibravo Aviação, com quase 9,9 milhões de euros, a Timestamp (7,9 milhões de euros), a Indra Sistemas Portugal (6,8 milhões de euros), a Babcock (6,6 milhões de euros), a Fine Facility Services (5,9 milhões de euros), a HTA Helicópteros (5,8 milhões de euros) e a Meo (quase 5,5 milhões de euros). Muitos milhões que chegaram em ‘bandejas’. Se o preço foi justo, se houve defesa do interesse público, se houve corrupção – ninguém sabe dizer, porque poucos (ou nenhuns) querem saber.
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Em Águeda deve achar-se que o dinheiro brota do chão como as hortaliças: um projecto de remodelação de um simples mercado municipal anda desde 2016 com projectos de empreitadas e alterações contratuais sem que as obras de requalificação terminem. Depois de um contrato de 2021 ter sido alterado duas vezes, a autarquia social-democrata decidiu, depois de já ter gastado cerca de 4 milhões de euros, que se pode gastar outro tanto, tendo celebrado no mês passado um novo contrato, desta vez por ajuste directo à mesma empresa que se tem mostrado incapaz de concluir a obra. De contrato em contrato, a ‘coisa’ ultrapassará os 8 milhões de euros. E não se sabe quando haverá ‘obra feita’, porque o histórico mostra que nada está garantido, excepto haver dinheiros públicos e falta de intervenção do Tribunal de Contas.
Oito anos já passaram em Águeda, e nos quatro cantos do Mundo, e da almejada requalificação do Mercado local só se vê uma coisa: aumento interminável de custos.
Em 2016, a autarquia então liderada pelo socialista Gil Nadais decidiu lançar um concurso público para elaboração do projecto de requalificação do Mercado municipal que andaria, supostamente, a aguardar melhorias há três décadas. Aparentemente, a prestação de serviços pela elaboração do projecto saiu baratinha: o preço-base era de 55 mil euros, mas a Ciratecna, um gabinete de estudos de Vila Franca de Xira, contentou-se com menos de metade (24.980 euros) e ganhou o contrato. Nasceu barato o que viria a tornar-se caro; muito caro e sem fim.
Somente em pleno primeiro ano da pandemia, em Outubro de 2020, já com o actual presidente da autarquia Jorge Almeida em funções – então por um movimento independente, mas que viria a ‘passar-se’ para o PSD na reeleição em 2021 –, o concurso público para a empreitada avançaria com um preço-base a rondar os 4,6 milhões de euros. E quem ganhou, com uma proposta de apenas cerca de 1.200 euros abaixo desse preço-base, foi a Socértima, uma empresa de construção civil de Anadia, um concelho vizinho, ‘afastando’ as propostas de mais quatro concorrentes (DGPW, Rial Engenharia, Embeiral e Joaquim Fernandes Marques & Filho).
Vista virtual do mercado municipal de Águeda. A realidade custa a aparecer.
Concretizada a adjudicação em Março de 2021, o prazo de execução ficou definido em 420 dias, o que significa que a obras deveriam estar concluídas em Maio do ano seguinte. Mas surgiram problemas: Maio chegou e não havia ainda requalificação concluída. Dois meses depois, a presidência desta autarquia do distrito de Aveiro decidiu então reformular o projecto, contratando, após consulta prévia, mais uma consultora, a R5e. Gastaram-se mais dois meses, e em Agosto o município procedeu a uma alteração contraual com a Socértima, aumentando o preço para praticamente mais 1,9 milhões de euros. Ou seja, passou de 4,59 milhões para cerca de 6,49 milhões, por força de trabalhos a mais e a menos.
Quem julgasse que finalmente a remodelação avançaria, desenganou-se. Ao longos dos meses seguintes, o executivo de Jorge Almeida foi apresentando em reunião de câmara sucessivas pequenas e grandes alterações, fruto de pequenos e grandes erros e omissões.
Chegou o ano de 2024, e Mercado renovado nem vê-lo. E eis que em Abril passado surgiu uma nova alteração contratual, com o terceiro contrato adicional com uma ‘estranha’ contabilidade: pagamento de trabalhos a mais de10.141,82 euros, mais uma parcela de trabalhos complementares de 291.382,93 euros, e depois um acordo de trabalhos a menos de 2.775.545,52 euros. Quase antes mesmo de se conseguir perceber em quanto afinal ficaria a obra, a autarquia de Águeda anularia o ‘remendado’ contrato originário de 2021, e lançaria um novo concurso para nova empreitada, mesmo depois de se ter gastado cerca de 4 milhões de euros.
Jorge Almeida, presidente da autarquia de Águeda. Gastar milhões de euros de dinheiros públicos: sim. Justificar gastos à imprensa: não.
As peripécias não terminaram. O novo concurso, que acabou por ser lançado em Julho passado com um preço-base de cerca de 4,7 milhões de euros e uma dilação do prazo de execução de mais 300 dias, teve resultados muito ‘sui generis’: houve oito empresas que se candidaram, mas seis apresentaram valores ridiculamente baixos – sendo que uma (Canas Engenharia e Construção indicou zero euros e outra, a Empribuild, apenas um euro) –, outra ainda apresentou um valor bem acima do preço-base (Embeiral, com 5,7 milhões de euros) e, por fim, a Socértima, que vinha desenvolvendo a obra, aos soluços desde 2021, apresentou uma proposta de 4,3 milhões de euros. Contudo, esta enviou a sua proposta um minuto depois do prazo. Por esse motivo, o júri do concurso excluiu todos.
E que sucedeu então?
A autarquia de Águeda sentiu-se na liberdade de seguir para um ajuste directo, convidando a Socértima para a celebração de novo contrato, que viria a ser assinado no passado dia 16 de Setembro, por 4,3 milhões de euros e um prazo de mais 300 dias. Ou seja, se tudo correr bem – o que contrariará as expectativas de uma obra que sempre esteve a correr mal –, a ‘inauguração’ será em Julho de 2025 com um preço final a rondar os 8,5 milhões de euros. Se não houver mais ajustes, claro.
O PÁGINA UM procurou esclarecimentos de Jorge Almeida, presidente social-democrata da autarquia de Águeda, mas nunca obteve reacção. Já Luís Pinho, vereador do Partido Socialista, na oposição e sem pelouro, diz que tem assumido “um papel muito cauteloso e crítico relativamente ao Mercado e ao projeto em curso”, confirmando que “a obra derrapou em valor e nos prazos, alegadamente por problemas relacionados com o projeto e as peças técnicas que o sustentavam”.
Mercado municipal de Águeda: remodelação tornou-se uma ‘obra de Santa Engrácia’.
Este vereador acrescenta que, “contudo, nunca nos foi demonstrado que tinha de ser desta forma e acima de tudo nunca foi atribuída qualquer responsabilização a quem deveria assumir os erros, se os houve”, lamentando, por isso: “nunca houve contraditório face ao que o construtor alegou e que a câmara anuiu”. “Aquilo que era um projeto caríssimo passou para o dobro com grave prejuízo do orçamento camarário”.
Neste momento, sem Mercado reabilitado, os feirantes têm aproveitado instalações provisórias desde Agosto de 2022, sendo que, de acordo com Luís Pinho, os comerciantes que se encontravam no interior do espaço antigo estão agora em contentores, com algumas queixas sobretudo na estação do calor. O vereador socialista acrescenta também que “a zona de feira (feirantes de rua) acaba por ser um espaço em torno da obra que causa alguma perturbação na distribuição dos feirantes e na circulação, mas é o espaço existente”, reforçando que, “decididamente, quem está em piores condições são os pequenos produtores agrícolas, instalados numa pequena tenda sem as mínimas condições”. E, já agora, também os contribuintes, que vão pagar o dobro do que estava inicialmente previsto. Pelo menos.
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Seria a coima mais elevada alguma vez aplicada a empresas de comunicação social. Alegadamente por o ‘homem forte’ da Media Capital, Mário Ferreira, não ter comunicado antecipadamente as negociações do controlo da TVI em 2020, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou ter havido alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. E vai daí aplicou, no ano passado, coimas unitárias de 175 mil euros à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris. Acabou tudo no tribunal de Santarém, com a juíza a considerar que o regulador não poderia usar testemunhos do procedimento oficioso na instrução do processo de contra-ordenação – um erro jurídico de amador. Resultado: a deliberação de 182 páginas que aplicou a coima está ferida de nulidade. E a prescrição do processo será a consequência.
É mais um caso absurdo com inexplicáveis erros jurídicos básicos por parte do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). As coimas milionárias aplicadas no ano passado ao empresário Mário Ferreira e à Prisa pelo negócio do controla da Media Capital, dona da TVI e da CNN Portugal, ficaram em ‘águas de bacalhau’, porque o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém declarou “nula” a decisão administrativa da ERC “por erro notório na apreciação da prova”.
Em causa, como então revelou o PÁGINA UM em primeira-mão em Julho do ano passado, estão factos que remontavam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina (actual Medialivre) – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.
Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócios, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, a cooperação das partes no sentido de procurar novos investidores que pudessem vir a adquirir a participação da Prisa, bem como a colaboração das partes com vista à perda da qualidade de sociedade aberta pela Media Capital, a financiar também pela Pluris. O acordo previa ainda o direito de a Pluris indicar um observador e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o conselho de administração da Media Capital, na proporção da sua participação.
Mário Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Media Capital, ao lado de José Eduardo Moniz, director-geral da TVI.
Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.
Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial e diversas rádios locais – entretanto vendidas em 2022 à alemã Bauer Media Group –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.
Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”
A ERC considerou então existirem “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital”, e em 15 de Outubro de 2020 determinou a abertura de um processo de contra-ordenação, após um procedimento oficioso, alegando que houvera alteração de domínio sobre um operador (de rádio e de televisão) sem a necessária autorização prévia.
Entidade Reguladora para a Cimunicação Social cometeu ‘erro básico’ e processo de contra-ordenação foi considerado ferido de nulidade.
E tomou uma decisão com ligeireza: a ERC aproveitou tanto os documentos como os depoimentos pessoais coligidos no decurso do procedimento oficioso como ‘provas’ para o processo de contra-ordenação, que, em Fevereiro do ano passado, condenaria a Prisa, a sua subsidiária Vertix e a Pluris, do empresário Mário Ferreira, ao pagamento de coimas unitárias de 175 mil euros.
O tribunal veio, porém, dizer que “o processo contra-ordenacional inicia-se com aquela participação e não com o início de algum procedimento [oficioso] que deu origem àquela participação”, salientando que “o processo contra-ordenacional não é uma longa manus do processo de averiguação para efeitos de supervisão”. E conclui que “essa extensão do processo sancionatório não está tipificada na lei, pelo que não é admissível”. Ou seja, o tribunal considerou que, na investigação e instrução do processo de contra-ordenação, seria possível ‘migrar’ documentos do procedimento, mas não testemunhos.
A ERC ainda tentou contrariar esta nulidade, cometida de uma forma incompreensível – o regulador era então presidido por Sebastião Póvoas, antigo juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça –, que repetir inquirições iria “comprometer o exercício dos seus poderes de supervisão”, mas o Tribunal de Santarém disse que o que estava em causa era exactamente o contrário. “A necessidade de repetir depoimentos ou declarações dos Arguidos não coloca, necessariamente, em causa aqueles poderes, antes os reforça, na medida em que o cumprimento das regras processuais atinentes a um processo sancionatório serve precisamente para comprovar ou não os indícios decorrentes de um processo de menores garantias para os Arguidos, como é o caso do tipo de procedimento prévio de averiguações que in casu foi adotado”.
De facto, mostra-se notório que a ERC, na generalidade das suas deliberações, mesmo naquelas sem carácter sancionatório – como as que derivam de simples queixas sobre rigor –, demonstra ligeireza de análise e, em muitos casos, um completo desconhecimento técnico e científico nas matérias em que ‘opina’.
A consequência desta decisão da juíza Vanda Miguel, do Tribunal da Concorrência de Santarém, foi tomada em Maio deste ano, mas mantida secreta pela ERC, que está obrigada, pelos seus estatutos, a divulgar o teor das sentenças ou acórdãos a si comunicadas. Teoricamente, o regulador ainda poderia sanar a nulidade – iniciando todo o procedimento contra-ordenacional –, mas seria um acto inglório, porque condenado à partida por prescrição, uma vez que os actos eventualmente ilegais terão sido praticados no ano de 2020.
Deste modo, a coima milionária, resultante de um processo de contra-ordenação com 182 páginas, tem um destino: o lixo. Ou melhor dizendo, foi fogo-de-vistas que, no final, serviu apenas para gastar papel e recursos públicos.
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Ricardo Cunha, presidente da Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, é o rosto de um novo movimento que mobilizou quase metade do contingente dos regimentos de sapadores de várias cidades numa inédita e mediática manifestação nas escadarias da Assembleia da República. Defende melhores condições salariais para uma profissão de vital importância, pela sua capacidade e treino, mas de desgaste rápido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Ricardo Cunha fala também sobre as especificidades de uma profissão que muitos ainda confundem com as actividades desempenhadas pelos bombeiros voluntários, mas cujas diferenças são abissais.
Nas grande cidades são os ‘pronto-socorro’ eficaz e 100% disponível e sem falhas, mas uma parte considerável da população ainda ignora que os bombeiros sapadores são muito distintos dos bombeiros voluntários. No início do mês, uma manifestação activa defronte à Assembleia da República, veio galvanizar as reinvidaçãoes do novel Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS), criada em 2019 para lutar pela dignidade e condições desta profissão essencial para o quotidiano e para uma eficaz política de protecção civil.
Nesta entrevista para a HORA POLÍTICA, Ricardo Cunha, presidente do SNBS, destaca as reivindicações da classe, que incluem melhorias nas condições de trabalho, aumento salarial e de subsídios de risco e ainda o reconhecimento das especificidades da profissão. Numa conversa que também se quis didáctica, este também sapador no regimento de Lisboa sublinhou também as diferenças fundamentais entre os bombeiros sapadores e os bombeiros voluntários, salientando que as exigências de formação e os critérios de seleção para os primeiros são muito mais rigorosos e profissionais.
Ricardo Cunha, presidente do Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, no PÁGINA UM.
“Para ser profissional, é preciso ter uma certa formação e um certo critério de exigência”, disse Cunha, referindo-se à formação intensiva e à seleção rigorosa que diferenciam os sapadores. Enquanto um bombeiro voluntário tem entre 250 e 350 horas de formação, um sapador passa por cerca de 1.800 horas de treino inicial, após ser submetido a testes eliminatórios em várias áreas, incluindo a psicológica, física e de cultura geral. Segundo o presidente, “ser sapador é como ser aceite em tropas especiais”, dado o nível de exigência.
Cunha lamenta o desinvestimento na carreira dos bombeiros sapadores, destacando o desgaste físico e psicológico da profissão e a falta de reconhecimento para a reforma antecipada. Uma das reivindicações centrais é a criação de uma carreira clara, que contemple um subsídio de risco adequado e que permita a aposentadoria aos 50 anos para bombeiros de base, em vez da idade actual, de 60 anos. Dizendo aos 50 anos, muitos dos sapadores já apresentam doenças incapacitantes, Ricardo Cunha destaca as dificuldades enfrentadas por profissionais de uma atividade altamente exigente e de risco constante.
Ricardo Cunha também se referiu à falta de uma escola nacional de formação específica para sapadores. Actualmente, a formação está restrita às escolas do Regimento de Lisboa e do Porto, enquanto a Escola Nacional de Bombeiros está focada principalmente nos voluntários.
O dirigente máximo do SNBS também aflorou o problema da duplicidade de funções e responsabilidades no terreno emn operações de socorro, uma vez que, por exemplo, em cidades como Lisboa, os bombeiros voluntários actuam frequentemente em situações que deveriam ser coordenadas pelos sapadores. Cunha destacou a importância do cumprimento da lei que exige que, ao chegar ao local, o comando seja passado para o bombeiro sapador presente. Esta situação tem gerado tensões entre as corporações e compromete a eficiência do socorro, diz.
Em termos de perspetivas futuras, o presidente do sindicato é categórico ao defender que o Governo deve acompanhar os pedidos dos sapadores bombeiros, que têm o apoio das autarquias, as suas empregadoras, alterando os normativos legais para dar maior dignidade a uma profissão essencial para o país. Caso contrário, admite, os protestos e manifestações continuarão, embora descarte a possibilidade de uma greve, porque só iria afectar as populações que eles servem.
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Na décima quarta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o escritor João Morgado
Antigo jornalista nascido em 1965 na Covilhã e licenciado em Comunicação Social, João Morgado abandonou as redacções há mais de duas décadas e dedicou-se sobretudo à assessoria política, tendo sido chefe de gabinete de presidentes das autarquias de Castelo Branco, de Belmonte e da sua terra natal.
No entanto, tem-se revelado principalmente através da sua multifacetada obra literária, que abrange desde romances históricos até poesia e crónicas. Destaca-se, sobretudo, com a ‘Trilogia dos Navegantes’, constituída pelos romances ‘Vera Cruz’, ‘Índias’ e ‘Fernão de Magalhães e a Ave-do-Paraíso’, além de ‘Livro do Império’, um romance biográfico de Camões.
Num estilo diferente, é também bastante conhecido, destacou-se também pela autoria da ‘Trilogia da Intimidade’, numa escrita mais intimista, constituída por ‘Diário dos Infiéis’, ‘Diário dos Imperfeitos’ e ‘Diário dos Infelizes’.
Nesta conversa com Pedro Almeida Vieira, João Morgado fala do seu percurso, tanto no jornalismo como na política, mas também da sua experiência como escritor, o impacto da sua escrita e a sua ligação ao Brasil.
João Morgado
Entre as obras patentes na Biblioteca do Página Um, João Morgado escolheu o romance ‘1640’, de Deana Barroqueiro, publicado em 2017, e o romance ‘A Lenda de Martim Regos’, de Pedro Canais, publicado originalmente em 2004, tendo também recomendado a leitura dos romances de Sérgio Luís de Carvalho e Miguel Real, no género histórico, e de Afonso Cruz.
Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de João Morgado.
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