Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    O carácter voluntário da toma das vacinas contra a covid-19 e as cláusulas de exclusão de responsabilidades em anteriores contratos dificultarão sobremaneira eventuais pedidos de indemnização por lesões e outros danos pessoais às farmacêuticas e mesmo aos Estados. O secretismo do Infarmed na divulgação dos critérios para inclusão dos eventos adversos confirmados também não ajudarão quem se considerar lesado.


    A Direcção-Geral da Saúde recusa esclarecer se o contrato das vacinas da Pfizer em crianças contém a mesma cláusula de exclusão de responsabilidade dos dois primeiros contratos assinados em 9 de Dezembro de 2020 e em 18 de Janeiro do ano passado.

    O contrato para a compra de 700 mil doses para crianças à farmacêutica norte-americana, também por ajuste directo, terá sido assinado em Novembro passado, antes mesmo da elaboração do parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), com prazos de entrega em Dezembro de 2021 e no presente mês de Janeiro, conforme anunciou o Diário de Notícias.

    Por lei, este contrato já deveria constar do Portal BASE, mas inexplicavelmente a DGS não explica a razão pela qual não o enviou para registo ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade gestora daquela base de dados da contratação pública.

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    Em todo o caso, o PÁGINA UM sabe que não houve qualquer alteração do enquadramento jurídico dos contratos das vacinas contra a covid-19, no seguimento do acordo global de compra (Advanced Purchase Agreement) assinado entre a Comissão Europeia e as diversas farmacêuticas, entre as quais a Pfizer. A partir desse acordo, cada país ficou apenas incumbido de indicar as doses e os prazos de entregas, mas sem a inclusão de quaisquer cláusulas de responsabilidade civil para as empresas produtoras das vacinas. Ou seja, em caso de problemas de saúde para quem tomar as vacinas, as farmacêuticas descartam-se do pagamento de indemnizações.

    A mesma desresponsabilização sucederá com os diversos Estados da União Europeia, como Portugal, que até agora não impuseram a vacinação obrigatória. Independentemente das pressões sociais e políticas sendo a vacinação voluntária e havendo um consentimento informado oral, assume-se que as pessoas vacinadas e os pais dos menores assumiram os riscos, pelo que quaisquer danos físicos ou não-patrimoniais nunca serão, em princípio, garantidos pelo Estado.

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    Nos dois contratos conhecidos entre a DGS e a Pfizer/BioNTech – o primeiro para a compra de 4.540.805 doses ao preço de 12 euros, em Dezembro de 2020; e o segundo para a compra de 2.220.596 doses ao preço de 15,5 euros, em Janeiro de 2021 – ficou assumido que “as circunstâncias de emergência” implicavam que o Estado português “reconhecia que a vacina, e os materiais relacionados com as vacinas, e seus compostos e materiais constituintes, estão a ser desenvolvidos rapidamente”. E, por esse motivo, “o Estado Membro Participante [o Estado português, neste caso] reconhece ainda que os efeitos a longo-prazo e a eficácia da vacina não são actualmente conhecidos.”

    Esta autêntica cláusula de exclusão de responsabilidades também se reforçava na frase seguinte do contrato, onde se refere que “o Estado Membro Participante reconhece que a vacina não deve ser serializada.”

    Mesmo sabendo-se que as vacinas têm chegado a Portugal em lotes e com número de série, a excepção expressa no contrato das vacinas contra a covid-19 – ou seja, a serialização não é assumida formalmente – pode ser outro entrave adicional a eventuais pedidos de indemnização.

    Trecho do contrato (APA) entre a Comissão Europeia e a Pfizer que desresponsabiliza a farmacêutica de pagar indemnizações civis por danos nos vacinados

    Os contratos das outras farmacêuticas, como a Moderna, não têm cláusulas de exclusão de forma tão explícita, mas remetem para o acordo (APA) feito pela Comissão Europeia.

    Em Julho do ano passado, eurodeputados da Esquerda Unitária Europeia (The Left) – que congrega o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista – salientavam num relatório que os contratos com os fabricantes das vacinas continham cláusulas que “protegiam as companhias de qualquer risco financeiro de responsabilidade civil”.

    Mesmo a eventualidade de responsabilização do Estado português necessitará da associação inequívoca entre a toma das vacinas e os danos. Nesse aspecto, será sempre necessário que o Infarmed certifique, através da farmacovigilância, a existência de uma relação directa entre a vacina e o dano, mas esta entidade tem recusado sequer informar sobre os critérios para a inclusão dos eventos adversos na sua base de dados. O Estado português pode sempre também defender-se através do carácter voluntário, e que as pessoas vacinadas tomaram uma decisão individual livre.

  • Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editorial de uma das prestigiadas revistas médicas do Mundo – a BMJ – apela para a necessidade imperiosa de serem disponibilizados dados brutos de fármacos contra a covid-19 para escrutínio independente, recordando o escândalo do Tamiflu há 13 anos. Farmacêuticas e entidades reguladoras tentam adiar esse acto.


    Três editores da prestigiada revista científica BMJ – Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi – apelaram ontem para a urgência de serem disponibilizados os dados brutos relacionados com as vacinas contra a covid-19, receando que se esteja a repetir a situação de fraude ocorrida com o Tamiflu – um antiviral produzido pela Roche contra a pandemia da gripe de 2009, que mais tarde se apurou afinal ter resultados decepcionantes.

    Num editorial extremamente crítico, os três cientistas censuram a Pfizer por não facultar os dados detalhados dos ensaios clínicos antes de Maio de 2025, acusando também de estar em conluio com outras farmacêuticas, de modo a dificultarem o acesso à informação a investigadores independentes.

    A Moderna, uma das outras produtoras de vacinas contra a covid-19, também já informou que apenas libertará dados dos ensaios clínicos em bruto a partir de finais de Outubro deste ano. No entanto, esses dados estarão apenas disponíveis “mediante solicitação e sujeitos a revisão assim que o estudo estiver concluído”. No caso dos ensaios clínicos da AstraZeneca, a farmacêutica anglo-sueca prometeu ceder informação detalhada a partir do início de 2022, mas os editores da BMJ receiam que “na verdade, a obtenção de dados pode ser lenta”. Aliás, acrescentam que o site da empresa explica que “os prazos variam de acordo com a solicitação e podem levar até um ano após o envio completo da solicitação”.

    Tamiflu foi um antiviral para combater a pandemia de 2009, que afinal se mostrou ineficaz. Portugal pagou 23 milhões de euros à Roche.

    Também os ensaios de outros fármacos associados à luta contra a covid-19 sofrem de similares males. Os relatórios publicados do estudo de fase III da farmacêutica Regeneron sobre os anticorpos monoclonais REGEN-COV afirmam taxativamente que não serão disponibilizados quaisquer dados em bruto.

    Quanto ao polémico remdesivir, comercializado pela Gilead, os editores da BMJ referem que as autoridades sanitárias norte-americanas, que co-financiaram o estudo sobre os seus efeitos contra o SARS-CoV-2, criaram um novo portal para compartilhar dados, mas com conteúdos muito limitados.

    Em suma, como avisam estes investigadores, na verdade só se encontram disponíveis as publicações científicas de autores associados às farmacêuticas, defendendo ser essa situação extremamente preocupante para “os participantes dos estudos, os investigadores, os médicos, os editores de periódicos científicos, os formuladores de políticas e o público”.

    E avisam também que esta prática de não divulgação dos dados em bruto em simultâneo com o envio e aprovação dos artigos científicos, contrariando o que é norma em Ciência, se deveu a pressões derivadas da emergência pandémica. “Os periódicos que publicaram esses estudos primários podem argumentar que enfrentaram um dilema embaraçoso, entre disponibilizar rapidamente os resultados resumidos e defender os melhores valores éticos que apoiam o acesso oportuno aos dados subjacentes”, referem os editores da BMJ, para em seguida sentenciarem: “Em nossa opinião, não há dilema; os dados anonimizados de participantes individuais de ensaios clínicos devem ser disponibilizados para escrutínio independente.”

    Estes responsáveis científicos da BMJ criticam também a postura da Food and Drug Administration – a agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos – que, após uma decisão judicial ao abrigo da liberdade de informação, apenas tem estado a libertar “ 500 páginas por mês” sobre os ensaios da Pfizer, ritmo que a manter-se levará décadas para ser concluído.

    Saliente-se, contudo, que há cerca de uma semana um juiz federal no Texas determinou que a FDA deve, até o final deste mês, tornar públicas 12.000 páginas dos dados que usou para tomar decisões sobre aprovações da vacina da Pfizer/BioNTech, e depois libertar 55.000 páginas por mês até que todas as 450.000 páginas solicitadas sejam públicas.

    Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi recordam ainda o caso do Tamiflu, um fármaco produzido pela Roche para combater a gripe H1N1, que facturou cerca de 3 mil milhões de dólares só em 2009. Afinal, relembram os editores da BMJ, o medicamento “não demonstrou reduzir o risco de complicações, internamentos hospitalares ou morte”, acrescentando que “a maioria dos ensaios que sustentaram a aprovação regulatória e o armazenamento governamental de oseltamivir (Tamiflu) foram patrocinados pelo fabricante; a maioria era inédita, os que foram publicados foram escritos por autores pagos pelo fabricante, as pessoas listadas como autores principais não tinham acesso aos dados brutos, e os académicos que solicitaram acesso aos dados para análise independente não receberam nada”.

    Saliente-se que, no caso do Tamiflu, o Estado português comprou 2,5 milhões de doses deste ineficaz antiviral, pagando 23 milhões de euros. Acabou por gastar ainda mais 6 mil euros para incinerar tudo em finais de 2018.

    Editorial integral da BMJ


    Nota: Adicionada informação sobre decisão do juiz federal às 18:40 de 21/01/2022.

  • Quatro lições sobre o caso da morte da criança vacinada (incluindo um ‘engasganço’ do Expresso), se formos todos parvos

    Quatro lições sobre o caso da morte da criança vacinada (incluindo um ‘engasganço’ do Expresso), se formos todos parvos


    Não existem 100% de certezas, mas a simples comunicação ao Infarmed de um potencial efeito adverso da vacina da Pfizer da gravidade de uma morte de criança, deveria ter levado já à suspensão da vacinação neste grupo etário.

    Não há urgência justificável para se manter um programa vacinal em crianças, ademais sabendo que no grupo dos 5 aos 11 anos ainda não morreu qualquer uma por covid-19. Além disso, em plena fase de “avalanche” de casos positivos (só ontem foram mais 56.426), a peregrina ideia de os netos poderem “proteger” os seus avós já vacinados, ainda faz menos sentido. Na verdade, pelos números de infectados com menos de 20 anos disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde (164.262 casos positivos nos menores de 10 anos; e 236.844 no grupo dos 10 aos 19 anos), estimo que quase 130 mil crianças dos 5 aos 11 anos já tiveram contacto com o vírus desde o início da pandemia. Zero mortes em 130 mil casos. Onde está a urgência?

    Após a autópsia da malograda criança, e antes mesmo de qualquer certeza que os exames toxicológicos e anatómicos tragam, há já quatro lições a retirar:

    1 – A pergunta retórica e demagógica do vice-almirante Gouveia e Melo – “Uma hora de vida de um idoso é menos importante do que uma hora de vida de um jovem?” – deveria ter tido uma resposta unânime: “Sim”.

    “Uma hora de vida de um idoso é menos importante do que uma hora de vida de um jovem?” Sim.

    A vida de um jovem, de uma criança, tem um valor incomensuravelmente superior à de um idoso, porque com a sua perda se desmoronam esperanças, sonhos e experiências que os mais velhos tiveram oportunidade de usufruir. A solidariedade intergeracional faz uma sociedade ser civilizada. Aliás, muitos dos problemas ambientais com que nos deparamos (e não são somente as alterações climáticas) advêm da ausência de solidariedade entre gerações, entre os velhos perante os jovens, entre os políticos que decidem em relação ao futuro das crianças que não têm ainda voto na matéria.

    Sim: as crianças merecem mais horas de vida do que um idoso.

    Notícia do Expresso de 18 de Janeiro de 2022, colocando a “hipótese# de “poder ter sido” um engasgamento a causa da morte da criança

    A resposta do vice-almirante foi possível, e elogiada, porque vivemos na era do populismo. E esse populismo enraizou-se porque se coloca tudo numa visão maniqueísta de escolha de um lado ou de outro. Recordo, aliás, uma frase do ex-presidente Ramalho Eanes, por sinal outro militar, no início da pandemia: “Se necessário, [nós, os idosos] oferecemos o ventilador ao homem que tem mulher e filhos”. Parecendo postura heróica, na altura pensei que um país decente não poderia permitir que um idoso tivesse necessidade de oferecer a vida para salvar um jovem; um país decente deveria salvar ambos.

    2 – A comunicação social, com excepção do Correio da Manhã (saliente-se), enveredou sempre, em relação ao fatídico caso da criança, por uma tese desculpabilizante do Governo, da Direcção-Geral da Saúde e dos membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).

    Na verdade, independentemente da causa da morte desta criança ser atribuída à vacina, andaremos sempre sob uma espada de Dâmocles: o programa de vacinação destinada às crianças portuguesas dos 5 aos 11 anos não conseguirá salvar uma vida sequer pelo simples facto de, em quase dois anos, não morreu nenhuma. Por isso, qualquer morte por causa da vacina colocará logo o programa de vacinação numa situação de ser pior a cura do que a doença. E isto é insustentável. Não tem “margem de manobra”, ao contrário do que sucede com os mais idosos, onde a letalidade elevada da covid-19 pode “encaixar” perdas colaterais devidas à vacina.

    3 – O trabalho de certos jornalistas da imprensa mainstream mostrou-se, mais uma vez, em todo o seu esplendoroso servilismo. A extraordinária notícia do Expresso de anteontem – elaborada por uma jornalista que não é naif, porque escreve sobre assuntos de Saúde há mais de 20 anos –, sob o título “Engasgamento com comida ou objeto pode ter sido causa da morte de menino de seis anos”, foi um atirar de areia para olhos da opinião pública. Hoje o “pode ter sido” serve para tudo. Teve este artigo, porém, o desejado objectivo de lançar a confusão necessária para que o Governo e, em particular, o Partido Socialista evitassem sequer ter de prestar declarações. Ajudou também uma campanha eleitoral em que a pandemia se mostra tema tabu, como se aquela não se tivesse embutido nas nossas vidas nos últimos dois anos.

    Notícia da RTP “desmentindo” posteriormente a notícia do Expresso.

    Vamos ser claros, e sem ingenuidades: alguém acredita que, se a tese do engasgamento fosse plausível, os médicos que assistiram a criança teriam sido assim tão lestos a informarem o Infarmed sobre um potencial efeito adverso da vacina? Será que um jornalista com dois dedos de testa não saberá que, ao longo de um ano, já morreram largas dezenas de pessoas, sobretudo idosas, que tinham sido vacinadas, mas cujos óbitos, na sua quase totalidade, facilmente se atribuiu a outras causas (que não as vacinas)?

    Agora, mesmo com o desmentido do próprio Hospital de Santa Maria, como só haverá conclusões sobre a causa da morte da malograda criança daqui a um mês, o “serviço” do Expresso foi consumado com sucesso. Parabéns!

    4 – Pela postura de certos especialistas, e em particular da Ordem dos Médicos – que apelou para “que se mantenha a serenidade que uma situação destas exige” e que é “necessário aguardar pelas conclusões da equipa forense, nomeadamente pelos resultados da autópsia médico-legal e potenciais exames toxicológicos” –, fica-se com a perfeita noção da dissonância cognitiva dos gestores da pandemia.

    Note-se que, no caso das mortes contabilizadas pela pandemia, a Direcção-Geral da Saúde sempre tudo contabilizou: pessoas com ataques cardíacos, AVC, quedas de cama, suicídios, acidentes rodoviários e outras bizarrices, se tivessem um teste positivo as suas mortes foram catalogadas automaticamente, e sem qualquer dúvida, por covid-19. Existe mesmo uma norma que determina que em lares com surtos as mortes sejam sempre classificadas como causadas pelo SARS-CoV-2 até prova em contrária. Como não houve autópsias, nunca essa prova contrária surgiu.

    Saliente-se também que, nos casos de miocardites ou da síndrome inflamatória multissistémica – que já existiam antes da pandemia –, os mesmos especialistas não têm dúvidas de estas raras afecções estarem associadas à covid-19 no caso de crianças com teste positivo anterior, mas já colocam reticências sempre que surjam após a toma da vacina.

    Estas são as tristes lições que temos de aprender. Se formos todos parvos.

  • Vacina reduziu mortes, mas Reino Unido enfrenta “pandemia de vacinados”

    Vacina reduziu mortes, mas Reino Unido enfrenta “pandemia de vacinados”

    A mais recente vaga de casos positivos de covid-19, muito superior às anteriores, está a causar constrangimentos económicos e de logística nunca vistos. Se a vacina mostra fortes sinais de reduzir significativamente o risco de hospitalização e de morte, sobretudo nos mais idosos, o SARS-CoV-2 está, paradoxalmente, a “entrar” mais facilmente na comunidade vacinada, mesmo usando valores padronizados. Existem várias explicações para este aparente paradoxo, segundo um relatório da Agência de Saúde Sanitária do Reino Unido. Uma delas é tema tabu em Portugal, e a Direcção-Geral da Saúde recusa dar informações ao PÁGINA UM: a imunidade natural dos recuperados – que integram muitos dos não-vacinados – poderá ser afinal muito superior à imunidade vacinal.


    É um dos paradoxos do momento: com 71% da população vacinada e mais de 54% com dose de reforço, o Reino Unido está a enfrentar uma vaga avassaladora de casos positivos de covid-19 – e essa variável está a contribuir para uma significativa queda da mortalidade –, mas a “culpa” parece ser afinal dos vacinados que apresentam incidências muito superiores aos dos não-vacinados. A situação deverá ser idêntica em outros países. Em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde nunca divulga dados sobre estas matérias, embora constem do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE).

    Apesar desta situação não beliscar os benefícios da vacinação na população mais idosa – cuja taxa de mortalidade nos maiores de 80 anos vacinados é de apenas 20% face à dos não-vacinados do mesmo grupo etário –, em causa estará um dos benefícios da vacina prometidos pelas farmacêuticas: uma maior protecção contra a infecção, mesmo em recuperados.

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    Recorde-se que a recente vaga de infecções, sobretudo no Hemisfério Norte, tem colocado uma pressão suplementar na gestão logística e económica da pandemia, com cada vez mais pessoas a serem obrigadas a confinamento por causa de testes positivos, mesmo os assintomáticos. Por exemplo, o Reino Unido conta, neste momento, com cerca de 3,6 milhões de casos activos, representando 5,5% do total da população. Este valor é cerca do dobro do pico registado em Janeiro do ano passado. Em Portugal, há um ano, cerca de 1,4% da população estava como “caso activo”; agora são 3,5% (356.477 pessoas).

    A última actualização do relatório periódico da Agência de Saúde Sanitária (ASS) do Reino Unido – um dos mais completos e transparentes sistemas mundiais de gestão da pandemia – revela que o grupo populacional que mais tem contribuído para esta vaga explosiva de casos é, afinal, o dos vacinados.

    A entidade estatal do Reino Unido apresenta, no seu relatório de vigilância epidemiológica, vários indicadores relacionados com o número de casos, hospitalizações e mortes por covid-19, tanto estratificados por idades como também por estado vacinal. E mostra agora que, no caso da incidência, os vacinados estão em larga maioria, tanto em número – compreensível porque são mais –, mas também em termos relativos ou padronizados – isto é, em casos no grupo em relação à totalidade de pessoas do grupo. A situação evidencia-se especialmente na população adulta activa.

    De facto, nos menores de 18 anos, a incidência dos não-vacinados ainda é superior à dos vacinados (3.376 por 100.000 pessoas vs. 2.357), mas inverte-se, de forma evidente, nos grupos etários mais velhos. Nos jovens adultos (18-29 anos), a incidência nos vacinados chega a ser praticamente o dobro face à nos não-vacinados. Nos grupos etários seguintes (30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos e 60-69 anos), as incidências nos vacinados são ainda superiores: mais 133%, mais 145%, mais 127% e mais 110%, respectivamente.

    Incidência cumulativa bruta no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Este crescimento em grupos etários até aos 70 anos – que representaram mais de 75% da população do Reino Unido – justifica, só por si, o aumento galopante dos casos activos, embora sem reflexo em termos de mortalidade. Isto porque a vulnerabilidade à doença na população adulta em idade activa sempre foi bastante baixa mesmo antes da criação das vacinas.

    No caso dos maiores de 70 anos, a incidência nos vacinados continua a ser superior à dos não-vacinados, mas em dimensão menor: mais 82% no grupo dos 70 aos 79 anos, e mais 31% nos maiores de 80 anos.

    A ASS do Reino Unido salienta que, na base desta surpreendente discrepância, estará o facto de “as pessoas totalmente vacinadas estarem mais preocupadas com a saúde e, portanto, estando mais propensas a realizar o teste para a covid-19, acabarem por ser mais identificadas” quando estão infectadas. Esta justificação não deixa de ser curiosa, porque significaria então que a comunidade vacinada aparenta não confiar demasiado na eficácia das vacinas na sua protecção.

    A mesma entidade defende que a diferença da incidência se possa dever, para além de condicionalismos de idade e ocupação, também à sua maior exposição, ou seja, “as pessoas vacinadas e não-vacinadas podem comportar-se de maneira diferente, especialmente no que respeita às interacções sociais”.

    Por fim, last but not the least, o organismo britânico considera que, entre os não-vacinados, estarão pessoas recuperadas que não se vacinaram, mas que apresentam “imunidade natural ao vírus”. Ou seja, esta entidade acaba por admitir implicitamente que a imunidade natural, pelo menos no que diz respeito à (re)infecção, será superior à vacinal.

    Taxa bruta de mortalidade por covid-19 no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Apesar desta vaga de casos, a mortalidade total atribuída à covid-19 tem estado, quase na generalidade da Europa, em nível relativamente baixo para um Inverno anterior à pandemia. No Reino Unido, o registo de óbitos diário (em média móvel de 7 dias) situava-se nos 273 em 17 de Janeiro, correspondente a cerca de 40 óbitos em Portugal. Este valor é um quarto (24%) do valor homólogo em 2021.

    Segundo o último relatório da ASS do Reino Unido, actualizado ontem, a mortalidade mostra-se bastante mais baixa nos vacinados em relação aos não-vacinados, embora de forma bastante diferenciada em função da idade. No período entre 13 de Dezembro de 2021 e 3 de Janeiro deste ano, de acordo com este relatório, a taxa de mortalidade por covid-19 (ao fim de 60 dias) era de 54,3 óbitos por 100.000 pessoas vacinadas, enquanto a dos não-vacinados do mesmo grupo etário se situava em 262,2, ou seja, quase cinco vezes mais.

    A proporção nos grupos etários inferiores é sensivelmente idêntica, mas pouco relevante se se usar, em vez da unidade “por 100.000 habitantes”, a mais usual percentagem (por 100 habitantes). Nesse caso, o risco de morte de pessoas na faixa etária dos 30 aos 39 anos foi, no período em análise, de apenas 0,0005% se vacinada, e de 0,0017% para os não-vacinados do mesmo grupo etário.

    No caso dos jovens adultos dos 18 aos 29 anos, as percentagens são, respectivamente, de 0.0001% e 0,0006%. Ou seja, o risco sobe seis vezes, mas mantém-se muitíssimo baixo. No caso dos menores de idade, nenhum jovem vacinado morreu (0,0%) no período em análise, enquanto a taxa de mortalidade para os não-vacinados foi de 0,0001%.

    Taxa bruta de hospitalização por covid-19 no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Em relação às hospitalizações, o relatório da ASS mostra também uma menor necessidade nos vacinados, mas, mais uma vez, essa diferença só é relevante nos mais idosos – e também mais vulneráveis à doença. Para as pessoas com mais de 80 anos, o rácio de internamentos dos vacinados foi de 88,7 por 100.000, enquanto o dos não-vacinados se situou em quase 263.

    Esta diferença também se apresenta significativa nos grupos etários entre os 50 e 79 anos, com o risco de internamento a ser cerca de cinco vezes superior nos não-vacinados face aos vacinados.

    Essa proporção mantém-se até nos menores de idade, mas com um aspecto relevante: nestas idades o risco de internamento é incomensuravelmente inferior ao dos mais idosos. O risco de hospitalização por covid-19 num vacinado com mais de 80 anos é oito vezes superior ao de um menor não-vacinado, o que confirma, mais uma vez, que a covid-19 não constitui um problema com relevância em idades pediátricas.

  • O Conselho Deontológico do SJ (agora) como arma de condicionamento da liberdade de expressão e da independência do jornalismo

    O Conselho Deontológico do SJ (agora) como arma de condicionamento da liberdade de expressão e da independência do jornalismo


    O senhor Filipe Caetano é membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (SJ). O senhor Filipe Caetano (CP 2797) é também editor da secção Internacional da CNN Portugal (e antes da TVI). A CNN Portugal, como se sabe, mimoseou-me com vários epítetos, e fez uma escabrosa notícia difamatória sobre o PÁGINA UM em 23 de Dezembro passado.

    Ora, hoje recebo um e-mail do senhor Filipe Caetano, em nome do Conselho Deontológico do SJ (ver conteúdo integral em baixo), informando-me que estão a “analisar uma situação que o envolve relativa à eventual violação do Código Deontológico de Jornalista” (sic).

    O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e circunstancialmente membro do Conselho Deontológico do SJ, não identifica o queixoso nem sequer identifica um único artigo ou opinião por mim publicado como jornalista no PÁGINA UM.

    Filipe Caetano (à esquerda, sem máscara, no interior de um edifício), editor da CNN Portugal e membro do Conselho Deontológico do SJ, em entrevista de trabalho com Gouveia e Melo, transmitida em 15 de Dezembro de 2021.

    O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, diz apenas que “a queixa está relacionada com a alegada mistura entre factos e opinião”, acrescentando ainda, sob a forma de afirmação sua, que “tanto na sua conta aberta no Facebook (nas publicações relativas a promoção de notícias), como no site ‘Página Um’, existem considerações em textos que aparentam ser noticiosos.”

    O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, nem sequer mostra respeito pelo PÁGINA UM, que não é um site; é um jornal digital, um órgão de comunicação social.

    E opina ainda o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, que esse “ponto é essencial”. Depois, envia-me duas questões, onde subjaz já a sua opinião.

    O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, só pode ser um brincalhão, porque também me envia, em anexo, “os elementos servidos como exemplo pelo queixoso”. O ignoto queixoso, acrescento eu. E elementos de uma queixa, cujo conteúdo ele próprio “decepa”, não a divulgando na íntegra.

    E que elementos são esses enviados pelo senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, que, na minha prática jornalística, como jornalista e director do PÁGINA UM, são susceptíveis de caírem na alçada de um Conselho Deontológico?

    Ora, pasmem-se! O senhor Filipe Caetano, editor da CNN e et cetera, envia-me:

    Primeiro “elemento” do processo do Conselho Deontológico, que é um abaixo-assinado de profissionais de saúde

    1 – Um trecho de um texto do qual nem sequer sou eu o autor. Na verdade, é um extracto de um abaixo assinado de médicos e outros profissionais de saúde, publicado originalmente no jornal Público em 8 de Julho do ano passado. Entre os subscritores estão, por exemplo, os médicos Germano de Sousa (antigo bastonário da Ordem dos Médicos), Jorge Torgal e António Ferreira, e outros catedráticos de faculdades de Medicina, e ainda a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins. Esse abaixo-assinado critica, aliás, a gestão da pandemia.

    Por que carga de água me foi esse elemento enviado, ignoro. O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, lá deve ter tido as suas razões. Deduzo que não é incompetente nem age de má-fé, mas isso não lhe retira pelo menos a parvoíce.

    2 – Dois trechos de posts da minha página pessoal do Facebook – repito, da minha página pessoal – em que abordo questões relacionadas com o Doutor Gustavo Carona, uma das quais uma crítica à não resposta de um requerimento que fizera ao presidente do Conselho de Administração do Hospital Pedro Hispano.

    Por que carga de água o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, acha que o seu Conselho Deontológico deve analisar textos pessoais no Facebook, onde nem sequer me identifico como jornalista, ignoro.

    Sei sim – e não posso ignorar – que eu e o PÁGINA UM temos incomodado muita gente, incluindo muitos jornalistas que, rasgando princípios éticos e deontológicos, têm andado a mercadejar o jornalismo, com parcerias comerciais escabrosas, com promiscuidades asquerosas, e com enviesamentos perniciosos. Sobre isto o senhor Filipe Caetano e o Conselho Deontológico do SJ não se debruçam.

    Fui, e tenho orgulho dessa função, membro do Conselho Deontológico do SJ (2007-2008). Nunca imaginaria sequer poder-se abrir um processo de averiguação sem revelar ao requerido quem era o queixoso, e sem lhe enviar o conteúdo integral da queixa e os pressupostos subjacentes.

    Não tenho a mínima dúvida das intenções mais do que evidenciadas do senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, quando me escreve o seu e-mail. Ele nem sequer identifica as falhas, ele alega que existem alegados delitos, sem expor o corpo do delito, sem sequer identificar onde está o delito.

    Segundo “elemento” do processo do Conselho Deontológico: um post do Facebook.

    Pode o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, desejar ardentemente censurar o meu trabalho de jornalista – para assim arvorar a censura numa estaca para glória dos “seus”, como se fazia antes com as cabeças decepadas dos criminosos. Mas se é o quer fazer, pelo menos tente dar uma ideia que o faz bem, mostrando na aparência que eu me porto mal. Que procure ele, pelo menos fazer as “coisas” aparentando umas réstias de decência.

    Que vá ele buscar, sim, artigos noticiosos e artigos de opinião da minha autoria no PÁGINA UM – e, então, sim, se necessário for, invente, fabule, engendre ou forje umas quaisquer violações ao Código Deontológico dos Jornalistas.

    Fora disso, é tontice. Como mostra querer fazer – com “elementos” do quilate de um texto que nem sequer é da minha autoria, e com dois posts de Facebook –, apenas conspurcará o Conselho Deontológico do SJ e o passado da classe jornalística.

    A Inquisição, saiba o Conselho Deontológico do SJ, já acabou no início do século XIX.

    E, além disto, o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, em vez de me chatear com a ameaça de uma censura do Conselho Deontológico do SJ (por causa de textos no meu mural pessoal do Facebook), pode ir fazer mais umas entrevistas fofinhas, com máscara ou sem máscara – como a que realizou recentemente ao vice-almirante Gouveia e Melo, em Dezembro passado, e onde lhe perguntou como ele “lida (..) no seu dia-a-dia” com o “facto de ser considerado um herói nacional”. Isso sim, para o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, será, por certo, fazer bom jornalismo. Para mim, não é. E isto é a minha opinião. E também um facto. E dos verdadeiros.


    E-mail integral enviado pelo senhor Filipe Caetano

    Caro Pedro Almeida Vieira,

    O meu nome é Filipe Caetano e sou um dos elementos do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas. Fomos recentemente contactados para analisar uma situação que o envolve relativa à eventual violação do Código Deontológico de Jornalista.

    Terceiro “elemento” do processo do Conselho Deontológico: um post do Facebook.

    A queixa está relacionada com a alegada mistura entre factos e opinião, e por isso é relevante dar-lhe oportunidade de responder a estas questões, para que fique totalmente esclarecida a situação. Em várias das suas publicações, tanto na sua conta aberta no Facebook (nas publicações relativas a promoção de notícias), como no site “Página Um”, existem considerações em textos que aparentam ser noticiosos.

    Este ponto é essencial, considerando o artigo 1 do Código Deontológico: “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público”.

    Enviamos em anexo os elementos servidos como exemplo pelo queixoso e fazemos as seguintes questões:

    • Considerando que nas suas publicações invoca o seu estatuto de jornalista, procura separar as suas publicações entre notícia e opinião?
    • A eventual mistura entre opinião vs factos poderá gerar no leitor alguma confusão, afastando-se da veracidade dos factos. Como procura atenuar ou eliminar essa eventual confusão, tendo em consideração o artigo 2 do Código Deontológico (“O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais”)?

    Estamos dispostos a mais esclarecimentos e abertos às suas respostas, cientes da importância do trabalho jornalístico, com o rigor e isenção, correspondente ao Código que nos orienta.

    Atenciosamente,

    Filipe Caetano

  • Eu e a covid-19: como sobrevivi e a minha aventura nos meandros burocráticos da obscura negligência

    Eu e a covid-19: como sobrevivi e a minha aventura nos meandros burocráticos da obscura negligência


    Consta por aí, pelos mentideros – palavra castelhana que significa lugar onde se agrupam pessoas para conversar, mas que aportuguesando passa a ser sítio onde se propagam boatos e mentiras –, que sou negacionista da covid-19. Basicamente – e, nessa querela, jamais interessa dirimir argumentos, porque os epítetos servem para rechaçar o debate –, porque sempre contestei a estratégia de gestão da pandemia; sempre defendi que a gravidade da doença dependia de diversas variáveis – sendo a idade, o sexo (mulheres mais fortes) e certas morbilidades as principais – e que, nessa linha, face às características, “juventude” e limitações das vacinas, os programas de inoculação deveriam depender da necessária ponderação entre precaução, risco, benefício e incerteza.

    Em seriedade – que hoje, num mundo maniqueísta, já é palavra vã –, ninguém jamais me poderia acusar de negacionismo. Mas acusaram. E muito menos depois de Junho do ano passado. Mas acusam. E mesmo depois daquilo que estou a escrever, também me acusarão.

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    Pois bem, que seja.

    Talvez seja o meu segredo mais mal guardado – porque nunca neguei nem nunca confirmei, embora ainda há poucos dias falei en passant –, mas é mesmo verdade: já tive covid-19. Não é algo surpreendente: se considerarmos apenas os casos positivos, já foi atingida quase 20% da população portuguesa. Presumo, pelo que foram mostrando algumas estimativas com base em estudos serológicos, que poucos serão hoje os portugueses ainda “virgens”.

    Enfim, mas apanhei mesmo: foi no ano passado, em finais de Maio.

    Não estava vacinado.

    Nessa altura, não tinham ainda chamado as pessoas da minha idade (51 anos).

    Não vou ser hipócrita: não ponderava vacinar-me.

    Não por negar os benefícios das vacinas em geral, nem por não defender que podem ser uma das “ferramentas” de combate, sobretudo nas populações mais idosas, em função de uma análise risco-benefício.

    Para o meu caso em concreto, baseava-me então numa livre escolha de base científica e probabilística, tendo ademais em consideração a impossibilidade de imunidade de grupo, a incerteza sobre efeitos adversos a longo prazo da vacina. Conhecia, além disso, com detalhe, o “perfil” da doença, e não me considerava com comorbilidades relevantes, excepto ser ex-fumador (com sete anos de abstinência) e estar com um pouco de colesterol em excesso (efeitos da sedentarização pandémica).

    Como sempre tive acesso a informação relevante, sabia que das cerca de 5.100 pessoas da minha idade que tinham apanhado covid-19, desde o início da pandemia até Maio de 2021, 10% tinham necessitado de internamento (510) – embora em muitos casos por causa de outras maleitas – e 0,6% acabaram por falecer (31).

    Não se pense que é valor demasiado elevado: o quociente de mortalidade (por todas as causas) de homens da minha idade é, segundo o Instituto Nacional de Estatística, de quase 0,52%, ou seja, o risco de morte no prazo de um ano é de 1 em 200. Tem de se saber viver com esse risco – e felizes os que vivem sem o conhecer. Se se considerar a população masculina da minha idade (cerca de 70 mil homens), então a taxa de mortalidade por covid-19 afigurava-se bastante reduzida: 31 homens caídos em cerca de 70 mil dá apenas 0,044%.

    depth of field photography of man playing chess

    Enfim, o melhor que se pode fazer, nestes casos, é tentar não estar do lado dos mais vulneráveis – cuidando da saúde o melhor possível sem demasiados pecadilhos – e ter algumas precauções para evitar os azares da vida.

    Enfim, mas apanhei com o SARS-CoV-2 antes de ter de tomar a decisão, pelo que o meu desfecho seria, presumo, igual em qualquer dos casos.

    Terei, pelo que desconfio, sido infectado em finais de Maio, pois comecei com sintomas em 2 de Junho. Ao dia 4 telefonei para o SNS24, desconfiando da maleita. Porém, como mantive olfacto e paladar, descartaram a possibilidade de ser covid-19. Ben-u-ron para cima. Não passou. Entretanto, era 6 de Junho e já não podia em mim – com dores, alguma tosse e um quadro de alguma confusão –, e veio por fim a confirmação de um caso positivo de amigo próximo, com quem estivera. Novo telefonema para o SNS24, marcação de testes para o dia seguinte. Da Rua de São Lázaro, no centro de testagem, já nem fui a pé para o Hospital de São José.

    Só em 7 de Julho, salvo erro, regressei à vida civil, depois de estadia para o Hospital Curry Cabral – onde até escrevi posts sem me recordar como –, regresso ao Hospital de São José, para cuidados especiais, e uma última passagem, já em recuperação, no Hospital dos Capuchos. Só praticamente nesta última unidade de saúde recuperei completa consciência de mim. Dos outros dias, apenas vos posso dizer que fiquei com experiências entre o terrífico e surreal. Não guardo dores nem traumas; pelo contrário. Se tivesse partido, seguia sem dores.

    Segundo consta, nos momentos de consciência, entre a lucidez e a loucura, portei-me mal e bem, agradeci e maldisse muita gente que me tratava, fiquei com a plena consciência que quem faz mexer os hospitais são os enfermeiras e enfermeiros, bem como os auxiliares. Médicos vi-os pouco, mesmo sabendo que muitos contribuíram para me salvar.

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    Salvaram-me todos da covid-19?

    Sim, oficialmente, sim. Se tivesse morrido, seria essa a causa do meu certificado de óbito.

    Porém, do hospital público teriam, porventura, esquecido de informar a minha família e amigos que, ao 11º dia de internamento (e ao 16º dia de infecção), me descobriram uma pneumonia bacteriana causada por Staphylococcus aureus. Foi infecção nosocomial, mas, não sendo incomum, ainda hoje pergunto porque demoraram tanto tempo a fazer análises a outras tantas coisas para saber a razão do agravamento do meu estado de saúde.

    Do hospital público também teriam, porventura, esquecido de informar a minha família e amigos que um médico interno (estagiário), não devidamente supervisionado, se esqueceu de retirar o fio-guia do cateter quando aplicou a técnica de Seldinger, nem notou que não o tinha nos “despojos”, e assim andei – ou deitado estive – com o dito literalmente enrodilhado entre aurículo e ventrículo por meia dúzia de dias, até que um TAC ao coração o detectou, e um excelente médico de intervenção do Hospital de Santa Marta o lá foi buscar sem necessidade de me abrir. Pelo que soube muito mais tarde, fui um dos dois desafortunados em 10.000 pacientes que já ficaram com um fio-guia do cateter a passear-se pelo interior do coração.

    Enfim, não estou aqui a escrever para me queixar de erros médicos – que os há, e muitos que os sofrem nem podem escrever já sobre eles –, porque estes, a terem existido no meu caso, não foram suficientes para se sobreporem aos bons procedimentos clínicos ministrados, de sorte que, aqui estou, ainda por cima sem long covid, contrariando as “estatísticas” do Doutor Filipe Froes.

    Estou aqui, sim, a queixar-me porque, na verdade, o Estado – na pessoa da presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central Rosa Matos Zorrinho, que até já foi secretária de Estado da Saúde (2017-2018), e é casada com o eurodeputado socialista – acha que não tem nada que me disponibilizar os meus dados clínicos nem assumir quem e como me foram prestados cuidados médicos em unidades do Serviço Nacional de Saúde.

    Faço este relato, porque considero inadmissível esta postura. Diria mesmo criminosa, de ocultação.

    E faço esta denúncia porque desconfio ser esta uma prática comum de encobrimento de actos de negligência médica, que funcionam sobretudo se os visados não conhecem os mecanismos de defesa dos seus direitos.

    Vamos então relatar como se tem portado o CHULC, e mais a sua principal responsável, em relação à cedência de informação que me pertence por direito.

    Fiz um primeiro requerimento à CHULC em 15 de Julho de 2021, solicitando cópia de todos procedimentos médicos com “indicação precisa em termos cronológicos”.

    No dia seguinte, o CHULC envia um e-mail para que preencha um formulário, onde me exigem que preencha um formulário em que indique o “destino da informação”. Uma das opções seria “Processo Judicial”. Respondo que não tenho de justificar o motivo para aceder aos meus dados clínicos, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.

    Enrolaram. Não me deram os dados requeridos. Apenas a nota de alta, que nada refere em concreto sobre o que se passara durante o internamento.

    Apresento queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos em 9 de Agosto.

    Por pressão da CADA, o CHULC enviou alguns documentos, mas em linguagem quase sempre codificada, e sem referir pormenores identificativos dos intervenientes do famigerado fio-guia no coração. Mesmo sobre a infecção nosocomial, muito pouco ou quase nada.

    Volto a insistir com a CADA, informando que a informação está absolutamente incompleta.

    Finalmente, no dia 20 de Dezembro – quase quatro meses e meio depois da minha queixa –, a CADA concedeu o seu parecer sobre o meu caso, referindo que “deverá a entidade requerida [CHULC] facultar a informação solicitada existente que esteja por facultar”, e acrescentando que isso deveria ser comunicado “no prazo de 10 dias”.

    Que fez o CHULC e a sua presidente do Conselho de Administração?

    Nada! Ainda.

    Um país decente, ou não, vê-se pela forma como trata estes “pormenores”.

    Seguem-se, em breve, mais capítulos, mas por aqui se entende as razões para a culpa em Portugal morrer tantas vezes solteira.


    P.S. Em breve saberão quais foram os motivos para nunca ter usado o certificado digital de recuperado e porque não me vacinei entretanto. Não foi por negacionismo; foi por Ciência.

  • Da vacinação das crianças, dos nomes, das responsabilidades e da única opção do Governo

    Da vacinação das crianças, dos nomes, das responsabilidades e da única opção do Governo


    Ana Maria Azevedo Vasconcelos Correia é médica de Saúde Pública e directora da delegação do Porto do Instituto Nacional de Saúde Pública. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.

    António Carlos Megre Eugénio Sarmento é médico, professor da Faculdade de Medicina do Porto e director do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de São João. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Diana Raquel da Silva Costa é farmacêutica e investigadora da Nova SBE – Health Economics & Management Knowledge Center. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    João Pedro Fidalgo Rocha é farmacêutico e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.

    Luís Ricardo Simões da Silva Graça é médico imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Luísa Maria Duarte Sousa Rocha Vaz é médica e coordenadora da Unidade de Saúde Familiar da Cova da Piedade. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Maria de Fátima Vieira Ventura é farmacêutica, professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e membro da Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Maria Lurdes Silva é enfermeira, investigadora coordenadora do Instituto Nacional de Saúde e professora convidada da Universidade do Porto. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Marta Valente Pinto é médica e assistente de pediatria no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Manuel do Carmo Gomes é biólogo e professor do Departamento de Biologia vegetal da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.

    Raquel Margarida Mendes Ribeiro Nunes Guiomar Moreira é virologista e Responsável pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe do Instituto Nacional de Saúde (INSA). É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Teresa Maria Alves Fernandes é bióloga, técnica superior da Direcção-Geral da Saúde e coordenadora do Programa Nacional de Vacinação. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.

    Válter Bruno Ribeiro Fonseca é médico, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e director do Departamento de Qualidade da Saúde da Direcção-Geral da Saúde. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 a crianças dos 5 aos 11 anos.

    Estes são os 13 nomes que integram a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).

    man in blue and red polo shirt holding a pen and a brown bear plush toy

    Relembremos que o seu parecer, assinado em 10 de Dezembro de 2021, considerou, “com base nos dados disponíveis, que a avaliação de risco-benefício é favorável à vacinação universal das crianças com 5 a 11 anos”, conforme página 27.

    Foi este o parecer desejado pela Direcção-Geral da Saúde.

    Foi este o parecer desejado pelo Governo.

    Foi este o parecer desejado pela imprensa mainstream.

    Antecedendo este parecer, um grupo de pediatras elaborara em 2 de Dezembro um outro parecer no qual recomendava “ser prudente aguardar por mais evidência científica antes de ser tomada uma decisão final de vacinação universal deste grupo etário.”

    O parecer da CTVC referia dois aspectos fundamentais sobre quais eram os “dados disponíveis” sobre o impacte da covid-19 e sobre o impacte das vacinas contra a covid-19 nas crianças, a saber:

    a) “Um estudo em crianças inglesas com PCR positiva para SARS-COV-2 estimou uma taxa de mortalidade devido a infeção por SARS-CoV-2 em 2 óbitos por milhão, sendo que de todas as crianças que testaram positivo para SARS-COV-2, 99.995% sobreviveram, estando de acordo com os dados reportados noutros países”, conforme página 7.

    b) “Os riscos, a longo prazo, associados à administração da vacina, nas idades 5-11 anos, não são ainda definitivamente conhecidos”, conforme página 18.

    Como referi em artigo publicado em 12 de Dezembro, a CTCV baseou a recomendação para vacinação universal de crianças entre os 5 e os 11 anos apenas em estudos de avaliação a curto prazo em adolescentes e jovens adultos, mas que nem sequer estavam publicados ou revistos pelos pares (peer review). Ou seja, nem avaliação de curto prazo tinham.

    Extracto do parecer da CTVC que confessa o desconhecimento dos efeitos da vacina em crianças a longo prazo.

    Recorde-se também que o PÁGINA UM revelou, em notícia exclusiva em 7 de Janeiro passado, que, nos primeiros 15 meses da pandemia, quatro em cada 10 menores hospitalizados com covid-19 foram internados por outras causas.

    Até à data do avanço do programa de vacinação de crianças entre os 5 e os 11 anos, nenhuma tinha morrido por esta doença. Todos os três menores de idade que tinha falecido – um com 4 anos e dois com menos de 1 ano – sofriam de gravíssimas comorbilidades. No caso dos recém-nascidos seria até muito duvidoso que sobrevivessem mesmo sem covid-19.

    Estes eram, repito, os “dados disponíveis”. Os médicos e os técnicos que compõem a CTVC fizeram um parecer político, rasgando todos os princípios da prudência e da deontologia. Venderam os seus princípios – se é que os tinham – por um punhado de reconhecimento das autoridades.

    Trocaram zero mortes por uma incerteza, que agora aparenta ser uma certeza: a morte de uma criança.

    Pode ser pouco, mas mostra sobretudo que, em tempos de Ciência, afinal se escreve um parecer que nada teve de científico. Foi político. “Que se tenha noção” que alguns dos membros desta CTVC são professores universitários e que escreveram um parecer e tiraram conclusões que envergonhariam, e chumbariam, um aluno universitário.

    E que ficou agora manchado com sangue.

    Esperemos que seja apenas uma.

    E que essa morte sirva para cada um destes membros reflictam sobre o próximo parecer, ou frete, que lhe encomendarem.

    Quanto ao Governo, tem agora uma só opção: suspender imediatamente o programa de vacinação das crianças.

  • Da lição de jornalismo: o caso da morte da criança de seis anos

    Da lição de jornalismo: o caso da morte da criança de seis anos


    Hoje, o PÁGINA UM revelou que alguns milhares de pessoas que deram entrada nas urgências hospitalares com problemas cardíacos acabaram rotulados como doentes-covid, sendo que, nos casos de desfechos fatais, foram considerados oficialmente como vítimas da pandemia.

    Esta denúncia, quantificada, foi completamente ignorada pela imprensa mainstream, tal como os outros casos que o PÁGINA UM tem vindo, paulatinamente, a desvendar, assentes em dados oficiais nunca divulgados pelas autoridades de Saúde. Não é por acaso que tal sucede.

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    Toda a gestão da crise pandémica em Portugal e no Mundo se tem baseado na promoção do medo e no controlo da informação, com a qual a comunicação social mainstream – dependente cada vez mais dos poderes políticos para sobreviver financeiramente – tem pactuado. Mais papista do que o Papa, os jornalistas mainstream fomentam esse pânico ad nauseam.

    A recente morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria é reveladora deste contributo nojento – já não há outra expressão justa – da comunicação social tradicional.

    Note-se: a criança faleceu no domingo, dia 16, num quadro de crise cardíaca fulminante, e segundo as informações do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte chegara no dia anterior às urgências “com um quadro de paragem cardiorrespiratória”. Foi-lhe feito um teste à covid-19, que deu positivo, e sabe-se ainda que tinha tomado uma dose da vacina da Pfizer.

    Entretanto, e apesar de contrariar as suas normas até há pouco seguidas, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por não incluir esse óbito nas estatísticas da covid-19. Porém, isso já pouco interessa para a comunicação social mainstream. Nenhuma refere que a DGS não incluiu essa morte nas estatísticas; ao invés, dá a ideia de que tal sucedeu.

    Com efeito, para a generalidade da imprensa, os títulos remetem para uma criança que morreu “com covid-19” ou “infectada com covid-19”, como se pode observar nas notícias da Rádio Renascença, Diário de Notícias, Jornal I, Sábado ou CNN Portugal. Alguns órgãos de comunicação social não titulam dessa forma, mas enviesam a informação, orientando os leitores para entenderem a morte como tendo sido causada pela covid-19, e não pela vacina.

    Que devia, nestas circunstâncias, fazer um verdadeiro jornalista, um que não queira ser pé de microfone ou de servir uma narrativa oficial?

    Assumir, primeiro, que ninguém sabe ainda qual a causa. Na verdade, nas actuais circunstâncias, um teste positivo nada diz, nem a toma de uma dose de vacina nada diz. Porém, há muito trabalho que um verdadeiro jornalista pode e deve fazer.

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    Deve, primeiro, saber que o papel da comunicação social, na sua função mais nobre, é sobretudo questionar, investigar, obrigar que as autoridades de Saúde sejam mais transparentes, que justifiquem acções e clarifiquem aspectos fundamentais da gestão da pandemia.

    Isso não está a ser feito, intencionalmente, e por responsabilidade das direcções editoriais e de jornalistas mansos.

    A função da comunicação social nunca pode ser de promoção do medo nem de orientar a população. Deveria fazer corar de vergonha uma sociedade de um país democrático saber que 92,2% dos jornalistas confessaram que, durante uma crise sanitária, tiveram “uma preocupação permanente em orientar comportamentos”, assumindo que fizeram isso “através do próprio agendamento noticioso”, conforme revelou um estudo da Universidade do Minho.

    Não, meus senhores. Não, minhas senhoras. Não, meus camaradas jornalistas. Aquilo que se tem andado a fazer, aquilo que vocês têm andado a fazer, não é jornalismo.

    Vocês, para fazerem verdadeiro jornalismo, têm de fazer mais e melhor. Têm de questionar. Têm de exigir transparência. Têm de denunciar. Têm de, com mais questões, com mais transparência, com mais denúncias, pugnar por uma sociedade mais democrática. De contrário, ganham o vosso salário, mas não cumprem a vossa função.

    Eu não desejo ensinar ninguém, apenas mostrar como trabalho no actual ambiente de falta de transparência e dificuldades de acesso à informação. E isto como outsider num ambiente onde questionar a narrativa oficial facilmente é um passaporte para o ostracismo e um bilhete para perseguição e assassinato de carácter, mesmo entre os pares.

    O PÁGINA UM tem questionado, questionado e questionado as autoridades a revelarem informação pública.

    Vamos ao exemplo da malograda criança de seis anos.

    Para saber se uma morte deste género é coisa rara, eu conseguia apurar facilmente, até há poucas semanas, quantas crianças morriam de ataque cardíaco por ano, através da Plataforma da Mortalidade. Conhecer isso permitiria enquadrar este recente infeliz evento no seu devido contexto.

    Porém, a doutora Graça Freitas tratou, entretanto, de eliminar este site dos olhos dos incómodos jornalistas e cidadãos. O site eclipsou-se na última semana. Alguém, além do PÁGINA UM, denunciou isto? Ou denunciou o “apagão” da informação diária sobre a pandemia, dos suicídios no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) ou dos relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais? Não me consta.

    Mas, além de denunciar estas situações de falta de transparência de uma funcionária pública – é isso que a doutora Graça Freitas é, e deve ser tratada como tal –, que está ao serviço de um Governo, um verdadeiro jornalista deve saber lutar e contornar o obscurantismo. Deveriam saber os jornalistas, por exemplo, pesquisar na labiríntica base de dados do Instituto Nacional de Estatística, para aí descobrirem alternativas a alguma informação escondida pela DGS.

    Se se dessem ao trabalho – ou soubessem pesquisar –, talvez assim ficassem a conhecer que as doenças isquémicas do coração – aparentemente a causa de morte da criança no Hospital de Santa Maria – é algo muito raro, para não dizer de probabilidade remota. Tanto assim que desde 2015 até 2019 não há qualquer óbito registado em menores de nove anos. Algum jornalista mainstream fez isto? Não me consta.

    Mas um verdadeiro jornalista deveria fazer mais. Tem de fazer mais. Devia pressionar o Infarmed – que parece mais preocupado em patrocinar cursos de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing na Indústria Farmacêutica do que em revelar informação sensível sobre fármacos – para disponibilizar o acesso às bases de dados de farmacovigilância. Até agora, os jornalistas mainstream têm-se satisfeito com relatórios simplistas feitos à medida de adolescentes do secundário.

    Captura de ecrã de base de dados do Instituto Nacional de Estatística revelando ausência de óbitos por doenças isquémicas do coração em menores de 9 anos entre 2015 e 2019.

    Que eu saiba, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que solicitou acesso para dois casos em concreto: vacinas contra a covid-19 e para o remdesivir, fármaco da Gilead. Aliás, se houvesse mais jornalistas, por certo o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, não acharia que poderia ignorar olimpicamente essas solicitações. Diga-se, de passagem, que já seguiram duas queixas para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Algum outro jornalista mainstream fez isto? Não me consta.

    Enfim, por vezes, questiono-me como muitos jornalistas conseguem dormir de consciência tranquila. Eu tenho dormido. E acordo, no dia seguinte, pronto para questionar mais. Para informar melhor.

  • Direcção-Geral da Saúde culpou coronavírus até por ataques cardíacos fulminantes em doentes assintomáticos

    Direcção-Geral da Saúde culpou coronavírus até por ataques cardíacos fulminantes em doentes assintomáticos

    Milhares de entradas nas urgências com cardiopatias isquémicas deram muitas centenas de óbitos “carimbados” com covid-19. O PÁGINA UM, continuando a dissecar a base de dados dos internados nos primeiros 15 meses da pandemia, detectou que cerca de 10% dos hospitalizados e 10% dos mortos sofreram cardiopatias isquémicas. Muitos tiveram ataques cardíacos, alguns fulminantes, mas todos levaram com o selo “covid”. Bastou um teste positivo, mesmo se o doente agonizava sem qualquer sintoma de infecção por SARS-CoV-2.


    Vários milhares de pessoas com sintomas graves ou moderados de cardiopatias isquémicas do coração – entre as quais enfartes do miocárdio, anginas de peito e aterosclerose neste órgão – acabaram classificados como doentes-covid pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) apenas porque tiveram, na admissão hospitalar, um teste positivo. Em caso de desfecho fatal, a DGS anunciava-as como vítimas da pandemia.

    Na análise da base de dados do Ministério da Saúde abrangendo os internamentos dos primeiros 15 meses da pandemia, a que o PÁGINA UM teve acesso, confirma-se que independentemente do grau de gravidade de doenças cardíacas, um teste positivo foi o suficiente para ficar nas “malhas” das estatísticas da covid-19. Em centenas de casos, o SARS-CoV-2 nem sequer teve tempo de se manifestar, porque algumas dezenas faleceram no próprio dia ou no dia seguinte à admissão nos serviços de urgência hospitalar. E centenas no prazo de uma semana. Em condições naturais, antes da pandemia, todos estes óbitos teriam considerado estas cardiopatias como a causa.

    doctors doing surgery inside emergency room

    No período de Março de 2020 a Maio de 2021, envolvendo mais de 50 mil doentes-covid, o PÁGINA UM contabilizou, em mais de 50 mil internados, um total de 5.193 pessoas com referências, nos respectivos boletins clínicos, a uma ou mais cardiopatias isquémicas. Este número representa quase 10% do total de doentes-covid internados neste período. Contabilizando os desfechos fatais de pessoas oficialmente classificadas de doentes-covid, houve 1.757 que morreram após ataques cardíacos ou outras cardiopatias isquémicas, ou seja, 10% do total até Maio do ano passado.

    Não se consegue, neste universo, e com os dados disponíveis, quantificar com rigor absoluto o contributo destas doenças isquémicas para os desfechos fatais, nem sequer a percentagem de casos mortais em que a covid-19 pode ter desencadeado o evento cardíaco.

    Infelizmente, a base de dados é, de forma inexplicável, omissa sobre a data em concreto da ocorrência do evento cardíaco, informando apenas a ordem dos diagnósticos (que, em cada indivíduo, começa no 0). Por norma, primeiro, registam-se todas as doenças e problemas relevantes no momento da admissão hospitalar – e que a justificam – , e em seguida as comorbilidades e os aspectos relevantes da evolução clínica.

    Contudo, como não existe na base de dados dos doentes-covid uma separação entre as doenças e afecções antes da admissão e durante o internamento, apenas por dedução – mesmo com consulta individual dos mais de 50 mil doentes registados – se consegue determinar, sem demasiado erro, o número de doentes em que o evento cardíaco foi a causa directa do internamento.

    doctor performing operation

    Assim, quando pelo menos um registo destas isquemias – com os códigos I20 a I25 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) – surgia nas primeiras posições da ordem do diagnóstico (entre 0 e 6), o PÁGINA UM considerou que estas constituíram a causa directa do internamento.

    Saliente-se que a referência à covid-19 (com o código U071) aparece, em muitos destes casos, com um número de ordem do diagnóstico superior ao das cardiopatias, o que significa, nestas circunstâncias, sem qualquer dúvida, que a admissão foi muito urgente, e só depois houve confirmação de teste positivo ao SARS-CoV-2.

    Assim, considerando este método, o PÁGINA UM identificou um total de 2.186 doentes-covid hospitalizados neste período que terão tido uma ou mais cardiopatias isquémicas como evidente causa de internamento, e não tendo ainda sintomas de infecção pelo SARS-CoV-2. Destes, 672 morreram.

    Também pelo tempo de estadia hospitalar se confirma que mesmo cardiopatias agudas fulminantes acabaram anunciadas como mortes-covid. Os casos mais chocantes observam-se com os enfartes do miocárdio – vulgarmente conhecidos por ataques cardíacos e com o código I21 da CDI. Entre Março de 2020 e Maio de 2021, e segundo o critério definido pelo PÁGINA UM, contabilizam-se 949 pessoas com este gravíssimo problema cardíaco, sendo que 206 tiveram diagnóstico de ordem 0 (100% de certeza de ter sido causa de internamento), e 657 com registo de ordem 6 ou inferior. Portanto, sete em cada 10 destas pessoas terão sofrido ataques cardíacos antes de qualquer teste positivo à covid-19.

    De entre estes casos, 40 pessoas morreram no próprio dia do internamento – ou seja, o ataque cardíaco foi mesmo fulminante –, 123 em três ou menos dias, e 253 antes de completado o sétimo dia de internamento. No total, a taxa de mortalidade destes doentes foi de 43%, ou seja, cerca de 20 pontos percentuais acima do rácio médio dos doentes-covid sem esta comorbilidade.

    Saliente-se, contudo, que a média das idades foi geralmente, nestes casos, bastante elevada (76 anos). Nos muito idosos (mais de 80 anos), a taxa de sobrevivência foi de apenas 44%. Ao invés, a taxa de mortalidade dos menores de 60 anos foi de 13%. Três dos mortos de ataque cardíaco com covid-19 no certificado de óbito tinham menos de 50 anos.

    person in white face mask

    Se se considerar todas as 2.186 cardiopatias isquémicas com ordem de diagnóstico de 6 ou inferior – ou seja, os eventos que terão sido a causa determinante de internamento –, além dos 949 ataques cardíacos, contabilizam-se ainda 78 anginas de peito (código I20), 381 aterosclerose do coração (código I251). Nas restantes de doenças cardíacas crónicas, destacam-se 335 casos de sequelas provenientes de ataques cardíacos antigos (código I252) e 221 cardiomiopatias isquémicas (código I255).

    As taxas de mortalidade hospitalar variaram muito neste tipo de cardiopatias. Nas anginas de peito foi de 24%, próxima daquela contabilizada para a generalidade dos doentes-covid, nas ateroscleroses do coração rondou os 26% e atingiu os 34% nas cardiomiopatias isquémicas.

    Contudo, para a DGS foi tudo “varrido” a covid-19.

  • Covid-19 estará a esconder mortes por erros, negligência e acidentes em hospitais

    Covid-19 estará a esconder mortes por erros, negligência e acidentes em hospitais

    A Direcção-Geral da Saúde determinou que se alguém falecesse com um teste positivo ao SARS-CoV-2 levava automaticamente com o carimbo de “morte covid”. Os registos dos internados na primeira fase da pandemia, que o PÁGINA UM tem dissecado, mostram 250 casos suspeitos que podem ter sido apenas anormais reacções a procedimentos médicos, ou pura negligência médica. Um total de 88 pessoas morreram nestas circunstâncias. Como raramente houve autópsias, a morte morreu solteira.


    Um erro na operação de intubação numa unidade de cuidados intensivos do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte contribuiu para a morte de um doente de 61 anos em Abril de 2020. Este evento trágico foi único, mas o PÁGINA UM detectou muitos mais casos suspeitos de erros e negligência médica que estarão a ser escondidos sob o carimbo da covid-19, uma vez que, por regra, não são feitas autópsias nos óbitos confirmados por esta doença.

    Estas suspeitas advêm da consulta à base de dados do Ministério da Saúde sobre os internamentos de doentes-covid, a que o PÁGINA UM teve acesso, e detecta-se através da codificação feita segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI).

    Aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esta codificação não apresenta apenas as doenças e comorbilidades de cada doente no seu processo clínico; também identifica, por exemplo, complicações de actos médicos e cirúrgicos, acidentes, erros, negligência e reacções inesperadas.

    medical professionals working

    Este tipo de situações recebe, por norma, os códigos Y62 a Y84 da CDI, consoante a sua tipologia. Não estão aqui incluídos, embora haja largas dezenas de casos, os acidentes em hospitais como quedas da cama ou em casas de banho em doentes-covid, alguns fatais.

    Numa análise detalhada à base de dados dos internamentos nos primeiros 15 meses da pandemia, entre Março de 2020 e Maio de 2021, contabilizam-se 250 doentes-covid com registos de reacções adversas após procedimentos médicos. Em alguns casos estar-se-á perante eventuais erros ou negligência médica. De entre os pacientes afectados, 88 morreram, ou seja, 35% – um valor cerca de 12 pontos percentuais acima da taxa de mortalidade dos internados sem este tipo de registos.

    Nem todos os desfechos fatais terão sido devidos apenas a reacções adversas dos doentes ou a erros médicos – até pela grande debilidade e elevada idade de muitas das vítimas –, mas todos acabaram classificados como mortes por covid-19. Muito provavelmente as famílias nem sequer souberam aquilo que se passou dentro das portas do hospital.

    person walking on hallway in blue scrub suit near incubator

    O caso do doente do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – é um exemplo paradigmático.

    À entrada nos cuidados intensivos em 22 de Abril de 2020, a sua situação já era grave: diabético tipo II, vinha com insuficiência respiratória e síndrome de desconforto respiratório decorrente de covid-19 diagnosticada, mas os médicos terão tido dificuldade em o intubar (surgindo essa referência com o código T884 da CDI) e o tubo orotraqueal acabou por ser mal colocado (código Y653). O homem sofreu um choque não especificado (R579) e morreu no dia seguinte ao internamento.

    A esmagadora maioria dos registos mostra-se, porém, com referências extremamente vagas sobre a origem exacta do erro, acidente ou reacção anormal, não sendo assim possível concluir se se está perante uma situação incontornável ou imprevista, ou se se tratou de erro médico.

    Por exemplo, na base de dados surgem 44 casos classificados com o código Y848, que se refere a procedimentos médicos que causaram reacções adversas tardias mas não especificadas. Noutros casos especificam-se a causa, embora pouco concretizando, como são as 32 reacções contabilizadas no decurso de procedimentos radiológicos (Y842) e as 32 reacções devidas a cateteres urinários (código Y848).

    Existem também registos de efeitos adversos que, de forma clara, nada tiveram a ver com a covid-19, porque se deveram sim a actos cirúrgicos decorrentes de outros problemas. São exemplo disso os 16 casos classificados com o código Y831 (implantes de dispositivos médicos) e os 13 casos com o código Y832 (bypass gástricos com anastomose). Problemas na área da gastroenterologia, aliás, mostraram-se relativamente frequentes.

    A falta de informação sobre o verdadeiro contributo destes procedimentos médicos para as eventuais mortes dos pacientes acaba, contudo, por ocultar eventuais negligências, tanto mais que o “carimbo” da covid-19 levou a que se prescindisse, na esmagadora maioria dos casos, à realização de autópsia. Uma morte com covid-19 foi, para a Direcção-Geral da Saúde, sempre uma insuspeita morte exclusivamente causada pelo SARS-CoV-2.

    Aliás, na base de dados surgem nove estranhos casos com o código Y66, que significa que houve falta de administração de cuidados médicos e cirúrgicos. Destes nove, oito acabaram por morrer, sendo que sete foram no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.

    O Hospital de Coimbra é aquele que contabiliza maior número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas com registo de reacções adversas ou eventuais erros médicos. No total, nos primeiros 15 meses da pandemia, contam 24 mortes, mas pelo código da CDI conclui-se que foram problemas decorrentes de cirurgias cardíacas ou de gastroenterologia. Nos hospitais de Lisboa registaram-se 22 mortes deste género, das quais nove no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Todas classificadas como covid-19.