Autor: Pedro Almeida Vieira

  • VOZ P1, para dar voz aos leitores

    VOZ P1, para dar voz aos leitores


    O PÁGINA UM pretende, com o VOZ P1, ser mais do que um jornal de investigação. De igual modo, deseja ser uma plataforma cívica de participação, bem como de denúncia.

    Não um local de participação inócua, nem de denúncia fútil, mas antes um jornal que promove o activismo dos cidadãos como forma de contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa e para uma democracia amadurecida, transparente e ao serviço dos cidadãos.

    Nessa linha, o VOZ P1 pretende constituir um espaço de apresentação, de reflexão e de denúncia de qualquer pessoa ou entidade, dentro de um espírito democrático.

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    e) Se não for incluído, no caso de denúncias, provas documentais suficientemente fortes (documentos, fotos, vídeos, etc.) que, numa análise credível, aparentem ser inquestionáveis relativamente à sua veracidade.

    O PÁGINA UM pode exigir, para a publicação do texto no VOZ P1, que lhe seja enviado um comprovativo de identidade, pelo que se solicita que, aquando do primeiro envio, seja indicado obrigatoriamente um endereço electrónico, sem o qual o texto nem sequer será analisado.

    A rapidez na publicação dos textos será em função do cumprimento daquilo que se refere nas alíneas acima expostas.

    O FORMULÁRIO a preencher será similar ao usado para denúncias anónimas (neste caso, obviamente, sem identificação), de modo a garantir que apenas o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, tenha acesso.

    Em circunstâncias especiais, o texto enviado pode ser publicado na secção OPINIÃO, sendo tal aceite implicitamente pelo seu autor.

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  • PÁGINA UM obtém mais uma vitória na luta pela transparência com direito de acesso ao inquérito sobre a Operação Marquês

    PÁGINA UM obtém mais uma vitória na luta pela transparência com direito de acesso ao inquérito sobre a Operação Marquês

    O Conselho Superior da Magistratura quis saber qual o motivo para um jornalista querer ter acesso ao inquérito sobre a distribuição do juiz da Operação Marquês. O PÁGINA UM recusou aceitar essas condições anticonstitucionais e apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. O PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que, ao longo deste processo, não aceitou um “não” do CSM.


    O Conselho Superior da Magistratura (CSM) deve conceder ao PÁGINA UM acesso a todos os documentos do inquérito interno relativo à escolha inicial do juiz Carlos Alexandre para dirigir a Operação Marquês, iniciada em 2014, e que resultou na prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

    Esta é a posição da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), através de um parecer solicitado pelo PÁGINA UM, no decurso da recusa do CSM de ceder essa documentação, e que foi aprovado nos últimos dias de Fevereiro passado.

    Conselho Superior da Magistratura quis sempre manter secretismo sobre os meandros da Operação Marquês.

    Recorde-se que o PÁGINA UM – que noticiou em primeira-mão que José Sócrates obtivera um parecer da CADA que lhe deu razão sobre o direito de acesso a esse inquérito – solicitou também o acesso em 2 de Novembro do ano passado.

    Contudo, o CSM sempre recusou esse acesso ao PÁGINA UM, tendo mesmo a sua Encarregada da Protecção de Dados, Ana Sofia Wengorovius – após uma troca de e-mails, exigido que se esclarecesse “qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados. Esta juíza, através de um longo parecer de sete páginas, defendia o secretismo deste inquérito, que na verdade se trata da “averiguação sumária nº 2018-346/AV”.

    No seu parecer, Ana Sofia Wengovorius argumenta que o inquérito, mesmo se arquivado, se mantinha “confidencial”, porque se deveria ter “em vista assegurar a defesa dos direitos fundamentais de personalidade como o direito ao bom nome e à reputação”, invocando a Constituição. E que a divulgação por parte de um jornalista poderia violar ou afectar “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Nessa medida, esta responsável do CSM dizia que o jornalista deveria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.

    Ora, como o PÁGINA UM invocara de forma implícita esse interesse atendível (porque o pedido foi feito por um jornalista) e explicitamente (repetindo, por palavras, quais as funções de um jornalista), seguiu uma queixa para a CADA.

    Primeira página do parecer do CADA que dá razão ao PÁGINA UM.

    No parecer da CADA, presidida pelo juiz-conselheiro Alberto Oliveira, e que deu razão às pretensões do PÁGINA UM, destaca-se ser “doutrina (…) que o processo de inquérito e o processo de averiguações concluídos são livremente acessíveis (…), respeitando mesmo a matéria funcional”, o que incluiu mesmo “os depoimentos prestados, os quais são determinantes para compreender a globalidade do processo e a razão por que a administração decidiu num determinado sentido”. A CADA defende apenas que devem ser “expurgados”, ou seja, rasurados a negro, os dados “irrelevantes para a concreta decisão administrativa, designadamente, moradas, números de telefone, números de identificação civil e fiscal dos intervenientes”.

    Em suma, a existência desses dados nos documentos originais não implica que aqueles possam manter-se secretos. Além disso, devem manter-se os nomes e mesmo as funções das pessoas envolvidas.

    A atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre terá sido executada por uma funcionária judicial sem a presença de Ivo Rosa, o outro juiz que então integrava o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Segundo o jornal ECO, a defesa de Sócrates alega que esta funcionária que fez a distribuição “já vinha a trabalhar com Carlos Alexandre há anos” em outro tribunal, e que “não era ela que estava para ser nomeada escrivã do TCIC” em Setembro de 2014.

    De acordo com o Diário de Notícias, o juiz Carlos Alexandre terá sido entretanto constituído arguido no mês passado, depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter aceitado o requerimento de abertura de instrução apresentado por José Sócrates. Fonte judiciária adiantou também à Agência Lusa que por despacho do juiz desembargador Jorge Antunes foi ainda declarada aberta a instrução pedida por José Sócrates. O juiz Carlos Alexandre e a escrivã Maria Teresa Santos assumiram a qualidade formal de arguidos nesse processo.

  • Para derrotar Putin temos de ostracizar a cultura russa? Ouvimos 29 escritores, representantes da Cultura em português

    Para derrotar Putin temos de ostracizar a cultura russa? Ouvimos 29 escritores, representantes da Cultura em português

    Demissões, boicotes e suspensão de cursos. A invasão de Putin à Ucrânia está a desencadear uma série de medidas contra a cultura de uma região que nos ofereceu escritores como Fiódor Dostoiévski, Lev Tolstói, Anton Tchékhov, Nikolai Gógol ou Vladimir Nabokov, cineastas como Serguei Eisenstein, Vladímir Menchov e Nikita Mikhalkóv, compositores como Piotr Ilitch Tchaikovski, Sergei Prokofiev e Igor Stravinsky, e tantos outros vultos da Arte. E mesmo outros de menor relevo. Mortos e vivos. Enfim, será legítimo culpabilizar todos os russos pela acção do Governo de um país onde nem sequer impera a democracia? Para derrotar Putin temos mesmo de ostracizar também a cultura russa? O PÁGINA UM foi recolher depoimentos de escritores de língua portuguesa.


    .Não é a cultura russa que se deve boicotar, mas o poder russo que em formato extremista e assassino quer acabar com a cultura que lhe é alheia. A censura é o oposto da cultura. A censura é contra-natura e contra-cultura. Não há culturas perfeitas – como não há culturas imperfeitas. Nem podemos equilibrar em dois pratos de balança uma cultura má comparando-a ao peso de uma cultura boa. Em cultura nada é assim tão bipolar ou dual. Não é expectável que uma cultura difira das outras, ou que possa simplesmente banir-se da pluralidade das culturas, porque essencialmente ela é a tendência para o ilimitado de quem a produz, sentindo-a, agindo-a, pensando-a no germe criativo que a originou. Do uno se faz duo e do duo um grupo, um coletivo, um universo cultural. Assim, a cultura não se promove como identidade, mas estimula afinidades. Assim se retrai como coisa local e coagulada, para correr livremente por cimas das fronteiras. Paul Hazard afirmou que a palavra nem tinha estatuto até ao final do século XVIII quando os alemães, em 1793, lhe dão honras de dicionário. Taylor terá sido o primeiro a empregar o termo, em 1871 quando publicou Primitive culture, onde confundia o termo com um outro que ainda hoje nos ocupa e preocupa: civilização. Confesso não saber o que definem os mestres da Universidade Estatal de Pyatigorsk ou do Instituto Pushkin, estudiosos de cultura. Sei que “actores, dramaturgos e directores de teatros estatais como o Bolshoi apelam ao fim da guerra e outros agentes culturais continuam a protestar internamente contra a invasão, cancelando exposições ou fechando museus”. Também sei que a cultura não é coisa que se uniformize, arme e treine para a morte, como não é feita para confinamentos, grades, prisões de consciência, corredores de morte. Sou contra a censura e ao boicote à cultura russa – porque uma cultura não se boicota e resiste, sobrevive sempre no seu âmago, na sua essência. Sou mais firmemente ainda contra a guerra, essa fórmula cobarde de querer vencer pela morte tudo o que é vida, a começar pela cultura.

    Alexandre Honrado, escritor e professor universitário


    (…) Tratando a cultura como um activo bancário, neste mundo ocidental apela-se ao boicote à cultura russa, como se a música, a literatura ou a arte não pertencessem àquela outra dimensão de património da humanidade. Foi suspenso um curso de Dostoiévski na Universidade de Milão; excluem-se cineastas russos da participação em festivais; maestros são impedidos de dirigir orquestras; pianistas substituídos.
    A cultura não se proíbe. Não se cala. Não se reprime (…). [Ler o depoimento completo AQUI]

    Alice Brito, escritora e advogada


    Quantos ucranianos seriam salvos se o descabelado boicote a Dostoiévski não tivesse sido parado? E quantos ucranianos serão salvos por se calarem as vozes e suspenderem as batutas? Nenhum. Era só.

    Ana Cristina Pereira Leonardo, escritora e cronista


    Aquilo que posso dizer é que vamos estrear De Luto pela Vida, a partir de A Gaivota, de Anton Tchekhov, com encenação de Hugo Tourita, dia 31 de Março, no Teatro do Bairro. Ninguém cancela Tchekhov.

    André Gago, actor e escritor


    A minha posição sobre esta guerra – invasão da Ucrânia pelo exército russo – segue a declaração da War Resister’s International feita a 24 de Fevereiro de 2022. É uma posição pacifista, que exige cessar-fogo e negociações imediatas. Caso a agressão dos militares e do governo russo continue, defendo, sempre seguindo a declaração daquela organização, uma proposta de defesa popular não-violenta, recorrendo aos métodos de desobediência civil, que tão bons resultados deram na luta contra o colonialismo inglês na Índia e na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Para mim não há guerras justas e qualquer guerra é um crime contra a humanidade. Não creio que a cultura russa nas suas manifestações artísticas, poéticas, éticas e filosóficas, onde há seres humanos tão exemplares, com uma ética tão elevada e tão humana, como Tolstoi ou Kropotkine, deva ser equiparada a Putin e aos militares russos. Ao invés, promover hoje os aspectos mais nobres dessa cultura é contribuir para uma consciência e uma cultura de paz.

    António Cândido Franco, escritor e professor universitário


    A sensação é a de que se tenta evitar a desgraça criando-se bodes expiatórios. Tempo estranho, esse que nos deram para viver – ou sobreviver. É muita insensatez em meio a uma realidade de violência, ameaçada pelo caos, a dar total atualidade ao Poema pouco original do medo, do meu saudoso amigo Alexandre O’Neill.

    Antônio Torres, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (cadeira nº 23)


    Dado que a minha opinião seria sempre sintética e portanto não poderia naturalmente corresponder ao sentimento profundo, ontológico e filosófico – às vezes até impossível de exprimir – relativamente a esse tipo de questões, prefiro que o meu silêncio público seja a minha forma de expressão. Tal não significa que eu não condene, liminarmente e sem qualquer dúvida este tipo de atitudes ou retóricas ostracizantes de natureza cultural.

    Cristina Carvalho, escritora


    Sou a favor da divulgação da cultura, mas abomino Putin, a queima dos livros e o silêncio imposto por ditadores. Neste momento de desespero, ostracizar uma das maiores expressões russas pode levar o povo russo a revoltar-se contra Putin.

    Cristina Norton, escritora


    (…) Todos os dias surge uma nova forma de boicote. É deprimente, mas não será por aí que Putin verga. O grande mistério radica na razão que terá levado Putin a desencadear uma guerra que terá consequências no quotidiano da população da Rússia, hoje completamente ocidentalizada, dependente do vasto arsenal de bens de consumo que moldam o dia-a-dia da geração pós-Perestroika (…). [Ler o depoimento completo AQUI]

    Eduardo Pitta, escritor


    (…) Dessa vertigem faz parte um desejo de castigar a Rússia com toda a estirpe de sanções. Ora, quanto a esse ponto, sendo a favor de sanções económicas, parecem-me todavia eticamente questionáveis as medidas de isolamento da Rússia em campos como a Cultura, o Desporto ou os meios de comunicação em geral (…). [Ler o depoimento completo AQUI]

    Fernando Pinto do Amaral, escritor e professor universitário


    Que génios russos como Tchaikovsky ou Dostoievski estejam a ser, no Ocidente, banidos da oferta cultural é ‒ sejamos sucintos ‒ uma mostra de reles exibicionismo. Eu explico.
    Os actuais “cancelamentos” em matéria de cultura nascem desta conjugação fatal: a da vaidade doentiamente exibicionista e do sentimento de inferioridade que entra pela cobardia. Esse transtorno mental conduz a leituras oportunistas do passado, satisfazendo alucinadas moralidades, acríticas até ao desumano.
    Importa rirmo-nos, olhos nos olhos, desses vaidosos. Fazer-lhes ver que mentes retorcidas não nos impressionam. Que a Arte não tem país, não tem fronteiras. nem sequer povo. Que os seus sorrisos contentinhos de nos terem sonegado o que nos faria, a todos, felizes, esses sorrisos são um esgar parado, fútil, inexpressivo. Que, ao contrário dos génios, deles, deles, nada ficará. Sim, a História é terrível. Porque sabe vingar-se.

    Fernando Venâncio, linguista e tradutor


    Putin é um louco e com loucos não se negoceia. Não é possível. A forma que o mundo encontrou para isolar Putin – a das sanções – vai ser eficaz. Já está a ser eficaz, pois já está a criar descontentamento junto dos oligarcas russos. Levar essas sanções ao mundo da cultura e do desporto faz parte da mesma lógica de criar um descontentamento interno e generalizado. Ontem vi um atleta russo, muito jovem, subir ao pódio, com a insígnia da Ucrânia, desafiando claramente Putin. É importante, sim, não confundir o povo russo com Putin. A cultura e as grandes manifestações desportivas sobrevivem a todas as sanções e castigos. É histórico!

    Helena Trindade Lopes, escritora e professora universitária


    A Rússia não é Putin. Putin é, em parte, um produto do Ocidente. Não se emendam mais de duas décadas em duas semanas. E não se emendam com ignorância (esquecer a biografia de Dostoièvski, por exemplo), hipocrisia (procurar petróleo na Venezuela) e cancelamentos moralistas e muito cómodos. A cultura russa pode salvar-nos dos autoritarismos. Basta não ostracizar o que não conhecemos bem.

    Jerónimo Pizarro, editor, crítico literário e professor


    (…) Os fins justificam tragicamente os meios e, por muito doloroso que seja para criadores, artistas e desportistas russos, o isolamento deve ser ostensivo. Público e notório. Doloroso. Sem tréguas olímpicas. O país agressor deve ser tratado como um pária, até porque outras camadas pós-Ucrânia se seguirão. De outras geografias vizinhas falo (..). [Ler o depoimento completo AQUI]

    João Lopes Marques, escritor e jornalista


    Muitas vezes sinto que a sociedade se divide entre os pensadores e os “salivadores”. Os que pensam defendem coisas boas e coisas más. Ainda assim, pensam. Em cada caso, lá terão as suas razões e os seus argumentos. Agora, os que apenas salivam – do ponto de vista Pavloviano – não pensam, são fruto de reflexos condicionados. Apenas reagem. Até podem reagir bem, ainda assim, não pensam.
    Perdoem-me se cito Ivan Pavlov, um médico russo do início do século XX. É que agora, os “salivadores” estão condicionados para atacar tudo o que é russo. E porque vão todos em turbas de um lado para o outro, na sua cegueira, por vezes atropelam o que é mais elementar. Quando se cancelam espectáculos do Ballet Bolshoi de Moscovo, se proíbe o hino russo a atletas que subam ao pódio, se proíbe a participação de artistas plásticos russos em mostras de arte, se boicotam filmes russos em competições… então estamos a confundir a árvore (Putin) com a floresta (o povo russo), e estes agentes culturais estão perante uma discriminação por motivos étnicos e políticos. Acaso, não é isso que condenamos? Alguém acredita que vai derrotar Putin, acabando com o curso de Dostoievski na Universidade de Milão? Ridículo.
    Há coisas mais importantes a fazer, do que ostracizar a cultura e ressuscitar o Santo Ofício. Era bom pensar mais e “salivar” menos.

    João Morgado, escritor


    A arte é, por definição, um grito de liberdade. Boicotar a literatura, a música, o cinema ou os próprios artistas russos equivale a boicotar a resistência ao totalitarismo, por oposição ao totalitarismo. Eu diria que é como atirar fora o bebé com a água do banho, se não corrêssemos o risco de o velho Fiódor ser o primeiro a apaixonar-se pela imagem.

    Joel Neto, escritor


    Esta guerra é um horror, e Putin o responsável por ela. Qualquer boicote à cultura russa é disparatado e contraproducente.

    Julieta Monginho, escritora


    Em plena Guerra Colonial, Amílcar Cabral, o mais notável dos líderes independentistas, várias vezes sublinhou que a guerra se travava contra o regime vigente em Portugal e não contra o povo português. Nessa mesma linha, condenar (como eu condeno) a invasão da Ucrânia é condenar um regime e o seu líder, Putin. Não pode ser condenar o povo russo e a sua cultura.

    Manuel Alberto Valente, poeta e editor


    Não me parece que ostracizar a cultura russa seja a melhor forma – e a mais sensata – de criticarmos e de manifestarmos a nossa oposição a um conflito bárbaro. Criticar convictamente a invasão da Ucrânia é imperioso e fundamental, mas essa crítica não pode, do meu ponto de vista, levar ao restabelecimento de um novo Index Librorum Prohibitorum. Retirar da estante e atirar pela janela como forma de protesto os clássicos russos que sempre apreciámos seria, quanto a mim, um sinal de retrocesso civilizacional.
    A cultura russa não tem culpa do que fazem os dirigentes políticos russos. Vamos rasgar os bilhetes do concerto da Galina Gorshakova a que assistimos com enorme prazer? A Anna Netrebko (nem sei se ainda é russa…) deixará de passar na Antena 2? Sejamos sensatos… Não foi por razões similares que criticámos a destruição de Budas pelos talibãs? Por isso, o russo Gogol, que nasceu em actual território ucraniano e é um dos meus escritores favoritos, vai continuar a ser lido e relido – independentemente de as suas histórias se passarem em S. Petersburgo ou não –, tal como Tchékhov – russo, que passava férias na agora sacrificada Crimeia e onde escreveu algumas das suas histórias. Como não deixarei de considerar A fome, do Knut Hamsun, um dos mais maravilhosos livros que já li, independentemente de ele ter oferecido ao sanguinário Goebbels a medalha do Nobel que recebera.
    Durante o dia, enquanto trabalho, tenho o hábito de ouvir música, e Mussorgsky e Glinka são companhias frequentes. Penso continuar a ouvi-los, sem que tal diminua o que penso desta invasão: um acto bárbaro e cruel.

    Marcelo Teixeira, editor e escritor


    Estou completamente contra a censura das obras russas e o boicote dos maestros e profissionais oriundos da Rússia. Deve-se distinguir o que é a guerra (que é da autoria do governo de Putin) do ataque generalizado às obras russas, que nada têm a ver com os ataques de Putin. Sou apologista das sanções económicas à Rússia por uma questão de estratégia política, mas absolutamente contra a censura.

    Maria João Cantinho, escritora e professora


    Há tão pouco que possamos fazer contra a monstruosidade do regime de Putin que nos precipitámos a castigar, a cancelar ou proibir tudo o que venha da Rússia. É importante diferenciar o regime que oprime do povo que é oprimido, muitos russos opõem-se a Putin, muitos foram presos e muitos vivem com medo. As sanções às representações oficiais russas são uma forma de pressão que, embora comportando alguma injustiça, pode atingir o regime e fazer pressão sobre ele. A russofobia e o boicote à arte russa (seja ela do passado ou do presente) é contraproducente e é um ataque à liberdade que deveríamos defender.

    Nuno Camarneiro, escritor e professor universitário


    De todas as medidas que se podem tomar contra a Rússia (ou deveríamos escrever “contra Putin?”), o chamado cancelamento cultural será a pior delas. Muitas vezes, a resistência intelectual foi a única a fazer frente às ditaduras, aos autoritarismos, e os escritores, os cineastas, os criadores em geral, estão talhados para esse papel. Veja-se (leia-se) a forma como Gogol punha a nu o absurdo dos poderes. E mesmo que não haja uma resistência explícita, engajada, digamos, é sempre errado parar a fruição cultural em nome de algo. Lá diz o chavão, nos lugares onde se queimam livros, acaba-se a queimar pessoas. Mesmo que simbolicamente.

    Pedro Vieira, escritor e apresentador


    O monstro da guerra entrou pelas portas da Ucrânia adentro. É um facto. Putin e a sua entourage prepararam esta festa de sangue, firmemente decididos em que nenhum regime democrático nasça à sua volta. Cortar-lhe todas as fontes de lucro é a maneira mais rápida de, por um lado, secar os apoios ao regime e, por outro, agitar a massa entorpecida de russos, habituados ao silêncio. Não me parece necessário isolar também a cultura ou o desporto russos. É provavelmente entre os primeiros que estará a maior fonte de contestação. Como em todo o lado, é no meio de escritores e outros artistas que se vislumbrará as decisões de Putin com mais clareza. Sou contra, portanto. Mas, confesso que no meio do som das bombas a cair sobre a população ucraniana tenho alguma dificuldade em me centrar no drama de exposições canceladas e concertos adiados, temporariamente. A cultura russa sobreviverá, porque é antiga e forte. Quem não se levantará com vida serão os homens, mulheres e crianças caídas na fuga.

    Possidónio Cachapa, escritor


    A invasão de um país soberano como a Ucrânia é lamentável a todos os níveis.
    Mas é notória a falta de racionalidade e bom senso na resposta dada pelos actores mais importantes. A primeira resposta é a opinião pública, de novo condicionada ao exagero para haver só uma solução, só um mau-da-fita, só uma vítima e um agressor.
    Não estamos perante um jogo de Benfica e Sporting, há nuances, cinzentos que a comunicação social não só não discute, como faz questão em ignorar. Nessa onda de bandeiras e “vamos em força para a 3ª Guerra Mundial”, é importante ficar à tona e continuar a nadar na PAZ, é o único objectivo que interessa, apesar da indústria do armamento já se estar a babar com os lucros e os seus lacaios com as sobras.
    Não existem bons e maus nesta história, só maus. E os povos, sobretudo o povo ucraniano mas por arrasto todos nós com estas sanções que não nos atingem como bombas, ainda, mas como a continuação de extremas dificuldades que temos vivido, são os sacrificados. Os líderes, esses riem-se com o jogo de xadrez da hipocrisia.
    Quanto às sanções culturais. Que dizer?… Onde está o respeito pelos russos, as maiores e mais corajosas vítimas de Putin?

    Raquel Ochoa, escritora


    Sim. Afinal, para que serve a cultura senão como arma de guerra? Eu já queimei os meus livros de Tolstoi e Dostoièvski. E também os do Isaac Asimov. Ia queimar o Bulgakov, mas a minha mulher lembrou a tempo que, embora escrevesse em russo, nasceu na Ucrânia. E estou muito arrependido de ter visto os filmes do Tarkovski. Em minha defesa, adormeci sempre.

    Rui Zink, escritor e professor universitário


    Se sou o que sou devo-o em parte à cultura russa. Não seria o mesmo hoje caso não tivesse lido Dostoievski, Tolstoi, Tchékhov; sem ter ouvido Rachmaninoff, Stravinski; sem ter visto os filmes de Tarkovski, as pinturas de Rublev. E por aí adiante. Condenar veementemente esta invasão e guerra, estar contra um louco facínora como Putin, mas ao mesmo tempo estar de acordo com o amordaçar da cultura russa, tornando-a num lobo mau, parece-me um gesto absurdo, estúpido. Uma aproximação perigosa ao fascismo e a um regime ditatorial contra o qual devemos supostamente lutar.

    Sandro William Junqueira, escritor


    Em vez de silenciar a voz pujante da soprano Anna Netrebko, quero ir a um concerto de Anna Netrebko e, nos encores, gritar palavras de ordem contra Putin. Em vez de cancelar o Bolshoi, quero ver uma das melhores companhias de bailado em palco e, no fim, levantar-me com cartazes proclamando “Glória à Ucrânia”. Não é a riquíssima cultura russa que quero silenciar, é o ditador Putin. Eu não seria quem sou sem as minhas referências culturais russas, sem Dostoievski, Anna Karénina, Tchékhov. Eu não seria quem sou sem as minhas paixões russas, sem Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov, Maia Plisetskaia, Maxim Vengerov, Grigory Sokolov, sem o concerto para violino de Tchaikovsky, sem o concerto para piano nº 3 de Rachmaninov. O povo russo não é Putin. Combatamos Putin e os oligarcas, deixemos a cultura em paz. Porque a cultura é um dos caminhos para a paz. E, assim como uma invasão é uma invasão, censura é censura.

    Tânia Ganho, escritora e tradutora


    Dostoievski costumava dizer que os russos eram metade homens, metade ursos. A metade ursa (Misha) tende a prevalecer quando toca a lideranças. Putin é uma variante de czar torcionário, mais do que um revivalismo estalinista, cujo mando de um circo de feras já estava em curso, bem antes de dirigir as garras contra o quintal da Ucrânia. As sanções, externas e internas, políticas, económicas ou culturais, só tenderão a atiçar os costumes bravios. Nunca, porém, um criador russo opositor do regime deixou de levar avante a sua luta individual. Soljenitsine ou Chalamov são exemplos felizes de resistência do fado totalitário eslavo. Do outro lado da barricada, os herdeiros de Nestor Maknó sobreviverão, pois debaixo das terras do valioso quintal está uma índole de teutões indomáveis.

    Tiago Salazar, escritor


    O desafio aqui é encontrar uma resposta para o pouco que podemos fazer em relação à agressão russa sem desencadear uma resposta que precipite uma guerra para a qual ninguém está preparado. Os poucos meios de que dispomos são de carácter não bélico e de eficácia por ora impossível de determinar. Podemos – e devemos – aplicar sanções, que são uma forma de condicionar o povo russo a colocar-se do lado oposto ao governo de Putin. Sendo que a Rússia não é de todo uma democracia e não dispõe de liberdade de imprensa, não sabemos como estas medidas serão interpretadas pela população e não estamos em condições de antecipar a sua eficácia. Já vimos também que os muitos russos que se vêm manifestando pela paz acabam por pagar muito caro o seu apoio ao povo ucraniano. É um xadrez muitíssimo complicado e temos a sensação de que qualquer passo em falso pode, no mínimo, encobrir o futuro da europa e, num caso limite que ninguém quer conceber, o futuro do mundo e de toda a vida na terra.
    Quanto à censura concertada relativamente à cultura ou à arte russa, é preciso separar aquilo que é a Rússia promovendo-se a si mesma por interposta pessoa dos seus artistas ou dos seus atletas e, nesse caso, ser absolutamente intransigente na recusa em receber delegações russas e os artistas ou atletas russos cuja único «pecado» é terem nacionalidade russa; a esses naturalmente, nada lhes deve ser barrado. Quanto aos livros de Dostoievski ou à música de Tchaikovsky, aparentemente alvo de censura aqui e ali por parte de alguns invertebrados permanentemente com medo de não estarem do lado certo da ética sem saberem, no entanto, soletrar a própria palavra, é dar-lhes a mesma importância que aos censores moralistas de qualquer religião ou as muito contemporâneas vagas de escândalo em que as pessoas se entretêm a doutrinar-nos sobre o que devemos ler e como o devemos fazer. No fundo, é passar por eles e mandá-los à merda.

    Valério Romão, escritor

  • Crónicas de um pioneiro (esquecido) da condição negra

    Crónicas de um pioneiro (esquecido) da condição negra

    Título

    A afirmação negra e a questão colonial

    Autor

    MÁRIO DOMINGUES (ensaio e selecção de José Luís Garcia)

    Editora (Edição)

    Tinta da China (Janeiro de 2022)

    Cotação

    17/20 

    Recensão

    Quem percorrer qualquer alfarrabista ou feira de livros velhos, o nome de Mário Domingues (1899-1977) é incontornável. As biografias da série Lusíada – retratando, entre outras, as vidas do Padre António Vieira, do Marquês de Pombal, de reis como D. Afonso Henriques, D. Manuel I ou D. Inês de Castro, do Infante D. Henrique, e até de Moisés – tiveram, durante quase duas décadas, um retumbante sucesso editorial, daí aparecerem agora amiúde.

    Mas Mário Domingues fez muito mais do que isso, mesmo no mundo literário português. Além de jornalista, sobretudo antes da instituição do Estado Novo, foi crítico de pintura – grande defensor dos modernistas, como Almada Negreiros, numa altura em que estes não eram ainda apreciados – e sobretudo prolixo escritor. Não necessariamente de elevadíssima qualidade, mas certamente em quantidade foi quase inexcedível: sobretudo nos anos 50 terá escrito cerca de 150 livros de aventuras, policiais e até de literatura cor-de-rosa, cumprindo assim o seu sonho de viver em exclusivo da escrita.

    Porém, também tinha fito para o marketing. Para evitar a saturação do seu nome, e para dar “credibilidade” aos livros de aventuras, que se passam nos mais recônditos ambientes, este Emílio Salgari português usou e abusou de dezenas de pseudónimos estrangeiros, por vezes em dupla – como Henry Dalton e Philip Gray, “autores” de mais de uma dezena de livros –, por vezes femininos. Em diversas situações, ostentou o seu nome como suposto tradutor de uma obra alegadamente escrita por um estrangeiro, mas em muitos casos optou até por usar pseudónimo como tradutor.

    Também publicou diversos romances em nome próprio, entre 1923 e 1960, além de traduzir obras de escritores consagrados (estes sim, verdadeiros) como Walter Scott, Charles Dickens, George Elliot e Stefan Zweig.

    Não é, contudo, sobre estas questões – embora referenciadas num interessante ensaio introdutório do sociólogo José Luís Garcia, investigador do Instituto de Ciências Sociais – o tema central de A afirmação negra e a questão colonial, uma criteriosa selecção de textos publicados pelo jovem Mário Domingues, no jornal A Batalha, um diário anarcossindicalista, entre 1919 e 1928.

    Nascido numa roça de São Tomé e Príncipe de uma mãe negra que nunca conheceu – o país trouxe-o para Portugal aos 14 meses –, Mário Domingues foi dos primeiros a defender abertamente, em Lisboa, a independência das colónias africanas de Portugal, adoptando nos seus escritos n’A Batalha a causa libertária, manifestando-se contra a exploração dos trabalhadores, a dominação colonial, o racismo, a opressão sobre as mulheres e a tirania política do colonialismo moderno, em defesa da dignidade, da cultura e das organizações da população negra e africana.

    A forma desassombrada como o jovem Mário Domingues, então com 20 anos acabados de fazer, escreve o seu primeiro texto sobre esta temática, acaba por ser surpreendente quando se lêem os seus textos, sobretudo tendo em conta a época e o contexto em que ele se inseria.

    Retratando incidentes raciais nos Estados Unidos em 1919, conhecidos por Red Summer, logo no seu primeiro texto, Mário Domingues não se poupou em críticas: “(…) A imprensa burguesa da Europa não se referiu com mais largueza de vistas a esta questão, dando-lhe o aspecto de simples incidente, porque falar-se de pretos e de brancos implica falar-se de colonização, e colonização, até hoje, ainda não se pode traduzir senão por uma palavra – crime (…)”.

    Embora a chegada do Estado Novo e a sua opção pela profissão de escritor – que ele ambicionava, como confessou em conversa na RTP em 1970, nas vésperas de ser condecorado –, o tenha esmorecido nestas lutas pela condição negra, a leitura de alguns destes seus textos de juventude – que se aconselha vivamente – mostram uma faceta pioneira de um homem de valor inexcedível, infelizmente pouco evocada.

    Num dos seus 62 textos, seleccionados por José Luís Garcia, e agrupados em quatro grupos temáticos, encontramos mesmo um Mário Domingues percursor de Martin Luther King e do seus famoso discurso proferido em 1963. Mais de quatro décadas antes, em 11 de Julho de 1922, nas páginas d’A Batalha, Domingues chega também a relatar o seu “sonho encantador”, mas lamentando ser então o que ainda era: um mero sonho, que se esboroava na realidade.

    Vale a pena, e muito, expor breves passagens:

    Tive um sonho belo, um sonho delicioso, cor-de-rosa, como costumam ter as crianças ternas. Vivia feliz, uma felicidade de oiro, uma felicidade jamais gozada, toda feita de serenidade de espírito, daquela serenidade que nasce da consciência sossegada, sobre a qual não pesa a menor sombra de crime, nem nosso nem alheio (…).

     Recordo-me também de ter percorrido esse país imenso, numa velocidade fantástica, numa velocidade de sonho, e de que essa velocidade não me impediu de o ver todo, desde os desertos infinitos, amarelos, monotonamente amarelos, até os recônditos das cidades; desde as multidões aglomeradas nos campos, fechando a abundância e o bem-estar, até aos homens solitários que, escondidos nos seus lares recatados, meditam e são filósofos, estudam e são inventores (…).

     Não vi nos portais, à chuva e ao vento, velhos e doentes, leprosos como Lázaros, estendendo a mão descarnada a caridade de quem passava; não ouvi tão-pouco os gemidos dos encarcerados – que não havia –, nem dos oprimidos chicoteados; os homens não se tratavam de chicote em punho, nem se insultavam violentamente. Havia bondade e tolerância, afabilidade e simpatia nas suas relações (…).

    Onde julgava ir encontrar cadeias sombrias, deparavam-se-me escolas encantadoras, construções higiénicas, e as crianças, longe de apresentar um aspecto miserável, eram sorridentes, cativantes na sua ingenuidade; o seu olhar, em vez de possuir a expressão medrosa dos pequenos torturados, dos precocemente infelizes, tinha franqueza e audácia (…).

    – Diz-me, jovem, que mundo é este, tão atraente como os teus olhos negros, tão belo como o teu rosto fascinante, tão perfeito como o teu corpo de deusa?

    Sorriram nos seus lábios sensuais os seus dentes alvíssimos e a sua voz – cântico harmonioso e embalador – murmurou:

    – É África, continente emancipado.

    Pleno de uma emoção inexplicável, a respiração opressa, o coração perturbado pela novidade feliz, interroguei ainda:

    – E os brancos, os déspotas, onde estão eles?

    Cintilou de novo um sorriso sedutor nos seus dentes alvos:

     – Déspotas, já não há, meu amigo; vai longe o seu tempo. Os bancos compreenderam que não deviam manter o seu predomínio iníquo e os negros conquistaram com a sua fé numa humanidade melhor a sua Independência. Agora, brancos e negros vivem em paz, trabalham juntos e tanto uns como outros têm o mesmo direito à abundância e à alegria que são comuns.

    O sonho terminou aqui. E a visão rápida que de corpos segmentados que baqueiam, de mulheres prostituídas, de povoações incendiadas, de velhos queimados pelas chamas destruidoras, de amantes ultrajados, avolumou-se de súbito, tomou proporções gigantescas, empanou o brilho rutilante do sol e estendeu sobre este mundo ideal a sua asa negra, abafadiça, eliminando da minha alma a impressão radiosa da paz e da bondade – deixando nela gravada apenas a dor de viver numa cidade injusta!”

    Se outro mérito não tivesse esta obra produzida por José Luís Garcia – e tem, e muitos –, já valeria pelo resgatar do esquecimento da figura de Mário Domingues, pouco conhecida e muito menos ainda reconhecida. Leitura recomendava, sobretudo para quem julgar que o sonho da completa emancipação negra e a desejada harmonia racial é “coisa” recente.

    Nota: Até dia 28 de Março encontra-se patente na Biblioteca Nacional uma mostra sobre Mário Domingues na Sala de Referência, sendo a entrada livre. 

  • Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Apesar da falta de transparência da Direcção-Geral da Saúde (na divulgação das causas de morte) e do Infarmed (sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19), o PÁGINA UM faz uma análise detalhadas sobre a mortalidade por todas as causas por grupo etário, comparando os primeiros 60 dias do ano de 2021 com os períodos homólogos de 2016 a 2021. Estamos muito melhor do que no ano passado, mas os números são, para algumas idades, mais elevados do que seria expectável. A pandemia pode já ter acabado, mas os seus efeitos indirectos não.


    Os dois primeiros meses do ano passado foram catastróficos. Os surtos de covid-19, a par do colapso na assistência hospitalar do Serviço Nacional de Saúde em enfrentar também uma vaga de frio sobretudo em Janeiro, causou uma mortandade nunca vista. Nos primeiros 60 dias de 2021 morreram, segundo dados oficiais, 32.777 pessoas, ou seja, uma média de 546 pessoas por dia. A média diária no quinquénio anterior ao surgimento da covid-19 em território português (2016-2020) foi de 377 óbitos, o que mostra bem a verdadeira dimensão da pandemia neste período, embora não possa, e não deva, ser apontada a covid-19 como exclusiva responsável.

    Entretanto, durante a pandemia, foram introduzidas outras relevantes variáveis. Além de um acréscimo de mortalidade por todas as causas observado em Portugal sobretudo no primeiro ano da pandemia, os programas de vacinação vieram, por um lado, dar esperança de redução da letalidade da covid-19, mas também introduziram um receio sobre os seus efeitos adversos quer a curto quer a longo prazo.

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    Embora o PÁGINA UM seja intransigente defensor de análises aprofundadas com base em dados detalhados, nota-se que, infelizmente, as autoridades de saúde são particularmente adeptas do obscurantismo, não cedendo informação essencial.

    De facto, uma análise dos efeitos da pandemia necessitaria, obrigatoriamente, de informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) para aferir as causas distintas da mortalidade para que, dessa forma, se conseguisse separar o efeito directo da covid-19 e a variação do peso das outras doenças na mortalidade total.

    De igual modo, para dar resposta às preocupações sobre os efeitos adversos das vacinas, seria fundamental analisar as causas de morte desde o início dos programas de vacinação e comparar com anos anteriores.

    Não sendo tal (ainda) possível, o PÁGINA UM predispôs-se a fazer uma análise aos primeiros 60 dias de cada ano, entre 2016 e 2022, considerando a mortalidade total (todas as causas). Esta análise teve em conta a prevalência e incidência dos diferentes surtos gripais (2016-2020) e a situação pandémica nos anos de 2021 (ainda com fraca taxa de vacinação) e 2022 (com elevada taxa de vacinação, incluindo reforço de terceira dose nos grupos etários mais idosos).

    black and silver stethoscope beside clear glass mug

    Este breve exercício serve sobretudo para se ter uma rápida percepção sobre a situação pandémica actual face não apenas ao pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021) mas também ao período anterior à pandemia. Saliente-se que, por norma, os dois primeiros meses do ano, na sua totalidade inseridos no Inverno, são os mais mortíferos.

    Caso se pretenda comparar ano a ano deve ter-se em consideração os efeitos dos surtos gripais, que constituem, no Inverno, o principal factor de agravamento da mortalidade.

    Assim temos as seguintes situações:

    2016 – surto gripal com fraca incidência e agressividade;
    2017 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2018 – surto gripal com média incidência e agressividade;
    2019 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2020 – surto gripal (anteriormente ao surgimento da covid-19 em Portugal) com fraca incidência e agressividade.

    Note-se também que os surtos gripais (com efeitos na mortalidade por infecções respiratórias) nunca tiveram impacte nos grupos etários abaixo dos 45 anos, sendo muito pouco relevante até aos 65 anos, e ganhando importância sobretudo a partir dos 75 anos e ainda com mais relevo nos maiores de 85 anos.

    Nesse sentido, as principais conclusões que se pode retirar desta análise do PÁGINA UM são as que apresentam seguidamente, por grupo etário.

    Menores de 1 anos

    Impacte da pandemia completamente nula, e indirectamente até acabou por se observar uma redução na taxa de mortalidade por todas as causas, mesmo tendo em conta a redução dos nascimentos. Note-se que o número de óbitos nesta idade é bastante baixa, tendo em consideração que se registam, em média, cerca de 80 mil nascimentos por ano.

    Óbitos por todas as causas dos menores de 1 ano nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 1 e 4 anos
    Impacte da pandemia completamente nula. Nesta faixa etária a mortalidade por todas as causas é, felizmente, bastante baixa, e os surtos gripais e a covid-19 não têm nem nunca tiveram qualquer relevância. Também não se observam quaisquer efeitos indirectos adversos decorrentes da pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 1-4 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 5 e 14 anos

    Impacte da pandemia completamente nulo, mesmo antes das vacinas. Face aos anos anteriores, 2021 foi mesmo aquele com menor mortalidade (10). Neste grupo etário, os óbitos totais em 2022 foram, no período em análise (60 dias), superiores aos de 2021 (mais cinco óbitos), mas mesmo assim abaixo da média. O programa vacinal contra a covid-19 serviu literalmente para nada.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 5-14 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 15 e 24 anos

    Em comparação com os anos anteriores, 2022 foi o ano com maior número de óbitos neste grupo etário (64), registando-se 12 mortes a mais do que em 2021 (antes do programa vacinal). Em todo o caso, parece-me prematuro, e especulativo, associar o programa vacinal a este excesso de óbitos, uma vez que os números de 2022 estão próximos de alguns do outros anos (2017 e 2019).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 15-24 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 25 e 34 anos

    Embora neste grupo etário a mortalidade por todas as causas seja ainda bastante baixa, no ano passado registou-se um incremento significativo (108 óbitos) face à média do quinquénio anterior (92 óbitos), não podendo associar-se exclusivamente à covid-19, porquanto houve também um pior acompanhamento das outras doenças. Em todo o caso, a mortalidade por todas as causas em 2022 já se encontra em linha com a média.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 25-34 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 35 e 44 anos

    A pandemia não aparenta ter tido impacte na mortalidade neste grupo etário, mesmo se os valores em 2021 (no pior período) foi ligeiramente superior à média do quinquénio anterior (286 vs. 271). Contudo, foi mesmo assim foi inferior ao ano de 2016, que teve até um surto gripal relativamente fraco.

    A mortalidade total em 2022 foi ligeiramente abaixo da média do quinquénio anterior à pandemia (269 vs. 271), mas não aparenta ter qualquer relação com o programa vacinal, tanto mais que o valor está acima do registado em 2020 (237 óbitos).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 35-44 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 45 e 54 anos

    A pandemia teve já um efeito relevante na mortalidade em 2021, com um acréscimo de 17% em relação ao quinquénio anterior (954 vs. 814), chegando a atingir um agravamento de quase 26% face ao ano de 2020. A mortalidade em 2022 encontra-se abaixo da registada em qualquer dos cinco anos anteriores à pandemia, o que pode resultar mais da perda do subgrupo dos mais vulneráveis (falecidos durante a pandemia) do que um efeito directo da vacina.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 45-54 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 55 e 64 anos

    Não parece existirem dúvidas do forte impacte da pandemia (directa e indirectamente) na mortalidade nos primeiros dois meses de 2021 face aos anos do quinquénio anterior, com um excesso de 30%. O número registado em 2022 (1.740) parece-me bastante preocupante, porquanto, com a covid-19 muito menos agressiva e letal, a mortalidade deveria ser muito mais baixa do que a média, o que não sucede. Isso pode indiciar efeitos de outras doenças que não foram suficientemente tratadas durante a pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 55-64 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 65 e 74 anos

    Também nesta faixa etária, a mortalidade em 2021 foi extraordinariamente elevada face à média do quinquénio anterior à pandemia (mais 49%), o que correspondeu a mais 1.494 óbitos.

    A hecatombe neste grupo etário causado pela covid-19 e por outras doenças que passaram a ter menor acompanhamento deveria ter tido como consequência uma menor mortalidade nos tempos mais recentes, mas tal não se está a observar.

    Com efeito, mesmo com a covid-19 menos agressiva, ausência de surtos gripais e população com taxa de vacinação quase total, o número de óbitos por todas as causas foi nos primeiros 60 dias de 2022 superior a qualquer ano do quinquénio anterior à pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 65-74 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 75 e 84 anos

    Tal como no grupo etário anterior, a pandemia teve nos primeiros dois meses de 2021 um forte impacte na mortalidade por todas as causas, com um acréscimo de 42% face à média do quinquénio anterior, resultante de mais 2.850 óbitos. Contudo, ao contrário do que sucede com o grupo etário dos 65-74 anos, observa-se aqui um efeito de “fortalecimento” (ou seja, uma menor mortalidade subsequente a um efeito negativo que implicou a morte dos mais vulneráveis).

    De facto, a mortalidade total em 2022, no período em análise, foi significativamente mais reduzida do que a média no quinquénio anterior à pandemia (6.346 vs. 6.729). Porém, mesmo assim seria expectável valores mais baixos, o que pode indiciar que existem problemas decorrentes da forma como se implementaram as estratégias de saúde pública durante da pandemia, que implicou um enfraquecimento generalizado da população mais idosa.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 75-84 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Maiores de 85 anos

    Durante os primeiros dois meses de 2021, a pandemia teve efeitos extraordinariamente negativos na população mais idosa, com um excesso de mortalidade de 53% face à média do quinquénio anterior (14.955 vs. 9.785), ou seja, mais 5.170 óbitos.

    Este acréscimo foi, aliás, o culminar de meses anteriores, sempre com excesso de mortalidade neste grupo etário, o mais vulnerável à covid-19. No ano de 2022, apesar deste grupo etária quase integralmente (e com dose de reforço) e de um Inverno extremamente amenos e com actividade gripal nula, a mortalidade nos dois primeiros meses esteve acima da média do quinquénio anterior à pandemia (10.156 vs. 9.785).

    Tendo em consideração a hecatombe da pandemia (directa e indirectamente) neste grupo etário, seria expectável agora um número de óbitos muitíssimo menor. Como tal não se observa, tudo indica que subsistem problemas já estruturais decorrentes da gestão da pandemia, mormente ao nível do (des)acompanhamento de doenças crónicas.

    Óbitos por todas as causas nos maiores de 85 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    População global

    Os primeiros dois meses de 2021 foram particularmente dramáticos, com um excesso de mortalidade por todas as causas de 45% face à média do quinquénio anterior (32.777 vs. 22.606), ou seja, um acréscimo de 10.171 óbitos. Note-se, contudo, como atrás se foi referindo, que o impacte esteve longe de ser generalizado. Cerca de 51% deste excesso esteve concentrado na população com mais de 85 anos, que representa pouco mais de 3% da população portuguesa.

    Se considerarmos a população com mais de 75 anos, esse valor sobe para 79%, o que demonstra o particular impacte da pandemia (e dos seus efeitos colaterais) nos grupos etários mais avançados.

    Óbitos por todas as causas na população portuguesa nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Na verdade, no seu pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021), a pandemia não teve qualquer impacte no vasto grupo dos menores de 45 anos (que representam quase metade da população portuguesa). O excesso de mortalidade apenas teve um contributo de 1% no grupo dos 45-54 anos, e de 5% no grupo dos 65-74 anos.

    Um ano depois desta situação, é curioso observar que a mortalidade total se encontra na linha com a média anterior à pandemia, o que parecendo uma boa notícia, não o é. Seria expectável que os valores da mortalidade total estivessem muito abaixo, tendo em conta a “limpeza” dos mais vulneráveis. Por outro lado, mostra-se preocupante observar os “comportamentos” distintos entre os diferentes grupos etários.

  • Estante P1: Fevereiro de 2022

    Estante P1: Fevereiro de 2022

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Um amor incondicional

    Autor

    Francine Rivers

    Editora

    ASA

    Sinopse

    Califórnia, 1850. Um lugar e uma época impiedosos em que os homens vendem a alma por um punhado de ouro e as mulheres vendem o corpo por um lugar para dormir.

    Angel era apenas uma criança quando foi vendida como prostituta. Rapidamente aprendeu a não esperar nada de ninguém… apenas traição. Ao longo dos anos, o único sentimento que a tem alimentado é o ódio por todos os que lhe roubaram a inocência e a deixaram com um irreparável vazio interior.

    Um dia, porém, conhece um homem diferente de todos os outros. Michael Hosea busca o divino em todas as coisas e vê em Angel algo que nem ela própria se permite ver. Michael ama-a incondicionalmente e, aos poucos, vai conquistando um lugar cada vez maior no seu coração.

    Mas com a chegada inesperada desse amor, Angel é tomada por sentimentos incontroláveis de medo e desprezo por si mesma. Há muito que aceitara não haver salvação para a sua alma devastada. Resta-lhe fugir de volta para a escuridão do mundo em que cresceu.

    Título

    Um cão deitado à fossa

    Autor

    Carla Pais

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    Uma serração. Dois irmãos. Dois pesos e duas medidas. A um deles, o mais frágil, o pai tudo dá. Ao outro, reserva toda a sua indiferença e despeito. E entre o barulho da serra, que não para nunca, e o silêncio do pai, cresce Urbano, atrás da sombra da mãe, que se verga, submissa, ao marido.

    O homem e a mulher. O macho e a fêmea. O pai e a mãe. O papel de cada um nesta «ruralidade fechada nos seus próprios fantasmas» a que Carla Pais empresta a voz, num romance que, em última análise, lança uma luz sobre a incapacidade de se ser feliz. 

    Título

    A América e os americanos

    Autor

    John Steinbeck

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    John Steinbeck foi um escritor comprometido com o seu tempo, atento à política, às mudanças sociais, ao mundo à sua volta. Durante trinta anos, a par dos seus famosos romances, escreveu vários trabalhos curtos de não ficção, que foram sendo publicados em jornais e revistas no seu país e no estrangeiro, e através deles construiu um singular registo de uma era.

    A presente antologia reúne mais de cinquenta destes textos, desde artigos que serviram de inspiração para o célebre romance As Vinhas da Ira até ao último livro que publicou, A América e os Americanos, de 1966. 

    Nestas páginas preciosas encontra-se o olhar do jornalista, cobrindo a Grande Depressão norte-americana, a Segunda Guerra Mundial, o Vietname; o testemunho do cidadão, preocupado com o ambiente, com a pobreza, com o racismo; as confidências de um homem, refletindo sobre os lugares onde viveu e recordando os amigos queridos.

    A América e os Americanos e Outros Textos é um retrato essencial de John Steinbeck e um documento inestimável para melhor compreender o seu país.

    Título

    Doce amargura

    Autor

    Paul Lapperre

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Doce Amargura: Vida e morte do império açucareiro Hornung na Zambézia (1888-1988) é a história da Sena Sugar Estates e da aliança anglo-portuguesa entre John Peter Hornung (Pitt) e Laura de Paiva Raposo que lhe deu origem.

    John Peter Hornung, um ousado jovem inglês de origem húngara, introduziu, no final do século XIX, o cultivo comercial da cana-de-açúcar no Baixo Delta do Rio Zambeze, numa aventura pioneira de criação de várias plantações de açúcar, que se pautou pela introdução de maquinaria industrial, novas técnicas, investigação e modernização das práticas agrícolas, lançando as bases para aquela que acabou por se tornar não apenas na maior empresa açucareira de Moçambique, mas também numa das maiores do mundo.

    Numa história que cobre 100 anos da história de África e da Europa, a Sena Sugar Estates evoluiu ao longo de décadas alcançando vitórias e sofrendo contrariedades; e convivendo com as políticas económicas e sociais de Portugal e Moçambique que mediaram os finais do século XIX e a I Guerra Mundial; com o Estado Novo e as políticas mercantilistas e coloniais desenvolvidas por António de Oliveira Salazar; a Grande Depressão; a Segunda Guerra Mundial; a Guerra Colonial e o alvorecer da liberdade na África Portuguesa; e o conflito RENAMO-FRELIMO, até à destruição do sonho de Pitt Hornung.

    Título

    Strindberg – neste Mundo fui apenas um convidado

    Autor

    Cristina Carvalho

    Editora

    Relógio d’Água

    Recensão

    Strindberg: neste Mundo fui apenas um convidado é o novo romance biográfico de Cristina Carvalho, desta feita sobre o escritor sueco August Strindberg, autor de peças como Menina Júlia e de romances como O Salão Vermelho.

    Título

    Pirilampos

    Autor

    Ricardo Gil Soeiro

    Editora

    Assírio & Alvim

    Sinopse

    Um pirilampo e uma mão humana: o gesto luminoso e o ato de criação. Será a carcaça do inseto que se metamorfoseia, ou o corpo do ser que se transhumaniza? Pirilampos é a estreia poética de Ricardo Gil Soeiro na Assírio & Alvim, um livro que tenta responder à questão fundamental: “Quem foi que deixou os pirilampos acesos?”

    Título

    Pensamento Branco

    Autor

    Lilian Thuram

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    Este livro conta a história do pensamento branco, da sua origem e do seu funcionamento, da forma como cria divisões e se espalhou pelo mundo até se tornar universal, ao ponto de contaminar o próprio ar que respiramos.

    O pensamento branco é, há séculos, uma norma, uma fossilização de hierarquias, de esquemas de dominação, de hábitos que nos são impostos. Diz aos brancos e aos não‑brancos o que devem ser, qual o lugar que ocupam.

    Tal como o longo domínio dos homens sobre as mulheres, o pensamento branco está profundamente enraizado nas nossas mentalidades e manifesta‑se quotidianamente. É fundamental que o questionemos se queremos avançar para outro paradigma.

    Não se trata de culpabilizar ou de acusar, mas sim de compreender os mecanismos do pensamento branco, de estarmos conscientes e construirmos novas formas de solidariedade. Não estará na hora de alargarmos os nossos pontos de vista para nos considerarmos todos, finalmente, seres humanos?

    Título

    Bons sonhos

    Autor

    Anders Roslund

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    Um banco habitualmente vazio, num cemitério… Ewert Grens, o solitário polícia, costuma ali sentar-se sempre que a vertigem da realidade se torna demasiado alucinante até para um velho e duro superintendente da polícia aguentar.

    Porém, numa dessas ocasiões, uma mulher senta-se junto dele. Está ali por causa de uma criança, enterrada numa campa sem nome.

    Uma campa vazia.

    Grens sente-se chamado a investigar não só este misterioso desaparecimento como um outro, ocorrido no mesmo dia. Ambas as meninas tinham apenas quatro anos. E a segunda está prestes a ser declarada oficialmente morta.

    Tentando perceber como é que os dois casos estão relacionados, Grens implora, uma vez mais, auxílio a Piet Hoffmann, que se recusa terminantemente a sair da reforma – até que um detalhe importante o desvia das suas melhores intenções.

    Forçados pelas circunstâncias a trabalharem de novo juntos, Grens e Hoffmann penetram no mais sombrio e abjeto reduto da criminalidade, naquele que constituirá um teste radical às suas capacidades profissionais – e à sua humanidade.

    Título

    O Delírio Nazi

    Autor

    Heather Pringle

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Heinrich Himmler, o segundo homem mais poderoso da Alemanha nazi, estava convencido de que a ciência ignorava os feitos heroicos de uma raça primordial: os arianos.

    A convicção do líder das SS, povoada por homens e mulheres louros e de olhos azuis, não passava de pura fantasia – mas era inabalável.

    Em 1935, Himmler fundou um instituto de investigação no âmbito das SS destinado a produzir alegadas provas arqueológicas dessa e de outras ficções do III Reich: o Ahnenerbe.

    Para alcançar o objetivo, que mais não era do que reescrever a história da Humanidade, o arquiteto da Solução Final recrutou uma mistura bizarra de aventureiros, místicos e, também, mais de uma centena de respeitáveis cientistas e académicos alemães.

     As finalidades de tão excêntrica missão, que passaria por expedições a lugares como o Tibete, o Iraque ou a Finlândia, eram decididamente políticas – e, como não tardaria a verificar-se, teriam efeitos criminosos a uma escala até então impossível de conceber.

    Título

    Teorias da Conspiração

    Autor

    Fernando Neves

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    As histórias mais inacreditáveis, os seus protagonistas e as suas origens. Neste livro vamos tentar encontrar explicações sobre o que são, quem são os seus protagonistas e, sobretudo, como se propagam estas Teorias da Conspiração, feitas de histórias mais ou menos fantasiosas que são passadas de boca em boca e que têm atravessado gerações, marcando a nossa forma de ver o mundo.

    Atribuir a origem de um determinado problema a uma entidade externa, a um ser inatingível, invisível aos nossos olhos, é muitas vezes uma solução, na falta de outras explicações mais simples. Procurar alguém em quem colocar as culpas de tudo o que de mau acontece à nossa volta é altamente tentador.

    A explicação mais simples é sempre a mais provável, como dizia a escritora Agatha Christie, mas nem sempre uma explicação é satisfatória ou vai ao encontro do nosso imaginário, podendo mesmo não contemplar uma resposta que permita compreender ou solucionar o dilema, o que leva à criação de teorias mais e menos imaginativas.

    Título

    Mortal e rosa

    Autor

    Francisco Umbral

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    Em Mortal e Rosa, uma surpreendente e terna elegia à infância, Francisco Umbral evoca a morte de seu filho. Desde a inóspita revelação da perda, o escritor constrói um longo monólogo em que a morte do filho converte o seu pesadelo humano numa força catártica e libertadora.

    Umbral procura o reencontro na evocação e cada sensação narrada é um superar da existência inerte, cada objecto uma desculpa para a reflexão: “…cadeiras de verga infantil, espreguiçadeiras graves, cavalos de crina celeste perguntam por ti…”.

    Com “…esta corporalidade mortal e rosa onde o amor inventa o seu infinito” – verso de Pedro Salinas que preludia este texto – o escritor aborda uma cantata de beleza e originalidade máxima, que transborda todos os rancores, porque, como assinala numa frase que bem poderia glosar a obra: “O filho é um relâmpago de futuro que nos deslumbra por um instante. Por ele, pelo meu filho, vi mais além, mais fundo e mais longe, e talvez, aí, isso me baste”.

    Título

    Quando o tempo parou

    Autor

    Ariana Neumann

    Editora

    Penguin Random House

    Sinopse

    Quando era criança, Ariana Neumann gostava de brincar aos detectives. Na ausência de mistérios verdadeiros para resolver, começou a observar secretamente o pai, Hans Neumann, um brilhante industrial e filantropo que acordava à noite a gritar numa língua desconhecida.

    Numa caixa que o pai lhe deixa depois de morrer, Ariana encontra um documento de identidade com a fotografia dele quando jovem, mas com o nome de outra pessoa.

    Essa é a primeira pista sobre um homem que nunca falou do seu passado. Ariana decide ir à procura das suas raízes, descobrindo a origem judaica do pai e as memórias chocantes que ele escreveu quarenta anos depois de fugir de uma Praga ocupada para se esconder, sob uma identidade falsa, no epicentro do poder nazi: Berlim.

    Abrangendo quase noventa anos e dois continentes, este é um livro inesquecível sobre resiliência, esperança e amor no meio da tragédia.

    Título

    A Cláusula Familiar

    Autor

    Jonas Hassen Khemiri

    Editora

    Penguin Random House

    Sinopse

    Duas vezes por ano, um “pai que também é avô” regressa à Suécia para cuidar dos seus interesses e visitar a filha e o filho, que abandonou. Este avô é uma pessoa difícil, ocasionalmente preconceituosa, constantemente crítica, e a sua visita parece ser mais motivada por questões práticas do que por afeto: um acordo tácito vincula o filho a ocupar-se dele a cada regresso e a manter um apartamento em seu nome, para assim ele poder escapar-se aos impostos no seu país de origem.

     Mas agora que este filho se tornou também pai, debatendo-se com o cansaço de uma licença de paternidade, a sua vontade é libertar-se dessa cláusula familiar. Também a irmã, já mãe e novamente grávida, está a contas com a vida. Serão dez conturbados dias de visita que obrigarão cada um dos membros desta família a enfrentar os fantasmas do passado e as tensões do presente.

    Escrito com humor e um olhar atento, A Cláusula Familiar é o retrato divertido, doloroso e verdadeiro das relações familiares nas nossas sociedades modernas e multiétnicas, nas quais um forte desejo de individualismo se conjuga com os valores ancestrais de identidade e pertença.

    Título

    História de uma fraude

    Autor

    E. Lockhart

    Editora

    ASA

    Sinopse

    Imogen é herdeira de uma fortuna, uma cozinheira talentosa e uma hábil impostora.

     Jule é atleta, uma lutadora e um fascinante camaleão social.Entre elas, há uma amizade intensa. Quase obsessiva. O verão que passam juntas é feito de revelações e mistérios.

    Mas isso foi antes… Agora, alguém desapareceu. Algo de fundamental mudou. E uma rapariga brilhante vive em segredo o seu Sonho Americano.

    A autora do inesquecível Quando éramos mentirosos brinda-nos agora com um romance de suspense psicológico – a história de uma jovem que se recusa a ser quem em tempos foi.

    Título

    Breve História do Afeganistão de A a Z

    Autor

    Ricardo Alexandre

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    Com uma linguagem simples e directa, o jornalista Ricardo Alexandre explica-nos o complexo puzzle afegão num livro que resulta de uma pesquisa intensa, de diversas entrevistas e do trabalho do autor enquanto repórter no terreno.

    Recuando a tempos imemoriais, mas focando-se essencialmente no tumulto constante das décadas mais recentes – desde o golpe que derrubou a monarquia de Cabul em 1973 ao regresso dos Talibãs já em 2021, passando pela ocupação soviética e o consequente advento dos mujahedin nos anos 80 – Breve História do Afeganistão é um documento elucidativo que nos ajuda a compreender um país fascinante, profundamente marcado pela guerra e com uma importância estratégica fundamental.

    Título

    A última curva do caminho

    Autor

    Manuel Jorge Marmelo

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    Retirado do fragor apressado da capital e das obrigações mundanas, um velho professor jubilado prepara-se para morrer. Olhando a ruína da casa dos avós a partir da última curva do caminho que ali conduz, recorda o garoto que foi e tudo o que lhe sucedeu depois: o triciclo que teve em África, a primeira bicicleta, o charco dos girinos, os livros que escreveu e as mulheres que amou.

    Partindo de uma pícara lenda familiar e do lento mergulho nas coisas do passado, o catedrático Nicolau Coelho constrói uma narrativa íntima e nostálgica, durante a qual não deixa de ponderar, com certa ironia, sobre a intolerável velocidade das coisas do presente, como a da chamada inteligência artificial.

    Mais do que um romance, A Última Curva do Caminho constitui um acto de resistência e um manifesto em defesa da lentidão, da liberdade individual e do direito à eutanásia, com um enredo marcado pelo processo de envelhecimento, pela doença, pela solidão e pela perplexidade diante da inevitabilidade da morte.

    Título

    Festa pública | Orlando em tríptico e aventuras | Rainhas cláudias ao domingo

    Autor

    Virgílio Martinho

    Editora

    Companhia das Ilhas

    Sinopse

    O singular percurso literário de Virgílio Martinho ficou marcado pela relação próxima que teve com Mário Cesariny e com o “movimento surrealista” do Café Gelo nas décadas de 50 e 60 do século XX (Alexandre O’Neill, António José Forte, António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas, Herberto Helder e Mário-Henrique Leiria outros).

    Em 1958, publicou a novela, de pendor fantástico, Festa Pública, na colecção “A Antologia em 1958”, dirigida por Cesariny Mário Cesariny. O apodo de “surrealista”, que ainda hoje muitos teimam em lhe colar, tem aqui um momento marcante. Na mesma linha, seguiram-se os contos de Orlando em Tríptico e Aventuras (1961), e, noutro registo, Rainhas Cláudias ao Domingo (1972) – três títulos que se reúnem neste volume com que a Companhia das Ilhas inicia a publicação das obras de Virgílio Martinho.

    Em 1970, deu início a uma vertente que se tornará dominante na sua obra, o teatro, com a publicação da peça Filopópulus, na revista Grifo (texto encenado por J. Benite em 1973), seguiram-se dezenas de outros no Grupo de Teatro de Campolide, actualmente Companhia de Teatro de Almada.

    Virgílio Martinho resistiu, com uma bonomia desconcertante, a modas, escolas e movimentos. Quem conviveu com ele lembrar-se-á sempre do seu riso casquinado, cerveja numa mão e cigarro noutra. É isso. Agora, deitamos novas luzes sobre os seus textos. Palcos novos para uma obra que será sempre livre.

    Título

    Almanaque dos espelhos | Os segredos da Jacinta | Brinquedo electrónico essencial

    Autor

    Manuel João Gomes

    Editora

    Companhia das Ilhas

    Sinopse

    É, pois, muito natural que no caleidoscópico Almanaque dos espelhos publicado em 1980 – e que inaugura este presente volume – esteja muito presente todo esse lastro anterior, bem como as marcas inconfundíveis de uma erudição esclarecida que convoca a inspiração de autores aparentemente díspares para os colocar em diálogo. Entre si e com o próprio, a pretexto de umas variações narcísicas.

    Os Segredos da Jacinta traz-nos tudo isso, e mais alguma coisa: porventura um acentuado tom de paródia. Esta sátira do nosso sátiro é publicada em 1982, o ano em que o Papa veio a Fátima (sem revelar o terceiro segredo) em missão de agradecimento por haver sobrevivido a um atentado cometido no ano anterior, em Roma, por um extremista turco – para sobreviver a novo atentado em solo português, desta vez cometido por um padre extremista espanhol. E também o ano em que o porta-contentores Tollan, naufragado em pleno Tejo em Fevereiro de 1980, continua de quilha voltada para o céu mesmo em frente ao Terreiro do Paço, agora já volvido em inédita atracção turística e em parque de estacionamento para gaivotas. Não admira assim que a Jacinta encontre por ali o Peixomem, como o leitor verá.

    Curiosamente foi entre a publicação de um e outro volume, mais exactamente em 10 de Junho de 1981, que ocorreu a tragédia do pequeno Alfredo Rampi. Um caso inolvidável. A RAI esteve em directo durante 18 horas consecutivas, com audiências recorde, o presidente italiano deslocou-se ao local, sucederam-se os voluntários e as tentativas de resgate, mas a cada nova tentativa o pequeno Alfredo apenas caía mais e mais. E aí temos o mote do Brinquedo electrónico essencial (abreviatura de um título consideravelmente mais extenso, como se descobrirá na ocasião) que foi publicado em 1985 e remata este tríptico com glosas, e até personagens, dos volumes anteriores, por entre esquiroletas, serpentelos e sapombas.

    Título

    A liberdade dos futuros – ecorrepublicanismo para o século XXI

    Autor

    Jorge Pinto

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    Outrora sinónimo exclusivo de emancipação, a ideia de liberdade tem sido corrompida por uma visão que a concebe apenas como não-frustração e não-limitação — uma concepção egoísta que deve ser contestada.

    Este livro recupera, à luz dos desafios do século XXI, a ideia republicana de liberdade enquanto não-dominação. E propõe uma política ecorrepublicana que promova o florescimento humano através da construção de uma república não dominadora e ecologicamente sustentável.

    Título

    Beber pela garrafa

    Autor

    Cláudia Lucas Chéu

    Editora

    Companhia das Ilhas

    Recensão

    Beber pela garrafa é o quinto livro de poesia de Cláudia Lucas Chéu. Encontra-se dividido em duas partes: Consanguinidade e Bastardia.

    A primeira parte, é composta por narrativas poéticas de temática familiar; e a segunda, por poemas de amor e desgosto, na ambiência da metrópole e do subúrbio.

    Título

    Poemas em prosa

    Autor

    Stéphane Mallarmé

    Editora

    Assírio & Alvim

    Sinopse

    Os textos que aqui se traduzem configuram a primeira parte de Divagações, livro publicado em 1897.

    Nestes escritos a que o autor gostava de chamar “poemas críticos”, ou “anedotas”, a linguagem, ritmo e prosódia de cada palavra comunicam entre si.

    Partindo da narração de episódios tão poéticos quanto prosaicos – um passeio de coche em direcção a uma feira, o som de uma palavra e suas sombrias analogias –, Mallarmé, nunca nomeando directamente o objecto da sua reflexão, mas aludindo aos seus matizes e atmosfera, coloca o papel activo de decifrar as imagens de cada historieta no próprio leitor.

    Caberá a ele fruir das longas frases que invertem a sua ordem natural e se desdobram numa lógica sinuosa, absorvendo lentamente a música e o sentido desta poesia.

    Título

    O caminho do burro

    Autor

    Paulo Moreiras

    Editora

    Visgarolho

    Sinopse

    O Caminho do Burro é uma antologia dos melhores contos escritos por Paulo Moreiras, entre 1996 e 2017, que andavam dispersos por diversas publicações, algumas hoje esquecidas ou de difícil acesso.

    Contos onde o picaresco e a malícia do povo português andam de braço dado com as invejas e as cobiças de gente ruim e sem escrúpulos. Uns à procura de uma vida melhor, do amor, da amizade e outros a engendrar estratagemas a fim de estragar os bons planos do vizinho.

    Um retrato irónico, mordaz e cheio de humor sobre as grandezas e misérias de ser português, com os seus toques de malandro, pinga-amor e desenrascado. Tudo embrulhado pela riqueza vocabular a que Paulo Moreiras já nos habituou. Contos para comer, beber e rir por mais, que assim se dizem as verdades.

    Título

    A afirmação negra e a questão colonial

    Autor

    Mário Domingues (coord. José Luís Garcia)

    Editora

    Tinta da China

    Recensão

    Foi em 1919, há mais de um século, que Mário Domingues publicou num jornal o seu primeiro texto em defesa dos negros, intitulado “Colonização”.

    Jornalista, cronista, escritor, nascido em S. Tomé e Príncipe, atento ao activismo do movimento negro por todo o mundo, foi construindo a partir daí, e até 1928, uma precursora obra de «rebeldia negra» na imprensa em Portugal.

    Este livro recupera a maioria dos textos de Mário Domingues, injustamente esquecidos, onde este escreve, muito à frente do seu tempo, sobre a condição dos negros, o racismo e a colonização, denunciando de forma arrojada preconceitos e discriminações, e expondo corajosamente a violência do colonialismo e de todas as formas de subjugação.

    Além disso, José Luís Garcia, que reuniu estas crónicas, apresenta-nos um ensaio introdutório sobre a obra, a vida e o contexto de Mário Domingues, “um dos maiores símbolos da passagem do negro de uma condição de subalternidade na sociedade portuguesa para autor da sua vida”, e um verdadeiro “antecessor da afirmação negra”.

    Título

    Vidas seguintes

    Autor

    Abdulrazak Gurnah

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Após fugir da aldeia onde nasceu, numa região fustigada pela pobreza, pela fome e pela doença, o jovem Ilyas chega a uma pequena cidade costeira onde assiste a um desfile da Schutztruppe, a feroz tropa de protecção da África Oriental Alemã.

    Anos mais tarde, perante a iminência de uma grande guerra entre Britânicos e Alemães, que estalaria em Tanga, em 1914, Ilyas decide juntar-se a esse mesmo exército de mercenários africanos, prometendo à sua irmã mais nova voltar muito em breve.

    A promessa fica por cumprir, e o paradeiro desconhecido do irmão ensombra a vida de Afiya até que ela conhece Hamza, um desertor generoso e sonhador que conseguiu escapar aos horrores da guerra. Entre ambos nascerá uma história de amor improvável que ligará as duas famílias, e os continentes africano e europeu.

    Entrelaçando história e ficção, Vidas seguintes é um romance lúcido e trágico sobre África, o legado colonial e as atrocidades da guerra, bem como as infinitas contradições da natureza humana.

  • PÁGINA UM obriga Direcção-Geral da Saúde a divulgar documentos que escondeu durante mais de quatro meses

    PÁGINA UM obriga Direcção-Geral da Saúde a divulgar documentos que escondeu durante mais de quatro meses

    A Direcção-Geral da Saúde escondeu desde Outubro o acesso aos documentos solicitados sobre os trabalhos da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV), mesmo após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Disse hoje que vai disponibilizar todos os pareceres daquela entidade no seu site. Uma vitória do jornalismo sobre o obscurantismo da Administração Pública.


    Após contínuas diligências do PÁGINA UM, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) promete agora publicar a totalidade de todos os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) realizados no decurso da pandemia. Até agora apenas se conhece o parecer relativo às crianças, divulgado em Dezembro passado, mas nunca foi disponibilizada, nem permitido o acesso, a qualquer documentação sobre os trabalhos dessa entidade criada por Graça Freitas em Novembro de 2020.

    clear glass bulb on human palm

    A CTVC, constituída por um vasto conjunto de especialistas em medicina e epidemiologia, tem como funções, entre outras, recomendar grupos-alvo da vacinação COVID-19 e a sua priorização, e ainda propor e acompanhar o desenvolvimento de estudos sobre a vacinação e as vacinas utilizadas em Portugal.

    Esta decisão da DGS em conceder acesso universal aos documentos foi comunicada esta tarde ao PÁGINA UM, e aparenta constituir o epílogo de uma árdua e solitária “batalha” para o acesso a documentação vital para a compreensão da pandemia e a avaliação da gestão das políticas de saúde.

    E constitui sobretudo uma mudança radical desta entidade, que nunca se mostrou, até agora, favorável à prática do chamado “arquivo aberto”.

    Com efeito, o PÁGINA UM começou há quatro meses a solicitar o acesso a esta documentação, ainda quando estava a preparar o projecto jornalístico.

    Em 26 de Outubro do ano passado, foi endereçado um pedido expresso à DGS, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), para “acesso a todos e quaisquer pareceres técnicos, pareceres e outros documentos considerados documentos administrativos” relacionados com a CTVC.

    O PÁGINA UM referiu então que deveriam ser igualmente disponibilizados os ofícios enviados por Graça Freitas à ministra da Saúde, Marta Temido, “contendo o(s) dito(s) parecer(es) e recomendações, e também todos e quaisquer documentos escritos ou sob a forma áudio ou audiovisual de especialistas consultados pela CTVC”, bem como as actas de reuniões.

    A DGS remeteu-se ao silêncio, e o PÁGINA UM apresentou uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em 11 de Novembro.

    A CADA apenas se pronunciaria em 20 de Janeiro do presente ano – 48 dias úteis após a queixa, sendo que a legislação lhe impõe um máximo de 40 dias para uma decisão –, através de um parecer em que referia que, “no quadro exposto, salvo razão para alguma não satisfação do pedido, que haverá de ser a entidade requerida [DGS] a comunicar directamente ao requerente [PÁGINA UM] deverá ser facultado o acesso” aos documentos da CTVC.

    Cópia do e-mail enviado hoje ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde

    Saliente-se que a DGS, que nem sequer respondera à CADA quando convidada a pronunciar-se, tinha de dar acesso ao documento ou dar uma justificação ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias úteis, ou seja, até 3 de Fevereiro. Também nada fez.

    O PÁGINA UM também procurou saber, junto dos partidos com assento no próximo Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN), que comentários faziam sobre esta atitude de recusa da DGS, mas não obteve qualquer resposta aos e-mails enviados em 21 de Fevereiro. Nenhum, partido, note-se, mostrou interesse em ver a DGS a cumprir um parecer da CADA e a aplicar o princípio do “arquivo aberto” da Administração Pública, consagrado numa legislação criada já em 1993.

    Recorde-se ainda que o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação nacional que, durante a pandemia, solicitou documentação escondida pela DGS.

    Até à data, o PÁGINA UM já solicitou informação distinta, mas bastante detalhada, em oito situações concretas, invocando sempre a LADA. Com excepção de um pedido ainda com o prazo legal de 10 dias em curso, a directora-geral da Saúde tem optado até agora, e de forma sistemática, em indeferir tacitamente – isto é, opta por manter o obscurantismo da Administração Pública, e nem sequer responde.

    A abertura agora da DGS em disponibilizar os documentos da CTVC, após todas as diligências do PÁGINA UM, pode ser assim o princípio de uma nova era.

  • Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias

    Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias


    Se desejarem perceber a razão do título, então terão de acompanhar-me num breve exercício de História. Não prometo que entenderão, mas fica o convite para me acompanharem.

    Vamos para o século XVIII. Século de guerras. Como todos, infelizmente. Mas este começou o rufar de tambores bem cedo.

    Entre 1700 e 1721, deu-se a chamada Grande Guerra do Norte, que envolveu a Rússia, Dinamarca-Noruega e Saxónia-Polónia, que desafiaram a supremacia da Suécia na zona do Báltico.

    Abrangeu todo o período da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), onde andaram em pleitos sangrentos, entre outros Estados, o Sacro Império Romano, Áustria, França, Baviera, Portugal e duas facções de Espanha. O nosso marquês das Minas chegou até a tomar Madrid por uma quarentena de dias em 1706, acabando escorraçado pelo povo espanhol.

    Pela Europa a paz deambulou por quase duas décadas. Ressurgiu com a sucessão do trono: o da Polónia, para o qual até um irmão do nosso D. João V esteve candidato. Resolveu-se com uma guerra que começou em 1733 e terminou cinco anos mais tarde, com refregas sanguinolentas entre austríacos, franceses, sardos, espanhóis e pretendentes ao trono daquele país.

    people gathering on street during nighttime

    Não houve duas sem três. Chegado o ano de 1740, veio a Guerra da Sucessão Austríaca, até 1748, tomando-se de agressivas razões austríacos, bávaros, holandeses, britânicos e espanhóis. Neste ínterim, Áustria e Prússia ainda tiveram tempo de se guerrear pela posse da Silésia, território hoje quase todo pertencente à Polónia, mas ainda com pedaços na Alemanha e República Checa. O primeiro período de guerras foi de 1740-1742, depois 1744-1745 e, por fim, 1752-1762.

    Apanhou assim a muito conhecida Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que foi uma verdadeira guerra mundial nos principais continentes, e que contou com os “suspeitos do costume”: Áustria, França, Grã-Bretanha, Prússia, Rússia, Suécia, e claro também Portugal e Espanha – que onde esteve um, esteve outro, sempre opostos.

    Como maus vizinhos, a Espanha chegou a invadir-nos, mais uma vez, à conta de sermos aliados dos britânicos, coisa que se resolveu a contento na denominada Guerra Fantástica – nuestros hermanos foram mais derrotados pelas diarreias e pelo Tejo do que pelas armas lusitanas.

    Resumamos a “coisa” até ao final do século, até porque não é somente de guerras que este texto trata.

    Portanto, ainda tivemos a conhecida Revolução Americana (1775-1783), e não havendo pouca, ainda lhe sucedeu a Revolução Francesa, a partir de 1787, que não acabaria, com as suas batalhas e ajustes de contas, antes da chegada de novo século.

    Isto foi na Europa, porque nas colónias dos países europeus muita bordoada houve. No continente asiático contabilizam-se as guerras carnáticas – na região sul da Índia – envolvendo França e Grã-Bretanha quase ininterruptamente entre 1701 e 1761. Na América do Norte houve a Guerra da Rainha Ana, entre 1702 e 1713.

    Podemos ainda incluir aqui, de fugida, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), em Minas Gerais, envolvendo bandeirantes paulistanos e colonos portugueses recentes, por conta do ouro. Mais acima, entre 1715 e 1717 tem de se contar com Guerra de Yamasee, entre colonos britânicos e indígenas.

    Na zona do Caribe, bem como na Flórida e Geórgia, entre 1738 e 1748 decorreu a denominada Guerra da Orelha de Jenkins – que teve, como seu casus belli, a orelha cortada de um capitão britânico por um outro espanhol. A Espanha também se meteu.

    Mais para norte, também franceses andaram com britânicos a banharem-se em sangue entre 1744 e 1748, na denominada Guerra do Rei Jorge. Anos depois, em 1754, meteram-se os Cherokee ao barulho. Somente cessaram hostilidades em 1763.

    No último quartel do século XVIII ocorreu ainda, fora da Europa, a primeira fase das Guerras Maratha (1775-1782), em território colonial britânico na Índia. E ainda antes do final desse centúria, na região da África do Sul, deram-se, em 1779, os primeiros tiros das Guerras da Fronteira do Cabo, entre o povo xhosa e os holandeses e mais os ingleses. Duraram quase um século.

    Apenas uso o século XVIII, por ser centúria que a Enciclopédia Britânica lista com muitas guerras e poucos anos de paz. E escolhi o século XVIII e não o XIX, porque este ainda teve mais guerras: 36. E o século XX uma mais: 37.

    Mary and Jesus statue

    Com duas décadas e mais uns pós no século XXI, a Enciclopédia Britânica conta apenas três guerras (desconta os “pequenos” conflitos, mesmo se sanguinários): Afeganistão (2001-2014), Guerra do Iraque (2003-2011) e Guerra Civil da Síria (desde 2013).

    Notem: sendo certo que, nas últimas décadas, “apenas” houve três conflitos intensos, todos tiveram vários anos de duração.

    Assim, mesmo tendo em conta as horríveis fatalidades do actual conflito, a histeria quase generalizada que campeia pela imprensa, pelos políticos e pela população, numa época de globalização e de manipulação, está a reunir todos os ingredientes para se transformar tudo isto numa terrível e carnificina guerra. Exige-se coração frio e cabeça calma.

    Saibamos uma coisa: Putin é como aquele meliante que enquanto jovem se foi “alimentando” do desleixo exterior quanto à educação das crianças, foi bebendo do desprezo de adolescente, mas que agora, enquanto ele empunha a arma no assalto, surge um coro de co-responsáveis por inércia e inerência a chamar-lhe nomes feios.

    Caramba! Agora?! O homem, sendo facínora, está armado (na verdade, com um arsenal nuclear) e é imprevisível? Qual é a parte que não se percebe?

    Putin não é um comboio que apenas quer derrubar um país, ou até o Mundo, e que tem de ser parado.

    Putin é um comboio sim, e nada amistoso, mas está já em andamento. Não pára só porque lhe acenamos que tem de parar.

    Agora é que se quer atacá-lo com cocktails molotov à la suicida, enquanto se grita mais nomes feios? Será essa a solução para evitar males maiores?

    [Porque, nesta fase, já haverá, infelizmente, muitos males, mas muitos mais a evitar]

    Ou deverá simular-se uma fuga estratégica à la D. João VI – reflictam bem sobre ela, porque foi de grande argúcia –, para depois, com mais calma e melhor estratégia, atacar o inimigo em outras condições, como se fez no século XIX com Napoleão Bonaparte?

    brown concrete statue of a man

    E agora a pergunta retórica: que tem isto a ver com o título do texto?

    Tudo, ou nada.

    A História, minhas senhoras e meus senhores.

    A importância da História.

    A importância de sentir que esta não é a primeira batalha do Mundo, ou já guerra, como se queira, e nem seguramente será a derradeira.

    E, em suma, a importância de fazer e sonhar, de imaginar e cogitar, de dizer disparates e de ideias brilhantes, de não ter medo de opinar, de não ter receio em dizer uma idiotice. Calarmo-nos, ou impedir que outros falem – ou não queiram falar – pode sempre, é certo, poupar-nos de ouvir idiotas; mas também evitar que tenhamos homens com coragem para ideias brilhantes.

    Não queiram calar pessoas.

    Não queiram impor um mundo maniqueísta.

    Não permitam a manipulação, mesmo se parecer boa.

    Não cometam injustiças apenas porque há um tempo indecente e facínora de uma determinada nacionalidade.

    Não queiramos um Mundo impoluto de idiotas apenas porque ficou, o Mundo, destituído de ideias.

  • Em ambiente de crise, Expresso e sobretudo Público ‘transformaram-se’ em jornais digitais, e DN ‘desaparece’

    Em ambiente de crise, Expresso e sobretudo Público ‘transformaram-se’ em jornais digitais, e DN ‘desaparece’

    Em teoria, durante a pandemia, nunca houve tanto tempo para ler e tanta notícia para dar. Contudo, em dois anos, as perdas dos principais títulos da imprensa escrita generalistas foram brutais, sobretudo em banca. Apenas Público e Expresso mostraram bons resultados na aposta no digital, mas são maioritariamente jornais digitais. Depois da covid-19, o conflito russo-ucraniano é olhada com o desespero de um náufrago buscando uma boia.


    Os dois anos de pandemia reforçaram o processo de digitalização dos principais títulos da imprensa nacional, e quem mais apostou nesta via conseguiu até recuperar os números de circulação mesmo com vendas em banca a diminuírem.

    De acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), divulgados esta semana e analisados em detalhe pelo PÁGINA UM, a circulação digital paga entre o último trimestre de 2019 – imediatamente antes da pandemia da covid-19 – e o quarto trimestre do ano passado aumentou 63% nos principais títulos nacionais do segmento de informação geral (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Expresso, Jornal de Notícias, Público, Sábado e Visão).

    Essa subida contrasta, porém, com uma forte queda da circulação impressa paga, ou seja, das vendas em banca. Considerando que se está perante quatro diários e três semanários, as vendas em papel desceram, no conjunto, de 1.026.752 exemplares por semana para apenas 692.308, uma redução de 334.444 exemplares, ou seja, menos 33%.

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    O crescimento no digital deveu-se sobretudo a dois títulos: Público e Expresso, que se estão a transformar em jornais digitais. O conhecido semanário fundado por Pinto Balsemão em 1973 – e que apenas em finais da década de 1990 criou o seu site com cobertura noticiosa diária – registou nos últimos dois anos um crescimento de quase 18 mil assinaturas digitais, passando de 30.382 para 48.171.

    A circulação digital do Expresso ultrapassou, pela primeira vez na história deste título, as vendas em banca, que foram em média de apenas 47.275 em cada semana no último trimestre de 2021.

    Em todo o caso, mesmo somando a circulação digital e impressa, o semanário actualmente dirigido por João Vieira Pereira é agora uma sombra do passado: está já bastante abaixo dos 100.000, quando no seu melhor período (terceiro trimestre de 1995) chegou a alcançar, ainda sem edição online, os 169.454 jornais vendidos por edição.

    Se a digitalização do Expresso constitui uma tendência, no caso do Público é já um facto, que foi fortemente reforçado durante a pandemia. Segundo a APCT, a circulação digital paga do diário dirigido por Manuel Carvalho tinha superado pela primeira vez as vendas em banca no quarto trimestre de 2019, mas de forma ainda ligeira (19.564 vs. 17.025). Contudo, uma política de marketing agressiva durante a pandemia catapultou as assinaturas digitais que subiram, no último trimestre do ano passado, para as 40.456, ou seja, um acréscimo de 107%.

    Circulação paga digital no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.

    Porém, mantendo uma tendência na última década, as vendas em banca do Público registaram um decréscimo significativo: menos cerca de cinco mil exemplares diários a menos entre o último trimestre de 2019 e o de 2021. O diário do Grupo Sonae, que vendeu uma média diária de 11.619 exemplares em banca entre Outubro e Dezembro do ano passado, chegou a atingir o seu máximo no terceiro trimestre de 2002, com 59.971 exemplares por edição diária. O Público é hoje, na verdade, sobretudo um jornal digital, que já regista um peso de 78%.

    Nos outros títulos nacionais de informação generalista, o período de pandemia não lhes fez bem, tanto mais que, para estes o digital continuou a ser quase marginal, o que acentuou o peso das quedas nas vendas em banca.

    O Correio da Manhã, que continua a ser o jornal com mais vendas em papel, teve uma queda de 30% em banca neste período. Foram menos cerca de 20 mil exemplares diários. A subida das assinaturas digitais neste período foi irrelevante: somente mais 864.

    O Jornal de Notícias – que em 2009 ainda vendia acima dos 100 mil exemplares por edição diária – apresentou vendas em banca de apenas 24.227 exemplares no último trimestre do ano passado. Estes valores mostram uma queda de 37% nas vendas de jornal em papel, que nem sequer tiveram qualquer compensação no digital. No período da pandemia a circulação digital até decresceu (menos 933 assinaturas).

    A situação do Diário de Notícias – ainda classificado como jornal de âmbito nacional – é um caso à parte destes títulos. O título do Grupo Global Media, dirigido por Rosália Amorim, vendeu apenas 1.866 exemplares diários no último trimestre de 2021, a que acresceram 1.834 assinaturas digitais.

    Imediatamente antes da pandemia (último trimestre de 2019), as vendas em banca situavam-se nos 4.791 exemplares diários. No início do presente século, este diário vendia mais de 65 mil exemplares diários em banca. De histórico jornal, o Diário de Notícias vende agora muito menos do que periódicos regionais como o Diário de Notícias da Madeira, o Diário de Aveiro e o Diário de Coimbra.

    Circulação paga impressa no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.

    Nas revistas semanais generalistas, o cenário também não é animador. A Sábado, agora dirigida por Sandra Felgueiras, teve uma forte perda de vendas em banca nos últimos dois anos: menos 19.013 exemplares, uma queda de 48%. A subida na circulação digital paga neste período foi relativamente forte, mas com números absolutos baixos: mais 2.830, situando-se agora nos 4.718.

    Já a Visão, liderada por Mafalda Anjos, perdeu em todas as frentes: banca e digitais. A circulação impressa – que continua a ser o forte desta publicação – caiu 24% nos últimos dois anos, tendo vendido apenas 24.523 exemplares por edição. A Visão chegou a vender muito mais de 100 mil exemplares em cada semana.

    Para Eduardo Cintra Torres, professor universitário e colunista do Correio da Manhã, estes números revelam uma situação de crise generalizada da imprensa que a pandemia apenas agravou. “Nos últimos dois anos, houve imensos quiosques que encerraram por causa da pandemia, muitos nem irão reabrir”, destaca este especialista em comunicação, para quem “o modelo digital trouxe vantagens, mas também problemas como a pirataria de conteúdos e uma diminuição das receitas da publicidade”.

    Considerando ainda que as novas gerações estão pouco atreitas a hábitos de leitura e ao papel, Cintra Torres reconhece a necessidade de se encontrarem soluções financeiras para os media. “Na França, por exemplo, existe já uma forte subsidiarização dos media por parte do Estado; existem também programas como os do Google e do Facebook, mas isso coloca depois problemas na independência dos órgãos de comunicação social”, diz.

  • A Cultura no Página Um

    A Cultura no Página Um


    Não será necessário, julgo, explicar ao leitores do PÁGINA UM a relevância e importância da Cultura, nem das Artes nem da Ciência e do Conhecimento.

    A Cultura é aquilo que nos faz humanos, mesmo no meio da desumanidade. A Cultura nos separa dos animais, mesmo quando, ou sobretudo quando, a selvajaria nos rodeia.

    Este projecto jornalístico não poderia, assim, descartar-se da Cultura.

    Até por ser ter um lugar especial no meu coração, no meu cérebro, em todo o meu corpo e alma.

    Durante uma fase importante da minha formação como pessoa, sobretudo entre os 35 e os 45 anos, dediquei-me com paixão à escrita, publicando quatro romances e três livros de crónicas de carácter histórico. E, além de ensaios na área do Ambiente, fiz algo que muito me honra: redescobri, para a História da Literatura, o pioneiro do romance moderno português, o injustamente esquecido Guilherme Centazzi, com o seu O Estudante de Coimbra.

    Mesmo se, nos últimos anos, por vicissitudes e escolhas várias, me “ausentei” da escrita literária, a Cultura tem-me acompanhado, nem que seja através da minha biblioteca e dos ensinamentos para a vida.

    Por esse motivo, a Literatura será um dos temas fortes da secção de Cultura do PÁGINA UM.

    Além da Estante de novidades que as diversas editoras nos enviam, farei pessoalmente uma selecção daquelas obras que considero mais relevantes, podendo estas serem novidades ou reedições.

    De igual modo, e tendo em consideração o meu carinho especial pelo romance do género histórico, procurarei revelar obras e autores que o foram praticando desde o século XIX. Tenho, para tal, uma vasta bibliografia que me dará para mais de mil títulos e centenas de autores.

    O PÁGINA UM tem também o prazer de contar já com diversos colaboradores neste secção para a recensão de livros (ficção e não-ficção), a saber: Ana Luísa Pereira, Bruno Anselmi Matangrano, Conceição Carneiro, Isabel de Almeida, Luís Serpa e Zuraida Guedes.

    Em breve serão publicadas as primeiras recensões, algumas também da minha safra.

    Na medida das possibilidades, e da abertura das actividades culturais à normalidade, o PÁGINA UM tentará também fazer a divulgação e “análise” em outros sectores.

    Nessa medida, esta secção de Cultura do PÁGINA UM também é vossa; e assim estamos desde já abertos à colaboração daqueles que se considerarem úteis e capazes.

    Obrigado por nos acompanharem.