Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Organismo norte-americano que faz gestão da covid-19 corrigiu número de óbitos, que caíram em todos os grupos etários, mas especialmente nas idades pediátricas. Porém, desde o início do ano, os números alarmantes de supostos internamentos e mortes de menores nos Estados Unidos fizeram parte da campanha comunicacional para convencer pais a vacinarem as crianças contra a covid-19.


    Um alegado erro informático “limpou” mais de 72 mil mortes indevidamente atribuídas à covid-19 em 26 estados norte-americanos, incluindo 416 óbitos em crianças, admitiu ontem o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o organismo federal que supervisiona a gestão da pandemia naquele país da América do Norte. A justificação do CDC, apresentada em comunicado à agência Reuters, remete para “ajustes de mortalidade do Covid Data Tracker em 14 de Março, porque o algoritmo estava contando acidentalmente mortes que não estavam, relacionadas com a covid-19”.

    A correcção administrativa das mortes atribuídas à covid-19 atingiu todas as faixas etárias, mas no caso dos menores de 18 anos a redução foi de 24%, passando de 1.757 óbitos para 1.341.

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    Tendo em conta que a população menor de idade nos Estados Unidos ronda os 74 milhões (22,3% do total), segundo o United States Census Bureau, o número de mortes nesta faixa etária é o equivalente a 31 óbitos em Portugal para o grupo homólogo.

    Recorde-se que, em Portugal, apenas se registaram até ao momento a morte de quatro menores de idade, todos com graves comorbilidades. E saliente-se também que os Estados Unidos tem sido um dos países desenvolvidos que mostra maiores disparidades sociais em termos de impacte da covid-19, com a incidência da hospitalização a ser quatro vezes superior na população negra adulta em comparação com a população branca.

    O jornal digital Washington Examiner, de postura política conservadora, adiantou, entretanto, que a Covid Data Tracker empolou sobretudo as mortes de menores nas primeiras semanas de 2022, numa altura em que se intensificavam os programas de vacinação. Muitos órgãos de comunicação social, também em Portugal, foram aliás lestos a divulgar uma onda de internamentos de crianças nos Estados Unidos, que aparenta agora ter sido falsa.

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    Uma notícia da Agência Lusa no início de Janeiro, reportando o internamento de “cerca de 1.000 crianças” norte-americanas num só dia, teve eco, por exemplo, no Diário de Notícias, no Observador e na SIC.

    Com um título mais alarmante, o canal televisivo da Impresa noticiaria, em 17 de Janeiro, que a Ómicron seria a responsável por aquela situação.

    Ainda recentemente, na edição de 11 de Março, o jornal britânico The Guardian relatava que “um terço de todas as mortes infantis” por covid-19 nos Estados Unidos tinham ocorrido durante o surto da Ómicron. Fazia crer assim que esta variante, claramente menos letal para a população mais vulnerável, poderia ser afinal mais perigosa para crianças e adolescentes.

    Algo que, com a correcção do CDC, mostrou ser falso. O jornal do Reino Unido viria mesmo a rectificar a notícia original anteontem, passando a titular que afinal, em vez de um terço (33%) das mortes era “um quinto” (20%), anotando também que o erro da notícia se devera a “um erro de codificação” do CDC.

    Apesar do alarmismo em redor da covid-19 em idade pediátrica, o impacte efectivo neste grupo populacional é irrelevante no ponto de vista da saúde pública. De acordo com dados do CDC, os menores de 5 anos representam 6% da população e apenas constituem 0,1% dos óbitos causados pela pandemia, o que contrasta com a situação dos maiores de 85 anos: são apenas 2% da população dos Estados Unidos, mas aí se concentraram 26,7% dos óbitos. A população com mais de 65 anos (16,5% do total) registou 75,2% de todas as mortes por covid-19.

    Em Portugal, a mortalidade por covid-19 ainda é mais residual nas faixas etárias inferiores. Os menores de idade representam cerca de 17% da população, e os quatro óbitos registados constituem 0,02% do total. Já a população com mais de 60 anos concentra 95,5% da mortalidade atribuída à covid-19, representando 30% da população.

  • José Alberto Carvalho pode (ainda) chamar negacionistas a pessoas não-vacinadas

    José Alberto Carvalho pode (ainda) chamar negacionistas a pessoas não-vacinadas

    Pela terceira vez, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social arquivou queixas por jornalistas usarem o termo “negacionista” de forma generalizada. Desta vez o visado foi o pivot e jornalista da TVI. Segundo estatísticas que não revela, a TVI defende que os críticos das restrições impostas para controlo da pandemia apresentam tendencialmente taxas de vacinação contra a covid-19 e logo de imunização mais baixas do que a população em geral.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que o uso do termo “negacionista” pode ser usado livremente por jornalistas. Numa deliberação tornada pública esta semana no decurso de duas queixas contra as declarações do jornalista da TVI José Alberto Carvalho no programa Global, com Paulo Portas, aquela entidade reguladora presidida pelo juiz Sebastião Póvoas garante que o uso das expressões “negacionistas, por exemplo”, num contexto em que se abordava pessoas imunodeprimidas, não constitui “falta de rigor ou de violação do dever de imparcialidade, nem parecendo ficar em causa a devida cultura de tolerância, de não discriminação e inclusão”.

    Em causa estava um comentário do jornalista José Alberto Carvalho – que recentemente recuperou a carteira profissional, com o número 7128, no decurso de uma notícia de 30 de Janeiro passado do PÁGINA UM – em conversa com Paulo Portas sobre a vacinação com a terceira dose contra a covid-19 no programa Global, onde aquele ex-político comenta uma diversidade de assuntos.

    José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que recentemente recuperou a carteira profissional de jornalista.

    Quando Paulo Portas se referia ao novo antiviral da Pfizer, indicando ser “muito importante para gente que tem hospitalização, que está imunodeprimida, ou que não está suficientemente imunizada”, o pivot da TVI retorquiu: “os negacionistas, por exemplo”.

    Apesar de “negacionista” ser termo considerado altamente pejorativo – o PÁGINA UM foi já acusado, de forma difamatória, pela CNN Portugal e outros órgãos de comunicação social com a clara intenção de denegrir a sua credibilidade e rigor –, a ERC parece, em todo o caso, ser agora menos liberal no seu uso.

    Numa deliberação de 9 de Dezembro passado, a ERC arquivara uma queixa contra a Visão por considerar que, apesar de “em termos históricos, a negação da existência do Holocausto foi cunhada de ‘negacionismo do Holocausto’”, tal “não condiciona a utilização da palavra unicamente neste contexto”, aditando que esta “tem sido utilizada para descrever pessoas e grupos de pessoas que negam os conhecimentos científicos, à data, sobre a covid-19”.

    Desta vez, porém, a ERC já diz que “não se escamoteia a dimensão errónea, parcial e pejorativa, e o potencial discriminatório, do uso da expressão ‘negacionista’ quando visando referir ou representar o universo das pessoas não vacinadas contra o coronavírus SARS-COV-2, pois que este universo de pessoas, manifestamente, abrange uma multiplicidade de realidades socioeconómicas, de situações clínicas, e de motivações subjectivas no exercício das liberdades fundamentais que não podem ser, de todo em todo, subsumíveis à da negação dos conhecimentos científicos existentes, à data, sobre a covid-19.”

    A ERC acaba por ilibar José Alberto Carvalho sobretudo por interpretar que o comentário daquele jornalista “contextualizada nos termos descritos, não parece ser suscetível de confundir ‘pessoas não imunizadas’ com ‘pessoas negacionistas’”.

    Neste processo, em defesa de José Alberto Carvalho, a TVI referiu que o comentário “não é minimamente injurioso, uma vez que não qualifica positiva ou negativamente o negacionismo nem se dirige em concreto a ninguém identificado ou identificável”.

    Por outro lado, sublinha que José Alberto Carvalho se limitou “a partir do princípio, estatisticamente correcto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”.


    NOTA DA DIRECÇÃO DO PÁGINA UM


    Tenho sido extremamente crítico sobre grande parte das restrições impostas na gestão da pandemia, e isso não me coloca como um negacionista, qualquer que seja a acepção que se deseje usar. Negacionista é uma expressão que reputo de altamente ofensiva e difamatória. Tenho pautado a linha editorial do PÁGINA UM na escrupulosa procura de informação e seguindo preceitos de rigor científico.

    Por isso mesmo, é de uma ignorância atroz – diria mesmo estupidificante –, a TVI e José Alberto Carvalho considerarem que quem critica a gestão da pandemia ou quem opta por não se vacinar seja negacionista e com imunidade mais baixa do que a população em geral.

    A protecção contra a covid-19 depende não só de variáveis como a idade e o sexo – daí ser até contraproducente vacinar universalmente populações jovens saudáveis e dever ter-se prudência em vacinar jovens do sexo masculino – como também do contacto prévio com o vírus.

    No meu caso pessoal, sendo crítico da gestão pandémica, a minha opção por não me vacinar advém de um dado científico: em Dezembro do ano passado fiz um teste serológico com um resultado de 427 BAU/ml para anticorpos IgG. Garanto que é uma imunidade mais alta do que a população em geral.

    Na próxima semana farei novo teste serológico, porque acredito na Ciência e nos diagnósticos.

    E desafio, assim, José Alberto Carvalho – que já terá pelo menos três doses de vacina – a fazer similar teste serológico, para se fazer comparação da “coisa”.

    Note-se, aliás, que ainda esta semana o PÁGINA UM revelou um (até há pouco escondido) parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) que afirmou – presume-se que com base na Ciência – que os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. E, por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”. Além de tudo isto, a vacinação de recuperados nunca foi alvo de ensaios clínicos.

    Como pode alguém, ainda mais sendo jornalista, atrever-se a chamar negacionista a alguém por isso.
    Só talvez um jornalista que nega os princípios do jornalismo. E a própria Ciência.

    Quanto à posição dos circunstanciais membros da ERC, não posso deixar de relembrar um extracto de uma reclamação por mim apresentada recentemente, e que caracteriza a forma lamentável como esta entidade tem regulado os media durante a pandemia:

    XXIV

    Na verdade, desde 2020, a ERC contribuiu também, pelo menos por omissão, para que certos jornalistas e certa comunicação social, sem qualquer rigor nem pudor, tachasse de “negacionista” toda e qualquer manifestação crítica à gestão da pandemia ou às políticas públicas de Saúde, mesmo quando essas manifestações eram assentes nas premissas da Ciência e no debate de ideias. E a ERC nunca deveria ter permitido tais comportamentos de determinados jornalistas e de determinados órgãos de comunicação social.


    XXV

    Pessoalmente, considero abjecto que jornalistas me queiram classificar e rotular de “negacionista” ou de “anti-vacinas”, apenas porque questiono as políticas estatais (como deve um jornalista fazer), e sabendo-se ainda que comprovada e reconhecidamente já estive com covid-19 (e, portanto, não há forma de me acusarem de a negar), sob internamento (e, portanto, não há forma de me acusarem de negar a gravidade, em determinadas condições e idades), e que possuo agora, por causa disso, imunidade natural a esta doença, comprovada através de um teste serológico de anticorpos IgG (e, portanto, não há forma de me acusarem de não acreditar na Ciência).

    XXVI

    Nessa matéria, e em matéria de ética e deontologia, tem mesmo o PÁGINA UM sido um modelo de rigor e de busca de informação a fontes oficiais, de que são exemplo paradigmático as solicitações de documentos oficiais junto da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed relacionados com a pandemia. A este respeito, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que tentou promover o arquivo aberto junto daquelas entidades oficiais, e não tendo obtido essa informação, como deveria, apresentou então pedidos de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

  • Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Uma nova norma da Direcção-Geral da Saúde procura orientar os profissionais de saúde a identificar e tratar sintomas crónicos decorrentes da covid-19. Porém, tudo cabe no chamado long covid, incluindo pessoas que nunca tiveram teste positivo. E mesmo pessoas que se sentiram mal depois da vacina podem acabar assim diagnosticadas. Seguindo-se esta norma, o SARS-CoV-2 tem, afinal, “costas” tão largas que até pode ser apontado como culpado por suicídios.


    3.380.263 – é este o número oficial de infecções por SARS-CoV-2 que, segundo os dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS), tiveram teste positivo à covid-19 desde o início da pandemia em Portugal, em Março de 2020.

    Também de acordo com a DGS, houve 21.285 mortes atribuídas a esta doença, o que significa que 3.358.978 pessoas com teste positivo tiveram doença (grave ou ligeira) ou foram assintomáticas, e sobreviveram ao SARS-CoV-2.

    De entre essas, e considerando uma taxa de mortalidade mensal em Portugal de 0,01% (12 por 1.000 ao fim de um ano), podemos então estimar que quase 17 mil pessoas terão morrido de outras doenças depois de já terem contraído e recuperado de covid-19 [daqui a 100 anos será praticamente 100%].

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    Em suma, estarão seguramente vivas um pouco mais de 3,3 milhões de portugueses com comprovativo de teste para SARS-Cov-2, independentemente da gravidade.

    Porém, ainda segundo a DGS, o número de pessoas susceptíveis estarem a sofrer de long covid – ou mais prosaicamente condição pós-covid-19 – pode ser até superior a este número. No limite do absurdo, potencialmente poderá haver mais casos de long covid do que de doentes-covid.

    Isto porque uma norma homologada esta quarta-feira pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, determina que o “diagnóstico da condição pós-covid-19 [long covid] é clínico e deve ser considerado quando existe forte suspeita, mesmo na ausência de história de teste para SARS-CoV-2 positivo.”

    Norma da DGS considera possível sintomas de long covid, que inclui depressão, mesmo sem teste positivo ao SARS-Cov-2.

    Ou seja, mesmo pessoas sem conhecimento de terem tido alguma vez covid-19 – nem por teste PCR ou de antigénio nem por teste serológico –, portanto, dois terços da população portuguesa, podem vir a ser diagnosticadas, segundo a norma da DGS, como sofredoras de long covid.

    Para tal bastará que tenham um quadro de sintomatologia muito variado, que vai desde a dispneia súbita ou em repouso, a febre associada a dor torácica com características pleuríticas até toracalgia pleurítica e/ou toracalgia com características de angor, passando ainda por alteração do olfacto e do paladar, alteração do estado de consciência, défices neurológicos focais, cefaleia súbita e intensa, depressão e ansiedade e até mesmo sintomas psiquiátricos graves com risco de suicídio. Tudo pode ser por culpa do SARS-CoV-2.

    Embora a norma da DGS indique formas de despistagem para identificação de sequelas da covid-19 sobretudo pulmonares e cardíacos – com exames complementares de diagnósticos complementares, como eletrocardiogramas, avaliação imagiológica do tórax e provas funcionais respiratórias –, em muitas situações mostrar-se-á algo forçoso atribuir especificamente ao vírus a causa de determinadas perturbações.

    São os casos, por exemplo, dos sintomas psiquiátricos indicados na norma da DGS, como a ansiedade, a depressão, a perturbação do sono ou mesmo a ideação ou a concretização de suicídio.

    Norma inclui teste PHQ-9 para detecção de depressão por long covid.

    No limite, aquilo que a DGS aparenta querer fazer é atribuir um eventual aumento do número de suicídios não como uma consequência da gestão da pandemia e das dificuldades económicas dos portugueses, mas sim apontar um suposto diagnóstico de long covid como uma causa patológica, mesmo em “pacientes” que nunca estiveram doentes com covid-19 ou nem sequer teste positivo apresentaram em qualquer data anterior.

    Por exemplo, de acordo com o Anexo 8 da norma da DGS, que inclui a aplicação do PHQ-9, um teste clínico de diagnóstico de depressão, se alguém tiver alterações de humor compatíveis com um valor entre 15 e 28 – que indicia necessidade de tratamento – pode ser também considerada uma vítima de long covid.

    No absurdo, até sem qualquer histórico de teste positivo. Dependerá somente da decisão clínica do médico.

    Porém, mais estranho ainda nesta norma da DGS é a preocupação em se saber também, através de um detalhado questionário clínico (Anexo 2), informação detalhada sobre o estado vacinal do paciente, inquirindo mesmo quantas doses foram tomadas e qual a marca administrada (Spikevax, Comirnaty, Vaxzevria, Janssen ou outra).

    Nesse inquérito, o paciente apenas será questionado se um eventual agravamento do seu estado de saúde se registou antes da covid-19. Nada se pergunta se a pessoa teve alguma “recaída” após a vacinação.

    Recorde-se que a própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 admitiu que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    Em suma, a DGS mostra nesta norma que não considera relevante uma avaliação sobre eventuais efeitos adversos após a vacinação, mas tão-só busca supostos casos de long covid mesmo em pessoas sem contacto confirmado de covid-19, sejam estas vacinadas ou não. Recorde-se que 91,4% da população portuguesa se encontra vacinada.

  • Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    De entre todos os 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, revelados pelo PÁGINA UM, há um que demonstra como a Política se sobrepôs à Ciência durante a pandemia. Para agradar a todas as farmacêuticas, nem sequer se permitiu a opção pela marca da vacina, e os dados revelam que existiam desempenhos muito diferentes. Para se chegar a bons níveis de vacinação, pressionou-se até recuperados a vacinarem-se mesmo não havendo ensaios clínicos sobre este grupo. E, no meio disto, a Direcção-Geral da Saúde mantém um silêncio ensurdecedor sobre muitas incertezas.


    Embora as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) pudessem excluir algumas marcas para determinados grupos e idades, nunca foi verdadeiramente possível escolher-se a vacina contra a covid-19 a ser administrada.

    Resultado disto: uma lotaria.

    Por exemplo, quem tomou a vacina da Janssen em Portugal teve um risco cerca de quatro vezes superior a sofrer uma infecção pelo SARS-CoV-2 em comparação com quem foi injectado com a vacina da Moderna; e quase duas vezes superior ao de quem recebeu a da Pfizer.

    Para começar, estes são alguns dos perturbadores aspectos que constam do parecer 17 (ver todos em baixo) da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que o PÁGINA UM obteve após uma longa “luta” para DGS os disponibilizar publicamente.

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    Este parecer em concreto – homologado em Dezembro passado, constituindo uma actualização sobre a vacinação de pessoas recuperadas – acaba por se debruçar bastante nas taxas de infecção dos vacinados (breakthrough infections), analisando o desempenho por tipo de vacina e também por grupo etário.

    O conteúdo integral de todos os 23 pareceres, finalmente obtidos ontem pelo PÁGINA UM – e que foram emitidos entre 1 de Dezembro de 2020 e 20 de Janeiro deste ano – podem ser consultados AQUI. Apesar de um parecer da Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), a DGS não os forneceu em formato digital, pelo que os documentos tiveram de ser fotografados página a página.

    De acordo com este 17º parecer, até 30 de Setembro do ano passado – quando 84% da população já estava então vacinada e quase 1,1 milhões de portugueses tinham tido contacto com o SARS-CoV-2, dos quais 1,7% tinha falecido –, “a taxa média global de infecção de indivíduos completamente vacinados foi estimada em 5,0 por 1.000 vacinados”. A taxa mais elevada era a dos vacinados com a Janssen (8,7 por 1.000), sendo que a da AstraZeneca atingia os 6,2, a da Pfizer 4,6 e a da Moderna 2,1.

    Por grupo etário, aqueles que apresentaram maiores taxa de infecção após a vacinação foram os maiores de 80 anos, com um rácio de 7,7 por 1.000 vacinados, seguindo-se o grupo dos 50 aos 59 anos, com 6,2 por 1.000. O grupo com menor taxa de reinfecção foi o dos menores de 20 anos (1,0 por 1.000). Nos restantes grupos etários, essa taxa situava-se entre os 4,5 e os 5,1 por 1.000 vacinados.

    A CTVC alertava, porém, que estes valores dependiam de diversos factores, “nomeadamente, o grau de exposição ao vírus, o aparecimento de variantes mais transmissíveis, e a diminuição com o tempo da protecção inicial conferida pela resposta imunitária à vacina (waning immunity), a qual varia com a idade do vacinado”.

    O parecer também confirma que a protecção das vacinas é bastante curta e decai significativamente sobretudo a partir do sexto mês. Por exemplo, para as infecções registadas em Setembro do ano passado, aqueles que tinham sido vacinados antes de Março apresentaram globalmente uma taxa de infecção de 3,9 por 1.000, enquanto esse rácio foi apenas de 1,1 para quem se vacinara há um mês. Para quem se vacinou entre Março e Julho, a taxa situou-se entre os 1,4 e os 1,9 por 1.000. A DGS nunca revelou este tipo de informação.

    Dossier dos pareceres consultados pelo PÁGINA UM.

    Saliente-se, contudo, que uma taxa de infecção de 3.9 em 1.000 (ou 0,39%) não significa que a vacina conceda uma protecção de 99,61%, uma vez que o risco de se estar em contacto com o vírus no período de um mês é bastante reduzido mesmo sem protecção, sobretudo fora do período invernal. Note-se que, para atingir comprovadamente um terço dos portugueses, o SARS-CoV-2 “precisou” de 24 meses, ou seja, em média infectou 1,4% da população por mês.

    Estes números indicados pela CTVC não entram, além disto, em consideração com o surgimento da variante Ómicron – mais transmissível, mas muito menos letal –, que fez “explodir” o número de casos positivos, e, na mesma linha, as taxas de infecção entre vacinados. Com cerca de 2,4 milhões novos casos positivos (quase um quarto da população) desde Outubro do ano passado, até ao final da semana passada, a taxa de letalidade atinge apenas 0,14% – um valor já próximo de um surto gripal.

    Embora a explicação oficial, e dos chamados “peritos”, aponte sempre o grande contributo da vacinação para estes baixíssimos níveis de letalidade, a menor agressividade da variante Ómicron parece encaixar-se melhor como hipótese mais plausível. Com efeito, se até finais de Dezembro de 2020 – o início do programa de vacinação –, a taxa de letalidade da covid-19 se situava nos 1,66%, ao longo dos primeiros nove meses de 2021 – com o plano de vacinação em curso, mas dominando então a variante Delta –, a taxa de letalidade manteve-se estável: 1,68%.

    Por esse motivo, a diminuição da letalidade a partir do final do ano passado – com a variante Ómicron a “varrer” vacinados e não-vacinados – não pode ser assim explicada apenas pela acção da vacina. Se assim fosse, a taxa de letalidade entre Janeiro e Setembro de 2021 já teria de ser necessariamente muito mais baixa do que os 1,66% observados. Sobre esta questão, fundamental e elementar, a CTVC não analisa nem se pronuncia em qualquer parecer.

    Tendo em consideração que, com a vaga de casos de infecção nos primeiros dois meses deste ano, pelo menos um terço da população portuguesa (3,4 milhões de pessoas) teve já, comprovado por teste PCR, contacto (infecção) com o SARS-CoV-2 (independentemente do regime de vacinação), uma questão se coloca: justificam-se reforços de vacina ou vale mesmo a pena (e o risco) um recuperado vacinar-se?

    Sede da Direcção-Geral da Saúde, em Lisboa.

    Embora a CTVC destaque, e bem, que “a evidência mais sólida quanto à protecção de reinfecção que pessoas que recuperaram de infecção por SARS-CoV-2 mantém, provém de estudos de reinfecção”, pouco adianta depois em números concretos.

    Para o caso português, nem sequer indica a taxa de reinfecção dos recuperados não-vacinados – e essa informação deverá constar do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – nem tão-pouco a percentagem de reinternamentos ou mesmo de morte após uma segunda infecção.

    A este respeito, os membros da CTVC somente fazem referências mais detalhadas para os vacinados que foram depois infectados – ou seja, recuperados com imunidade natural e vacinal. Para esses, a CTVC diz que “existem vários estudos em curso (..) cujos resultados, incluindo dados de segurança, devem ser conhecidos antes de serem feitas recomendações específicas sobre a administração de doses de reforço de vacinas contra a covid-19 nessas pessoas”.

    E salienta a CTVC também (e a negrito, no original) um aspecto perturbador: “os ensaios clínicos que suportaram a aprovação pela Agência Europeia de Medicamento da dose de reforço de Comirnaty [Pfizer] e Spikevax [Moderna] excluíram pessoas com infecção prévia por SARS-CoV-2”. Ou seja, quem se vacinou nestas condições, depois da recuperação, foi uma autêntica “cobaia”. Correu bem? Depende da perspectiva.

    Por um lado, os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. Por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    O PÁGINA UM confirmou que esse importante detalhe não consta do consentimento informado, ou seja, quem vai a correr vacinar-se depois de recuperado, ignora estar a arriscar maiores efeitos adversos pela obtenção de nenhuma vantagem sobretudo perante as pessoas que apenas tenham imunidade através da vacina.

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    Em todo o caso, com base em diversos estudos, a CTVC acaba por afirmar neste parecer, embora com pouca convicção, que “pode ser defensável a administração de uma dose de reforço em pessoas recuperadas e vacinadas de acordo com a Norma 002/2021 da DGS que apresentem risco para infecção por SARS-CoV-2 e covid-19 grave (grupos definidos para a estratégia de reforço vacinal)”.

    Face ao elevado número de infectados durante a vaga da variante Ómicron, e que tinham o esquema vacinal completo (muitos com três doses), é previsível um difícil imbróglio, sobretudo se se mantiver em uso o certificado digital que se baseia em tomas repetidas. Com efeito, a CTVC avisa que “à data não existe evidência para recomendar a administração de doses de reforço”.

    Deste modo, se o Governo – e a própria União Europeia – decidirem manter o certificado digital em função de novas tomas de vacina contra a covid-19, então das duas uma: ou a Política ignora a Evidência, ou então “convence” a Ciência a mudar de opinião.


    Nota da Direcção

    Sendo eu um recuperado da covid-19, e parte (muito) interessada em informação que respeita à minha saúde, procurei nos últimos meses, ainda com maior enfoque, estudos e informação sobre as vantagens e desvantagens da vacinação. No meu caso em concreto, exactamente por recear aquilo que a leitura do parecer 17 revela.

    Seis meses após a minha recuperação, em Dezembro passado, realizei um teste serológico, tendo registado o valor de IgG de427,0 BAU/ml, sendo 33,8 BAU/ml o limiar positivo. Não sendo uma certeza absoluta sobre a imunidade natural, tem sido um dos melhores indicadores para aferir a capacidade do meu organismo se defender em caso de reinfecção, ademais sabendo-se que a variante dominante é muitíssimo menos agressiva.

    Dias depois do resultado do teste serológico, no dia 28 de Dezembro, como cidadão português, jornalista e director do PÁGINA UM – e acreditando que um esclarecimento seria útil, e não apenas para mim –, enderecei à directora-geral da Saúde, Graça Freitas – que é a Autoridade de Saúde Nacional –, as seguintes questões:

    1 – Gostava de saber se existe algum estudo português conhecido pela DGS (ou da sua responsabilidade) sobre o nível de anticorpos de recuperados não-vacinados. Se não existe, porque nunca foi feito? Se existe, pode ser facultado?

    2 – Existe também algum estudo científico que mostre em Portugal a evolução temporal dos valores médios de IgG após a vacinação e após infecção (e dentro deste grupo, separando assintomáticos, doentes ligeiros e doentes graves com internamento)? Se sim, pode ser facultado?

    3 – Existe algum estudo sobre eventuais diferenças em termos de efeitos adversos das vacinas entre aqueles que nunca tinham tido contacto com o vírus e queles que já tinham tido contacto (recuperados)? Se sim que diferenças foram detectadas? Pode ser facultado esse estudo?

    4 – Tendo em consideração que os níveis de IgG são indicativas de uma resposta imunitária ao SARS-CoV2, está a ser ponderado algum valor de referência mínimo (em termos de BAU/ml) abaixo do qual se recomenda a vacinação ou reforço de vacinação. Se sim, qual? Se não, porquê?

    A senhora directora-geral não respondeu. Nem ninguém por ela. Nem quando se insistiu duas e três vezes.

    A falta de informação é uma forma de desinformação. E de desrespeito pelos cidadãos. Ou pior ainda, tratando-se de questões de saúde.

    Pedro Almeida Vieira


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    SERVIÇO PÚBLICO: Leia e descarregue em baixo todos os 23 pareceres não revelados pela Direcção-Geral da Saúde durante meses.


    Desde Outubro de 2021, o PÁGINA UM solicitou à Direcção-Geral da Saúde (DGS) os pareceres e outros documentos da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
    A DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que fez um parecer favorável em 20 de Janeiro passado.

    Apesar disso, a DGS continuou a não se mostrar favorável a disponibilizar os documentos, apesar de o PÁGINA UM ter reiterado o pedido, com base no parecer da CADA.

    Somente no passado dia 4 de Março, a DGS informou o PÁGINA UM de estar disponível para publicitar os pareceres, informando também que, antes desse acto, poder-se-ia consultar os pareceres nas suas instalações.

    Apesar de dois e-mails do PÁGINA UM (dias 4 e 8 de Março) para que fosse indicada a data para consulta, a DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM deslocou-se esta tarde à sede da DGS, e após uma hora de espera foi então encaminhado para uma sala, onde foi disponibilizado um dossier com os 21 pareceres da CTVC.

    Apesar de ter sido feito o pedido para obtenção de cópia digital ou fotocópias, mas, após uma espera de mais de meia hora, uma funcionária da DGS disse ao PÁGINA UM não ser possível, por agora, a primeira alternativa; e a segunda teria de ser feita com tempo e um custo de 75 cêntimos por página.

    O PÁGINA UM decidiu fotografar todas as páginas dos 23 pareceres, que estão aqui disponibilizados em formato pdf.


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • Cada vez mais dirigentes da Administração Pública ignoram Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

    Cada vez mais dirigentes da Administração Pública ignoram Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

    Uma legislação com quase 30 anos continua a ser “meiga” para quem recusa transparência e a abertura do Estado aos cidadãos. Nos últimos tempos, além de continuarem a recusar acesso a informação pública, muitos dirigentes da res publica já nem sequer ligam às cartas da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que emite pareceres que continuam a ser não vinculativos. Ou seja, nada valem se a Administração Pública quiser. Os partidos na Assembleia da República continuam a assobiar para o ar. O estado da democracia vê-se nestes “pormenores”.


    Quase três décadas após a criação da legislação de incentivo à transparência da gestão da res publica, o modelo de acesso aos documentos administrativos está esgotado e moribundo. Um sinal, ou melhor dizendo, uma evidência, observa-se na taxa de respostas nos processos abertos pela entidade responsável pela gestão das queixas e emissão de pareceres – a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) –, que não tem parado de descer nos últimos dois anos.

    A cultura do obscurantismo na Administração Pública continua bem presente; e nos últimos tempos mostra-se em todo o esplendor, ou seja, nem sequer dão satisfações sobre a sua falta de transparência.

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    Desde 1993, de forma inequívoca, a lei portuguesa consagra o direito aos cidadãos acederem aos arquivos do Governo, Administração Pública, autarquias e mesmo entidades privadas com funções públicas, como ordens profissionais e determinadas associações e empresas que exerçam serviços públicos.

    Previsto na denominada Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), o princípio do “arquivo aberto” determina que essas entidades têm um prazo de 10 dias úteis para dar resposta aos pedidos de acesso aos diversos documentos (papel, digital, sonoro e audiovisual), sem sequer necessidade de justificar o motivos, excepto se, grosso modo, estiverem em causa dados pessoais, e mesmo assim estes podem ser expurgados.

    Contudo, como a própria Assembleia da República que aprovou esta lei já preveria a existência de dirigentes obstinados e relapsos em matérias de transparência, criou a CADA para defender os cidadãos daqueles que julgassem que poderiam tudo fazer sem dar satisfação aos cidadãos.

    A CADA, um organismo independente que funciona junto da Assembleia da República, é presidida por um juiz conselheiro e é constituída também por membros nomeados pelos deputados, Governos nacional e regionais, municípios, Ordem dos Advogados e Comissão Nacional de Protecção de Dados.

    Contudo, além da influência política na indicação dos seus membros, a acção da CADA sempre se mostrou bastante limitada, por uma simples mas marcante razão: os seus pareceres, no decurso das queixas, não são vinculativos. Ou seja, as entidades requeridas não ficam sequer obrigadas, nem os seus dirigentes são penalizados, se não cumprirem os pareceres. Se persistir a recusa após um parecer favorável às pretensões do requerente, restam os tribunais administrativos morosos e onerosos.

    Deste modo, até recentemente, a CADA constituía um mero organismo de pressão, uma espécie de provedoria, mas até isso agora parece estar a perder: nos últimos dois anos, cada vez mais entidades sujeitas à LADA deixaram de lhe responder às cartas da CADA para relatarem os motivos de não autorizarem o acesso a documentos administrativos.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM aos pareceres emitidos nos dois primeiros meses (Janeiro e Fevereiro) dos anos de 2019 a 2022 – e respeitando somente a queixas de particulares e empresas –, a tendência para colaborar com a CADA tem diminuído drasticamente.

    Número de processos com (SIM) e sem (NÂO) colaboração das entidades requeridas referente aos pareceres (provenientes de queixas) emitidos em Janeiro e Fevereiro no período 2019-2022. Fonte: CADA.

    Enquanto nos processos finalizados naqueles dois meses de 2019 e em 2020, a taxa de resposta das diversas entidades (alvo de queixas) ainda rondava valores próximos dos 70%, este ano já só se cifrou em 39%. Em 2021, a taxa de resposta era já só de 57%.

    Este ano, de entre 71 pareceres já emitidos, a CADA não obteve colaboração das entidades requeridas em 33 casos. A Administração Pública foi o grupo que mais ignorou a CADA: apenas 26 dos 42 processos tiveram resposta da entidade sob queixa. No caso das autarquias, em seis pareceres, houve quatro que não colaboraram.

    O Governo – que tem também funções de orientação das práticas da Administração e de exemplo – foi já sujeito, neste período, a três pareceres (por outras tantas queixas devidas a recusas de acesso a documentos administrativos), todas favoráveis aos requerentes. Porém, só prestou informações à CADA num dos processos, relativo à queixa do jornalista de um órgão de comunicação não identificado que solicitou ao ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, o acesso a uma carta de uma empresa, datada de 2 de Outubro, a propósito da reprivatização da CP Carga, na qual solicitava ao Governo que concluísse a privatização com a venda dos 5% que ainda são detidos pela CP – Comboios de Portugal”.

    Nos outros dois processos, nada. No primeiro caso, foi aberto no seguimento de uma queixa do Pingo Doce contra o Ministério da Administração Interna, devido à recusa de acesso a documentos relacionados com o exercício de competências da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. No segundo caso, o queixoso foi um denominado Movimento Cívico Grupo de Lisboa, que requereu documentação na posse da Presidência do Conselho de Ministros sobre a situação pandémica e medidas, com o seu custo, adoptadas desde Maio de 2020. Saliente-se que mesmo se uma entidade pública não deter os documentos solicitados, deve então indicar quem os possa ter.

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    Tal como tem sido habitual, o sector da Saúde foi aquele que, este ano, já registou mais processos com parecer aprovado, e também o que mais ignora a CADA. Nos dois primeiros meses de 2022, em 12 dos 17 pareceres não houve colaboração por parte de entidades da Administração da Saúde.

    Neste lote encontram-se cinco pareceres solicitados pelo PÁGINA UM face ao obscurantismo da Direcção-Geral da Saúde, mas também mais sete relativos a queixas contra o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, o Centro de Saúde de Ponte da Barca, a Administração Regional de Saúde do Norte e os hospitais de Loures, de Amadora-Sintra e de Ponta Delgada.

    Pela amostra dos dois primeiros meses dos últimos três anos, nota-se que algumas entidades – ou seja, dirigentes, com nome – optam ostensivamente por ignorar tanto os pedidos dos requentes como os convites da CADA para se pronunciarem. Além da Direcção-Geral da Saúde, são os casos da Direcção-Geral da Administração Escolar, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Autoridade para as Condições de Trabalho, Instituto da Segurança Social, Câmara de Grândola, Agrupamento de Escolas dos Templários (Tomar), Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.

    Instado a comentar esta situação de menosprezo pela legislação que promove o “arquivo aberto”, o presidente da CADA salienta que “responder a requerimento de acesso é um dever jurídico”, mas constitui “um dever jurídico cujo incumprimento não acarreta sanção jurídica”.

    Alberto Oliveira refere ainda que, embora a CADA “tenha o dever jurídico de convidar a entidade demandada a responder”, na verdade não existe dever jurídico de responder. “Corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”, esclarece este juiz conselheiro.

    Considerando que “a opção legislativa”, desde a criação da CADA em 1993, foi “uma figura próxima da do Ombudsman [uma espécie de defensor público], também sem poderes vinculativos”, Alberto Oliveira recusou emitir a sua opinião sobre algumas questões colocadas pelo PÁGINA UM, entre as quais se considerava útil a existência de obrigatoriedade de resposta ou se os pareceres da CADA deveriam passar a vinculativos com penalizações aos dirigentes que não os acatassem.

    Os últimos dados relativos ao cumprimento dos pareceres não-vinculativos da CADA são apenas referentes ao ano 2020, estimando-se que, no total de 297 pareceres favoráveis emitidos naquele período, 48 não terão sido seguidos, ou seja, cerca de 16%. Convém, no entanto, destacar que a CADA fez esse levantamento junto das entidades requeridas, e não dos queixosos. Na última década, a CADA tem emitido uma média de cerca de 430 pareceres por ano, com o máximo a ocorrer em 2018, com 556.

    No ano passado, a CADA emitiu 370 pareceres, mas tal pode não dever-se a uma redução de conflitos, mas sim a atrasos na conclusão dos pareceres. Na verdade, até nos processos que envolvem jornalistas – que são considerados prioritários –, raramente a CADA consegue agora cumprir o prazo de 40 dias úteis para emitir um parecer após a entrada da queixa. Para um cidadão comum pode atingir mais de quatro meses.

    Número global de pareceres emitidos pela CADA desde 1993 (inclui queixas, pedidos de esclarecimentos e reclamações). Fonte: CADA.

    Por exemplo, actualmente, o PÁGINA UM tem um processo a aguardar parecer da CADA desde Novembro do ano passado – ou seja, há quatro meses – relativo à recusa de acesso à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) por parte da Direcção-Geral da Saúde. A CADA já agendou por duas vezes a votação deste parecer para se aceder a uma base de dados fundamental para entender a gestão da pandemia – e por isso, é assunto politicamente delicado.

    O presidente da CADA justifica ser “inerente ao trabalho colegial a possibilidade de um tema apresentado para apreciação necessitar de melhor reflexão para a obtenção do entendimento a ser subscrito por cada membro”, acrescentando que “o colégio é soberano na decisão de adiamento”. O juiz conselheiro Alberto Oliveira apresenta um, e apenas um, outro caso de duplo adiamento (processo n.º 339/2021), que também versava matéria sensível, neste caso um pedido de acesso ao registo disciplinar de um advogado.

  • Um livro que se lê enquanto se reza para que se salve

    Um livro que se lê enquanto se reza para que se salve

    Título

    Um detalhe menor 

    Autora

    ADANIA SHIBLI (tradução: Hugo Maia)

    Editora (Edição)

    Dom Quixote (Março de 2022)

    Cotação

    13/20 

    Recensão

    Há livros que fazem os leitores, página após página, pedir que se salvem. O romance da palestiniana Adania Shibli é um desses casos, pelo tema e pela recomendação.

    Escrito originalmente em árabe, apesar da autora ser poliglota e viver entre Berlim e Jerusalém, Um detalhe menor é, na verdade, uma novela, pelo seu tamanho (140 páginas de letra grande e maior espaçamento do que o habitual) – ou até, mais apropriadamente um díptico constituído por dois contos interligados, que invocam o passado e o presente da vida (e da morte) dos palestinianos expulsos das suas terras e segregados por Israel.

    A primeira parte retrata o evento trágico e horrível de uma jovem árabe às mãos de militares israelitas em 1949, no deserto de Negueve, um ano após a criação do Estado de Israel e do chamado Nakba (catástrofe) que levou ao êxodo de 700 mil palestinianos.

    Na segunda, interligado a este acontecimento, conta a viagem quase suicidária de uma palestiniana, com o medo sempre em si entranhado, que entra por terras dos colonatos em busca de informações sobre aquele evento passado, apenas por via um detalhe menor: ocorreu 25 anos antes do seu nascimento.

    Aquilo que, porém, é uma ideia literariamente poderosa: os dramas do povo palestiniano, o seu presente assombrado pelo seu passado, esvai-se numa narrativa repetitiva, por vezes cansativa e exasperante.

    Mesmo aceitando que, na primeira parte da novela, estamos perante um deserto avassalador, com os seus peçonhentos insectos e um calor sufocante, chega a ser exasperante que Shibli exponha continuamente os hábitos de higiene do comandante da companhia israelita, bem como a evolução do seu estado de saúde resultante da mordida de um insecto (num romance longo seria aceitável; num romance curto ou novela surge como factor de desequilíbrio).

    Até à página 17, o dito comandante lava as axilas por quatro vezes. Até à página 72, quando termina a primeira parte do romance, e passa para a actualidade, são seis lavagens de axilas.

    Quase nada há do pensamento do comandante (que concentra a primeira parte do romance), nem dos seus subordinados dos da árabe sequestrada. Se a intenção de Adania Shibli era transmitir, ausência de sentimentos ou de humanismo, falha, na minha opinião: tais ausências não significam ausência de pensamento. 

    A excepção surge num longo discurso (não há diálogo) do comandante ao seus soldados que, em duas páginas, expõe de forma algo artificial (até nas palavras escolhidas) as intenções dos judeus nas terras apossadas aos árabes. 

    Um exemplo, neste trecho: “(…) E é aqui exatamente que iremos testar a nossa força criativa e pioneira, quando conseguirmos transformar o Negueve numa região próspera e civilizada, num centro para o ensino, o desenvolvimento e a cultura, à semelhança do que já fizemos nas regiões norte e centro. Apesar de agora parecerem totalmente infecundas, estas extensões de deserto irão recuar gradualmente com a plantação de árvores e a construção de projetos agrícolas e industriais, para que o nosso povo nelas possa viver. Mas, para que tudo isto se concretize, primeiro é necessário vencer aqueles que nutrem a mais feroz e roaz inimizade contra esta terra, e protegê-la o melhor que pudermos. A nossa presença aqui é ponto de partida para realizar esta visão (…)”   

    De similar problema sofre a segunda parte do romance (ou segundo conto), protagonizado por uma jovem palestiniana em viagem também introspectiva. A presença dos latidos de cães, que percorre também o relato, embora evoque o passado (também um cão acompanhou o sofrimento da jovem árabe às mãos dos israelitas), soa sempre a forçado.

    Do ponto de vista literário, existe alguma esperança de redenção no romance aquando dos preparativos da viagem da jovem em busca de saber algo mais sobre o passado da árabe de 1949, e na forma como percebemos o quotidiano dos palestinianos em Ramallah, e o apartheid a que estão sujeitos para saírem do seu reduto e poderem percorrerem as “terras ocupadas”, outrora dos seus antepassados, e as antigas vilas destruídas,  e o omnipresente medo.

    Esperamos, depois da entrada no “território ocupado”, que surja então uma ligação para além da geografia que una o passado e o presente, que se desvende algo que ajude na reflexão sobre esta quasi-impossibilidade de co-habitação entre judeus e árabes, sobre a Humanidade, sobre o bem o mal, sobre a opressão e a maldade; um qualquer rasgo que nos salve a leitura, que vá para além da simpatia pelo contexto e pela autora.

    Contudo, tudo se esvai numa escrita que aparenta, em muitas páginas, ser uma mera redacção, sem rasgos literários (excepto, porventura, na estranha descrição em torno da poeira de uma explosão), por vezes um mero Guia Michelin, com cruzamento de mapas, acompanhando um carro a rodar de um lado para o outro, ora para a esquerda e depois para a direita, com pastilhas elásticas à mistura, a seguir pela estrada Y ou Z, sem densidade nem sequer beleza estilística. Dir-se-ia mesmo que o livro foi escrito durante uma viagem, num par de dias, tão simplesmente descritivo que se mostra.

    No fim, a viagem da jovem palestiniana chega a ser um tormento sem nexo, e acaba em tragédia, sem grande surpresa, aliás. O romance fica próximo. Uma pena. O livro foi finalista do National Book Award e do International Booker Prize – sinceramente, não se entende como.

  • Do Wali (assim bem escrito), ou onde está a imprensa?

    Do Wali (assim bem escrito), ou onde está a imprensa?


    A forma como a esmagadora maioria dos jornalistas “embarcou” para a cobertura da invasão da Ucrânia não surpreende: já se tinha mostrado na cobertura da pandemia.

    Espírito militante, missionário do maniqueísmo, sacerdotes do bem contra o mal, os jornalistas expõem pornograficamente a sua ignorância, nem se importando de “atirar” primeiro “informação” antes de a confirmar, tomam um lado, independente do contexto.

    Infantilizam os seus leitores, ouvintes e telespectadores insistindo sempre na tónica de quem é o mau, como se fosse necessário (re)lembrar a alguém que tenha um QI acima do 1 que quem dá o primeiro passo para uma guerra, invadindo um outro, será sempre o invasor – e que, portanto, um jornalista tem a função de relatar os acontecimentos, em primeiro lugar, sem fazer parte da máquina de propaganda de uma das partes, como tem sido visto nos últimos tempos.

    Aliás, contribuindo para que, do lado do invasor, intensifique as restrições à (já escassa) imprensa independente na Rússia, incluindo mesmo o Gazeta Novaya, de Dmitry Muratov, o recente Prémio Nobel da Paz.

    Porém, aquilo que mais me tem chocado é a cinematização de uma guerra, não por ser estramos perante um filme mau (no sentido de cruento), mas por ser mau filme, geralmente por via de um argumento que “exige” que a guerra seja relatada com a constância de emoções ao rubro de um jogo de PlayStation, ou do sangrento desembarque da Normandia ficcionado em O Resgate do Soldado Ryan, do Steven Spielberg, ou de um rotineiro mas contínuo trabalho das 9 às 5 a apertar parafusos.

    A guerra não é isto, e muito menos uma guerra moderna, mais táctica que destrutiva.

    Por isso, caímos no ridículo de momentos silly season, como os do fabrico de cocktails molotov (quantos já foram atirados contra tropas russas?), e agora temos, espalhados pela imprensa nacional e internacional, a história do sniper canadiano Wali, herói contra o Daesh, que foi para a Ucrânia matar russos.

    Os jornalistas viram O Sniper Americano do Clint Eastwood, e pronto já julgam que Putin está no papo, não é?

    A invasão da Ucrânia pela Rússia é grave. Prescinde de patetices.

  • PÁGINA UM associa-se a ciclos literários

    PÁGINA UM associa-se a ciclos literários


    O PÁGINA UM associa-se ao seminário DA ESCRITA LITERÁRIA 2022, um conjunto de debates com escritores (em especial, de língua portuguesa), uma organização com a chancela de diversas instituições académicas e culturais nacionais e estrangeiras, a saber: Universidade Católica, Universidade Aberta, Faculdades de Letras e de Ciências da Universidade de Lisboa, Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior, Universidade Complutense de Madrid, Universidade do Minho, UNINT-Università degli Studi Internazionali di Roma, Universidade Fernando Pessoa, Universidade Lusófona, Univeridade da Madeira, Universidad Libre de Infantes, Universidade de Santiago de Compostela, Associação Portuguesa de Escritores, Centro Cultural Eça de Queirós, Centro de Estudos Ferreira de castro, Centro de Estudos Regianos, Centro de Estudos Graal (USC), CISESG, CISLE, IECC – Instituto Europeu de Ciências da Cultura – Padre Manuel Antunes, Academia Lusófona Luís de Camões (SHIP), Instituto Fernando Pessoa (SHIP), Letras Com(n)Vida (plataforma inter-institucional), Observatório da Língua Portuguesa e portal TRIPLOV.

    Sob a coordenação geral das professoras Annabela Rita (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e Isabel Ponce de Leão (Universidade Fernando Pessoa – Porto), e a do Zoom e do streaming assegurada pelo professor José Brissos-Lino (Universidade Lusófona – Lisboa), estes eventos têm um Conselho Científico internacional e encontram-se certificados como Ação de Formação de Curta Duração (ACD) para efeitos de progressão da carreira docente (Educadores de Infância, docentes dos ensinos básico e secundário e de educação especial) pelo Centro de Formação de Escolas António Sérgio.

    O Seminário iniciou-se em 2021 e desenvolve-se através de ciclos promovidos por esta estrutura e cuja organização vai sendo sucessivamente assegurada por docentes e investigadores de diferentes instituições, visando um diálogo mais alargado e um itinerário internacional (Portugal, Itália, Espanha, Brasil, etc.). O horário e o calendário vão sendo definidos em função dos núcleos que os organizam, em articulação com a coordenação geral.

    O primeiro ciclo, do 1º semestre de 2021, contou com a participação dos escritores Alexandre Honrado, Filomena Oliveira, Sérgio de Carvalho e Miguel Real. Foi organizado pelo grupo de coordenadores gerais (Annabela Rita e Isabel Ponce de Leão), e realizado entre Lisboa e o Porto.

    O segundo ciclo foi realizado entre Lisboa, Porto e Braga, tendo participado os escritores Carlos Mota Cardoso, José Régio (evocação) e João Rasteiro. Foi também organizado pelas duas coordenadoras gerais e ainda por Maria do Carmo Mendes (Universidade do Minho).

    O terceiro ciclo, sob o tema “Literatura e tempos de crise, para quê?”, foi organizado pelas professoras Maria Aparecida Fontes e Barbara Gori, do Departimento de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade de Pádua, com a mesma coordenação geral. E contou com a presença das escritoras Valéria Rezende (Brasil), Vera Lúcia de Oliveira (Itália), Vera Duarte (Cabo Verde) e Tatiana Salem Levy (Brasil/Portugal).

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    Está a decorrer o quarto ciclo, organizado no âmbito da Universidade Complutense de Madrid, pelas professoras María Colon Jiménez e Sandra Teixeira de Faria, com escritores de Portugal, Brasil e Angola.

    A primeira sessão realizou-se esta tarde, dia 11 de Março, pelas 17 horas, e foi uma tertúlia dedicada à Poesia, com intervenções de Espanha, Brasil e Portugal.

    A segunda sessão realizar-se-á no próximo dia 21 de Março, pelas 16:00 horas (hora de Lisboa) e contará com a conferência do poeta João de Mancelos, também professor da Universidade de Aveiro.

    Seguir-se-á, no 1 dia de Abril, às 17h (hora de Portugal), a conferência do poeta angolano Abreu Paxe, da União dos Escritores Angolanos.

    A quarta conferência, encerrando este ciclo, está marcada para o dia 29 de Abril, pelas 18:00 horas (hora de Lisboa) com a participação do poeta e crítico literário Osvaldo Cupertino Duarte, também professor da Universidade Federal de Rondônia (Brasil).

    Nos próximos eventos, o PÁGINA UM disponibilizará e divulgará, com a devida antecedência, as ligações para se assistir em directo através da plataforma de comunicação integrada Zoom.

    O PÁGINA UM também irá disponibilizar, durante as próximas semanas, as gravações de uma selecção criteriosa de eventos já realizados, integrados em ciclos de literatura, promovidos em conjunto pela Universidade de Lisboa e a Universidade Fernando Pessoa (Porto).

  • Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social


    Em 5 de Janeiro passado, enviei à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma queixa formal contra o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, contra mais seis jornalistas da CNN e contra os respectivos directores deste canal televisivo, por violação da Lei da Imprensa. Além disso, pedia que fosse determinada a obrigação de publicação de um direito de resposta pela CNN Portugal, que me fora negado. A queixa pode ser consultada AQUI e o direito de resposta negado AQUI.

    Em causa, como já revelei, estava um “artigo” completamente difamatório e ao arrepio de todas as regras éticas e deontológicas da autoria do primeiro visado, o dito jornalista-estagiário, publicado no site da CNN Portugal em 23 de Dezembro do ano passado, e que difundia uma notícia do PÁGINA UM (também divulgada na sua página do Facebook) com dados anonimizados relativos a internamentos de crianças com covid-19.

    Notícia do PÁGINA UM alvo do ataque da imprensa mainstream.

    Nem eu nem o PÁGINA UM éramos identificados directamente na peça da CNN Portugal intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista”, mas era por demais evidente que o jornalista-estagiário, os outros jornalistas que foram difundindo esta difamação ao longo daquele dia e os directores da CNN Portugal, sabiam a quem se estavam a referir.

    E também o que estavam a fazer. Até porque, em abono da verdade, o “artigo” era bem apoiado por médicos bem instruídos pela Ordem dos Médicos, tendo tido até a participação posterior, bem activa, do seu bastonário, incomodado pelas investigações do PÁGINA UM.

    Com efeito, para a preparação do seu “artigo”, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino não apenas me enviara um pedido de comentário para o meu e-mail do PÁGINA UM – sabendo assim, de antemão, que era um órgão de comunicação social e que eu era jornalista – como no seu “artigo” dava pistas inequívocas sobre a minha identidade. O e-mail do jornalista-estagiário da CNN Portugal pode ser lido AQUI. A minha resposta AQUI.

    Tendo em conta que outros órgãos de comunicação social fizeram eco do “artigo” da CNN Portugal – sem sequer confirmar a sua veracidade –, e também recusaram publicar o meu direito de resposta, apresentei queixa à ERC contra o Público, a Lusa e o Expresso (em conjunto) e o Observador. A queixa contra o Público pode ser lida AQUI. As queixas relativas aos outros órgãos de comunicação social são muito similares, até porque todas se basearam e citaram a notícia inicial da CNN Portugal.

    Porém, todas aquelas queixas deram entrada cronologicamente após a queixa que apresentei à ERC contra a CNN Portugal.

    Notícia original da CNN Portugal com referências falsas e difamatórias ao PÁGINA UM, mesmo após contacto do seu autor. Público, Lusa, Expresso e Observador usam a informação da CNN Portugal sem confirmar a veracidade.

    Não poderia nem deveria, portanto, a análise da ERC ao comportamento da CNN Portugal ser realizada posteriormente à das outras queixas, tanto mais que a confirmar-se, como se mostra evidente, graves violações éticas, deontológicas e mesmo legais por parte do jornalista-estagiário, restantes jornalistas e directores da CNN Portugal, de imediato estaria em causa o comportamento dos restantes órgãos de comunicação social.

    Na verdade, condenar a CNN Portugal – que será fácil, se se quiser aplicar os princípios basilares da Justiça, pelas profusas provas documentais e evidências – seria condenar automaticamente o Público, a Lusa, o Expresso e o Observador por terem difundido uma notícia falsa e difamatória (feita pela CNN Portugal), a qual eles nem sequer se deram ao trabalho de confirmar a veracidade. Procedimento este – o não confirmar a veracidade da informação que se veicula – que é já usual na imprensa mainstream.

    Ora, mas a ERC – uma entidade que aparenta regular mais os amiguismos e companheirismos no pequenino e mesquinho mundo da imprensa de um país sem coluna vertebral e independência – não poderia jamais permitir-se a revelar que o “rei anda nu”, e há muito.

    O que fez, então?

    Um reles truque!

    “Engavetou” a primícia queixa contra a CNN Portugal – ou seja, adiou a sua análise sine die –, e põe-se a tratar primeiro da denegação do direito de resposta do Público.

    Comentários na notícia do Público que a ERC diz que “não pode razoavelmente interpretar-se” como associada ao jornalista Pedro Almeida Vieira e ao PÁGINA UM.

    E fez a “coisa” por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos, que chegou asnamente à conclusão que “não pode razoavelmente interpretar-se o teor da notícia divulgada pelo Público, bem como a hiperligação nela embebida que remete para a notícia da CNN Portugal, no sentido de ser associada inequívoca e patentemente ao Recorrente [eu] ou ao jornal que dirige [PÁGINA UM], não sendo a expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’ subsumível ao conceito de referência indireta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira.”

    Portanto, decidiu a ERC pelo arquivamento da queixa, e o Público ficou desobrigado, por agora, de publicar o direito de resposta. A Deliberação da ERC pode ser lida AQUI.

    A referência à pala dos cavalos tem mesmo, neste caso em concreto, um sentido simultaneamente metafórico e literal: de facto, os membros da ERC que assinam uma “coisa” chamada Deliberação só olharam de frente para a notícia online do Público.

    Não desviaram sequer o olhar do seu objectivo pré-concebido – ilibar – para ler os comentários de leitores que facilmente concluíram que a notícia do Público se referia a mim e ao PÁGINA UM. Alguns comentários podem ser lidos AQUI.

    Os doutos membros da ERC nem se dignaram em indagar qual poderia ser então a tal “página”, referidas nos “artigos” da CNN e Público (e outros), que divulgara os dados anonimizados (cumprindo, aliás, a legislação de protecção de dados), se esta não fosse afinal, como era, proveniente do PÁGINA UM, um órgão de comunicação social por ela regulada.

    Aliás, compreende-se bem que a ERC não tivesse escolhido, para o “truque” resultar, a queixa contra o Observador: aí, houve dezenas de leitores que me identificaram e identificaram o PÁGINA UM explicitamente.

    Por uma razão simples: os dados anonimizados das crianças internadas (dados reais, jamais desmentidos) tinham sido unica e exclusivamente divulgados pelo PÁGINA UM. Em jornalismo, o PÁGINA UM fizera aquilo que se chama uma cacha. Era um artigo jornalístico, escrito por um jornalista acreditado. Não havia, como nunca houve, uma publicação de uma “página negacionista”, feita de forma clandestina com conteúdos falsos.

    Aquilo que houve (com o “artigo” da CNN Portugal e seus sucedâneos) foi uma tentativa de “assassinato” de carácter a um jornalista (eu) e a um projecto jornalístico recente independente e incómodo, e que, aliás, já desvelara alguns dos podres da imprensa mainstream, da gestão da pandemia e das ligações promíscuas entre alguns médicos (e a Ordem dos Médicos) e as farmacêuticas. Aliás, basta ler esta secção da Imprensa no PÁGINA UM para compreender os engulhos que este projecto tem causado em certo jornalismo em tão pouco tempo de existência.

    Para a ERC tudo isto não interessa. Precisava de ilibar desde já o Público. E para quê começar pelo Público?

    Porque o “truque” da ERC é simples e eficaz, se não fosse, desde já, denunciado: ilibando o Público, torna-se óbvio que a ERC quer ilibar sobretudo a CNN Portugal com o argumento que tendo, sobre esta matéria, sido o Público já ilibado, então nem sequer merece análise o contacto que o jornalista-estagiário da CNN me fez nem as referências (mais que) implícitas a mim e ao PÁGINA UM no dito “artigo”.

    Portanto, com uma mão se lava assim a outra; mesmo que, no caso em apreço, seja mais a falta de vergonha de toda esta gente que apenas conspurca tudo à volta.

    Tendo sido eu notificado desta coisa chamada Deliberação da ERC sobre a queixa do Público no passado dia 3 de Março – apesar da decisão ter sido tomada em 9 de Fevereiro, ignorando eu as razões desta demora –, apresentei impugnação, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo (CPA) no passado dia 6 de Março. A impugnação pode ser lida AQUI, até por ser relevante sobre as minhas críticas à falta de regulação do jornalismo na cobertura da pandemia.

    Já no dia 3 também solicitara de imediato pedidos de audiência prévia, também prevista no CPA, para conhecer antecipadamente os projectos de Deliberação dos outros processos (incluindo o da CNN Portugal), de modo a poder adicionar outros elementos ou contestar antes de uma decisão. Esse pedido pode ser lido AQUI.

    Ora, mas que fizeram os senhores da ERC, entretanto?

    Correram lestos a publicar no respectivo site da ERC a sua Deliberação que, sem vergonha, ilibava o Público.

    Poderiam fazer isso?

    ERC divulgou Deliberação na terça-feira passada mesmo sabendo que já fora apresentada impugnação.

    Poder, podem, tanto assim que fizeram. Deveriam? Não. Só o fizeram porque faltam a ética e a moralidade ali pela sua sede na Avenida 24 de Julho. A ERC tinha conhecimento que o processo não estava concluído perante a minha impugnação; devia, pelo menos, mostrar recato, mas quis mostrar servilidade à imprensa mainstream.

    Apercebendo-me desta patifaria – não encontro melhor eufemismo –, enderecei anteontem, dia 8, ao presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas (e depois surpreendemo-nos de a Justiça andar pelas ruas da amargura), o seguinte e-mail: “Tomei conhecimento que a ERC disponibilizou no seu site a Deliberação ERC/2022/52, decorrente de um processo que, como V. Exa. bem sabe, não está concluído por ter merecido da minha parte a competente impugnação. Nesse sentido, agradecia que V. Exa. desse indicação para a retirada da dita Deliberação do V. site até que seja analisada a dita reclamação, sem o que me verei obrigado (para minha defesa) a divulgar no site do PÁGINA UM não apenas a queixa inicial como a V. Deliberação por mim impugnada e a minha impugnação propriamente dita.”

    Que fez o Meritíssimo?

    Não retirou a Deliberação – cair-lhe-iam os paramentos se tal fizesse – e optou apenas por acrescentar a seguinte nota no site: “Esta deliberação foi objeto de reclamação, tendo sido pedida a sua invalidade (anulação), requerimento que vai ser apreciado pelo Conselho Regulador.”

    Acrescento feito no site da ERC após o pedido de retirada da Deliberação impugnada pelo PÁGINA UM, enquanto a reclamação não fosse decidida

    Entretanto, ainda não reagiu a ERC aos pedidos de audiência prévia sobre os outros processos, e sobretudo nem sequer se deu ao trabalho de justificar as razões da primícia queixa contra os jornalistas da CNN Portugal ter ficado a “marinar”.

    Quanto a mim, e ao PÁGINA UM, apenas estamos, com este texto, e a divulgação dos documentos, a cumprir a promessa feita ao presidente da ERC.

    E fazemos outra aos nossos leitores: enquanto Portugal ainda tiver uns laivos de democracia e de vergonha na cara, continuaremos a denunciar as pestilências desta fermosa estrebaria, como disse o Cavaleiro de Oliveira no século XVIII, e também diria no presente. Fermosa e cada vez mais malcheirosa, acrescento eu.

    Podem contar com o PÁGINA UM para defender um jornalismo isento e independente, mesmo perante certos Senhores que, parecendo regular a comunicação social com faca e queijo na mão, não hesitarão em continuar a dar o queijo à imprensa mainstream, enquanto se ajeitam para espetar, à primeira oportunidade, as costas (ou talvez mesmo o peito) de quem denuncia a podridão no jornalismo nacional.