Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Aumentam as pressões políticas sobre a plataforma de crowdfunding GoFundMe para não serem desbloqueados sete milhões de euros doados para apoio dos manifestantes que bloqueiam Ottawa. Governo de Trudeau insiste em associar os manifestantes do Freedom Convoy ao extremismo e mesmo ao terrorismo. A Câmara dos Comuns até já diz querer ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá, porque desconfia dos intentos de uma campanha que, na verdade, conta com mais de 120 mil doadores. Este fim-de-semana espera-se um reforço nos protestos.


    As autoridades canadianas estão a fazer tudo para “secar” os protestos em Ottawa, insistindo na sua tese de os manifestantes do Freedom Convoy – que exigem o fim das restrições devidas à pandemia, entre as quais a obrigatoriedade de vacinação de camionistas – estarem associados a grupos extremistas e violentos. Neste momento, o Governo de Justin Trudeau aposta na suspensão definitiva da campanha de financiamento através do GoFundMe, alegando que os manifestantes são extremistas.

    Anteontem, a plataforma de crowdfunding GoFundMe decidiu suspender temporariamente a libertação dos donativos de nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros) já arrecadados, provenientes de mais de 120 mil pessoas – a segunda mais lucrativa de sempre no Canadá –, informando apenas que esta estaria a ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Governo canadiano tenta demover apoio popular acusando manifestantes de defenderem causas extremistas

    Os organizadores do Convoy Freedom já contrataram Keith Wilson, advogado do Justice Centre for Constitutional Freedom, para os defender, garantindo que foram cumpridos todos os formalismos legais para a execução da campanha, incluindo o destino e gestão dos donativos.

    De acordo com a declaração da campanha no GoFundMe, as verbas serão exclusivamente para alimentação, combustível e eventual alojamento dos camionistas. As verbas remanescentes “serão doadas a uma organização de veteranos credível escolhida pelos doadores”.

    As pressões políticas para boicotar os protestos em Ottawa e outras regiões do Canadá têm-se intensificado nos últimos dias, usando sempre mensagens e linguagens que colocam os manifestantes como perigosos extremistas, sobretudo para retirar apoio popular, e evitar a adopção do modelo do Freedom Convoy em outros países.

    As autoridades canadianas mostram-se preocupadas com um maior apoio popular durante o fim-de-semana, mas Trudeau já garantiu que não haverá intervenção de forças militares para controlar os manifestantes ou desobstruir a capital dos camiões.

    Ontem, o Comité de Segurança Pública e Segurança Nacional da Câmara dos Comuns do Canadá votou por unanimidade uma audição dos representantes do GoFundMe. Os parlamentares querem saber como a empresa de angariação de fundos – que receberá uma comissão de cerca de 10% dos 10 milhões de dólares recebidos – garante que as verbas doadas “não sejam usadas para promover extremismo, supremacia branca, antissemitismo e outras formas de ódio, que foram expressas entre os proeminentes organizadores” do Freedom Convoy.

    Manifestantes e polícias no centro de Ottawa, durantes os protestos contra as restrições impostas pelo Governo de Trudeau

    Saliente-se que o PÁGINA UM – que consultou dezenas de notícias e analisou as redes sociais, incluindo vídeos – nunca detectou, até agora, quaisquer declarações, frases ou slogans de cariz racial, étnico ou actos promotores de violência, apesar das insistentes tentativas de as autoridades apresentarem os manifestantes do Freedom Convoy como extremistas.

    O primeiro-ministro Justin Trudeau chegou mesmo a acusar manifestantes de “roubarem comida a sem-abrigos”.

    O parlamento canadiano mostra-se também preocupado com os donativos anónimos. Segundo um levantamento da Canadian Broadcasting Corporation, pelo menos um terço dos donativos da campanha do GoFundMe serão donativos sem identificação, incluindo seis dos 10 maiores, todos individualmente superiores a 10.000 dólares canadianos.

    O comité parlamentar quer também que o GoFundMe explique como impede donativos provenientes do estrangeiro que possam financiar grupos extremistas.

    Estas alegações, refira-se, fazem pouco sentido, porque o GoFundMe – que é uma das plataformas de financiamento usadas pelo PÁGINA UM – permite apenas que os doadores se mantenham no anonimato perante terceiros, ou seja, os promotores têm acesso à sua identidade.

    Além disso, os donativos, tanto no Canadá como em Portugal e em outras partes do Mundo, são feitos exclusivamente através de um cartão de crédito válido, como se pode confirmar em qualquer uma das milhares de campanhas em curso nesta plataforma de crowdfunding. Como se pode confirmar noutras campanhas activas no Canadá, ou mesmo na do PÁGINA UM.

    Em todo o caso, por proposta do deputado liberal Taleeb Noormohamed, do partido de Justin Trudeau, o comité parlamentar quer também ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).

    Tamara Lych, à esquerda, em conversa no centro de Ottawa.

    Este é órgão fiscalizador das operações de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, o que demonstra uma clara estratégia de ligação do Convoy Freedom a actos extremistas.

    Ontem, em conferência de imprensa, Tamara Lich – uma das principais organizadoras do protesto, e que pertence a uma das etnias autóctones canadianas, a métis – garantiu que os protestos continuarão até que o Governo apresente um plano claro para a eliminação de todos os mandatos e restrições à covid-19, tal como tem sucedido nas últimas semanas com países europeus.

    Congratulando-se pelo crescimento do movimento anti-restrições “no Canadá e em todo o Mundo, porque as pessoas comuns estão cansadas dos mandatos e restrições”, Lich lamentou que os governos federal, provincial ou municipal estejam a usar a comunicação social “para nos retratar como racistas, misóginos e até terroristas”. “Como mulher com herança métis, mãe e avó, sinto-me ofendida por isso”, concluiu.

    No Canadá, de acordo com o Worldometers, 34.366 pessoas tiveram a covid-19 como causa de morte desde o início da pandemia. Este valor equivale, numa população de 38 milhões de habitantes, a menos de metade dos óbitos registados em Portugal.

    Actualmente, com um Inverno bastante gélido – às 13 horas de hoje estavam 11 graus negativos em Ottawa –, a mortalidade diária (média móvel de sete dias) por covid-19 é de 142, ou seja, equivalente a cerca de 37. Segundo a Statistics Canada – a agência oficial de estatísticas deste país –, a média de óbitos diários no período 2016-2020, foi de 834 no mês de Fevereiro. Ou seja, a covid-19 estará agora a representar 4,4% de todas as mortes.

    Apesar destes valores, o Canadá mantém-se como um dos países do Hemisfério Norte com maiores restrições para controlar a pandemia, o que tem causado uma “fadiga pandémica”. De acordo com um estudo do Angus Reid Institute, divulgado no final do mês passado, um em cada três canadianos relatam problemas com a sua saúde mental e 23% confessam que estão deprimidos.

    Hoje mesmo este instituto de estudos sociológicos revelou também, no contexto do Freedom Convoy, que 37% dos canadianos acham que o Governo não concede espaço para compromissos políticos, sendo esta proporção ainda mais alta no núcleo mais conservador do país, em Alberta, Saskatchewan e Manitoba. E menos da metade (42%) diz que o Canadá tem um “bom sistema de governo”.

  • Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    O abaixo-assinado de profissionais de saúde que pediu, na semana passada, a suspensão da vacinação contra a covid-19 em crianças saudáveis conta agora com 91 assinaturas, entre as quais 31 pediatras. Ordem dos Médicos dirigida por um urologista, e que assume ser apenas representada pelo seu bastonário, continua a apoiar a decisão da Direcção-Geral da Saúde. Os signatários também exigem que seja feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”


    O abaixo-assinado de profissionais de saúde a apelar à suspensão imediata do programa de vacinação de crianças – que este fim-de-semana vai ser reactivado – foi engrossado esta sexta-feira com várias dezenas de médicos e outros profissionais de saúde, incluindo psicólogos.

    Neste momento, o documento conta já com 91 signatários, entre os quais se destacam Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos), catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia). De entre estes, 31 são médicos pediatras.

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    O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, em declarações à revista Sábado em 28 de Janeiro passado, já criticou esta posição dos seus colegas – que agora incluem 31 pediatras –, esclarecendo ser ele, e a sua posição, a representar esta associação profissional de direito público. Recorde-se que Miguel Guimarães, detentor da cédula profissional nº 31852, está registado nas especialidades de Urologia e Gestão de Serviços de Saúde.

    Na reforçada posição dos signatários do abaixo-assinado – que ocorre dias após a divulgação oficial de que a morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria não terá sido provocada pela vacina contra a covid-19, embora a verdadeira causa não tenha sido revelada , salienta-se ainda mais que a vacinação é desnecessária, sendo mesmo imprudente administrá-la em crianças saudáveis.

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    Com efeito, de acordo com os signatários, “as crianças e jovens saudáveis infetados pelo vírus SARS-CoV-2 são assintomáticos ou cursam com doença ligeira e só muito raramente desenvolvem doença grave, pelo que não se justifica a sua vacinação em massa para prevenir a doença.”

    Além disso, defendem que “as crianças e jovens vacinados infetam-se e transmitem a variante Ómicron, a mais prevalente no País, pelo que a vacinação disponível não impede a infeção nem a transmissão aos adultos com quem contactam, aliás, maioritariamente vacinados e protegidos de doença grave.

    E alertam ainda que “a vacinação comporta um risco que ainda não é bem conhecido”, uma vez que “podem ocorrer efeitos secundários não negligenciáveis, como miocardites, que vão sendo evidenciados por estudos credíveis”.

    Por outro lado, avisam que, face ao carácter predominantemente assintomático desta infecção nas crianças, a “vacinação pode sobrepor-se a uma infeção recente, com efeitos ainda não avaliados.”

    Por fim, apelam para ser feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”

    Esta renovada posição dos signatários alimenta ainda mais a contestação ao polémico parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, integrado na Direcção-Geral da Saúde, que procurou reafirmar os propalados benefícios e segurança das vacinas nas crianças dos 5 aos 11 anos.

    O parecer, assinado por Filipe Macedo e Fátima Pinto, continha conclusões incorrectamente citadas de estudos referenciados, incluindo mesmo deturpações da realidade, conforme o PÁGINA UM denunciou.

    group of people wearing white and orange backpacks walking on gray concrete pavement during daytime

    Por exemplo, a afirmação de existir um risco 60 maior de miocardites em crianças com covid-19 do que em crianças com vacina contra a covid-19 não é sequer fundamentada na bibliografia que acompanha o parecer, o que levou mesmo Jorge Amil, presidente do Colégio de Pediatria a tecer fortes críticas. Em declarações ao jornal Nascer do Sol, Jorge Amil falou já de “grosseira falta de rigor” na fundamentação daquele documento da DGS, acrescentando que “não pode valer tudo”, tratando-se de um parecer com esta relevância.

    À HealthNews, este pediatra criticou ainda a forma abusiva como se estão a usar alguns estudos em prol da vacinação. “Há resultados e dados que estão a ser interpretados e extrapolados de forma naturalmente excessiva e desproporcionada. Isto é muito preocupante. Estão a usar-se dados como ‘provas definitivas’ para provar um ponto de vista que já se tinha assumido previamente.”

    E realçou ainda que os signatários do abaixo-assinado que pedem a suspensão do programa vacinal para crianças não negam “o valor das vacinas” contra a covid-19, mas consideram que são necessários “dados robustos para nos garantir que essa iniciativa, que traz benefício às crianças, é segura e que as protege.”

  • A autópsia do pequeno Rodrigo: a verdade da mentira ou a confiança nula

    A autópsia do pequeno Rodrigo: a verdade da mentira ou a confiança nula


    As Autoridades de Saúde – englobemos aqui a Direcção-Geral da Saúde (DGS), administrações hospitalares e institutos públicos deste sector, entre os quais o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), o Infarmed e o Instituto de Medicina Legal – que nos garantem agora que a trágica morte do pequeno Rodrigo nada teve a ver com a vacina contra a covid-19, são as mesmas que nos asseguraram que uma bebé prematura, nascida no início do ano passado no Hospital Garcia de Orta, com uma hemorragia intraventricular de grau 4, afinal teve como causa de óbito as infecções por SARS-CoV-2, à conta de um simples teste positivo.

    Que se saiba, as tais Autoridades de Saúde não se mostraram então tão zelosas em autópsias detalhadas para confirmar se a morte foi por covid-19 ou, enfim, por uma hemorragia intraventricular de grau 4. Não sou médico, mas nem é preciso ser especialista para desconfiar. Mas, neste caso, não interessou averiguar. Nem sobre esta morte, nem sobre a de um outro bebé com menos de 1 anos, nem de outra de uma criança de 4 anos, também com graves comorbilidades, nem a de uma jovem de 19 anos que sofria de síndrome de Dravet. Nesta última situação, a DGS até veio a correr informar que a jovem não estava vacinada. Agora, com o pequeno Rodrigo saiu-se com escrúpulos, e nada avançou, a não ser negar que não foi a vacina. Há escrúpulos convenientes.

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    Enfim, estas são as Autoridades de Saúde que temos e tivemos durante a pandemia.

    São as mesmas Autoridades de Saúde que colocaram pelo menos 40 doentes terminais de SIDA nas estatísticas das vítimas da pandemia, somente porque testaram positivo quando hospitalizados por diversas maleitas da doença causada pelo VIH, independentemente da gravidade da covid-19 que possam ter desenvolvido antes do desfecho fatal.

    São as mesmas Autoridades de Saúde que não tiveram pejo de incluir uma mulher de 41 anos com queimaduras de terceiro grau em toda a cabeça, e acharam bem que lhe tenham metido uma zaragatoa pelas narinas para lhe retirar um exsudado, de modo a colocá-la como vítima da covid-19.

    São as mesmíssimas Autoridades de Saúde que consideraram como morte-covid um suicídio pela janela do Hospital de Vila Nova de Gaia, ou quedas da cama que causaram fracturas cranianas ou do pescoço, ou um sem-número de ataques cardíacos fulminantes, ou AVC, ou cancros terminais, ou falências renais, ou… a lista é infindável.

    O PÁGINA UM tem revelado tudo isto, e muitos mais, provocando apenas um ensurdecedor silêncio de (quase) todos, incluindo de toda a imprensa mainstream.

    São as mesmas Autoridades de Saúde que meteram como doentes-covid, algumas em cuidados intensivos, crianças inicialmente internadas por outras causas – até com cancros, benza-nos Deus! –, e que, em muitos casos, até só deram positivo ao SARS-CoV-2 porque foram contaminadas no próprio hospital.

    São as mesmas Autoridades de Saúde que, elencando-se aqui somente duas das maiores bizarrices, incluíram como doentes-covid um homem de 59 anos que foi mordido por um cão no dia 17 de Abril do ano passado e ficou internado um dia no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, ou uma rapariga de 16 anos que se deslocou ao Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa após uma queda de cavalo no dia 12 de Dezembro de 2020.

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    E isto para não ser demasiado exaustivo.

    São as mesmíssimas Autoridades de Saúde que demoraram mais de seis meses a satisfazerem um pedido de acesso a documentos clínicos a um internado-covid – que também apanhou uma infeccção nosocomial e teve “direito” a andar com um fio-guia a passear no coração durante cinco dias –, e isto depois de um parecer da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), e mais um artigo de opinião sobre obscurantismo de uma administração hospitalar; e que, mesmo assim, enviam mais de 300 páginas impressas, mas sem, hélas, identificar sequer o médico que cometeu um grosseiro acto de negligência, e sem sequer informar quais as consequências e responsabilidades internas de tal procedimento. [Nota: trata-se de uma experiência pessoal, mas representativa do obscurantismo intencional das administrações politizadas dos hospitais]

    São as mesmas Autoridades de Saúde que recusam liminarmente todo e qualquer acesso a base de dados e a responder a toda e qualquer pedido de esclarecimento sobre a pandemia. [Nota: no próximo dia 17, a CADA decidirá, em princípio, através de parecer, quatro queixas do PÁGINA UM contra a DGS]

    São as mesmas Autoridades de Saúde que apagaram informação, antes disponibilizada, como os dados diários dos óbitos por acidentes rodoviários e de trabalho e por suicídio constantes do SICO; com os dados da Plataforma da Mortalidade; e com os relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais. [Nota: Depois do editorial do PÁGINA UM de 14 de Janeiro passado, entretanto a DGS fez reaparecer os ditos relatórios no seu site]

    São as mesmas Autoridades de Saúde que defendem, como no caso concreto do presidente do Infarmed no contexto de um pedido do PÁGINA UM para acesso ao Portal de Notificações de Reações Adversas (Portal RAM), que não se deve disponibilizar dados “sensíveis” – presume-se que sensíveis politicamente – porque se corre “o risco de poderem ser analisados por não-especialistas”, e por assim terem “um elevado potencial para criar um alarme totalmente desnecessário e infundado”. [Nota: além de formação académica vasta, e larga experiência jornalística com elevado rigor e escrúpulo deontológico, sou até sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia, não me considerando propriamente leigo nestas matérias]

    São estas, minhas senhoras e meus senhores, meus leitores e meus concidadãos, as Autoridades de Saúde que temos, e que nos pedem para que, sim, acreditemos que o pequeno Rodrigo jamais morreu por causa da vacina contra a covid-19.

    girl covering her face with both hands

    São estas as mesmíssimas Autoridades de Saúde que, sim, pressionam até à glândula pineal os pais e mães de centenas de milhares de outras crianças para correrem a dar um fármaco – ainda sem resultados de ensaios clínicos para se apurar impactes de longo prazo – contra uma doença que, naquelas idades, é de menor gravidade do que uma gripe ou pneumonia.

    Se me perguntam se o pequeno Rodrigo morreu da vacina, eu direi: não sei.

    Sei apenas que nunca, jamais, as nossas Autoridades de Saúde o admitiriam.

    E porque digo isto?

    Por tudo aquilo que atrás escrevi.

    Neste momento, a minha confiança nas Autoridades de Saúde é nula. Ou melhor, abaixo de zero.

    Todo o histórico de manipulação, sonegação e obscurantismo levam-me a não saber onde está a verdade ou a mentira. E a confiança nas instituições é um pilar fundamental nas democracias. E isso já não existe em relação às nossas Autoridades de Saúde.

    Neste momento, só vejo uma solução para recuperar esse elo essencial: o Ministério Público (re)ganhar liberdade, e abrir de imediato um processo de averiguações sobre a (mais que provável) manipulação da informação durante a pandemia. E hoje já é tarde.

  • Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas recua e “arquiva” queixas contra o PÁGINA UM

    Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas recua e “arquiva” queixas contra o PÁGINA UM


    No dia 19 de Janeiro, recebi do Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalista, uma missiva, tendo como assunto “Pedido de averiguação de potencial violação do código deontológico”, e onde, sem identificar o potencial queixoso nem sequer o eventual artigo (noticioso ou de opinião) que estaria em causa, me “convidava” a responder duas questões:

    “Considerando que nas suas publicações invoca o seu estatuto de jornalista, procura separar as suas publicações entre notícia e opinião?

    A eventual mistura entre opinião vs. factos poderá gerar no leitor alguma confusão, afastando-se da veracidade dos factos. Como procura atenuar ou eliminar essa eventual confusão, tendo em consideração o artigo 2 do Código Deontológico (“O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais”)?”

    Insurgi-me contra este tipo de procedimento, e manifestei, de forma veemente, a minha posição de repúdio, através de carta, junto da presidente do CD, considerando intolerável este tipo de condicionamento, ademais sendo o processo de averiguação dirigido por um membro que é simultaneamente editor da CNN Portugal.

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    E acrescentava eu que, face ao modus operandi do processo, “nas actuais circunstâncias, qualquer parecer que coloque em causa o meu bom nome, como jornalista, e a credibilidade do PÁGINA UM, como órgão de comunicação social, [será] intentado um processo judicial por difamação contra cada” membro do dito CD.

    E acrescentava eu também uma lista exaustiva de nove artigos exclusivos do PÁGINA UM, envolvendo jornalistas de vários órgãos de comunicação social, desafiando o CD a investigar violações à ética jornalística.

    Hoje, depois de nova insistência para saber alguma reacção à minha carta, recebi a informação que, “após a reunião mensal regular do CD, que se realizou nesta semana, foi decidido não dar seguimento às queixas recebidas”, acrescentando-se que se havia elaborado um esclarecimento, sob o título “Queixas sobre opiniões dos jornalistas”, que também me foi enviado.

    Por ser matéria relevante, o PÁGINA UM decide publicar na íntegra este esclarecimento do CD, podendo também ser descarregado AQUI.

    O PÁGINA UM, e eu em particular, defende o escrutínio da actividade jornalística, e sobretudo a aplicação de rigorosos critérios deontológicos e éticos aos jornalistas. Isso inclui, obviamente, todos os jornalistas e colaboradores, presentes e futuros, do PÁGINA UM.

    No entanto, essa averiguação deve sempre ser feita de forma transparente, isenta e leal, o que não foi o caso do processo aberto inicialmente pelo CD.

    Em todo o caso, uma palavra de esperança: pessoalmente, subscrevo, na íntegra, o agora esclarecimento do CD. Apenas julgo que deveria ter sido feito antes de me ser aberto um processo. Que seja de averiguações, ou com outra denominação, foi um processo. E, aliás, pelo que vejo, não havia apenas uma queixa. Seriam “queixas”, assim no plural.

    Significam, pelo menos, como barómetro, que o PÁGINA UM está a fazer o seu (bom) caminho.

    Pedro Almeida Vieira (CP 1786)

    Director do PÁGINA UM


    Queixas sobre opiniões dos jornalistas

    Esclarecimento do Conselho Deontológico

    O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas tem recebido, ao longo dos últimos anos, inúmeras queixas de cidadãos a propósito de textos de opinião de jornalistas, publicados em espaços de opinião, quer em órgãos de comunicação social, quer nas redes sociais dos próprios jornalistas.

    De uma forma geral, as queixas incidem sobre:” Considerando que nas suas publicações invoca o seu estatuto de jornalista, procura separar as suas publicações entre notícia e opinião?

    A eventual mistura entre opinião vs. factos poderá gerar no leitor alguma confusão, afastando-se da veracidade dos factos. Como procura atenuar ou eliminar essa eventual confusão, tendo em consideração o artigo 2 do Código Deontológico (“O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais”)?

    1) a natureza das opiniões publicadas e, implicitamente,

    2) sobre se a expressão pública de opiniões dos jornalistas, mesmo que em espaços privados ou especialmente destinados para o efeito, não poderá comprometer o seu estatuto profissional de independência.

    Em face disto, entende o Conselho Deontológico que deve reafirmar publicamente aquele que tem sido o seu posicionamento de não aceitar queixas nem emitir pareceres sobre opiniões dos jornalistas, esclarecendo o seguinte:

    1) O ponto 1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa refere que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. Por sua vez, a alínea a) do ponto 2 do artigo 38.º, sobre a Liberdade de Imprensa, refere que ela implica “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores (…)”.

    2) O princípio da Liberdade de Expressão, sem a qual não existe Liberdade de Imprensa, é reafirmado no Código Deontológico do Jornalista, onde, nos pontos 2 e 3, se diz, respetivamente, que o jornalista “deve combater a censura” e “lutar contra as tentativas de limitar a liberdade de expressão”. No ponto 1 do mesmo código, a Liberdade de Expressão do jornalista está condicionada ao estrito exercício profissional de informar, devendo, nestas circunstâncias, “a distinção entre notícia e opinião (…) ficar bem clara aos olhos do público”.

    Nestes termos, o entendimento do Conselho Deontológico tem sido o seguinte:

    a) A Liberdade de Expressão é um direito primordial dos cidadãos e das cidadãs, que não pode ser limitado pelo facto de exercerem a profissão de jornalista.

    b) Enquanto profissionais obrigados a seguir o Código Deontológico, os jornalistas estão obrigados a separar os factos, objeto das informações que divulgam, das suas opiniões pessoais acerca desses mesmos factos e informações, seguindo o princípio comummente aceite na profissão de que os factos são sagrados e as opiniões são livres.

    c) Os jornalistas não podem ser objeto de perseguição pelas ideias ou opiniões expressas em espaços especialmente dedicados para o efeito nos órgãos de comunicação social.

    d) Fora dos espaços regulados pelo jornalismo, o jornalista é também um cidadão no uso pleno dos seus direitos cívicos, pelo que não pode ser limitado na sua Liberdade de Expressão.

    2) Em face do exposto, é legítimo que se questione se as opiniões emitidas por jornalistas em espaços dos órgãos de comunicação social dedicados para o efeito ou enquanto cidadãos, na sua vida privada, serão suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência.

    A este propósito, o Código Deontológico refere apenas, no ponto 11, que o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional, não abrangendo, compreensivelmente, as suas opiniões, uma vez que isso poria em causa a sua Liberdade de Expressão.

    Por tudo isto, considera o Conselho Deontológico que não tem legitimidade para aceitar queixas ou emitir pareceres que ponham em causa direitos cívicos, nomeadamente a Liberdade de Expressão, de quem escolheu como profissão o jornalismo.

    Este princípio não deslegitima, porém, que o público, constituído por cidadãos detentores também eles do direito à Liberdade de Expressão, vigie, questione e critique os casos que considere porem em causa o estatuto de independência dos jornalistas, ou que, em situações consideradas de abuso dessa liberdade, decida recorrer para os tribunais.

  • Adeus, minoria maioritária. Bem-vinda, maioria minoritária

    Adeus, minoria maioritária. Bem-vinda, maioria minoritária


    Não sou particularmente adepto de maiorias, que sempre são convenientes apenas para quem está no poder. Uma democracia deve pugnar sempre por defender as minorias, daí que uma maioria no poder nunca traz bons resultados, por mais que muitos defendam pretensos benefícios de uma estabilidade. Também nunca apreciei estabilidades, mas isso são contas de outro rosário.

    Tivemos três maiorias no Parlamento durante esta nossa democracia, se excluirmos as duas primeiras – por resultarem de uma coligação (as eleições ganhas por Sá Carneiro para a Aliança Democrática, com PSD, CDS e PPM) –, e nenhuma foi particularmente favorável para Portugal. Cavaco Silva, com as maiorias em 1987 e 1991, desbaratou os fundos comunitários – como D. João V esbanjara o ouro e diamantes do Brasil no século XVIII – em obras sem glória, em programas assentes em sinecuras e subsidiodependências e na formação da cultura da negociata. Depois, em 2005, José Sócrates traçou-nos a sorte até à intervenção da troika.

    Porém, por paradoxal que pareça, saúdo a maioria parlamentar agora obtida pelo Partido Socialista (PS). Os próximos quatros anos vão fazer muito bem à democracia, apesar da minha falta de confiança em mais um Governo de António Costa. Sobretudo porque, paradoxalmente, os seus últimos seis anos como primeiro-ministro desenrolaram-se em falsa minoria. O PS viveu com a desresponsabilização de compartilhar o poder, legislativo e até executivo, por ser Governo minoritário, mas na prática beneficiou de um poder como se fosse Governo maioritário. Podia assim receber os louros pelas coisas boas; descartar responsabilidades pelas coisas más.

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    Em 2015, na ânsia de derrotarem Pedro Passos Coelho na “secretaria”, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) aceitaram um estranho acordo – que viria a ser baptizado de “geringonça” – para viabilizar um Governo do segundo mais votado partido (PS), mas sem quererem entrar nos corredores ministeriais.

    Durante quatro anos, Costa conseguiu assim o melhor dos dois mundos: governar em minoria, gerindo acordos na Assembleia da República, e eliminar à nascença, em reuniões apenas, qualquer contestação social, porque BE e PCP se auto-manietaram.

    Com apenas 86 deputados em 2015, na verdade António Costa geriu o país durante quatro anos como se fosse o líder de 122 deputados, tendo apenas que “amestrar” 19 de uma ala bloquista e mais 17 de uma ala comunista.

    O desfecho deste casamento de interesse foi glorioso para o PS e trágico para o BE e PCP, lembrando a cópula dos louva-a-deus, em que, no fim, a fêmea deglute literalmente o macho. Com a diferença de o repasto ter sido afinal aos poucos, dentada aqui, dentada ali, até ao golpe final consumado no passado fim-de-semana.

    Com efeito, quatro anos depois desse matrimónio, o PS evidenciava já nas eleições de 2019 ter registado melhores benefícios: o reforço nos mandatos eleitorais para 108 – em especial pela atracção do eleitorado do centro-direita e também de uma parte dos comunistas, que perderam então cinco deputados. PC perdeu com o casamento; o BE nada beneficiou. António Costa mostrou então que o seu casamento com a esquerda fora completamente de interesse: a partir de 2019 não quis saber de qualquer “geringonça 2.0”.

    Liberto de acordos escritos, sendo-lhe preciso apenas “coligações” pontuais de compromisso, bastando para isso arregimentar um de três partidos (BE, PCP ou PSD), o PS tinha, mesmo assim, a vida mais facilitada.

    E depois veio a pandemia. E até aí o PS beneficiou, passando sempre pelos pingos da chuva. Criando-se uma unanimidade nunca vista em outro assunto durante tanto tempo – as leituras dos plenários na Assembleia da República constituem um exercício de pasmo por esse movimento de concordância quase plena –, António Costa não teve qualquer oposição visível nem contestação relevante durante quase dois anos. De mais nada se falava, e se algo mal corria, a culpa era da pandemia. O microscópico vírus teve sempre as costas largas.

    crowd of people standing outdoors

    Não apenas pelas restrições impostas para conter a pandemia, com o consequente acomodamento da sociedade às limitações de direitos fundamentais – sempre apoiadas por uma diligente imprensa –, como também pelo receio de qualquer partido em simular sequer críticas em matérias sensíveis da pandemia (e dos atropelos às liberdades, direitos e garantias), e que dominaram o país desde Março de 2020.

    Portugal esteve anestesiado durante dois anos. E o PS sempre a ganhar em minoria. Mas não era o suficiente no Largo do Rato.

    Bastou, por fim, um incidente forçado para, em fim de festa pandémica – com a generalidade da população e da imprensa em loas ao Governo socialista, esquecendo-se o caos no SNS, o despesismo incontrolado e a crise económica e social –, para António Costa comer, finalmente, toda a oposição de cebolada.

    O Orçamento de Estado (OE) para 2022 foi o álibi perfeito. Foi chumbado porque o PS quis, e queria mesmo eleições; era o momento ideal para aquilo que está na massa do sangue de muitos políticos: vencer com maioria absoluta, porque negociar custa sempre.

    woman in white and pink floral shirt raising her hands

    No diferendo da OE, a oposição, e particularmente o BE e o PCP, estaria sempre na célebre condição de ser presa por ter e não ter cão. Chumbando-o, como fizeram, levariam a uma vitimização do PS, como benefícios para este partido, como se viu. Não o chumbando, os partidos da oposição, sobretudo da esquerda, tinham tudo também a perder: confessariam que Costa governava em maioria de facto, embora não in jure. E assim seria até que outra qualquer coisa fizesse cair o Governo, e o PS se fizesse de vítima, para em novas eleições almejar a maioria absoluta.

    Como alcançou.

    Os partidos à esquerda do PS nunca quiseram perceber que jamais sairiam a ganhar do amplexo da “geringonça”, nem no cenário político após as eleições de 2019, nem na forma como intervieram durante a pandemia.

    Nos últimos dois anos, PCP e BE mostraram-se inexistentes, e gastaram mais tempo a perseguir a extrema-direita do que a lutar contra as carências e injustiças que engrossaram, por exemplo, os votos do Chega.

    Esqueceram que o partido de André Ventura não tem eleitores saudosistas de Salazar, mas sim eleitores que, pouco se importando com a amálgama ideológica (se é que existe no Chega), se sentem filhos de um deus (democracia) menor. Enquanto a esquerda não perceber que o Chega é um barómetro da democracia – quanto mais justa e equitativa ela for, menor será o peso eleitoral de André Ventura –, as coisas só podem correr mal para ela. Para ela, esquerda; para ela, democracia.

    Mas, enfim, temos, portanto, uma maioria absoluta. E ainda bem.

    Porque, agora, finalmente, mesmo se aparentemente com mais de metade do hemiciclo, António Costa ouvirá mais críticas no Parlamento, de mais partidos. Terá capacidade plena de tudo aprovar na Assembleia da República e de execução de quaisquer medidas em Conselho de Ministros e nos Ministérios, mas, independentemente da bondade da sua governação (hipótese académica), arcará certamente com mais críticas num mês de maioria absoluta do que num ano de minoria apoiada.

    person watching through hole

    O BE e o PCP lutarão nos próximos anos por mais do que pelas suas causas; lutarão pela sua sobrevivência, porque se o PS for bem-sucedido nestes quatro anos será os seus enterros. IL e Chega não perderão também oportunidade de se ouvirem mais do que antes, pelo peso dos respectivos grupos parlamentares, e o PSD também não poderá ficar atrás.

    Nas ruas ouvir-se-ão mais vozes, até porque uma larga franja dos sindicatos não é “afiliada” aos socialistas. Haverá mais pressão. Nas ruas. Mais greves. Haverá maior mobilização social, assim se espera, até porque a saúde económica do país, além da saúde pública, não se compadecerá apenas com bazucas – que aliás serão mais escrutinadas do que todas as negociatas de ajustes directos nestes anos da pandemia.

    Enfim, haverá mais democracia. Ou, pelo menos, maior participação democrática.

    Exactamente porque sempre acreditei que a democracia se exerce melhor, e de forma mais justa e equitativa, após as eleições – que são um mero, embora importante, acto de eleitores elegerem eleitos, mas não uma “carta branca” para governar. E por isso julgo ser bem-vinda esta maioria.

    Será uma maioria absoluta de jure, mas não tão forte de facto, como foram os Governos minoritários de António Costa nos últimos seis anos.

    Isto vai fazer bem à esquerda; vai fazer bem à direita. Vai fazer bem à democracia.

    Por isso mesmo, saúdo esta maioria do PS, exactamente porque, na verdade, lhe concedeu menor poder do que aquele que teve desde 2015.

  • O caldeirão da indigência jornalística: Spotify, Young, Rogan, Tesla, Musk e o que mais quiserem

    O caldeirão da indigência jornalística: Spotify, Young, Rogan, Tesla, Musk e o que mais quiserem


    A Tesla teve uma queda bolsista na semana passada de 10,3%. Entretanto, vamos imaginar que Elon Musk se preocupava com isto – numa empresa cotada que valorizou 20 vezes nos últimos dois anos e meio –, e aflito corria a twittar, como efectivamente fez, a dar apoio ao Freedom Convoy, o movimento de camionistas canadianos que se manifestam em Ottawa.

    Como esta segunda-feira a Tesla – da qual este empresário detém cerca de 20,7% – está a subir, no momento em que escrevo, 9,57% – “comendo” praticamente as perdas da semana anterior –, se eu fosse um jornalista acéfalo, com conhecimentos de Economia ao nível da regra de três simples mal-amanhada, poderia já fazer o seguinte título bombástico: “Apoio a negacionistas canadianos faz Elon Musk enriquecer 15,2 mil milhões de euros”.

    Depois, no lead, se fosse um jornalista sem escrúpulos, especularia que, por obra e graça de mais umas postas de pescada, o empresário sul-africano-canadiano poderia agora aproveitar a onda para reforçar ainda mais o apoio ao tal Freedom Convoy, porque dois tweets lhe tinham rendido numa só sessão bolsista do Nasdaq o equivalente a 7,3% do produto interno bruto (PIB) português.

    blue coupe parked beside white wall

    Se eu quisesse ser ainda mais populista – e para me aproveitar da desoladora iliteracia económica cá do burgo –, ainda fazia os crédulos comer como verdade que o suporte de Musk aos tais “negacionistas” das vacinas, afinal tinha feito todos os accionistas da Tesla empochar tanto guito como aquele que Portugal acumular este ano até finais de Abril.

    Enfim, se assim agisse, esquecia tudo o resto, esquecia o essencial, esquecia como funcionavam os mercados, esquecia que era jornalista que não embarca no primeiro navio nem surfa a primeira onda que lhe surge, nem veste a primeira camisola que lhe estendem.

    Vamos ser claros: o absurdo do meu imaginário título, e da minha esdrúxula história de Elon Musk, da Tesla e do Freedom Convoy, não difere em nada dos bizarros e verdadeiros títulos de recentes notícias do Expresso – copiando a Variety – e do Público sobre o alegado impacte do ultimato e posterior boicote ao Spotify do músico Neil Young por causa dos podcasts do comediante Joe Rogan.

    Vejam. O Expresso titula “Spotify vê o seu valor de mercado cair 1,8 mil milhões de euros devido ao boicote de Neil Young e ao movimento #CancelSpotify”, enquanto o Público adianta: “Spotify em queda acentuada no mercado após diferendo com Neil Young”, acrescentando logo no lead que “as acções da empresa caíram 6% entre a quarta-feira e a sexta-feira da semana passada”. E diz ainda mais a jornalista Inês Nadais, a autora desta rica peça: o “impacto da saída de Joni Mitchell e de uma possível vaga de cancelamentos de assinaturas pode agravar as perdas do serviço de streaming dominante no segmento áudio”.

    person holding iPhone showing Spotify application

    Eis um caso clássico do jornalista que olha a asa sem ver a mosca, e só sabe fazer contas de merceeiro: pega numa semana, observa um evento e extrapola logo que um efeito é só e apenas do evento que observou.

    É aquele jornalista que, se lhe metessem um Excel com o número absoluto de padres e ladrões num vasto conjunto de cidades, concluiria logo serem os padres atreitos a quadrilhas, porquanto nas cidades de maiores dimensões havia, em número, mais padres e também mais ladrões do que em cidades pequenas.

    O absurdo deste tipo de notícias manipuladoras – perfeitas, vergonhosas e intencionalmente manipuladoras – deveriam ser o opróbrio para qualquer jornalista decente. Ou, pelo menos, à decisão voluntária ou obrigatória de não voltar a escrever sobre aquilo de que pouco ou nada sabe, de sorte a evitar usar uma nobre profissão para desinformar.

    Não sei qual seria a cara da jornalista Inês Nadais – não sei mesmo, porque nem a conheço, e surge aqui porque assina a peça do Público, mas não está sozinha – se tivesse de justificar o que estará por detrás da cotação de hoje do Spotify no NYSE, que, à hora que escrevo, apresenta uma valorização de 12,03% em relação ao fecho de sexta-feira passada. Comeu a perda de toda a semana da polémica de Neil Young. Qual a explicação, Inês? Há-de haver uma, que envolva obrigatoriamente o Neil Young e Joe Rogan, mesmo se inventada, não é?

    E então, Ineses desta vida, quais foram os Neils Youngs ou Joe Rogans que estiveram por detrás da queda de 47% na cotação do Spotify desde 19 de Fevereiro do ano passado? E o que sucedeu para antes disso se ter registado uma subida de 200% a partir do início da pandemia? Foram também os Neils Youngs ou Joe Rogans desta vida? Ou há mais palpites por aí?

    Foi mercado, minhas senhoras e meus senhores. Foi apenas mercado.

    Tal como foi o mercado que causou as quedas na semana passada da Tesla (-10,3%), do Airbnb (-8,9%), da Intel (-8,3%) ou da Electronic Arts (-5,1%). Nada disto teve a ver com o Neil Young ou com o Joe Rogan, ou com o Elon Musk ou com outra qualquer causa explicada por “cartomantes da pena”.

    Na verdade, se os jornalistas, antes de escreverem parvoíces do género da polémica com o Spotify, olhassem fora dos “óculos de uma narrativa”, veriam que a empresa sueca de streaming fez o que andava a fazer desde Outubro do ano passado: cair de forma consistente, ou seja, na sexta-feira registava, nesta período, uma queda acumulada de 40%.

    E hoje, como poderia ser amanhã, ou nunca, recuperou. Que teve isto a ver com o Neil Young ou o Joe Rogan? Pode ter sido tudo. Pode ter sido nada. E o jornalismo tem de acabar com essa bengala irresponsável do “pode isto”, ou do “pode aquilo”. Basta!

  • Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Numa luta com potência e muito metal, manifestantes contra as restrições da gestão da pandemia pelo Governo do Canadá pressionam Justin Trudeau a deixar cair a quarentena obrigatória de camionistas transfronteiriços. O protesto pacífico já aparenta, porém, agregar apoiantes de outras vertentes, tanto assim que já houve donativos para esta causa superiores a nove milhões de dólares canadianos, ou seja, 6,4 milões de euros.


    O denominado “Comboio da Liberdade” (Freedom Convoy) que iniciou este fim-de-semana um imprevisível cerco físico e político a Ottawa, capital do Canadá – em contestação da política transfronteiriça de gestão da pandemia – tem estado a alcançar uma adesão popular inesperada e avultada.

    Esta madrugada, as verbas recolhidas para apoio dos manifestantes, através da plataforma de crowdfunding GoFundMe, ultrapassaram já os nove milhões de dólares canadianos, ou seja, quase 6,4 milhões de euros. Este valor é quase o dobro daquele que tinha sido angariado até ao dia 25.

    Após um breve período de diferimento da administração da plataforma GoFundMe – para garantir a correcta aplicação dos fundos para pagamento dos combustíveis, alimentação e eventualmente dormidas dos camionistas –, já foi libertado o primeiro milhão de dólares canadianos. Até às 7:30 horas desta manhã realizaram-se mais de 112 mil donativos, totalizando 9.077.990 dólares canadianos. Duas dezenas de doações individuais atingiram 10.000 ou mais dólares.

    A coluna de camionistas – em número que tem sido alvo de controvérsia – iniciou a travessia pelo Canadá a partir da costa oeste, no dia 23, em direcção à capital, na costa leste. O objectivo é pressionar o governo federal do liberal Justin Trudeau – que abandonou entretanto a cidade para evitar os protestantes – para abandonar a obrigatoriedade de os camionistas transfronteiriços não-vacinados tenham de cumprir sempre uma insustentável quarentena.

    Actualmente, o Canadá tem 79% da sua população vacinada contra a covid-19 e os Estados Unidos 64%. No primeiro país, a mortalidade atribuída a esta doença ronda agora, em pleno Inverno (com temperaturas que, esta noite, chegaram aos 17 graus negativos), os 161 óbitos por dia (média móvel), equivalente a 42 óbitos em Portugal. No caso dos Estados Unidos, a mortalidade ronda os 2.175 óbitos (média móvel), equivalente a 66 óbitos em Portugal.

    Apesar de os protestos serem dinamizados por camionistas, os apoios populares têm sido crescentes, e mesmo o dono da Tesla, Elon Musk – nascido na África do Sul, mas também canadiano de nacionalidade, por via materna – já deu o seu apoio explícito. Ainda ontem, através do Twitter, publicou uma foto irónica sobre o Freedom Convoy.

    Apesar das autoridades canadianas terem já acusado os manifestantes de diversas acções ilegais e de distúrbio, a manifestação dos camionistas ameaça, sim, transformar-se numa contestação generalizada às políticas de gestão da pandemia. Antes de sair da capital, Trudeau garantiu estar-se perante “uma pequena minoria”, muitos dos quais “expressam opiniões inaceitáveis”, acusando-os de não quererem que se continue “a garantir nossas liberdades, nossos direitos, nossos valores como país”.

    Porém, os organizadores da angariação de fundos – entre os quais Tamara Lich, uma dirigente do Maverick Party, um partido separatista de direita, mas que oficialmente não está ligado ao evento – têm apelado ao pacifismo das iniciativas, defendendo que as medidas estão a destruir emprego e a vida de muitas famílias, e que as medidas restritivas têm de terminar.

    “Não podemos atingir nossos objetivos se houver ameaças ou atos de violência. Este movimento é um protesto pacífico e não toleramos nenhum ato de violência”, salientam na página do GoFundMe, alertando que “a difusão da Internet e a comunicação global instantânea dão mais poder às palavras e ideias do que qualquer arma física, tornando-se uma ferramenta poderosa que pode ser usada contra a tirania e o autoritarismo”. E concluem ainda: “por isso que eles nos censuram; e por isso, devemos permanecer pacíficos, não importa o custo.”

    Certo é que, ao fim de dois dias de ocupação, o Comboio da Liberdade “sitiou” o centro de Ottawa, transformando-se num melting pot de frustração e raiva já contra todas as medidas rigorosas de gestão da pandemia.

    A CTV News, um canal televisivo canadiano, refere que têm sido escassos os incidentes, sempre sem violência. O município da capital tem sistematicamente indicado os encerramentos de vias rodoviárias no centro da cidade, sobretudo em redor de Parliament Hill, e sempre com um aviso sobre a duração: unknown (desconhecida). Nesta segunda-feira, além de escolas, bibliotecas e outros serviços públicos, a própria sede do município estará encerrada.

    Nos próximos dias, não será ainda previsível conhecer um vencedor nesta luta de paciência e política. Será longa, por certo, até porque dinheiro já não falta aos manifestantes.

  • Noite eleitoral com três jornalistas ilegais

    Noite eleitoral com três jornalistas ilegais

    José Alberto Carvalho (TVI), Carlos Daniel (RTP) e José Carlos Castro (CMTV) são três destacados jornalistas que exercem sem carteira profissional activa. Comissão da Carteira Profissional de Jornalista pode multá-los até 7.500 euros cada. As multas para os canais televisivos podem ascender aos 15.000 euros. Entretanto, José Rodrigues dos Santos recuperou a sua carteira profissional, após notícia do PÁGINA UM.


    Três jornalistas de canais televisivos que acompanham, como pivots, esta noite eleitoral não possuem carteira profissional válida, e podem ser multados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). José Alberto Carvalho (TVI), Carlos Daniel (RTP) e José Carlos Castro (CMTV) não constam na base de dados da CCPJ, nem estão incluídos na lista de jornalistas com capacidade electiva das recentes eleições de representantes da classe para a CCPJ, que se realizou na semana passada.

    Carlos Daniel (RTP)

    José Rodrigues dos Santos regularizou entretanto a sua situação ilegal, revelada pelo PÁGINA UM no passado dia 10. O apresentador do Telejornal da RTP – que não tinha a carteira activa em 2018 – ostenta agora o número 7590, denotando assim que terá deixado de ser jornalista por largo tempo – ou por incompatibilidade ou por deixar caducar o título –, uma vez que a sua longevidade lhe daria, em situação normal, uma numeração inferior ao número 1000.

    Ao PÁGINA UM, o jornalista da RTP disse apenas não ter conhecimento de “nenhum período de incompatibilidade” e, depois de insistência para melhor esclarecimento desta sua situação, acrescentou apenas: “não sei como dizer isto, a não ser a verdade: desconheço o assunto”.

    José Alberto Carvalho (TVI)

    A falha de José Carlos Castro, que é também director-adjunto de Estratégia do Correio da Manhã, é ainda mais duradoura: a inexistência de carteira profissional já vem desde, pelo menos, o ano de 2018, uma vez que o seu nome não consta do universo eleitoral daquele ano, de acordo com a lista da CCPJ.

    Nos casos de Carlos Daniel e de José Alberto Carvalho, a ilegalidade será de menor duração: em 2018 tinham ambos carteira profissional com os números 1293 e 7128, respectivamente.

    No caso do pivot da TVI, o seu antigo número elevado mostra uma situação similar à de José Rodrigues dos Santos: é reincidente no incumprimento das regras para exercício da profissão de jornalista.

    Estas questões não constituem apenas um pormenor nem um detalhe numa profissão que, por princípio, “supervisiona” a democracia, e que por isso não está acima da lei. Com efeito, apesar de o jornalismo não ser uma profissão que seja reconhecida por uma Ordem – como os médicos, enfermeiros ou advogados –, a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalista estipularam regras para o seu exercício.

    Mesmo os jornalistas mais antigos – com mais de 10 anos ininterruptos ou 15 anos interpolados – necessitam de carteira profissional concedida pela CCPJ, renovável periodicamente. Ficam a partir daí sujeitos a diversos deveres éticos e deontológicos, entre os quais a proibição de exercer actividades de marketing ou executar, em qualquer grau, contratos comerciais. As consequências são também para os órgãos de comunicação social que os empregam.

    José Rodrigues dos Santos (RTP)

    O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

    O incumprimento destas normas, por tão evidentes, terão de ser alvo de processo por parte da CCPJ.

    Porém, instada a comentar, a CCPJ respondeu na quinta-feira passada que as perguntas do PÁGINA UM receberão “a nossa melhor atenção”. Mas mais não respondeu.

    No dia 10, os serviços do secretariado da CCPJ já tinham prometido, em relação aos casos então apontados de José Rodrigues dos Santos e José Alberto Carvalho, que “a resposta ao solicitado [será dada] assim que [se] apurar os factos relativos às situações expostas”.

  • Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    A covid-19 é, claramente, uma doença grave, mas a Direcção-Geral da Saúde andou a empolar mortes por esta doença até ao limite do absurdo. Tudo caiu nas malhas da estatística: até Maio de 2021, bastou um teste positivo, e todos os óbitos foram atribuídos ao SARS-CoV-2. Internados por ataques cardíacos, AVC, cancros, falência renal, sepsis e até acidentes rodoviários e queimaduras foram, em caso de desfecho fatal, contabilizados como vítimas da pandemia, independentemente da acção concreta do coronavírus no desfecho fatal. Recorde-se que a DGS recusa sistematicamente divulgar informação detalhada e pretende impedir o PÁGINA UM de aceder a base de dados que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, quer manter sigilosas.


    Até Maio do ano passado, pelo menos 2.751 óbitos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) atribuiu à covid-19 foram de pessoas internadas em hospitais por outros motivos, e não por infecção do SARS-Cov-2. Este é o valor apurado recorrendo à consulta da base de dados do registo de hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, e que sempre esteve na posse directa de diversas autoridades, entre as quais a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

    Este número pecará por defeito, uma vez que apenas considera os óbitos contabilizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde – cerca de 12.500, sendo que, nos 15 primeiros meses da pandemia, mais de quatro mil pessoas com causa atribuída à covid-19 terão morrido nas suas casas e sobretudo em lares.

    man in yellow jacket and pants holding white and red plane

    Por outro lado, este valor apenas resulta da quantificação da causa directa prioritária, que constitui a primeira causa de internamento registada pelo corpo clínico de cada hospital. Ou seja, é a primeira doença ou afecção que surge na posição 0 (zero) na ordem de diagnóstico da base de dados dos internados-covid, seguindo as normas de codificação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) da Organização Mundial de Saúde.

    Isto significa também que, em muitos casos, mesmo que a covid-19 seja apontada como a causa de internamento – estando o código U071 da CDI na posição 0 da ordem de diagnóstico –, esta doença tenha sido a causa original do internamento.

    Apenas uma análise mais detalhada, caso-a-caso poderia, por exemplo, explicar como surgem 264 óbitos atribuídas à covid-19, e em que esta se encontra na posição 0 do diagnóstico, em pessoas que morreram no próprio dia do internamento, e ainda mais 740 pessoas que faleceram no dia seguinte. Não consta que a covid-19 seja uma doença fulminante em tal grau, ou seja, que tenha matado 1.004 pessoas ao fim de menos de dois dias de hospitalização.

    Globalmente, a base de dados consultada pelo PAGINA UM identifica, até Maio do ano passado, 1.138 mortes de pessoas (quase 10% do total) que, tendo o óbito classificado pela DGS como covid-19, morreram no próprio dia da hospitalização ou no dia seguinte, independentemente da causa inicial.
    Em muitos destes casos mostra-se evidente que a covid-19 apenas surge como causa porque houve um teste positivo feito mesmo a pessoas agonizantes, ou talvez mesmo ao seu cadáver.

    Encontram-se, por exemplo, dezenas de mortes em menos de dois dias de pessoas que derem entrada de urgência nos hospitais por ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), cancros terminais, diabetes, infecções generalizadas causadas por bactérias (sepsis) e mesmo traumatismos causados por acidentes rodoviários ou quedas.

    Numa análise detalhada do PÁGINA UM apenas aos óbitos-covid – ou seja, sem se considerar os doentes que tiveram alta –, observa-se uma situação ainda mais escandalosa, e que confirmam que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, e a ministra da Saúde, Marta Temido, sistematicamente mentem sobre esta matéria. Recorde-se que ainda esta semana, estas responsáveis referiram ao Observador que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com Covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas internadas por outras doenças (registadas na posição 0 do boletim clínico), segundo os principais grupos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI)

    De facto, considerando os grupos de doenças constantes do CDI da OMS, identificam-se 586 óbitos por covid-19 de pessoas que foram inicialmente internadas por doenças do aparelho circulatório (código iniciado pela letra I), das quais 41 com enfartes agudos do miocárdio, 160 com AVC isquémicos, 11 com AVC hemorrágicos e 140 com crises de hipertensão.

    O segundo grupo de doenças que justificaram o internamento inicial de doentes-covid (e assim sendo incluídas na base de dados), que acabaram por falecer, são as respiratórias (código J da CDI), mas sem estarem relacionadas com a infecção por SARS-CoV-2 (que recebe o código U071 da CDI, ou em casos muito específicos os códigos J1281 ou J1282).

    Para este grupo, contabilizam-se 392 pessoas que acabaram por ter o seu óbito atribuído à covid-19, mas que entraram no hospital por causa de outras infecções ou problemas respiratórios, incluindo pneumonias não-covid, entre as quais 55 por pneumonias bacterianas identificadas (e.g., por Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumonia, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, entre outras), além de 39 por doença pulmonar obstuctiva crónica (DPOC) e 65 por pneumonites por inalação de comida ou vómito. Este problema grave sucede sobretudo em idosos: a média de idade destes casos é de 84 anos.

    As doenças infecciosas e parasitárias – classificadas com o código iniciado por A – também constituíram a causa de internamento inicial de pessoas que acabaram por morrer com o “carimbo” da covid-19. Na base de dados consultada pelo PÁGINA UM surgem 422 casos, grande parte dos quais (384) por sepsis. Embora numa parte destas situações não tenha sido identificado o organismo causador, muitas o agente foram bactérias.

    Neste vasto grupo chegaram a ser catalogados como mortes-covid, independentemente do contributo do SARS-CoV-2 para o desfecho fatal, pessoas que foram admitidas no hospital por causa da doença dos legionários, de febre Q, de candidíase e até por doença de Creutzfeldt-Jakob (uma mulher de 62 anos).

    Internamentos decorrente de problemas directamente associados a cancros (código iniciado pela letra C), recebendo essa referência na posição 0 do diagnóstico, surgem 303 óbitos classificados como covid-19. Saliente-se, mais uma vez, que este número não se refere a internados que sofriam de cancro e apanharam covid-19 – esse número foi de quase 4.000 até Maio do ano passado, o que confirma ser uma comorbilidade relevante na infeção pelo SARS-CoV-2. São apenas aqueles que foram internados na decorrência de um problema oncológico e que testarem positivo ou foram infectados pelo novo coronavírus.

    Também relevantes foram os internamentos por problemas geniturinários (código iniciado pela letra N na CDI): 230 pessoas hospitalizadas por doenças deste grupo acabaram por falecer durante o internamento e os seus óbitos foram atribuídos à covid-19.

    Neste grupo englobam-se 72 casos de insuficiência renal aguda, alguns extremamente graves. Com efeito, três destas pessoas morreram no próprio dia do internamento, e mais cinco no dia seguinte.

    people performing first aid medical care to an injured man

    Ainda se incluem, neste grupo, 59 doentes com infecções urinárias, 48 casos de nefrite aguda, 26 de cistites, e até um caso de inflamação do escroto.

    Este caso é, aliás, paradigmático: tratou-se de um homem de 76 anos, internado em Dezembro de 2020 no Hospital de Setúbal, que sofria de outros problemas do sistema urinários, de diabetes e de hipertensão. Já internado, o seu boletim clínico regista uma insuficiência cardíaca e só depois foi apanhado por um surto hospitalar de SARS-CoV-2. Morreu no dia 7 de Janeiro; oficialmente por covid-19.

    Noutros grupos de doenças e afecções – em menor número – também se evidencia o absurdo da simples catalogação de mortes-covid em muitos óbitos.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM constam 186 registos de pessoas internadas com diversos traumatismos (código começado com a letra S da CDI) – todos decorrentes de acidentes domésticos, de trabalho e até rodoviários, alguns extremamente graves – que acabaram por resultar em óbito-covid.

    Neste grupo estão oito homens, dos quais três pedestres atropelados, um ciclista, um motociclista e mais três ocupantes de automóveis. Três deles morreram em menos de uma semana. Mas, para a DGS, todos por covid-19.

    Mais bizarro ainda – e o PÁGINA UM elencará, em breve, um best of de bizarrices – são os óbitos-covid atribuídos a pessoas que foram internadas por intoxicação ou queimaduras (código iniciado com a letra T da CDI): são 36, no total.

    O caso mais macabro, dir-se-ia, foi o de uma mulher de 41 anos, internada na unidade de queimados do Hospital de Coimbra no dia de Natal de 2020, com queimaduras na cabeça, pescoço e peito. Morreu no dia 2 de Janeiro do ano passado. No certificado de óbito consta a covid-19 como causa da morte porque lhe meteram uma zaragatoa pelo nariz ou boca – que sofreram queimaduras de terceiro grau – e o teste ao SARS-COV-2 deu positivo.

  • Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Na véspera de Natal de 2020, um jovem de 31 anos, doente com SIDA, despediu-se da vida: tinha uma trombose da veia porta, hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e no intestino. Um teste à covid-19 deu positivo. Até Maio de 2021, ele foi uma das 40 vítimas do VIH que a Direcção-Geral da Saúde “transformou” em vítimas do SARS-CoV-2.


    Em Dezembro no ano passado, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou “desvio de recursos”, por causa da pandemia, para não apresentar o relatório da evolução da infecção VIH (vírus da imunodeficiência humana) relativo ao ano de 2020, mas decidiu já “encaixar” 40 mortes de doentes com SIDA nas estatísticas da covid-19. Portugal foi o único país da União Europeia a não divulgar o relatório anual sobre aquela doença, como era habitual, no Dia Mundial de Luta contra o VIH/SIDA. Recorde-se que em 2019 foram reportados 778 novos casos e registados 197 óbitos em doentes infectados por VIH.

    De acordo com a base de dados a que o PÁGINA UM teve acesso, relativo ao período entre Março de 2020 e Maio do ano passado, os infectados com o VIH foram sempre considerados como doentes-covid se tivessem um teste positivo ao SARS-CoV-2, mesmo quando a causa da hospitalização era claramente outra, sobretudo, nestes casos, relacionada com os efeitos da imunodeficiência adquirida.

    woman holding medicine painting

    Este é um dos exemplos mais flagrantes de serem falsas as garantias dadas ao jornal digital Observador pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, de que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Segundo os dados consultados pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia foram hospitalizados, como doentes-covid, um total de 171 infectados pelo VIH, dos quais 113 durante o ano de 2020.

    Pela interpretação dos registos destes doentes, com quadros clínicos bastante diversificados, muitos apresentavam já diagnóstico positivo à covid-19 na admissão hospitalar. No entanto, pelo menos 67 terão sido internados por outras causas directamente relacionadas com o VIH, atendendo que a referência a esta enfermidade (código B20 na CDI – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) se encontra nas posições 0, 1 ou 2 da ordem de diagnóstico.

    Apesar da taxa de mortalidade hospitalar dos infectados por VIH e com o SARS-CoV-2 não ter sido muito mais elevada do que a dos doentes sem VIH (em ambos os casos rondando os 23%), foram contabilizados 40 óbitos por covid-19 que, em condições normais, seriam classificados como SIDA.

    Em todo o caso, em linha com o perfil de letalidade da covid-19 em condições normais, a idade foi determinante para o desfecho: a média de idade dos infectados com VIH que sobreviveram ao SARS-CoV-2 era de 52,7 anos, enquanto aqueles que acabaram por falecer tinham uma média etária de 60,7 anos.

    A mais idosa vítima com VIH e SARS-CoV-2 foi uma mulher de 88 anos, que morreu em Janeiro do ano passado na região do Alto Minho. No caso do mais idoso sobrevivente com ambos os vírus, foi um homem de 83 anos, que esteve internado no Hospital Amadora-Sintra durante 10 dias entre Janeiro e Fevereiro do ano passado.

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    Os internamentos dos sobreviventes foram, contudo, bastante longos: média de 19 dias, o que indicia que, em grande parte dos internamentos, as causas não foram apenas a covid-19, ou não as foram de todo.

    No caso das vítimas mortais, a média também foi bastante elevada (mais de 20 dias), mas sobretudo devida à complexidade das afecções associadas ao VIH.

    Um dos casos evidentes foi a de um homem de 46 anos, que faleceu em Janeiro ano passado no Hospital de Setúbal como doente-covid – entrando assim nas estatísticas da pandemia feitas pela DGS –, depois de ter sido internado em Outubro de 2020 com um quadro terminal de SIDA, designadamente pneumocistose e sarcoma de Kaposi.

    Contudo, em 13 casos fatais, o desfecho foi muito rápido: logo na primeira semana de internamento, o que indicia situações de grande fragilidade.

    Está aqui incluída a vítima mais jovem: um homem de apenas 31 anos, internado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central em Dezembro de 2020, numa situação já muito crítica e de grande debilidade: uma trombose da veia porta (obstrução do vaso sanguíneo que leva sangue dos intestinos ao fígado), hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e nos intestinos.

    Foi-lhe realizado um teste ao SARS-CoV-2, que deu positivo. Morreu em oito dias. Na véspera de Natal. E como doente-covid, assim classificado pela DGS.