Autor: Pedro Almeida Vieira

  • ‘Gaveta’ da ERC salva televisão do Futebol Clube do Porto de apanhar multa por contratos ilegais

    ‘Gaveta’ da ERC salva televisão do Futebol Clube do Porto de apanhar multa por contratos ilegais

    Em 2018, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não demorou a reagir a uma denúncia do Jornal i sobre contratos do Porto Canal com autarquias e outras entidades por possível ingerência na autonomia editorial deste operador televisivo. O canal do Futebol Clube do Porto era já reincidente, mas a ERC encarregou o director do Departamento Jurídico de indagar, através de um procedimento cautelar. Terminou tudo quatro anos depois com um arquivamento por “caducidade”.


    O director jurídico da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Rui Mouta, procrastinou e “engavetou” durante mais de quatro anos um procedimento oficioso contra o Porto Canal, por alegados contratos comerciais ilegais sobretudo com autarcas do Norte, poupando assim este operador televisivo, na esfera do Futebol Clube do Porto, a sofrer coima máxima de 150 mil euros.

    O procedimento, que deveria ter culminado num processo de contra-ordenação, foi entretanto arquivado por “caducidade”, através de uma deliberação do Conselho Regulador da ERC.

    Em causa estava um conjunto de duas dezenas de contratos comerciais assinados no período de 2014 a 2018 entre aquele operador televisivo – detido pela Avenida dos Aliados S.A., empresa controlada de forma directa (82,4%) pela Futebol Clube do Porto SAD, através da FCP Media – e diversas entidades, entre as quais as autarquias do Porto, Braga, Matosinhos, Póvoa do Varzim e Chaves.

    Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.

    Recorde-se que o Porto Canal tem, como membros do Conselho de Administração, o presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, e também Fernando Gomes, antigo edil socialista do município portuense e ex-ministro da Administração Interna.

    No lote de relações comerciais susceptíveis de violar a Lei da Televisão, por constituírem ingerências na autonomia editorial do Porto Canal, estavam ainda os contratos com três Comunidades Intermunicipais – Ave (CIA), Tâmega e Sousa (CITS) e Terras de Trás-os-Montes (CITTM) –, a Empreendimentos Hidroeléctricos do Alto Tâmega e Barroso (empresa intermunicipal constituída por seis autarquias), o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Porto e Norte, o Instituto de Segurança Social, a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Lima e Fundação Hispano-Portuguesa Rei Afonso Henriques. No total, estes contratos envolveram mais de 600 mil euros.

    O procedimento inicial da ERC foi uma reacção a uma notícia do Jornal i, publicada em 5 de Fevereiro de 2018, intitulada “Portocanalgate – Câmaras do Norte financiam televisão do FC Porto”, onde se denunciava a existência de contratos de “prestação de serviços”, sob a  forma de “divulgação de eventos e iniciativas”, “concepção, produção e difusão de conteúdos televisivos” ou “publicitação de anúncios”.

    A celebração deste tipo de contratos de prestação serviços com uma componente editorial e a participação de jornalistas são, na generalidade, “susceptíveis de condicionar ou limitar a autonomia editorial do serviço de programas”, razão pela qual o Conselho Regulador da ERC decidiu, em 20 de Fevereiro de 2018, abrir um procedimento oficioso, uma antecâmara do processo de uma contra-ordenação com vista à aplicação de uma coima.

    Todo este processo ficou, contudo, nas mãos de Rui Eugénio Varão Mouta, director do Departamento Jurídico da ERC, com uma extensa delegação de poderes, que incluía “poderes para deduzir acusação e proceder à inquirição de testemunhas, bem como para a elaboração da proposta de aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias, com exceção da decisão final do processo contra-ordenacional cuja competência continua reservada exclusivamente para o Conselho Regulador.”

    Contudo, apesar do Porto Canal ser reincidente – estando então a correr um processo de contra-ordenação por questões similares, que culminaria na aplicação de uma coima de 37.500 euros em Outubro de 2018 –, Rui Mouta decidiu, de forma exasperadamente lenta, pedir informações a algumas autarquias e à Porto Canal.

    No caso do operador televisivo, Rui Mouta apenas enviou um ofício ao Porto Canal em 19 de Março daquele ano, respondido em 3 de Abril pelo departamento jurídico do próprio Futebol Clube do Porto, que pediu mais tempo “face à densidade da informação solicitada”. Prontamente, no dia seguinte à chegada daquela missiva, Rui Mouta deferiu o pedido, mas sem determinar outra qualquer data.

    No dossier consultado pelo PÁGINA UM na ERC – que, ao contrário das boas práticas de um regulador, não tem as páginas do processo numeradas, pelo que se mostra impossível saber se foram “retiradas” partes – somente consta uma sucinta resposta do Porto Canal em 23 de Abril, incluindo cópias de diversos contratos.

    Notícia do Jornal i de Fevereiro de 2018 que denunciou contratos. O jornalista Júlio Magalhães era então o director de informação do Porto Canal.

    Somente em 5 de Junho, Rui Mouta tomou mais algumas diligências, escrevendo às autarquias de Braga, Matosinhos e de Gondomar, à Comunidade Intermunicipal do Ave e ainda à Associação de Municípios das Terras de Santa Maria.

    Por exemplo, neste último caso, esta entidade – que agrega as autarquias de Arouca, Espinho, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vale de Cambra – assumiu que o contrato com a Porto Canal visava “divulgar e dar a conhecer a actualidade da região, ao nível da informação, economia, património, cultura, eventos, etc., com apresentação frequente em programas informativos”.

    E informou ainda a ERC que, “de acordo com o respetivo Caderno de Encargos”, ficou estabelecido nesse contrato, além de spots publicitários, a emissão de “seis reportagens promocionais, com 120 minutos de emissão” e ainda “dois vídeos promocionais por mês, a cada município”. O preço, neste caso, foi de 37.5000 euros, através de um contrato assinado por Fernando Gomes e Adelino Caldeira, que também integravam, e integram, a Futebol Clube do Porto SAD.

    Apesar das evidências de violação da Lei da Televisão, Rui Mouta apenas foi vagarosamente solicitando documentação em falta aos autarcas que tinham assinado contratos com o Porto Canal. A sua última intervenção neste procedimento oficioso ao longo de 2018 foi um ofício datado de 27 de Setembro, reiterando um pedido de informação anteriormente feito à Comunidade Intermunicipal do Ave.

    Depois, Rui Mouta nada fez, em redor deste procedimento oficioso sobre o Porto Canal, em 2019.

    Nem em 2020.

    Nem em 2021.

    E só este ano, em 9 de Março, surge Rui Mouta a dar um brevíssimo parecer sobre a informação de uma técnica do seu Departamento Jurídico, a propor “a extinção do presente procedimento oficioso por caducidade”.

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    A razão era simples, conforme a informação da técnica: “[o]s procedimentos de iniciativa oficiosa passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados [Porto Canal], caducam, na ausência de decisão, no prazo de 120 dias”. Ou seja, apesar das evidências e da sua vasta experiência de jurista, como Rui Mouta não tomou qualquer decisão, nem apresentou qualquer recomendação ao Conselho Regulador da ERC com vista a um processo de contra-ordenação, o Porto Canal ficou ilibado de quaisquer penalizações a partir de 19 de Junho de 2018.

    Em suma, a ERC acabou por concluir, através de uma deliberação do seu Conselho Regulador em 16 de Março passado, que deveria ter tomado uma decisão sobre os contratos do Porto Canal 1.366 dias antes.

    O PÁGINA UM questionou o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, sobre se, com este caso, “o papel do regulador pode sair fragilizado face a um procedimento oficioso que não cumpr[iu] os 120 dias para a sua conclusão, e que demor[ou] quatro anos e um mês a ‘arquivar’ esse procedimento”, mas não obteve resposta. A única reacção foi a autorização para o PÁGINA UM consultar todo o processo.

  • Portugal lidera efeitos adversos do remdesivir, mas lobby da Gilead mantém fármaco na terapia anti-covid

    Portugal lidera efeitos adversos do remdesivir, mas lobby da Gilead mantém fármaco na terapia anti-covid

    Direcção-Geral da Saúde eliminou frases comprometedoras sobre o remdesivir na norma terapêutica aprovada em Janeiro passado, e mantém o fármaco da Gilead como terapia possível no tratamento contra a covid-19. Portugal é o país europeu com mais pessoas que sofreram efeitos adversos pelo uso deste fármaco. Infarmed continua sem ceder dados detalhados pedidos pelo PÁGINA UM, que aguarda entretanto decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa ao processo de intimação.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) continua a incluir a administração de polémico anti-viral remdesivir, produzido pela Gilead Sciences sob a marca Veklury, na terapêutica para a covid-19, mesmo conhecendo-se, cada vez mais, as evidências de graves efeitos adversos, e de o seu uso já ter sido abandonado pela esmagadora maioria dos países europeus.

    Na revisão da Norma 004/2020, que rege as terapêuticas, e que entrou em vigor no sábado passado, dia 23 de Abril, o remdesivir ainda permanece – dir-se-ia, estoicamente – na lista de medicamentos para o tratamento de “pessoas internadas por pneumonia por SARS-CoV-2 e hipoxemia confirmada”, mas já apenas como uma alternativa a ser considerada após a dexametasona e o metilprednisolona.

    Gilead conseguiu vender largas dezenas de milhões de euros em remdesivir para combate à covid-19 sem existir garantia de eficácia nem de segurança.

    Mesmo assim a última revisão da norma “ameniza” uma actualização feita em Janeiro último, que era bastante comprometedora para o fármaco. Com efeito, na actualização de 5 de Janeiro, a referência ao fármaco da Gilead como opção secundária era acompanhada pela seguinte nota: “Até ao momento, o remdesivir não revelou benefício inequívoco ao nível da mortalidade avaliada aos 28 dias nos ensaios clínicos. Assim, a sua prescrição deve decorrer de uma avaliação clínica individualizada, com ponderação dos riscos e benefícios para o doente, e de acordo com o Resumo das Características do Medicamento (RCM).”

    Estas duas frases foram agora eliminadas, sem qualquer justificação, e o medicamento continua a ser uma hipótese terapêutica.

    Certo é que vai já longe o tempo em que o remdesivir chegou a ser de uso quase obrigatório contra a covid-19, podendo os médicos que não o prescreviam ter problemas se os doentes morressem, conforme admitiu recentemente em entrevista ao PÁGINA o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva.

    Com efeito, em Outubro de 2020, quando este fármaco – mesmo sem ensaios clínicos cientificamente validados – começou a ser usado em Portugal, a Norma 004/2020 quase o tornou de uso obrigatório na abordagem terapêutica em regime de internamento.

    O então ponto 40 dessa norma determinava que a “terapêutica com remdesivir deve ser administrada o mais precocemente” em doentes internados com “confirmação laboratorial de SARS-CoV-2” que apresentassem um quadro de pneumonia, saturação de oxigénio inferior a 94% e idade igual ou superior a 12 anos com peso igual ou superior a 40 quilogramas.

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    A contínua “sobrevivência” do remdesivir na Norma 004/2020 deve-se, quase em exclusivo, ao forte “lobby da Gilead” no interior da DGS e da Faculdade de Medicina de Lisboa, que tudo tem feito para não se assumir publicamente os efeitos adversos e sobretudo o desastre económico na sua aquisição. E isto muito fruto das promiscuidades políticas e médicas com a farmacêutica norte-americana.

    Recorde-se que este medicamento, inicialmente prescrito, embora com fracos resultados, para o vírus ébola, acabou por cair nas graças da Comissão von der Leyen na primeira fase da pandemia, em 2020. Em 8 de Outubro daquele ano, a Comissão Europeia decidiu assinar um acordo de compra conjunto que literalmente obrigou 36 países comunitários e extra-comunitários da Europa a adquirirem grandes quantidades de remdesivir à Gilead a preços exorbitantes. Para este “brinde” à Gilead, a Comissão Europeia garantiu um financiamento de 70 milhões de euros para a compra de 200 mil frascos de Veklury.

    Para cumprir a parte portuguesa no negócio, logo em 23 de Outubro, a DGS assinaria um contrato com a Gilead com vista ao pagamento de um primeiro lote de 54.600 frascos. Custo total: 19.458.000 euros, ou seja, 356 euros por unidade. Note-se que em Novembro de 2020, o Le Monde destacava que, apesar de o custo de produção do remdesivir atingir apenas 0,93 dólares por dose – o que implicaria um custo de 5,58 dólares por tratamento –, a farmacêutica vendia-a por um preço 420 vezes superior.

    Portugal deveria ter ainda adquirido um segundo lote ao longo de 2021 no valor de 15.018.645 euros –  conforme determinava uma Resolução do Conselho de Ministros assinada exclusivamente por António Costa –, mas por razões nunca explicada pela DGS e pela Gilead, apesar das perguntas do PÁGINA UM, apenas foi assinado um contrato em 12 de Julho do ano passado por um valor simbólico: um pouco menos de 16 mil euros.

    Não deve ter sido, contudo, indiferente para este desfecho o desaconselhamento sobre o remdesivir feito ainda em Novembro de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS); apesar de uma recente actualização ter passado a recomendá-lo para pessoas não internadas, e nos Estados Unidos tenha sido aprovado pela FDA o seu uso em crianças com mais de três anos também não internadas, desde esta semana. Fracas vantagens (um benefício de custo económico extremamente elevado para quem não apresenta um quadro clínico sequer moderado) que não faz esquecer os efeitos adversos relevantes.

    Com efeito, apesar do Infarmed continuar a recusar facultar dados detalhados sobre as reacções adversas em doentes-covid em Portugal, através do sistema EudraVigilance – base de dados agregada da Agência Europeia do Medicamento – observa-se que Portugal lidera o número absoluto de casos individuais com efeitos adversos causados pela administração de remdesivir, contabilizando-se já 253. Ignora-se quantos resultaram em mortes.

    Número total de casos individuais com efeitos adversos ao remdesivir. Fonte: EudraVigilance.

    O segundo país com mais casos é a Itália, com 190, mas com uma população seis vezes superior a Portugal. Casos adversos relacionados com o polémico fármaco da Gilead são relativamente escassos nos outros países da União Europeia.

    O terceiro país com mais casos é a Polónia, apenas com 37, mas com uma população quase quatro vezes superior à portuguesa. A Alemanha contabilizou até agora 34 casos e tem mais de oito vezes a população portuguesa, enquanto a Espanha (com 46 milhões de habitantes) contou 32 doentes com problemas decorrentes do uso de remdesivir.

    Em Portugal, o remdesivir sempre mereceu um carinho especial por parte dos denominados “peritos” que aconselharam a DGS nas terapêuticas para os doentes com covid-19.

    De entre esses, destacam-se três médicos – Filipe Froes, António Diniz e Fernando Maltez – que simultaneamente integram a equipa de consultores da DGS para a elaboração e actualizações da Norma 004/2020 e sentam-se à mesa com a Gilead, e especificamente para falarem do remdesivir, uma vez que constam do seu advisory board desde 2020. Já este ano, Fernando Maltez e Filipe Froes receberam, cada um, 1.832,7 euros a esse título – pelo menos essa é a verba por eles declarada no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.

    Mas também a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa tem sido uma forte aliada da Gilead na promoção do remdesivir. A Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina (AIDFM) – presidida por Fausto Pinto, também director daquela instituição de ensino –, tem feito para a Gilead sucessivos estudos sobre este fármaco, mas que nunca viram a luz do dia.

    Filipe Froes é um dos três consultores da DGS que se tem destacado na defesa do remdesivir. É também consultor da Gilead.

    Durante o ano de 2020, a AIDFM recebeu desta farmacêutica 15.375 euros para um estudo intitulado “Análise do impacto de remdesivir na capacidade hospitalar do SNS” e mais 30.750 euros para o “Estudo de suporte do pedido de financiamento público de remdesivir no tratamento da covid-19”.

    Já em 2021, encaixou mais verbas para o “Estudo comparativo sobre a utilização de remdesivir” (9.225 euros) e para a “Actualização do dossier de valor terapêutico de remdesivir (Veklury) na indicação aprovada” (12.300 euros). Este ano, no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed constam ainda mais dois estudos pagos pela Gilead: “Análise descritiva da utilização de remdesivir” (9.225 euros) e uma nova actualização do seu valor terapêutico (mais 12.300 euros).

    A Gilead é, aliás, a farmacêutica com maior volume de negócios com esta associação da Universidade de Lisboa. Desde 2013, pelos mais diversos estudos e serviços, recebeu da farmacêutica norte-americana um total de 1.927.175 euros. Para se ter uma ideia da importância da Gilead nas contas da AIDFM, saliente-se que a segunda farmacêutica com maiores relações comerciais é a Bristil-Myers Squibb que “só” entregou 507.780 euros.

    Entretanto, já este ano, a Gilead foi também “pescar” à política, contratando Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos até Fevereiro passado, e que acumulava com a docência na Faculdade de Farmácia de Lisboa. A agora directora de Assuntos Governamentais da Gilead é, desde Dezembro do ano passado, vice-presidente do Partido Social Democrata. Uma escolha de Rui Rio.

  • PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    A Direcção-Geral da Saúde nunca divulgou um relatório sequer sobre os efeitos da pandemia nos lares, e procurou sempre falar pouco do assunto. O PÁGINA UM quis saber detalhes, e mais uma vez a entidade liderada por Graça Freitas recusou. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar esses dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.


    Em Novembro do ano passado, a Amnistia Internacional pediu ao parlamento italiano a realização de um inquérito independente sobre as mortes por covid-19 em lares de idosos e sobre “relatos de retaliação” que denunciaram condições de insegurança, relatou a Euronews.

    Na província canadiana de Ontário, uma comissão de cuidados de longo prazo concluiu que a região “não estava preparada para uma pandemia e que as casas de repouso da província, que foram negligenciadas por décadas por sucessivos governos, eram alvos fáceis para surtos descontrolados”

    No mês passado, um artigo no The Lancet destacava que a taxa de mortalidade nos lares ingleses em Abril de 2020 – quando surgiu a primeira vaga – tinha sido 17 vezes superior à registada nas pessoas com mais de 65 anos que viviam na comunidade, quando nos anteriores essa relação era de 10 vezes.

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    Também um artigo recente da Nature veio corroborar as críticas iniciais à gestão da pandemia da Suécia nos lares, embora de uma forma enviesada, porque comparou aquele país escandinavo apenas à vizinha Noruega, o país europeu menos afectado pela pandemia

    Em Portugal, pouco relevo tiveram os efeitos da pandemia nos lares. Não houve estudos divulgados nem relatórios oficiais executados.

    Sendo certo que foram frequentes as notícias de surtos e de mortes nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), na verdade nunca houve um relatório oficial sobre o verdadeiro impacte da covid-19 naquela comunidade. As últimas informações oficiais quantitativas, mas nunca discriminadas por ERPI, foram dadas em 8 Fevereiro do ano passado quando a Direcção-Geral da Saúde (DGS) revelou que tinham morrido, até àquela data, 3.750 idosos em lares, das quais 42% entre 4 de Janeiro e 4 de Fevereiro. Esse número representava então 26% do total dos óbitos atribuídos à covid-19, numa altura em que os dados oficiais apontavam para 14.354 vítimas da pandemia.

    Em Janeiro deste ano, o PÁGINA UM decidiu assim solicitar “ o acesso, para eventual obtenção de cópia (analógica ou digital), de todo e qualquer documento administrativo (em documento escrito ou sob a forma de base de dados) elaborado pela DGS, ou por outra entidade por sua iniciativa, ou ainda que esteja na sua posse, e que cont[ivesse] informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos [tivessem] ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que [tivesse] apresentado sintomas compatíveis com a doença”.

    Em suma, pretendia-se ter acesso às comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro deste ano.

    Como habitualmente, a DGS não respondeu ao PÁGINA UM, mas um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), aprovado na quarta-feira passada, considera agora que, apesar dos documentos solicitados respeitarem “a informação nominativa, reveste natureza quantitativa”, pelo que “livremente acessível”. E salienta que se a DGS quiser manter a recusa terá de “proferir decisão fundamentada” no prazo de 10 dias.

    Caso a DGS não reconsidere a sua postura, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.

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    Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram parecer da CADA. Além do pedido relacionado com os surtos e óbitos nas ERPI, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso às bases de dados dos internados e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser dirimida nas instâncias judiciais.

  • Base de dados dos internados-covid: DGS não quer dar; Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de dar

    Base de dados dos internados-covid: DGS não quer dar; Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de dar

    A Direcção-Geral da Saúde garantiu, em Fevereiro passado, que cerca de 75% dos internados-covid tinham sido internados por consequência directa da infeção pelo SARS-CoV-2, mas quando o PÁGINA UM quis ver a base de dados com esses elementos, mais uma vez obteve o silêncio e o obscurantismo como resposta. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar a base de dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) deverá formalmente disponibilizar ao PÁGINA UM a base de dados dos doentes-covid desde o início da pandemia até à data, considera a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em parecer emitido por unanimidade em reunião na quarta-feira passada.

    A deliberação da CADA, ontem enviada ao PÁGINA UM, resulta de mais uma recusa da DGS em divulgar documentos administrativos, desta feita a base de dados que a entidade liderada por Graça Freitas referiu existir quando, em comunicado de 4 de Fevereiro passado, divulgou que “no período entre 02/03/2020 e 10/12/2021, verifica-se que, das pessoas internadas com uma infeção por SARS-CoV-2, cerca de 75% estavam internadas por consequência direta dessa infeção.”

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    Nesse comunicado, a DGS confessava que “diariamente, as Administrações Regionais de Saúde recolhem manualmente de forma agregada junto dos hospitais o número total de camas ocupadas por pessoas com infeção por SARS-CoV-2/ COVID-19 em enfermaria e em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI)”, acrescentando que “estes dados são comunicados à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que os processa e valida, partilhando-os posteriormente com a Direção-Geral da Saúde para divulgação.”

    A existência da base de dados era, obviamente, conhecida pelo PÁGINA UM, tanto assim que tivera já acesso confidencial a uma cópia com registos individuais anonimizados entre Março de 2020 e meados de Maio, e que permitiu divulgar uma dezena de artigos de investigação inédita na comunicação social portuguesa durante a pandemia (Dossier P1 – Covid).

    Nesta base de dados não existe qualquer informação pessoal que possibilite a identificação dos doentes, uma vez que todos os registos se encontram anonimizados, constando somente registos individualizados identificados com caracteres alfanuméricos, com indicação da idade, sexo, período e hospital de internamento, output (óbito ou alta), incluindo se esteve em unidade de cuidados intensivos, e comorbilidades e referências à evolução do estado clínico.

    Aliás, no pedido do PÁGINA UM à DGS tinha sido salientado que os dados a disponibilizar deveriam ser anonimizados, para preservação da identidade e da esfera pessoal de cada doente. Cumprindo, aliás, não apenas o previsto no Regulamento Geral de Protecção de Dados como também o código deontológico dos jornalistas.

    Com este pedido formulado pelo PÁGINA UM à DGS, em 21 de Fevereiro passado – que resultou, agora, no parecer da CADA –, pretendia-se sobretudo que esta entidade respeitasse o princípio de “arquivo aberto” da Administração Pública. Além disso, permitindo também uma actualização da informação – uma vez que o PÁGINA UM deixou de ter acesso à base de dados a partir de Maio do ano passado –, seria ainda possível confirmar, de forma independente, a veracidade e rigor das informações tornadas públicas pelo Governo e pela DGS.

    A CADA, no seu parecer, destacando que “deverá ser cumprido o direito de acesso”, refere também que “se o volume ou complexidade da informação o justificarem, o prazo [de entrega dos documentos] (…) pode ser prorrogado até ao máximo de dois meses, devendo o requerente ser informado desse facto, com indicação dos respectivos fundamentos, no prazo de 10 dias”.

    Saliente-se, contudo, que a base de dados consiste, num conjunto de elementos, que, apesar de numerosos, são susceptíveis de serem transpostos numa simples folha de cálculo (tipo Excel), de acesso imediato.

    Caso não seja agora recebida finalmente uma cópia da base de dados dos internados-covid, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação contra a DGS que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.

    Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS já apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram outros tantos pareceres da CADA.

    Além do pedido relacionado com a base de dados dos internados, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso à base de dados sobre surtos e óbitos em lares durante a pandemia; à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser ainda dirimida nas instâncias judiciais.

  • Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos vão ter de revelar contabilidade de campanha mediática e milionária à custa da pandemia

    Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos vão ter de revelar contabilidade de campanha mediática e milionária à custa da pandemia

    Há dois anos, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, com o apoio da indústria farmacêutica, lançaram um campanha mediática, recorrendo a figuras públicas. Angariaram mais de 1,4 milhões de euros, que envolveu um polémico donativo de 380 mil euros da Merck S.A. e mais 665 mil euros da Apifarma. Na hora de prestar contas, até por serem entidades com deveres similares à Administração Pública, fecharam-se em copas. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora que são obrigados a dar documentos operacionais e contabilísticos. Se estas ordens profissionais recusarem cumprir o parecer (não vinculativo) da CADA, seguirá mais um processo de intimação para o Tribunal Administrativo.


    Os documentos operacionais e contabilísticos que comprovem o recebimento e distribuição dos donativos da campanha “Todos por Quem Cuida”, que terá angariado mais de 1,4 milhões de euros em 2020 e 2021, deverão ser disponibilizados ao PÁGINA UM pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos, as entidades que a promoveram em conjunto com a Associação Portuguesa de Indústrias Farmacêuticas (Apifarma). A campanha foi iniciada em 22 de Abril de 2020, ou seja, há exactamente dois anos, logo na primeira fase da pandemia.

    Esta é a decisão de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, aprovado na quarta-feira passada e hoje comunicada ao PÁGINA UM. Tanto a Ordem dos Médicos – liderada pelo urologista Miguel Guimarães – como a Ordem dos Farmacêuticos – então liderada por Ana Paula Martins, que desde Fevereiro deste ano é directora de assuntos governamentais da farmacêutica Gilead e desde Dezembro passado vice-presidente do PSD – recusaram o acesso do PÁGINA UM aos documentos que comprovem o valor concreto e a proveniência dos fundos, bem como a correcta e prometida distribuição desses equipamentos e bens.

    Campanha recolheu 1.401.545 euros, mas ignora-se os montantes em género e em dinheiro, e
    nem sabe o destino de tudo.

    No site da campanha consta apenas o valor total angariado, o número de instituições apoiadas (1.238) e as quantidades do diverso material doado, mas sem identificar essas instituições nem tão-pouco as quantidades que cada uma terá eventualmente recebido. Também é referido que seriam “cedidos a hospitais” 20 ventiladores produzidos em Portugal pela Sysadvance, mas ignora-se se tal ocorreu, e se sim, quais as unidades de saúde beneficiadas. Nem qual o preço pago à Sysadvance. A única informação recolhida pelo PÁGINA UM sobre esta matéria é o anúncio pelo Jornal Médico em Abril do ano passado da entrega do primeiro destes ventiladores, indicando-se então que seriam afinal entregues 30 unidades.

    De igual modo, o site da campanha indica que seriam distribuídos 300.000 euros para criar 12 unidades de cuidados intensivos no Hospital de Santo António, quatro camas de isolamento aéreo para cuidados intensivos no Hospital de São João e uma unidade centralizada de farmácia de ambulatório no Hospital de São José.

    De entre estes projectos, somente no mês passado – já muito depois do PÁGINA UM ter começado a questionar a Ordem dos Médicos sobre aspectos da gestão contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida” – foi anunciado que 100 mil euros seriam entregues pela Ordem dos Médicos para contribuir para remodelação da unidade de cuidados intensivos do Hospital de São João. O orçamento total será de 500 mil euros, sendo que a Associação Empresarial Portuguesa também doou 300 mil euros.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Um dos aspectos mais estranhos e polémicos desta campanha foi um donativo considerado em termos contabilísticos de 380.000 euros, sob a forma de máscaras FFP2, da farmacêutica alemão Merck S. A. directamente à Ordem dos Médicos. Não consta que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde tivessem tido alguma vez falta de máscaras. Sabe-se sim que a Merck S.A. poderá vir a receber benefícios fiscais por este alegado donativo.

    A Ordem dos Médicos também terá recebido mais 20.000 euros em 2021 da A. Menarini, ignorando-se se em dinheiro ou em género. Os Laboratórios Medinfar também terão contribuído, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, nesta campanha mas sem passar pelas entidades organizadoras. No portal do Infarmed contabilizam-se 44 donativos ao longo de 2020 desta empresa portuguesa, para hospitais do SNS e instituições de solidariedade social em montantes que variaram entre os 78,3 euros e os 626,4 euros. No total, a empresa terá doado 8.972,56 euros.

    A Apifarma também terá doado 665 mil euros para este fundo, mas apenas através da análise de documentos contabilísticos se poderá apurar se houve ou não uma mera engenharia contabilística com efeitos fiscais.

    No site da campanha, ainda operacional mas já com o IBAN indicado para donativos inoperacional, não consta qualquer relatório circunstanciado.

    A Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos têm agora 10 dias para disponibilizar, ou não, toda a documentação solicitada pelo PÁGINA UM. Caso tal não suceda será então entregue um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa com vista a ser imposta uma obrigatoriedade sob pena de multas pecuniárias por cada dia de atraso.

    Os processos de intimação têm sido uma das estratégias do PÁGINA UM para contribuir para uma maior transparência das entidades da Administração Pública ou de instituições equiparadas, como as Ordens profissionais. E, sobretudo, para contornar a sistemática recusa das entidades públicas, que apesar dos pareceres da CADA, que não são vinculativos, continuam a não fornecer os documentos solicitados.

    Aliás, o PÁGINA UM já obtivera da CADA, em Janeiro passado, um parecer relativo exclusivamente ao donativo da Merck S.A, à Ordem dos Médicos, mas o bastonário e urologista Miguel Guimarães continuou a recusar, algo que já não poderá continuar a suceder se a intimação do Tribunal Administrativo lhe for desfavorável.

    Anúncio de promoção da campanha “Todos por Quem Cuida”, iniciada em 22 de Abril de 2020

    Este mês, o PÁGINA UM já intentou processos de intimação contra o Conselho Superior da Magistratura e o Infarmed, recorrendo ao seu FUNDO JURÍDICO – suportado por donativos dos leitores –, estando agora ser preparado um processo global contra a Direcção-Geral da Saúde, agrupando a totalidade das solicitações não satisfeitas pela entidade liderada por Graça Freitas, pese embora os pareceres da CADA.

    A mediática campanha “Todos por Quem Cuida” contou com o apoio de figuras da política, da cultura, desporto e entretenimento, como o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o ex-presidente da República Ramalho Eanes, os cantores Ana Moura, Mariza, Camané, Pedro Abrunhosa, Rui Veloso e Luís Represas, o ex-futebolista Luís Figo e os apresentadores Fernando Mendes e Manuel Luís Goucha.

    Teve também o apoio de duas dezenas de órgãos de comunicação social, a saber: Correio da Manhã TV, Ekonomista, Jornal Económico, Marketeer, Público, Porto Canal, Sapo, TVI, Vida Ativa, Visão, Correio da Manhã, Dinheiro Vivo, Eco, Flash, Jornal i, Jornal de Notícias, Negócios, Record, Sábado e Sol.

  • Consultores: do zero aos 263.389 euros do Doutor Froes

    Consultores: do zero aos 263.389 euros do Doutor Froes

    O PÁGINA UM decidiu escalpelizar, a título de exemplo, as relações entre farmacêuticas e especialistas de uma área médica que esteve na berlinda nos últimos dois anos: a Pneumologia, sobretudo quando estes também estão próximos dos corredores de decisão. Ou seja, quando são também consultores da DGS, que nada lhes paga (e devia) mas lhes oferece um apetecível título de consultor, que pode valer ouro num currículo. Há quem se aproveite disso; e há quem não. E há quem esteja incompatível, e/ou próximo disso. Uma viagem ao mundo da Ética.


    Seis dos 17 consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que integram o Programa Nacional de Doenças Respiratórias (PNDR) não tiveram qualquer relação comercial com o sector farmacêutico, de acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed entre 2017 e o mês corrente.

    Tendo como funções assessorar cientifica e gratuitamente a DGS neste programa de saúde prioritário, os consultores do PNDR – tal como dos outros sete existentes – não têm, por norma, vínculo àquela entidade, sendo “recrutados” sem qualquer vencimento junto das universidades e hospitais públicos. Aceitam, e nada ganham por isso do Estado; mas recebem o título de consultores da DGS. Para muitos é serviço para a comunidade; para outros um bom cartão de visita para efeitos de marketing pessoal.

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    Estes peritos são muito “apetecíveis” para a indústria farmacêutica. Devido à sua proximidade com a Autoridade de Saúde Nacional (DGS), responsável pelas normas e orientações que podem ser relevantes para o uso de medicamentos e tecnologias de saúde, têm potencialmente acesso a informação privilegiada. Se forem maleáveis, e até integrarem o quadro de consultores de um determinado medicamento, podem contribuir para os “milagres” acontecerem junto dos órgãos decisórios.

    Excepto se forem seus funcionários, a DGS permite que esses consultores possam receber até 50 mil euros por ano, em média no quinquénio anterior, provenientes do sector farmacêutico, se forem membros de órgãos sociais de sociedades científicas, associações ou empresas privadas. A título individual só violam o regime de incompatibilidades se trabalharem com um vínculo contratual para as farmacêuticas, o que facilmente se contorna através de pagamentos por “prelecção em palestras ou conferências organizadas” por este tipo de empresas, ou ainda se participarem em estudos e ensaios clínicos.

    Assim, no caso do PNDR, com excepção evidente de um dos 17 consultores – António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), que de forma clara viola o regime de incompatibilidades, como o PÁGINA UM denunciou esta semana –, não há mais ninguém em claro incumprimento da lei.

    A incompatibilidade de António Morais – pneumologista que também acumula funções no Hospital de São João do Porto e na empresa privada Trofa Saúde – advém apenas do seu cargo na SPP (porque esta entidade tem fortes relações comerciais com as farmacêuticas), e não naquilo que delas recebe a título pessoal. Em todo o caso, Morais recebeu para o seu próprio bolso, desde 2017, um total de 24.951 euros da indústria farmacêutica, sobretudo da Roche e da Boehringer Ingelheim.

    António Morais, ao centro, preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia e ainda é consultor da DGS.

    Há um outro caso bicudo que envolve outro consultor do PNDR: o do pneumologista Filipe Froes, que poderá estar também em situação de incompatibilidade, porque tem recebido montantes bastante elevados nos últimos anos das farmacêuticas, sobretudo através da sua empresa Terra & Froes.    

    De acordo com a análise do PÁGINA UM ao portal do Infarmed, desde 2017 até agora, Froes recebeu da indústria farmacêutica um total de 263.389 euros, com a Pfizer à cabeça (85.096 euros), seguindo-se a Merck Sharp & Dohme (67.859 euros) e a BIAL (17.417 euros). Em média, no último quinquénio arrecadou 47.520 euros. Está portanto, próximo da fasquia dos 50.000 euros.

    Contudo, conforme o PÁGINA UM já denunciou, mas ainda sem consequências para o pneumologista, existem discrepâncias entre os valores constantes da plataforma do Infarmed e do relatório e contas da sua empresa.

    Apesar da polémica das suas relações com a indústria farmacêutica, Froes não tem parado. Este ano, em menos de quatro meses, já contabiliza 15.764 euros, dos quais quase três mil euros como consultor da Gilead para o polémico anti-viral remdesivir. Froes continua a ser também membro da equipa de médicos que determina as terapêuticas de tratamento para a covid-19, e que manteve aquele fármaco incluído, apesar dos riscos e ineficácia.

    Filipe Froes, durante um webinar em Abril de 2021, patrocinado pela Ascensia Diabetes Care, Boehringer Ingelheim, Roche, Gasomed e Medtronic, intitulado “Um ano de covid-19 ou o bom, o mau e o vilão”.

    O consultor do PNDR que, a seguir a Froes, mais recebeu do sector farmacêutico é Paula Gonçalves Pinto, especialista em apneia obstructiva do sono, que trabalha no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte e dá ainda aulas na Faculdade de Medicina de Lisboa e na Universidade Nova. Recebeu desde 2017 um total de 45.708 euros, embora esse rendimento se tenha reduzido bastante a partir de 2020. No ano passado, por exemplo, recebeu da indústria farmacêutica apenas 1.737 euros.

    Com valores ligeiramente mais baixos surgem as consultoras Celeste Barreto (35.968 euros) e Ana Arrobas (35.164 euros). A primeira trabalha no serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria, sendo especialista em fibrose quística. A segunda trabalha no Hospital Universitário de Coimbra e no Hospital da Luz, sendo especialista em asma.

    Os consultores do PNDR sem qualquer relação comercial conhecida com as farmacêuticas são António Fonseca Antunes (consultor para o Planeamento e Estratégia), Elisabete Melo Gomes (que é técnica da DGS), Elsa Soares Jara (pneumologista especializada em cuidados respiratórios domiciliários), Emília Nunes (especialista em tabagismo), Paulo Diegues (chefe de divisão de Saúde Ambiental e Ocupacional, sendo engenheiro do ambiente) e Paulo Nogueira (especialista em vigilância epidemiológica e docente da Faculdade de Medicina de Lisboa).

    A directora do PNDR, Cristina Bárbara, pneumologista no Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, regista verbas recebidas directamente das farmacêuticas desde 2017 bastante baixas: somente 1.101 euros. E não arrecadou qualquer verba desde 2019.

  • X: antes a Morte que tal Sorte

    X: antes a Morte que tal Sorte


    Se quisermos, a paranóia da pandemia pode eternizar-se. Ou pode acabar hoje mesmo.

    Depende se aceitamos o absurdo.

    Por exemplo, ontem o Expresso anunciava que “o surgimento de novas variantes, como a Ómicron, reforçou a necessidade de uma estratégia de controlo da covid-19”, e por isso os Estados Unidos estavam a “redobrar esforços colectivos para encerrar a fase aguda da pandemia (…) e nos preparamos para futuras ameaças relacionadas com a saúde”.

    Já sabemos, pela “amostra” dos últimos dois anos naquilo que isto vai dar.

    Vemos agora, pelo exemplo demencial de Xangai, naquilo que se pode transformar a vida mesmo em civilizadas sociedades ocidentais que foram criadas com base no livre-arbítrio responsável e nas liberdades individuais.

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    Tudo isto se pode, e deve (defenderão os políticos sanitaristas), ser posto em causa se houver razões de excepção. Novas variantes de um vírus, “futuras ameaças relacionadas com a saúde”, eis a excepção, qual sonho húmido de políticos democratas com tentações despóticas, que pode ser a regra, se assim se quiser.

    Se assim a imprensa mainstream quiser. Se os Governos quiserem. Se os povos aceitarem.

    Pesquiso no Google News sobre a suposta nova variante XE, através das palavras XE e covid: contabilizo já 29.800.000 notícias. Estão reunidos os ingredientes para a renovação da pandemia.

    Ler algumas destas notícias causa uma dor de alma a quem defende um jornalismo que não permite manipulações, mistificações, especulações.

    Leio, por exemplo, uma notícia da CNN Portugal – pego nesta como poderia pegar em tantas de tantos outros órgãos de comunicação social mainstream –, publicada em 6 de Abril passado, que reza assim:

    A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) detetou, em janeiro, uma nova variante do SARS-CoV-2. Chama-se Ómicron XE, combina duas estirpes desta variante e, do pouco que se sabe, é mais contagiosa do que as variantes anteriores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já foi notificada.

    Esta nova variante é aquilo a que se chama de vírus ‘recombinante’, isto é, que combina o material genético de dois vírus, neste caso, de duas variantes e subvariantes do mesmo vírus. A Ómicron XE combina a BA.1 (chamada de Ómicron original) e a BA.2 (uma subvariante).

    Até ao momento, já tinham sido detetadas outras variantes recombinantes: as XD e XF, que juntavam a Delta e Ómicron BA.1. Segundo a OMS, a XD ‘está associada a maior transmissibilidade ou resultados mais graves”.

    Nem sei bem onde pegar quando leio “pérolas” deste jaez.

    A manipulação, a mistificação e a especulação começa logo em detalhes, que aliás serviram já para a Ómicron, que afinal acabou por ser uma bênção, do ponto de vista epidemiológico, pela sua maior transmissibilidade (mais casos) e menor letalidade (menos mortes), e portanto por ter concedido maior imunidade à população. Num raro momento de lucidez, Bill Gates até admitiu isso em 18 de Fevereiro deste ano numa conferência em Munique.

    Na verdade, existirão razões científicas muito plausíveis e compreensíveis para que agora surjam variantes que usam um X inicial para a sua denominação. Em todo o caso, não temos apenas a XE. Já andam também por aí, e por agora, as variantes XA, XB, XC, XD, XF, XG, XH, XJ (não há XI, por razões políticas!), XK, XL, XM, XN, XP, XQ, XR, XS e XT, todas elas recombinantes, como todas as outras, desde que o SARS-CoV-2 começou a infectar humanos.

    white and black speaker on green wall

    As letras e as denominações possuem também valor simbólico, uma carga, um karma. E isso tem-se notavelmente feito notar na alimentação da pandemia.

    A percepção da existência de um perigo (afinal inexistente, aparente ou real) proveniente de uma variante X qualquer coisa – como se marcasse um alvo – é maior do que seria se se continuasse a usar as letras A e B seguidas de pontos e números.

    [já agora, diga-se que também há, em muito menor número, iniciadas por C (47), D (4), G (1), K (3), L (4), M (3), N (10), P (29), Q (8), R (2), S (1), U (3), V (2), W (4), Y (1, que, aliás, “nasceu” em Portugal) e Z (1)]

    O “marketing vírico” em redor do surgimento (supostamente repentino) de novas variantes – que “podem” ser sempre mais perigosas, mais transmissíveis, mais um “par de botas”, como propalam jornalistas “acéfalos”, porque acríticos e preguiçosos – mostra bem o grau de insanidade colectiva.

    A variante XE – que aparenta ser uma novidade, que justifica o levantamento de redobrados alertas – foi, na verdade, já identificada em 19 de Janeiro passado. Existem dados sobre a sua letalidade que justifiquem preocupação? Claro que não.

    Nem sobre todas as outras variantes iniciadas por X, incluindo da primeira (XB) identificada no “longínquo” 8 de Julho de 2020!

    Diga-se, aliás, a talhe de foice, que a famigerada variante Ómicron – anunciada como se fosse o fim do Mundo, e que justificou mesmo o encerramento de uma ala pediátrica do Hospital Garcia de Orta em Novembro do ano passado – foi identificada afinal nos Estados Unidos (com a nomenclatura BA.1) em 7 de Setembro do ano passado, ou seja, dois meses antes do pânico ser novamente relançado a nível mundial.

    Porém, onde a insanidade colectiva espraia em todo o seu esplendor é nas notícias sobre o surgimento de uma nova variante, como se fosse fenómeno raríssimo, de sorte que cada vez que surgisse uma nova maiores perigos adviriam.

    person holding orange and white toothbrush

    Vamos ser claros: é uma estupidez absoluta continuar a pensar que a “criação” de novas variantes alguma vez terminará, a menos que se continuem com lockdowns, com máscaras, vacinas, com a obrigação de fazer o pino virado para Meca ou com a entrega das nossas liberdades de viver antes de morrermos.

    Simplesmente, não vai acontecer.

    Se, porventura, em vez de perguntarem aos leitores quanto tempo vai durar a Guerra da Ucrânia, os jornais com maior capacidade de endividamento (não propriamente económico ou financeiro) questionassem as pessoas sobre quantas variantes do SARS-Cov-2 existem, talvez se chegasse à conclusão da existência de quatro ou cinco.

    E porquê? Porque se foi sempre moldando a percepção de que o surgimento de novas variantes era um fenómeno raro, imprevisível, e que, sendo assim, anunciada essa raridade, logo seria motivo necessário mas suficiente para alarme, medo e pânico.

    Aliás, a raridade de certos fenómenos foi sempre pasto para especulações e medos cegos. Daí que, durante séculos e séculos, o surgimento de cometas ou de eclipses eram vistos como prenúncios ou causas de desgraças. Ninguém jamais anunciou o fim do Mundo porque o sol nasceu em certo dia, porque nasceu tantas outras vezes antes e renascerá outras tantas no futuro. A banalização de um evento elimina qualquer fobia. Não se assusta uma criança gritando-lhe muuuu todos os dias por detrás da porta.

    Portanto, vamos lá fazer contas sobre variantes do SARS-CoV-2, procurando onde se deve. E arrumemos já com o assunto sobre a raridade das variantes.

    black and white human face drawing

    No Pango Network estão listadas, à data de hoje, 1.847 variantes, desde que as duas primeiras foram identificadas ainda em 2019: a variante B, em 24 de Dezembro, e a variante A, em 30 de Dezembro.

    Como sucedeu com os testes PCR para encontrar casos positivos, no caso das variantes, quanto mais que escarafunchou na investigação, mais pequenas diferenças se descobriram. Levado ao extremo do absurdo, se aplicada à espécie humana a busca de diferenças classificadas como variantes, teríamos hoje não quase oito mil milhões de pessoas mas sim quase oito mil milhões de variantes da espécie humana.

    Assim, no caso do SARS-CoV-2 foram “brotando” variantes. Só em Janeiro de 2020, ainda antes da chegada da covid-19 a Portugal, já havia 21 novas variantes no Mundo. No mês seguinte foram identificadas mais 35. Em Março – o mês do início do pandemónio na Europa – identificaram-se mais 385 novas variantes.

    Desta sorte, na primeira metade de 2020 já estávamos com 883 variantes de SARS-CoV-2. No final desse ano, eram já 1.328 variantes, ou seja, 72% do total identificado até agora, o que é um paradoxo.

    Até ao final de 2020, o SARS-CoV-2 “apenas” tinha infectado (casos positivos) 84 milhões de pessoas, mas “criou” mais de 1.300 variantes. Desde 2021, apesar de ter infectado mais 420 milhões de pessoas – isto é, cinco vezes mais – “só” teve habilidade para “criar” menos de meio milhar. Um mistério da virologia.

    De facto, ao longo de 2021, a “multiplicação” de variantes amenizou, e desconfio que não terá sido por cansaço do vírus, mas mais por “aborrecimento” dos virologistas. Mas nem assim se pode dizer que se tenha parado de descobrir ou de que passou a ser um fenómeno raro. No primeiro semestre do ano passado “descobriram-se” mais 219 variantes; no segundo semestre foram 104.

    Nos dois primeiros meses do presente ano contabilizam-se já 21 novas variantes, grande parte das quais recebendo agora a denominação iniciada por X. Não estão aqui contabilizadas 175 variantes que não têm data de identificação no Pango Network.

    Neste cenário de inevitável “descoberta” de novas variantes, aceitarmos candidamente que algumas possam ser escolhidas, de forma aleatória e manipulatória, para fazer soar alarmes – e sem se compreenderem os motivos –, e justificarem-se assim renovadas medidas de excepção em prol de uma quimérica Saúde Pública de risco zero, é rendermo-nos a um distópico Novo Normal. Um Mundo em que é preferível a Morte que tal Sorte.

  • Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    António Morais manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed depois de ter tomado posse em 2019 como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), uma das associações médicas com maiores relações comerciais com a indústria farmacêutica. A lei determina que só poderia manter aquelas funções se a SPP recebesse em média um máximo de 50 mil euros por ano. Porém, a SPP recebeu no último quinquénio 17 vezes mais do que esse patamar. Todas as decisões da DGS e do Infarmed que tenham sido tomadas com base em pareceres de António Morais estão feridas de nulidade.


    O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, está a violar há três anos as regras de incompatibilidade que o deveriam impedir de se manter como consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde. As decisões administrativas que tenham sido tomadas com base em pareceres em que este pneumologista tenha participado são nulas.

    As duas entidades públicas, contactadas pelo PÁGINA UM, não se pronunciam. António Morais – que é desde 2016, e apresenta-se como tal no seu currículo, consultor de doenças intersticiais pulmonares do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da DGS e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed – também não respondeu ao pedido de esclarecimentos.

    António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.

    Em causa está o incumprimento do regime de incompatibilidade previsto num decreto-lei de 2014 que abrange consultores, membros de comissões, grupos de trabalho, júris de concursos que, entre outras funções, “participem na escolha, avaliação, emissão de normas e orientações de carácter clínico, elaboração de formulários, nas áreas do medicamento e do dispositivo médico no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, bem como dos serviços e organismos do Ministério da Saúde”.

    As normas deste diploma acabaram também por ser adoptadas pelo Infarmed, a entidade reguladora dos medicamentos.

    De entre as diversas incompatibilidades, aquela que mais salta à vista, no caso de António Morais, é a que proíbe os consultores da DGS e do Infarmed de serem membros de órgãos sociais de sociedades científicas – como é o caso da SPP – que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.

    Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguíssimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Quando este pneumologista – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – tomou posse, a SPP tinha recebido no quinquénio anterior uma média de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.

    Receitas totais directas (em euros) da Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2014 e 2022 provenientes do sector farmacêutico. Fonte: Infarmed.

    No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais: situam-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico de 1.301.972 euros.

    Até à data, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP amealhou 329.393 euros em 2022, mas usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.

    No ano passado, para a realização deste evento de três dias num hotel de cinco estrelas em Vilamoura, a SPP obteve quase 370 mil euros de patrocínios, além de inscrições de médicos no valor de 193 mil euros que acabaram também por ser pagas pelas farmacêuticas.

    Sé neste último quinquénio, a SPP recebeu mais de 50 mil euros em média por ano de nove companhias farmacêuticas: Boehringer Ingelheim (104.034 euros), Novartis Farma (90.914 euros), BIAL (89.236 euros) Pfizer (82.440 euros), GlaxoSmithKline (71.189 euros), A. Menarini (68.533 euros), AstraZeneca (61.930 euros), Roche (53.050 euros) e Sanofi (51.895 euros). Teve ainda relações comerciais, envolvendo sobretudo patrocínios, de mais 20 empresas farmacêuticas e de produtos médicos.

    Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Para além da questão ética, as incompatibilidades de António Morais têm consequências legais e jurídicas muito graves. De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.

    António Morais, por seu turno, pode vir também a ser sancionado, porque o artigo 6º do mesmo diploma legal determina a obrigatoriedade de ele cessar as suas funções de consultor a partir do dia de tomada de posse como presidente da SPP (14 de Janeiro de 2019). O PÁGINA UM teve acesso à sua última declaração, com data de 5 de Março de 2018 – numa altura, portanto, em que ainda não presidia à SPP, e não estaria a violar o regime de incompatibilidades –, e que ainda consta no site do Infarmed.

    Por essa falha, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde pode, de acordo com a lei, aplicar-lhe uma coima entre 2.000 e 3.500 euros.

  • Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Os portugueses parecem ter-se fartado das vacinas contra a covid-19. Apenas um terço dos pais decidiram vacinar as suas crianças com duas doses, e uma parte considerável (22%) ponderou e decidiu não dar a segunda dose. Nos adultos jovens, a dose de reforço não está também a ter grande adesão. No grupo entre os 18 e os 24 anos já são mais aqueles que desistiram da vacina.


    O programa de vacinação contra a covid-19 está a perder gás, sobretudo na população mais jovem. Quatro em cada 10 crianças vacinadas com a primeira dose contra a covid-19 nos primeiros meses do ano não receberam a segunda dose.

    Mesmo considerando que as infecções pela variante Ómicron, sobretudo durante o mês de Janeiro, tenha levado à não promoção, por parte da Direcção-Geral da Saúde (DGS), da segunda dose nas crianças que tiveram entretanto contacto com o vírus, mostra-se já notório que muitos pais terão desistido da segunda toma.

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    Embora a DGS não divulgue dados absolutos – para dificultar análises independentes –, terão sido vacinadas com a primeira dose cerca de 55% das crianças entre os 5 e os 11 anos, mas até ao dia 11 de Abril (últimos dados disponíveis), somente 33% estavam com a vacinação completa.

    Assim, como 45% das crianças nunca foram vacinadas contra a covid-19, e os pais de 22% decidiram não lhes dar (ainda) a segunda dose, então significa que apenas seis em cada 10 pais que autorizaram a primeira toma quiseram depois que lhes dessem a segunda.

    A análise do PÁGINA UM aos dados da DGS também permitem aferir que não é expectável uma evolução significativa deste rácio nesta faixa etária nos próximos tempos. Entre 7 de Março e 11 de Abril a taxa de vacinação completa somente subiu de 28% para 33%, o que deverá corresponder a pouco mais de 30 mil vacinas numa faixa etária que integra quase 650 mil pessoas.

    Por outro lado, nota-se que a adesão dos adolescentes e adultos em idade activa às doses de reforço está muito longe de atingir os níveis da vacinação com as duas primeiras doses.

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    No caso dos adolescentes, com idades entre os 12 e 17 anos, os dados da DGS nem indicam que estejam a ser feitas inoculações de reforço. Aparentemente, esta entidade, que no Verão passado tanto defendia a relevância de se vacinar adolescentes para defender os mais idosos, deixou agora de considerar relevante repetir doses, mesmo sabendo-se que a imunidade vacinal se perde passado poucos meses.

    No entanto, Graça Freitas continua a manter a obrigatoriedade do uso de máscaras no interior dos estabelecimentos de ensino.

    Também nas faixas etárias entre os 18 e os 65 anos, onde o programa vacinal inicial teve uma adesão praticamente total (entre os 98% na faixa dos 18-24 anos e os 100% na faixa dos 50-64 anos), a dose de reforço não está agora a ser procurada com grande intensidade. E sobretudo nos adultos jovens.

    Assim, até 11 de Abril, apenas 43% do grupo etário entre os 18 e 24 anos quiseram levar dose de reforço, valor que sobe para os 58% na faixa etária dos 25 aos 49 anos e para 83% para a faixa dos 50 aos 64 anos. Mesmo nos mais idosos, a taxa de reforço não atinge os mesmos patamares, embora muito próximo dos 100%. A diferença pode advir do facto de muitas pessoas idosas que tomaram as duas primeiras doses terem entretanto falecido de causas diversas.

    Apesar da ausência de dados absolutos de vacinação no último mês – por opção intencional da DGS –, considerando as estimativas da população calculadas pelo Instituto Nacional de Estatística e a evolução da percentagem de vacinados por grupo etário, terão sido inoculadas entre 7 de Março e 11 de Abril quase 215 mil pessoas. Ou seja, menos de seis mil vacinas administradas por dia.

  • As peripécias de quem não sabia (ainda) o que era uma guerra

    As peripécias de quem não sabia (ainda) o que era uma guerra

    Título

    A entrada na Guerra

    Autor

    ITALO CALVINO (tradução: Leonor Reis e Sousa)

    Editora (Edição)

    Dom Quixote (Abril de 2022)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Aos 31 anos, Italo Calvino escreveu A entrada na guerra, uma das suas obras menos conhecidas, e que em boa hora, e de forma muito oportuna, a Dom Quixote agora edita, pela primeira vez, em Portugal.

    A oportunidade não se deve apenas por dar a conhecer aos leitores portugueses (por ser até agora inédita no nosso país) uma das primeiras obras deste escritor italiano – hoje merecidamente um dos grandes da Literatura europeia do século XX –, ainda mais autobiográfica.

    Nem por retratar o período inicial da II Guerra Mundial, que pode, aqui e ali, invocar os actuais acontecimentos na Ucrânia.

    Na verdade, deve-se a estes dois factores, mas sobretudo à sua qualidade literária, e por ser um retrato do início de uma guerra por alguém que, na verdade, está a iniciar a sua vida.

    Calvino, nascido em 1923 nos arredores de Havana (Cuba), por um acaso familiar, contava apenas 31 anos quando publicou, em 1954, as três breves memórias que constituem est’A entrada na guerra. Estava ainda longe das suas obras mais emblemáticas como Os amores difíceis (1970), As cidades invisíveis (1972) e Se numa noite de inverno um viajante (1979), mas já havia publicado O visconde cortado ao meio (1952), a primeira parte da magistral trilogia fantástica de Os nossos antepassados, completada ainda na década de 50: O barão trepador (1957), e O cavaleiro inexistente (1959).

    Mesmo sendo um livro de memórias, sem possuir, assim, a pretensão de contar uma história, esta obra tem dois fascínios. Primeiro, não aparenta ser escrito por um adulto de 31 anos, mas antes é a voz e o sentimento do adolescente Calvino a confrontar-se com a realidade de uma nova guerra que se avizinhava, mas que para jovens italianos parecia algo que somente quebrava o quotidiano, criando-lhes um mundo de aventuras. Segundo, já se lhe nota um amadurecimento da prosa, já bem visível em O visconde cortado ao meio, uma segurança na simplicidade como discorre a narrativa e a pontua com detalhes, por vezes desconcertantes. 

    A primeira parte, A entrada na guerra, que lhe dá título à obra, é datada no dia 10 de Junho de 1940. Encontra o jovem Calvino, como vanguardista (milícia juvenil homóloga à Mocidade Portuguesa), ajudando como pode (e quer e lhe apetece) a dar sopa aos refugiados que chegavam a uma escola, e onde o que mais “saltava à vista (…) era a presença de aleijados, de idiotas, de mulheres barbudas, anões, eram os lábios e narizes deformados por lúpus, era o olhar impotente dos doentes com delirium tremens: era este o rosto sombrio das aldeias de montanha, agora obrigado a revelar-se, a desfilar nas paradas o velho segredo das famílias camponesas à volta de quem as casas das aldeias se apertam umas contra as outras como as escamas de uma pinha”.

    A segunda parte, Os vanguardistas de Menton, temos um involuntário e imberbe Calvino a participar na pilhagem daquela pequena cidade francesa que caiu nas mãos de Mussolini em meados de 1940. Também aqui, jornalisticamente, o jovem Calvino revela a existência da máquina de propaganda, já então com as suas fake news: “Tínhamos visto recentemente no cinema um documentário que mostrava a luta das nossas tropas nas ruas de Menton; mas nós sabíamos que era falso, que Menton não tinha sido conquistada por ninguém, mas apenas abandonada pelo exército francês na altura do ataque e depois ocupada e pilhada pelos nossos.”

    O retrato de Calvino não chega a ser pungente nem sequer demasiado crítico da “selvajaria” das pilhagens, as quais acompanha e participa, para não ser considerado “estúpido”, mas sem qualquer entusiasmo.

    A terceira e derradeira parte, As noites da UNPA (Unione Nazionale Protezione Antiaerea, um corpo de voluntários para socorro da população civil em caso de ataques aéreos), retrata “tempos em que ainda não se sabia o que era o terror; pelas ruas viam-se apenas sinais do despertar geral e brusco: vozes nas casas, luzes que se acendiam e eram logo apagadas, e pessoas meio vestidas às portas dos abrigos olhando para o ar”. Por isso, o relato incide sobretudo nas aventuras, brincadeiras, partidas e descobertas de Calvino e dos seus amigos em San Remo durante um blackout.

    Nada, nesta obra, retrata o período posterior da vida de Calvino na sua chegada à fase adulta, com a entrada na Universidade de Turim e depois Florença – onde estudou a contragosto Agricultura, por pressão paterna –, e muito menos a sua entrada na Resistência italiana comunista. Não era preciso. Está muito, muito bom assim como ficou.