Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 e a Direcção-Geral de Saúde decidiram dar duas doses de vacinas em adolescentes. Investigação em Hong Kong, publicada anteontem, revela que risco de miocardites dispara na segunda toma em comparação com a primeira dose. Face aos resultados preliminares, o território chinês já alterou a política de vacinação para adolescentes desde Setembro do ano passado. Em Portugal não se sabe quantos adolescentes tomaram duas doses nem quantas foram as miocardites registadas por causa da vacina contra a covid-19.


    Estudos internacionais começam a revelar ter sido um erro vacinar adolescentes contra a covid-19, sobretudo em rapazes e administrando duas doses. Uma nova pesquisa, publicada anteontem na prestigiada revista JAMA Pediatrics, da American Medical Association, revelou que após a toma da segunda dose da vacina da Pfizer por adolescentes de Hong Kong se observou uma incidência de 39 casos de miocardites por 100.000 habitantes, ou seja, por cada 2.563 adolescentes vacinados com duas doses, um desenvolveu aquela grave infecção do coração.

    Este problema levou, aliás, aquele território sob administração da China passasse a optar por apenas vacinar adolescentes com uma dose, uma vez que, neste caso, a incidência neste caso se revelou muito mais baixa (cerca de 5 casos por 100.000 vacinados). Em relação às adolescentes, o risco mostrou-se muito inferior: os rapazes apresentaram uma incidência seis vezes superior às raparigas na primeira toma (5,27 vs. 0,90 por 100.000 casos) e de quase oito vezes na segunda toma (39,02 vs. 4,97 por 100.000 casos).

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    Este estudo de coorte – que abrangeu adolescentes de ambos os sexos, dos quais 162.518 tomaram duas doses e 62.042 apenas uma dose – desenvolveu-se entre 10 de Março e 18 de Outubro do ano passado. Mas os resultados preliminares terão já mostrado ser evidente e elevado o risco de miocardites, pelo que as autoridades chinesas decidiram, em 15 de Setembro passado, que não se deveria administrar dose dupla.

    Recorde-se que em Portugal, a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV) recomendou a vacinação universal quer para adolescentes quer para crianças. O polémico parecer sobre a vacinação de crianças feito a pedido da Direcção-Geral da Saúde (DGS) foi tornado público em Dezembro, por pressão política, mas não o referente aos adolescentes nunca foi revelado, nem qualquer outro.

    O PÁGINA UM obteve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que considera que a DGS teria de disponibilizar publicamente toda a documentação da CTVC, mas a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, mantendo uma postura de obscurantismo, continua a recusar essa obrigação legal e ética.

    O PÁGINA UM tentou, no início da passada semana, obter comentários sobre esta matéria de todas as forças políticas com assento no futuro Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, PAN e Livre), mas nenhuma mostrou ainda qualquer preocupação em responder.

    Aliás, o secretismo da DGS chega ao ponto de nem sequer divulgar, no seu boletim diário do plano de vacinação, o número de adolescentes vacinados entre os 12 e aos 17 anos, nem indica se vai recomendar doses de reforço ao longo deste ano.

    De igual modo, o Infarmed mantém a recusa de permitir ao PÁGINA UM o acesso ao Portal RAM, que identifica e quantifica os efeitos adversos das vacinas em cada idade.

    Em carta à CADA, o presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, defende que o acesso aos dados do Portal RAM, “recolhidos exclusivamente no âmbito da farmacovigilância, correndo o risco de poderem ser analisados por não-especialistas, tem um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    [N.D. O director e jornalista do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    Estes novos dados do estudo de Hong Kong mostram também que, afinal, os riscos de miocardites em adolescentes após a toma da vacina contra a covid-19 são muito superiores àqueles que foram apontados pela Pfizer e até pelos estudos iniciais que, por exemplo, a própria CTVC utilizou.

    Em Dezembro passado, os membros da CTVC usaram estudos não publicados e sem revisão de pares (peer review), ignorando também as recomendações de diversos pediatras para se avançar para a vacinação apenas de crianças e adolescentes de risco.

    Também anteontem, um estudo publicado na revista Current Issues in Molecular Biology por investigadores, revelou que a vacina da Pfizer “é capaz de entrar na linha celular de fígado humano”, tendo sido utilizadas células hepáticas em vitro. Os investigadores têm estado, aliás, a procurar conhecer se existe uma relação directa entre a vacinação contra a covid-19 e casos de hepatite autominume.

  • Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal

    Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal


    Não pode ninguém decente com o mínimo espírito humanista e civilizacional aceitar as atrocidades perpetradas pelas tropas russas a mando de Vladimir Putin nem tão-pouco considerar que estas se devem, em exclusivo, às suas paranoias, à sua maldade e aos seus sonhos de czarismo.

    O Mundo, e as suas guerras, nunca foram coisas simples nem fáceis de explicar, nem de entender. E quem conheça um pouco de História saberá, ainda mais no Leste da Europa, que batalhas sanguinárias se fizeram por aspectos bem mais comezinhos do que certo país não apreciar que um seu vizinho, ainda mais “irmão”, ande em namoros com quem não aprecie, neste caso os países da NATO. Foi por razões de fé (religião), por disputas de famílias, por traição, por desaforo, por dinheiro, por coisas mundanas e do Mundo, humanas.

    people gathering on street during daytime

    Aliás, convém recordar que se Olivença se perdeu para Espanha – ainda hoje não oficialmente reconhecido por Portugal – foi por razões de alianças: o nosso país recusou aceitar em 1801 aliar-se à Espanha e França contra a Inglaterra, nosso parceiro histórico. A Guerra das Laranjas seria mesmo o prenúncio das invasões napoleónicas anos mais tarde.

    Em todo o caso, não pretendo aqui, e agora, tecer grandes considerações sobre a génese e as razões e desrazões do conflito russo-ucraniano, excepto considerar que a única solução, para evitar um banho de sangue ou um recrudescimento para um nível de guerra mundial, seja a via negocial.

    Por muito que nos custe, nas actuais circunstâncias – e isso já sucedeu milhentas vezes –, a via militar maciça para fazer recuar a Rússia de Putin parece a pior solução, mesmo sendo aquela que nos mais reconfortaria a consciência e o coração.

    person raishing his hand

    De igual modo, as sanções prometidas e em execução – desde censurar pessoas da Cultura pelo “crime” de serem próximas de Putin até “expulsão da Rússia do sistema bancário internacional SWIFT (que afectaria tanto aqueles países como todos os negócios do “lado bom” –, não parecem ser instrumentos muito eficazes para uma solução pacífica.

    Derrotar Putin agora é virtualmente impossível; e a prazo apenas através de uma guerra fraticida; e não é isso que ninguém deseja (e se for não está do “lado bom”). Por isso, a solução é fazê-lo sair com uma aparente vitória.

    Mas, perguntam, quem sou eu, no meio deste enorme conflito internacional, para tecer estas considerações?

    Ninguém.

    E é exactamente por isso que escrevo este texto. Num conflito desta natureza, mesmo em países ditos democráticos, valemos cada vez menos – e muito por nossa culpa -, até porque, nos últmos tempos, deixámos que os movimentos sociais e a contestação pública fossem ostracizados e maltratados.

    Veja-se, aliás, como foram tratadas pela imprensa mainstream as contestações públicas à gestão da pandemia, entre o menosprezo e a colocação de rótulos, completamente descabidos, como sucedeu recentemente no Canadá.

    Por isso, olho agora para os apelos nos jornais e nas redes sociais, e pasmo com as campanhas de mobilização dos portugueses para a crise na Ucrânia.

    Por exemplo, o Expresso e o Público fazem eco dos movimentos ucranianos, e colocam mesmo ligações para donativos. Alguns desses financiamentos aparentam servir para a compra de armamento, e não propriamente para acções humanitárias. E pasmo. É esta a função da imprensa portuguesa?

    O politólogo Nuno Rogeiro faz um apelo para um “cordão humano pela Paz na Ucrânia”, insistindo para que “não fiques em casa a ver a guerra na TV; intervém, vem para a rua pela PAZ”. E eu pergunto: é essa a função de um comentador português de política?

    A Juventude Socialista (JS), a Juventude Social Democrata (JSD), a Juventude Popular (JP), o Livre, a Iniciativa Popular e o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) juntam-se para organizar amanhã uma manifestação pela paz e contra a invasão da Ucrânia em frente à embaixada da Rússia. E eu pergunto: é esta a função das juventudes partidárias e dos partidos políticos?

    E eu respondo, já: é (com excepção de apelos para armamento da “resistência” ucraniana).

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    Também é.

    Porém, lamento que esta capacidade de mobilização, este direito à indignação, esta demonstração colectiva de repúdio seja “apenas” para este tipo de causas. Para as causas boas, para as causas politicamente consideradas boas; contudo, boas sobretudo para as consciências, mas irrelevantes, hélas, para o desenrolar do conflito russo-ucraniano.

    Não é no “tabuleiro das ruas” de Lisboa ou de qualquer outro lugar do mundo ocidental que se encontrará uma solução.

    De facto, esta mobilização pela Ucrânia faz-me também olhar para o nosso país. Infelizmente, não se vê, em Portugal, este tipo de atitude activa e proactiva, militante mesmo, para outras necessidades domésticas : para uma Justiça melhor; para uma Educação melhor; para um Serviço Nacional de Saúde melhor; para uma Economia mais justa; para um investimento sério na investigação e uma maior penalização da corrupção; para uma gestão política mais equitativa e justa; para uma maior participação pública nas estratégias de investimento; para um país que adopte políticas não discriminatórias; para um melhor país.

    Para isso, não vejo jornais mobilizados, comentadores mobilizados, partidos e suas juventudes mobilizadas, pessoas mobilizadas para um “cordão humano”.

    E, contudo, ao invés daquilo que sucederá com tudo aquilo que os portugueses fizerem e disserem sobre a Ucrânia – incluindo o português António Guterres na ineficaz Organização das Nações Unidas –, porque no xadrez político tudo isto será irrelevante, se tivéssemos em Portugal metade da ora mobilização, porventura teríamos uma melhor democracia, vidas mais felizes, umas quantas salvas, por certo.

    Mas isso parece ser irrelevante. Por norma, preferimos lutas para descansar consciências – porque estamos afastados dos problemas – às lutas pelos nossos verdadeiros direitos, porque nessas lutas os “inimigos” estão próximos, e podem ficar chateados connosco.

    É muito mais fácil mobilizarmos portugueses para salvar a Ucrânia do que para salvar Portugal.

  • Ordem dos Médicos extingue o seu gabinete de crise. PÁGINA UM foi ver quanto ganharam das farmacêuticas os seus 10 membros

    Ordem dos Médicos extingue o seu gabinete de crise. PÁGINA UM foi ver quanto ganharam das farmacêuticas os seus 10 membros

    O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, decidiu esta semana decretar o fim do gabinete de crise dedicado à covid-19. O PÁGINA UM foi escrutinar quanto receberam da indústria farmacêutica, durante a pandemia, os seus 10 membros, a saber: Filipe Froes (coordenador), António Sarmento, Carlos Robalo Cordeiro, José Poças, Ana Maria Correia, Ricardo Mexia, António Diniz, António Vaz Carneiro, Vítor Almeida e Patrícia Pacheco.


    Sete dos 10 médicos que integraram o Gabinete de Crise contra a Covid-19 da Ordem dos Médicos – extinto esta semana pelo bastonário Miguel Guimarães – receberam verbas de farmacêuticas durante a pandemia, totalizando, no conjunto 200.551 euros, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.

    De entre os elementos designados por este grupo de trabalho – que teve o pneumologista Filipe Froes como coordenador e seu membro mais activo –, apenas António Sarmento (director de infecciologia do Hospital de São João e primeiro português a ser vacinado contra a covid-19), Ana Maria Correia (directora da delegação do Porto do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e Vítor Almeida (médico no Hospital de Viseu) não receberam desde 2020 qualquer verba de farmacêuticas ou outras entidades associadas ao mundo dos medicamentos.

    António Vaz Carneiro, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa e presidente do Instituto de Saúde Baseada na Evidência, também pode ser incluído nesse grupo: apenas recebeu 226 euros da Grünenthal para um webinar no ano passado.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, sendo galardoado com a medalha do Congresso de Pneumologia do Centro-Ibérico, em Setembro do ano passado

    Já quanto aos outros seis, os montantes vão desde os 6.123 euros recebidos por Ricardo Mexia – antigo líder da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e actual presidente da Junta de Freguesia do Lumiar – até aos 113.405 euros do pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com maiores ligações ao mundo farmacêutico.

    Médico no Hospital Pulido Valente e consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) – integrando a equipa que definiu as terapêuticas e escolheu os fármacos a usar nos internados por covid-19 –, Filipe Froes arrecadou mais de 380 mil euros do sector farmacêutico desde 2013.

    Nos anos da pandemia, a partir de 2020, contabilizou já 113.405 euros, com a Merck Sharp & Dohme (23.850 euros) à cabeça, seguindo-se a Pfizer (21.852 euros) – produtora de vacinas contra a covid-19 – e a Sanofi (20.301 euros), produtora de vacinas contra a gripe. Froes também recebeu 13.030 euros da Gilead – fabricante do remdesivir, do qual foi consultor – e 8.250 euros da AstraZeneca, outra produtora de vacinas contra a covid-19. Durante a pandemia, Filipe Froes – uma das mais reconhecidas personalidades ouvidas pelos media – estabeleceu relações comerciais com 14 farmacêuticas.

    Valores recebidos pelos membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos das farmacêuticas desde 2020. Fonte: Infarmed.

    Também Carlos Robalo Cordeiro – antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e actual director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar desta cidade – teve também boas relações com as farmacêuticas, enquanto integrou o gabinete da Ordem dos Médicos.

    Quer a título pessoal quer através da sua empresa por quotas (Robalo Cordeiro, Lda.), este pneumologista recebeu, desde 2020, um total de 37.664 euros de uma dezena de farmacêuticas, entre as quais a Sanofi (7.128 euros), a Boehringer Ingelheim (6.690 euros) e a Merck Sharp & Dohme (5.957 euros). No seu portefólio estão também a AstraZeneca (3.854 euros) e a Pfizer (2.664 euros). Robalo Cordeiro foi recentemente eleito presidente da European Respiratory Society, onde não surge, à data de hoje, ainda qualquer menção a conflitos de interesse, apesar de os ter.

    Quanto ao pneumologista António Diniz – que chegou a presidir à estrutura hospitalar de contingência para a cidade de Lisboa (EHCL), durante a primeira vaga da pandemia – teve igualmente boas relações com as farmacêuticas enquanto andou pelo gabinete de crise da Ordem dos Médicos. Desde 2020, amealhou do sector farmacêutico um total de 20.185 euros, dos quais 8.258 euros da Gilead, tendo sido consultor desta farmacêutica para o remdesivir. E, claro, também recomendou, como membro da equipa de consultores da DGS, este ineficaz fármaco – que custou cerca de 20 milhões de euros aos cofres do Estado – como terapêutica anti-covid.

    Outro dos elementos do gabinete de crise foi José Poças, director de serviços no Hospital de Setúbal, que conseguiu encontrar tempo para consultadorias a três farmacêuticas: a ViiVHIV (uma subsidiária da GalxoSmithKline, da qual recebeu 8.854 euros), a incontornável Gilead (6.390 euros) e a AbbVie (1.353 euros). No total, levou para casa em tempos de pandemia mais 16.597 euros.

    Por fim, ambos com recebimentos na casa dos 6.000 euros, encontramos Patrícia Pacheco (infecciologista no Hospital Amadora-Sintra) e Ricardo Mexia. No primeiro caso, esta médica recebeu sobretudo apoios da ViiVHIV (5.836 euros), a que acresceram somente mais 350 euros da Gilead e 125 euros da Merck Sharp & Dohme.

    Filipe Froes (primeiro a contar da esquerda) e António Diniz (terceiro) durante um evento na Ordem dos Médicos sobre a pandemia, organizada em parceria com uma empresa de comunicação.

    Já Ricardo Mexia – que foi também uma das figuras mais mediáticas durante a pandemia – teve relações comerciais com três farmacêuticas em eventos pontuais: Merck Sharp & Dohme (2.200 euros), Gilead (1.875 euros) e Pfizer (548 euros). Recebeu ainda 1.500 euros de uma consultora, a Exigo, que coordena a Pharmascientic, uma rede científica das farmácias hospitalares.

    No total, para os especialistas do extinto Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, todos muito próximos de Miguel Guimarães, a Merck Sharp & Dohme – que perdeu a “corrida para as vacinas”, mas tinha grandes esperanças em comercializar um anti-viral contra a covid-19 (o molnupiravir) – foi a farmacêutica com mais apoios (41.298 euros), seguindo-se a Gilead – interessada no negócio do remdesivir, com 29.902 euros – e a Sanofi (27.429 euros), que acabou também por beneficiar indirectamente com a pandemia, porquanto, mesmo com o “desaparecimento” da gripe aumentou as vendas da vacina quadrivalente contra o vírus influenza. A Pfizer e a AstraZeneca gastaram 25.064 e 12.104 euros, respectivamente.

  • Comissão Europeia ‘inundada’ de comentários sobre polémica extensão do certificado digital da covid-19

    Comissão Europeia ‘inundada’ de comentários sobre polémica extensão do certificado digital da covid-19

    Como habitualmente, antes da aprovação de regulamentos, a Comissão Europeia lança uma consulta pública aos cidadãos. Por regra, as iniciativas contam com nula ou escassa participação. Desta vez, com a intenção de manter os certificados digitais por mais um ano, os comentários multiplicam-se: são já 130 vezes mais do que os da segunda iniciativa com maior participação. E ainda faltam mais de 40 dias para a consulta terminar.


    A intenção da Comissão Europeia em prolongar a vigência do certificado digital da covid-19, neste momento em fase de consulta pública, está a sofrer uma contestação jamais vista. De acordo com os registos no site desta entidade, foram já registadas, até às 20 horas de hoje, um total de 61.532 comentários. A consulta pública foi iniciada no passado dia 3 e prolongar-se-á até 8 de Abril.

    Em causa está a alteração do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que criou, em Junho do ano passado, “um regime para a emissão, regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID-19 (Certificado Digital COVID da UE)”, com o objectivo de “facilitar a livre circulação de pessoas durante a pandemia”.

    Estes certificados acabaram, contudo, por ser usados pelos diversos Estados-membros, incluindo Portugal, para sobretudo discriminar não-vacinados (mesmo se recuperados há mais de seis meses) no acesso a determinados espaços.

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    A Comissão von der Leyen assume na nova proposta, que visa prolongar por mais um ano este documento digital, que a sua existência contribuiu decididamente para o aumento das taxas de vacinação. Recorde-se que a União Europeia, em conjunto, já comprou vacinas às farmacêuticas até 2023.

    Tendo em conta que as vacinas afinal não evitam a infecção e a covid-19 se está a tornar endémica, sobretudo com o surgimento da variante Omicron, a proposta da Comissão Europeia está longe de ser pacífica.

    Logo na primeira semana de consulta pública, o site da Comissão Europeia recebeu cerca de 24 mil comentários, então com particular destaque dos italianos. Contudo, nas últimas duas semanas, a participação aumentou substancialmente e alargou-se o espectro geográfico. Neste momento, os comentários provenientes da Itália são já apenas 28% do total, tendo a França (23%), Holanda (21%), Alemanha (8%) e Bélgica (7%) ganhado relevância.

    A maioria dos comentários é de cidadãos da União Europeia, mas também já deram opinião mais de duas centenas de empresas, 53 universidades, 37 entidades públicas, 56 organizações não-governamentais, de consumidores e de ambiente, entre outras. A participação de portugueses ainda é pouco significativa: apenas 839 comentários (1,4% do total). No dia 15 deste mês eram 451.

    Embora seja praticamente impossível apresentar uma estatística detalhada, mostra-se notório um claro sentimento contrário às pretensões da Comissão Europeia, com quase todas as opiniões a centrarem-se no carácter anticonstitucional, segregacionista e ineficaz, como instrumento de controlo da pandemia, do certificado digital.

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    Contudo, o maior destaque desta consulta pública – que consubstancia a polémica que encerra – é a desmesurada participação pública.

    Com efeito, actualmente, a Comissão Europeia tem em curso 91 iniciativas legislativas que versam as mais variadas temáticas, nomeadamente finanças, economia, agricultura, alimentação, transportes, direitos humanos e igualdade, energia e ambiente.

    Uma parte considerável (53 em 90) têm menos de uma dezena de comentários. Muitas nem sequer recebem ainda uma única opinião, mesmo se o tema é relevante. É o caso, por exemplo, da avaliação da Directiva Igualdade Racial ou da revisão das regras macroprudenciais para limitar o risco sistémico – ou seja, para reduzir uma nova crise financeira.

    De resto, apenas 10 iniciativas tiveram, até agora, mais de uma centena de comentários, grande parte das quais relacionadas com alimentação, energia e ambiente, que são historicamente temáticas com activa participação pública.

    Contudo, a distância é colossal face à participação pública sobre os certificados digitais.

    Com efeito, de acordo com os dados da Comissão Europeia, a revisão do regulamento de rotulagem de alimentos é a segunda iniciativa com maior número de comentários (472), seguindo-se um diploma sobre os processos de concessão de licenças e contratos de aquisição de energia renovável (341) e a revisão do regulamento REACH sobre substâncias tóxicas (325).

    Na verdade, a participação pública sobre a extensão dos certificados digitais é, neste momento, quase 60 vezes superior à de todas as outras 90 iniciativas juntas. E ainda faltam 43 dias para terminar a consulta. A Comissão Europeia refere que “todos os comentários recebidos serão resumidos (…) e apresentados ao Parlamento Europeu e ao Conselho a fim de contribuir para o debate legislativo”.

  • Oferecer faca com manchete sensacionalista de suicídio não vai contra Lei de Imprensa

    Oferecer faca com manchete sensacionalista de suicídio não vai contra Lei de Imprensa

    A Revista TV Guia ofereceu aguçada faca de cozinha na mesma edição em que destacou profusamente o suicídio do actor Pedro Lima em 2020, explorando as causas e o método. A Entidade Reguladora da Comunicação para a Comunicação Social (ERC) considera agora que a revista da Cofina foi “sensacionalista”, mas arquiva queixa pela tétrica campanha de marketing.


    Apesar de considerar “sensacionalista” a manchete da TV Guia sobre a morte do actor Pedro Lima, que se suicidou em 20 de Junho de 2020 na praia do Abano, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não considerou que aquela publicação da Cofina tenha cometido qualquer ilegalidade ao oferecer em simultâneo uma faca de cozinha, mesmo mais longa do que a revista.

    O parecer da ERC, disponibilizado esta semana no seu site, surge no seguinte de duas queixas que destacavam sobretudo o facto de “o afogamento [do conhecido actor de 49 anos] ter sido precedido de cortes no abdómen e na carótida” e, nessa medida, e de ser “errado e de muito mau gosto a coincidente oferta de uma faca de cozinha” na compra da revista.

    Pedro Lima em 2001, com 30 anos, em entrevista na RTP.

    A capa da edição de 26 de Junho daquele ano foi dedicada em exclusivo à morte e exéquias de Pedro Lima, bem como a questões familiares e da sua vida pessoal, sendo encimada pela imagem de uma faca de cozinha. O PÁGINA UM opta por não reproduzir aqui a capa da revista TV Guia, podendo esta ser visualizada aqui.

    No processo da ERC, a directora da TV Guia, Luísa Jeremias, nem sequer respondeu a justificar aquela decisão de marketing. Contudo, a ERC apurou que a oferta daquela faca se inseria numa campanha de oferta de faqueiros, colares e outras bugigangas, pelo que, podendo-se até “condescender com o carácter tétrico de toda a situação”, comprovava-se que “a campanha estava planeada e tinha sido anunciada aos leitores da TV Guia ainda antes dos acontecimentos envolvendo o actor”. E, desse modo, decidiu arquivar as queixas.

    Em todo o caso, a ERC aproveitou para se debruçar sobre a abordagem sensacionalista da revista da Cofina, tanto ao nível da titulação da manchete como dos conteúdos. Mesmo aceitando que “as características intrínsecas” das chamadas revistas cor-de-rosa, o regulador considera que a revista usou “uma titulação forte, que causa comoção e desassossego”, tecendo depois várias considerações, aludindo especialmente “às diretrizes internacionais emanadas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tratamento jornalístico de atos suicidas – designação que inclui tentativas de suicídio e suicídio consumado, como é o caso.”

    A TV Guia está, neste momento, a oferecer frigideiras.

    De igual modo, a ERC relembra o protocolo que assinou com o Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM), bem como os pactos implícitos que existem na quase totalidade da comunicação social sobre a cobertura de actos suicidas.

    Por exemplo, tanto a OMS como o PNSM recomendam que a comunicação social nunca use o termo “suicídio bem-sucedido”, mas sim “suicídio consumado”, e que não “devem publicar fotografias ou notas de suicídio, noticiar detalhes específicos do método usado, apresentar razões simplistas, glorificar ou tratar os casos de modo sensacionalista, usar estereótipos religiosos ou culturais e dividir a culpa sobre o sucedido.”

    No caso em concreto de celebridades, como era o caso de Pedro Lima, as recomendações são ainda mais específicas.

    A ERC salienta que, nestas circunstâncias, “a cobertura sensacionalista de suicídio deve ser evitada a todo o custo”, devendo “ser minimizada tanto quanto possível”, e mencionando-se sempre “qualquer problema de saúde mental” subjacente. E deve ainda “envidar-se todos os esforços para evitar os exageros”, incluindo “fotografias do falecido, do método usado e da cena do suicídio”, sendo aconselhado que não se noticiem suicídios de pessoas famosas na “primeira página”.

    Ou seja, tudo o que era recomendado, a TV Guia fez ao contrário. Mas mesmo assim, a ERC acaba apenas por recomendar “à TV Guia que faça refletir as indicações nacionais e internacionais dirigidas aos órgãos de comunicação social no tratamento noticioso de atos suicidas, consumados ou não consumados.”

  • PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que exigiu “arquivo aberto” à DGS, e já ganhou quatro processos

    PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que exigiu “arquivo aberto” à DGS, e já ganhou quatro processos

    Numa luta pela verdade e pelo rigor científico, o PÁGINA UM tem tentado obter informação oficial com rigor. A Direcção-Geral da Saúde recusa sistematicamente. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos vai aprovando pareceres, a conta-gotas, mas adiando ou não aprovando outros, sobretudo quando são matérias políticas mais sensíveis.


    Em dois anos de pandemia, o PÁGINA UM – que se encontra online somente desde 21 de Dezembro de 2021 – foi o único órgão de comunicação social a solicitar à Direcção-Geral da Saúde (DGS) o acesso a bases de dados oficiais e a outros documentos administrativos ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).

    Este diploma legal, criado ainda na década de 1990, visa promover o chamado “arquivo aberto” na Administração Pública, e no caso da pandemia mostra-se essencial para compreender com exactidão o impacte da covid-19.

    Até à data, o PÁGINA UM já solicitou informação distinta, mas bastante detalhada, em oito situações concretas, invocando sempre a LADA. Com excepção de um pedido ainda com o prazo legal de 10 dias em curso, a directora-geral da Saúde tem optado, de forma sistemática, em indeferir tacitamente – isto é, opta por manter o obscurantismo da Administração Pública, e nem sequer responde.

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    Entretanto, perante as ausências de resposta, de entre as sete queixas que o PÁGINA UM já endereçou à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), esta entidade a funcionar junto da Assembleia da República já tomou cinco decisões este ano, estando ainda duas por decidir. Destas duas, há uma cujo parecer teve já a sua votação adiada por duas vezes, por ser matéria politicamente sensível.

    Trata-se do acesso à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), cuja queixa do PÁGINA UM foi endereçada à CADA em 10 de Novembro do ano passado. Através do SINAVE consegue-se, por exemplo, calcular com rigor e isenção a taxa de letalidade por idade discriminada, ou mesmo a taxa de letalidade dos vacinados e não-vacinados.

    A outra queixa que ainda está para análise – neste caso dentro do prazo de 40 dias que a CADA tem para conceder um parecer – refere-se à base de dados e/ou relatórios referentes aos óbitos discriminados nos lares de idosos durante a pandemia. Portugal é um dos poucos países que nunca apresentou publicamente um relatório sobre o verdadeiro impacte da covid-19 nas denominadas estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI).

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    Nas restantes cinco queixas, a CADA já concedeu os respectivos pareceres: dois em Janeiro, e os outros três na semana passada. De entre estes cinco, apenas um não foi favorável às pretensões do PÁGINA UM, que entretanto apresentou uma impugnação, ainda não decidida pela CADA. Se a CADA mantiver a decisão, será obrigada a enviar o processo para o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, conforme determina a lei.

    Neste caso trata-se também de mais outra base de dados politicamente sensível: o Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO). Através da consulta dessa base de dados, com informação introduzida por médicos legistas e sem manipulação possível da DGS ou do Governo, seria possível, em poucos minutos, detectar com exactidão o número de óbitos efectivamente atribuídos à covid-19. E também as alterações nos óbitos de outras doenças e afecções durante os anos da pandemia face aos períodos anteriores, uma vez que o SICO tem essa informação desde 2014.

    De entre os quatro pareceres com “vitória” para o PÁGINA UM, destaca-se aquele que foi aprovado ainda em Janeiro, referente à totalidade dos documentos da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, que incluem não apenas os referentes às crianças, mas também todos aqueles que foram sendo elaborados desde a sua criação. Apesar desse parecer ter sido já aprovado por unanimidade pela CADA em Janeiro, Graça Freitas continua a recusar o acesso.

    Podendo recorrer a Tribunal Administrativo para obrigar a DGS a ceder a documentação, o PÁGINA UM optou por requerer comentários sobre esta recusa de Graça Freitas aos diversos partidos com assento parlamentar, aguardando resposta.

    Relativamente aos outros três pareceres aprovados também por unanimidade pela CADA, a informação que se espera ter acesso também é fundamental para aferir o impacte da covid-19 e avaliar a gestão pública da pandemia.

    O primeiro parecer favorável obtido este mês pelo PÁGINA UM refere-se à queixa por ausência de autorização de acesso a documentos sobre surtos de covid-19 nos hospitais, ou seja, infecções nosocomiais em doentes internados por outras causas.

    Em concreto, o PÁGINA UM requereu o “número total de infeções (casos positivos) por covid-19, e eventualmente discriminadas por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período temporal), adquiridas durante o internamento por outras causas, ou seja, que seja possível aferir do número de infeções nosocomiais de covid-19, desde o início da pandemia até à data da consulta a efetuar”. E ainda o “número total de óbitos atribuídos à covid-19 em doentes previamente internados por causas não-covid e que sofreram infeção nosocomial de covid-19 durante o internamento, e eventualmente discriminadas por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período), desde o início da pandemia até à data da consulta a efetuar”.

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    O PÁGINA UM tem indicações da existência de casos dramáticos de elevada mortandade em diversas unidades, mas essa informação tem de ser confirmada documentalmente.

    O segundo parecer é relativo à ausência de acesso a documentos que mostrem a positividade dos testes PCR e de antigénio – isto é, número de testes e número de casos positivos – ao longo da pandemia, mas discriminados por idade ou agregada por faixa etária, e não apresentados na sua totalidade.

    Aceder a essa informação permitiria saber, por exemplo, se se justificava o alarmismo nas escolas, ou se os lares de idosos (ou o grupo etário mais associado) estiveram mais sujeitos a infecções.

    Por fim, o terceiro parecer refere-se à recusa de acesso a documentação que revela a evolução da incidência das diversas variantes do SARS-CoV-2 ao longo do tempo, e sobretudo as distintas taxas de letalidade, especialmente das variantes Alfa, Delta e Ómicron, tanto nos vacinados como nos não-vacinados.

  • Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)

    Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)


    Por indicação da Ordem dos Médicos – e à laia de argumento por uma queixa minha à Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA) pela recusa daquela associação profissional de direito público em ceder acesso aos documentos sobre um donativo da Merck no valor de 380.000 euros –, uma sociedade de advogados, com procuração do bastonário Miguel Guimarães, lançou-me um ataque pessoal ao longo de sete páginas. Tive apenas hoje acesso integral a este ofício, porquanto antes somente surgiam pequenos extractos num parecer da CADA que me foi favorável.

    O ofício integral escrito em nome da Ordem dos Médicos pode ser consultado AQUI.

    Poderia isto ser visto apenas como um ataque pessoal, mas dá-se o caso de eu ser jornalista e de esse ataque pessoal ser feito em consequência, e apenas por causa, de actos no exercício da actividade de um jornalista: solicitação de acesso a documentos públicos a uma associação de direito público, pedido de informação e escrita de trabalhos informativos.

    Há sempre formas para “justificar” estas atitudes da Ordem dos Médicos, incluindo que eu sou um “ista” daquilo ou daqueloutro, mesmo não sendo verdade, mas procurando que os outros pensem que seja. Temos visto isso mesmo, nos últimos dois anos, e mesmo no meio jornalístico.

    Ora, para mim, queira-se ver isto da perspectiva que se queira, é pura tentativa de silenciamento, intolerável numa democracia, da Liberdade de Imprensa. Estamos perante um ataque à liberdade de expressão, estamos perante uma soez ofensiva aos direitos a uma imprensa independente, consagrada na Constituição da República.

    Não é pouco, sendo feita por uma ordem profissional representativa de uma classe prestigiada como são os médicos; e executada por advogados.

    Primeira página do ofício em nome da Ordem dos Médicos enviado à CADA (ver aqui o texto integral)

    No ofício desta sociedade – A. de Freitas Gomes e Inês Folhadela Sociedade de Advogados R. L. – enviado à CADA, além da acusação de eu estar, “desde há vários meses”, a “adotar um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário Dr. Miguel Guimarães e alguns dos Médicos seus membros” – mas não identificando as normas do Código Penal que estarei a violar –, o advogado signatário (de assinatura ilegível) insinua sistematicamente de eu estar a agir com interesses inconfessáveis, e mesmo de pretender “instrumentalizar a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para atingir os [meus] objectivos”.

    E insinua também sistematicamente de eu mentir e de usurpar funções de jornalista, solicitando mesmo que a CADA “se digne oficiar a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para informar a partir de que data, no presente ano [2021], o Sr. Pedro Almeida Vieira ‘recuperou’ a sua carteira profissional de jornalista”.

    Além disso, fazendo sistematicamente alusões desrespeitosas às minhas legítimas pressões num Estado de Direito e democrático para obtenção de documentos de carácter público – que a Ordem dos Médicos continua sem facultar, mesmo após parecer favorável da CADA às minhas pretensões –, a dita sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos requereu também à CADA que considerasse “abusivos os pedidos formulados pelo Sr. Pedro Almeida Vieira”.

    Ou seja, a Ordem dos Médicos pretendeu que eu, como cidadão e jornalista, e por decisão da CADA, ficasse excluído de exercer direitos como jornalista e como cidadão, de poder solicitar informação e documentos à Ordem presidida pelo Sr. Miguel Guimarães.

    O ofício da sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos também expõe os apelos que fui fazendo, nas redes sociais, ao apoio financeiro necessário à criação e consolidação do PÁGINA UM, numa lamentável tentativa de depreciar o meu trabalho e de menorizar a minha independência e rigor.

    Não tenho muitos comentários a fazer nesta matéria, mas não posso deixar de fazer duas breves considerações.

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    Primeiro: pessoalmente, já recebi telefonemas de empresas de marketing a trabalhar para jornais nacionais (e.g., Público e Expresso), tentando convencer-me a fazer uma assinatura ou a renovar assinaturas outrora por mim anuladas, e considero isso legítimo; e, neste contexto, não tenho memória da Ordem dos Médicos andar a criticar estratégias de comunicação, nem me parece que, entre as suas competências, ou atributos do Sr. Miguel Guimarães, se incluam a análise de estratégias comerciais de entidades, como o PÁGINA UM, registadas na Entidade Reguladora da Comunicação Social. Sempre poderei acrescentar que o PÁGINA UM opta por fazer apelos ao apoio financeiro dos leitores para, desse modo, não ter de recorrer a publicidade institucional ou privada, por considerar que poderiam condicionar a acção. São opções legítimas.

    Segundo: faço notar que a Ordem dos Médicos, sendo uma associação profissional, está porém isenta de pedir apoios, de forma pública ou privadas, aos seus sócios para funcionar, porquanto, por imperativos legais, os seus sócios apenas podem exercer a profissão de médico se pagarem as devidas quotas.

    Este ofício em nome da Ordem dos Médicos , e no decurso de uma investigação jornalística, constitui mais uma prova de uma degradação do sistema democrático em Portugal, de uma inusitada mudança no paradigma das relações entre as instituições e a imprensa independente – que nunca foi popular, quando se pretende exercer um “jornalismo incómodo, irritante para os poderes, denunciador de injustiças, comprometido apenas com a verdade” (palavas minhas, destacadas pela sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos como se fosse um “crime”).

    Antes, as pressões existiam, mas eram mais discretas e mantinham-se as relações cordiais. As instituições compreendiam o papel incómodo, mas essencial, do jornalismo. Agora, pessoas como o Sr. Miguel Guimarães não apenas não gostam de uma imprensa livre e de jornalistas independentes como mostram as pressões de forma clara, impetuosa, agressiva, ameaçadora, numa evidente tentativa de limitar e condicionar direitos da imprensa.

    Querem calar-me e não escondem já as suas intenções.

    Veja-se: perante um mero pedido de consulta de documentos administrativos à Ordem dos Médicos sobre um inédito donativo de 380.000 euros de uma farmacêutica para uma campanha que angariou 1,4 milhões de euros, e da qual não se conhecem documentos da sua gestão, aquilo que a sociedade de advogados diz à CADA é que o “Sr. Pedro Almeida Vieira age deliberadamente contra a Ordem dos Médicos, o Bastonário, alguns Médicos, e agora também, o Chefe de Gabinete, o que justifica que, quer a Ordem dos Médicos, quer todas as demais pessoas, não tenham que continuar a sujeitar-se a serem espezinhadas ou vilipendiadas na página do Facebook do Sr. Pedro Almeida Vieira que, quanto mais não seja, sempre poderia obstar a que comentários ofensivos do bom nome, honra e reputação das pessoas, fossem objeto das afirmações que lhes são dirigidas”.

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    Faço, entretanto, notar que, como se pode confirmar AQUI (printscreen da extranet da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), a minha carteira profissional foi revalidada com efeitos a partir de 16 de Setembro de 2021. Nunca antes dessa data, e posteriormente a 28 de Abril de 2011, quando solicitei suspensão temporária da actividade (que nem sequer seria necessário, porque tinha mais de 10 anos de profissão de jornalista, podendo assim mantê-la para todos os efeitos), fiz uso desse título em qualquer contacto pessoal ou institucional. Comecei a minha actividade jornalística em 1995, e tenho carteira profissional desde 1996, e tenho mais de 15 anos de profissão, conforme pode ser confirmado AQUI.

    Por todos estes motivos, e por ser orquestrado por uma instituição como a Ordem dos Médicos, e por ser executada por advogados – que têm o dever de conhecer e reconhecer leis e direitos constitucionais, e devem assumir que não vale tudo para defender os seus clientes –, enderecei uma participação à Ordem dos Advogados para as diligências consideradas pertinentes.

    Enderecei também uma carta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, à Provedoria da Justiça, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e ao Sindicato dos Jornalistas para as diligências que considerarem pertinentes.

    E faço, obviamente, esta publicação. E esta denúncia

  • Ivermectinagate: que fazer com estes jornalistas?

    Ivermectinagate: que fazer com estes jornalistas?


    A CNN Portugal, através do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino (TP 886), adiante tratado por HMC, fez mais uma das suas, depois de em Dezembro me ter feito esta. E o pior é que, mais uma vez, foi seguido fielmente por outros media, como o Correio da Manhã, Público e Sábado, pelo menos.

    A “bomba” de HCM até parece possuir todos os ingredientes para um escândalo em redor da ivermectina, para um Ivermectinagate, igual ou pior ao Remdesivirgate, da Gilead, que ontem sugeri.

    Na suposta “bomba de HCM, temos um médico – António Pedro Machado – que, segundo o título da CNN Portugal, “defende antiparasitário de piolhos contra a covid-19 [e que] recebeu 224 mil euros da farmacêutica que o produz”.

    Contudo, não tem. Tem sim motivos suficientes, e demasiados, para nos benzermos sobre o estado da imprensa em Portugal, e, hélas, sobre a formação dos jovens jornalistas e sobretudo sobre a ética e a deontologia dos jornalistas seniores da chamada legacy media ou imprensa mainstream.

    Ivermectina, na sua versão original, da Merck Sharpe & Dohme.

    Vamos lá ver então como o suposto Ivermectinagate é, na verdade, sim, uma montanha a parir um camundongo – aqui mais apropriado do que um rato, por estarmos a falar de fármacos, dado este roedor ser comummente usado em ensaios clínicos.

    O título de HCM, na sua peça da CNN Portugal, daria logo para uma pergunta: mas qual farmacêutica?

    Mas, calma! HCM explica no corpo do seu texto: é a A. Menarini, uma farmacêutica italiana.

    HCM explica que “segundo a Plataforma de Comunicações – Transparência e Publicidade do Infarmed, na edição de 2021”, um evento organizado pela empresa detida por António Pedro Machado (Update em Medicina, Lda.) “recebeu 119.802 euros da farmacêutica A. Menarini Portugal”, uma sucursal do grupo italiano, acrescentando que “em 2020, este valor chegara aos 32.035,10 euros.”

    E diz ainda HCM que “o maior patrocinador em 2021” da Update em Medicina Lda. foi a A. Menarini Portugal.

    Henrique Magalhães Claudino (HMC), jornalista-estagiário da CNN Portugal.

    Primeira “argolada”, ou mesmo mentira de HCM: a A. Menarini não foi, na verdade, a principal empresa patrocinadora em 2021 da Update em Medicina Lda.: foi sim a portuguesa BIAL, que entregou 170.799 euros naquele ano.

    Um pormenor? Não.

    Na verdade, HCM omitiu que a Update em Medicina Lda. foi até pródiga em receber apoios de farmacêuticas para os seus cursos médicos. De forma directa, e sobretudo em 2021, a empresa de António Pedro Machado recebeu financiamentos de mais 20 empresas do sector farmacêutico, para além da A. Menarini Portugal.

    HCM omitiu, de igual modo, que estes apoios das farmacêuticas visavam também o pagamento de formadores dos médicos inscritos nos cursos organizados pela Update em Medicina Lda., muitos dos quais com a inscrição paga pelas mais diversas empresas deste sector.

    De acordo com o relatório e contas de 2020 (último ano fiscal), a Update em Medicina Lda. teve receitas de 499.087 euros e gastos com pessoal e serviços externos de 298.375 euros, acabando com um lucro líquido de 71.479 euros, após pagar 38.380 euros de impostos ao Estado.

    E por que razão não terá HCM gastado uma letra sobre tudo isto? Talvez porque sabia que lhe estragaria a tese: a de que António Pedro Machado – efectivamente um declarado defensor do uso de ivermectina contra a covid-19 – recebera dinheiro para fazer lobby a favor de uma empresa interessada em vender aquele produto.

    Montantes recebidos (em euros) pela Update em Medicina Lda. das farmacêuticas em 2020 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Se HCM escrevesse que, por exemplo, na lista de patrocinadores da Update em Medicina Lda. encontra-se a Pfizer – que lhe concedeu apoios de 18.450 euros, em 2020, e de 12.300 euros, no ano passado –, a coisa soava estranha.

    De facto, sendo António Pedro Machado um suposto lobbista – na tese de HCM –, não faria então muito sentido que fosse um dos subscritores de uma carta aberta a pedir à Direcção-Geral da Saúde a suspensão das vacinas contra a covid-19 em crianças saudáveis, uma vez que estas são comercializadas pelas Pfizer.

    Teria a Pfizer “contratado” António Pedro Machado para fazer lobby ao contrário? Ou António Pedro Machado mostrou, ao co-assinar a carta aberta, a sua independência, criticando uma decisão política, a qual, havendo um recuo (suspensão da vacinação em crianças), prejudicaria uma empresa que o patrocinava?

    Nunca saberemos a interpretação de HCM.

    Mas mais curiosa, ou sintomática de patetice, ou sinal de má-fé ou de má formação (profissional e cívica), é ainda a tese de HCM de que António Pedro Machado estaria, com a sua defesa da invermectina, a ser “pago” pela A. Menarini, de modo a beneficiar a “Menarini Group, empresa que, na Índia, produz um medicamento à base de Ivermectina (o Ivecop), utilizado para combater infecções parasitárias do trato intestinal, da pele e dos olhos”.

    Além de HCM ignorar, enfim, o que faz a ivermectina – um fármaco que só por lamentável asnice pode ser olhado como um mero “antiparasitário de piolhos”; pelas suas potencialidades, já fez dois investigadores receberem o Prémio Nobel da Medicina em 2015 –, tudo isto encaixa numa tese estapafúrdia.

    Edição do Correio da Manhã de 10 de Fevereiro deste ano, um dia após a publicação da peça da CNN Portugal.

    E a tese é esta: uma empresa italiana “compra” um médico português, através da sua sucursal portuguesa, para que este faça lobby em Portugal e assim beneficie uma sucursal indiana que produz aquele fármaco, que nem sequer exporta para Portugal.

    Caramba!

    Bom, mas dirão que poder-se-ia dar o caso de haver interesse da A. Menarini em expandir negócio em Portugal, intento agora denunciado por este novo “Woodward & Bernstein português”, de seu nome HCM.

    Seria má ideia, garanto.

    Primeiro, porque a ivermectina em Portugal, se fosse negócio a expandir-se por conta da covid-19, tal já se tinha verificado, e nem sequer pela mão da A. Menarini.

    Em Portugal existe já uma autorização de introdução no mercado (AIM) obtida pela sucursal portuguesa da Laboratoires Galderma, uma joint-venture da Nestlé e da L’Oreal – que, aliás, nunca financiou a empresa de António Pedro Machado. É certo que essa AIM se aplica a uma pomada de ivermectina, para tratamento da rosáceas, mas se o negócio fosse assim tão florescente, por certo seria fácil usar o princípio activo para passar a produzir comprimidos.

    Na verdade, e isso já terá sido vislumbrado pelos leitores mais atentos ao longo deste meu texto (pelas fotografias que o acompanham), a tese de HCM é obtusa – e lamentável a forma acrítica, mais uma vez, como os outros jornais (re)pegaram no tema (o Correio da Manhã, inclusive, fez manchete) – sobretudo porque, enfim, a ivermectina nunca poderia fazer enriquecer a A. Menari nem outra qualquer farmacêutica na Índia, em Portugal ou resto do Mundo.

    Nem com mil Machados, mesmo se António Pedros, espalhados por todos os continentes e ilhas.

    Nem que agora se descobrisse que a ivermectina, afinal, tinha mesmo um efeito anti-viral contra a covid-19.

    Marcas de genéricos da ivermectina.

    Por um simples motivo: a ivermerctina não tem patente, sobretudo por via da disponibilidade, a partir de 1987, da Merck Sharpe & Dohme (MSD) em doar ivermectina para controlo de duas devastadoras e incapacitantes doenças tropicais: a oncocercose (ou cegueira dos rios) e a filariose linfática.

    Essas doações encaixam-se no Programa de Doação de Mectizan, nome pelo qual é mais conhecido este fármaco, sendo co-administrado com albendazol, também doado, mas pela GlaxoSmithKline (GSK). Este programa de beneficência é, aliás, a coqueluche (não do sentido de sinónimo de tosse convulsa) da indústria farmacêutica.

    Apesar disso, a MSD continua a comercializar a ivermectina para uso humano, sob a marca Stromectol – que pode ser usada para a sarna, incluindo a de jornalistas pouco atreitos a códigos deontológicos.

    Mas há mais multinacionais interessadas neste agora genérico. Para uso humano, encontramos a helvética Sandoz e as norte-americanas Abbott e Mylan. No continente africano também se identifica a sul-africana Aspen, que comercializa ivermectina sob a marca Ivermax. Portanto, já não é só a italiana A. Menarini!

    Porém, e na Índia? Como é?

    Ivecop, marca da ivermectina produzida pela A. Menarini India.

    Lamento, ou regozijo-me (?), imenso em informar HCM – e mesmo a Direcção Editorial do Público que fez um acrescento deplorável, de pedantismo ridículo e ignaro, ao direito de resposta de António Pedro Machado – que, além da Ivecop produzida pela A. Meranini Índia, temos por lá a vender ivermectina em comprimidos – preparem-se! – as seguintes farmacêuticas indianas: Abia Pharmaceuticals (sob a marca Ermect), Abod Pharmaceuticals (Abodmec), Agron Remedies (Iverag), Ajanta Pharma (Ivrea), Akumentis Healthcare (Ivervirl), Alicanto Drugs (Ivopi), Ankran Biotech (Iveran), Arlak Group (Aver), Bennet Pharmaceuticals (Isco), Biochemix Healthcare (Paranix e Tinbest), Biorex Healthcare (Ividoc), Blubell Pharma (Dinzo), Brinton Pharmaceuticals (Scabover), Canbro Healthcare (Ivercan), Canixa Life Sciences (Itin), Care Formulation Labs (Ivertac), Connote Healthcare (Scabivert), Cubit Healthcare (Iverise), Dellwich Healthcare (Vernt), Dermawin Pharmaceuticals (Ivel), Dewcare Concept (Vermin), Domagk Smith (Ivermect), Dr D Pharma (Ivercet), E Derma Pharma India (Iviturn), East West Pharma (Ivercid), Efedra Pharmaceuticals (Fedramect), Ethinext Pharma (Ivscab), Evans Healthcare (Evitin), FDC (Ivsit), Finecure Pharmaceuticals (Iverfine), Gary Pharmaceuticals (Imec H ), Genpharma International (Ivamer), Globetus Therapeutics (Globetin), Healing Pharma India (Iverheal), Helios Pharmaceuticals (I), Heramb Healthcare (Iverfast), Household Remedies (Hvtek), Ikon Remedies (Iverzide), Innovative Pharmaceuticals (Ivernex), Intra Life (Iverlife), Iris Biosciences (Iverhub), JB Chemicals and Pharmaceuticals (Ivernock), Johnlee Pharmaceuticals (Iverjohn), Kaizen Research Labs India (Zen Mectin), Kivi Labs (Jetta), Knoll Healthcare (Imrotab), Lakssha Pharmaceuticals (Ivelak), Macleods Pharmaceuticals (Iverhope e Ivernew), Macro Labs (Ivercop), Mankind Pharma (Iverkind, Vermact e Vermikind), Medichi Biocare (Iverchi), Mediispecs (Ivermed), Medishri Healthcare (Iverscan), Mefro Pharma (Verpin), Megma Helathcare (Votrin), Meridian Medicare (Mectin), Merion Care (Ly Mectin), Micro Labs (Vermectin), Nidus Pharmaceuticals (Nectol), Noel Pharma India (Iverwar), NuLife Pharmaceuticals (Iverscab), Oaknet Healthcare (Combactin), Olcare Laboratories (Avertol), Organic Laboratories (Ivory), Palson Derma (Orascab), Panzer Pharmaceuticals (Iverpan), Psychotropics India (Iverpil), Psyco Remedies (Iversol), Pulse Pharmaceuticals (Imectin), Remedial Healthcare (Iverdon), Roussel Labs (Iverwon), Rowan Bioceuticals (Scaberase IF), Rowlinges Life Sciences (Scabsafe), Santo Medi Sciences (Ivy), Satven and Mer Pharma (Iverin), Schwitz Biotech (Evert), Sigma Softgel and Formulation (Zeoriser), Sun Pharmaceutical (Ivermectol), Symbiosis Pharmaceutical (Iver, Ivernorm e Ivozol), Synergy Pharmaceuticals (Ecomectin), Systopic Laboratories (V Sys), Taj Pharma (Iverotaj), The World Wide Pharma (Wormectin), Tripada Biotech (Ivert), Will Impex Pharmachem (Impect), Wish Life Pharmaceuticals (Iverwish), Worth Medicines (Ectover), Zee Laboratories (Iroshell e Evertin), Zenlabs Ethica (Ivcol), Zuventus Healthcare (Scavista) e Zydus Healthcare (Iveloc e Ivertreat).

    Contaram todas? Não?! Eu digo então: são 92 empresas farmacêuticas, só na Índia, a produzir genéricos de ivermectina.

    A A. Meranini é apenas uma; só é mais uma; somente mais uma, o que a faz uma, mais as outras 91.

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    Será que o médico António Pedro Machado se “vendeu” para beneficiar a A. Meranini Índia e mais 91 farmacêuticas indianas para venderem um medicamento genérico?

    Teremos um Ivermectinagate? Ou apenas uma Ignorânciagate na nossa imprensa?

    Ah, e já agora, há mesmo uma loção para piolhos, sob a marca Sklice, contendo ivermectina. É produzida pela Arbor Pharmaceuticals, farmacêutica norte-americana. Para que HCM tome boa nota dessa informação. Pode precisar dela!


    Disclaimer: Nunca tomei ivermectina. Não tenho opinião formulada sobre os seus efeitos contra a covid-19, além do conhecimento da leitura de diversos estudos científicos que a colocam ainda com incertezas sobre a sua eficácia.

    Considero-a, porém, um fármaco milagroso (pela sua acção contra outras doenças) que não merecia a campanha “difamatória” feita pela imprensa mainstream.

    Não sou favorável à ligação de farmacêuticas com médicos que exerçam funções públicas (em hospitais do SNS, por exemplo). Julgo mesmo que a formação contínua dos médicos deveria ser uma actividade regulada e completamente financiada pelo Estado, independentemente de poder ser produzida por empresas não-farmacêuticas.

    Conheço e, salvo erro, falei quatro vezes com o médico António Pedro Machado no último ano, a última das quais em Janeiro, ou seja, antes do artigo de HCM.

    Para a elaboração deste texto não contactei este médico, e recorri à compra da Certidão de Contas Anuais, no portal do Estado, para aceder às contas de 2020, último ano fiscal, da Update em Medicina, Lda.. Para tal, foram gastos cinco euros.

    Para conferir os dados usados por HCM, recorri à consulta da Plataforma da Transparência e Publicidade, onde pode ser confirmado o seu erro relativo ao maior patrocinador da Update em Medicina Lda..

    Pensei e trabalhei para a pesquisa e execução deste texto.

  • Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    A Gilead conseguiu ver aprovadas compras avultadas de um seu fármaco contra a covid-19 que veio a ser desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde. Em Portugal foram cerca de 20 milhões de euros gastos, e poderia ter sido ainda mais. Mas, ao contrário de outros medicamentos “malditos”, como a ivermectina, o remdesivir sempre contou com o apoio de muitos médicos bem colocados, quatro dos quais integram a equipa da DGS responsável pelas terapêuticas a aplicar nos hospitais. E dois são mesmo membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, escolhidos pelo bastonário Miguel Guimarães. Todos receberam dinheiro directo da Gilead, e por causa do remdesivir. Não foram os únicos. O PÁGINA UM revela um caso que deveria ser de “polícia”.


    A Gilead, através de um acordo com a Comissão von der Leyen, conseguiu vender, durante a pandemia, largas centenas de milhões de euros do fármaco remdesivir – um caro antiviral criado para o ébola –, mas que um poderoso lobby médico promoveu como remédio milagroso contra a covid-19, até que a Organização Mundial da Saúde (OMS) o desaconselhou em 20 de Novembro de 2020.

    A própria OMS destacou que esse medicamente, comercializado sob o nome Veklury, “não é recomendado para pacientes internados com covid-19, independentemente da gravidade da doença, pois actualmente não há evidências de que melhore a sobrevida ou que evite a ventilação artificial”. Além disso, surgiram fortes suspeitas de efeitos renais graves.

    Mas já era tarde para os cofres públicos portugueses. No mês anterior, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fora mandatada pelo Governo de António Costa para comprar doses de Veklury num máximo de 35.376.645 euros, tendo o primeiro lote no valor de quase 19,5 milhões de euros sido comprado ainda em 2020. O primeiro contrato da DGS foi assim assinado em 23 de Outubro. Na Resolução de Conselho de Ministros, além de se referir o acordo feito pela Comissão Europeia, estava bem expresso uma justificação alegadamente terapêutica: o remdesivir estava “recomendado para os doentes internados com covid-19, de acordo com a Norma 004/2020” da DGS.

    Negócio de milhõs

    A decisão da OMS não era surpreendente, porque, na verdade, o remdesivir nunca antes mostrara resultados atractivos, excepto para determinados “especialistas” que, por exemplo, em Portugal sempre glorificaram o fármaco da Gilead. Quatro deles sempre estiveram incluídos na equipa de especialistas da DGS, que elaboraram a tal Norma 004/2020: Filipe Froes, Fernando Maltez, António Diniz e Maria João Brito. Todos receberam verbas da Gilead, e todos especificamente por causa do remdesivir.

    As evidentes ligações destes médicos à Gilead mostraram-se logo nos primeiros meses da pandemia, e envolveram já três deles: em 16 de Julho de 2020, participaram num webinar entre as 19:00 e as 20:00 horas intitulado “Avanços no tratamento antiviral da covid-19: remdesivir, o primeiro tratamento aprovado”.

    Com moderação de Filipe Froes – pneumologista do Hospital Pulido Valente, mas então apresentado como representante da Ordem dos Médicos para a Covid-19 –, contou com a participação de um médico espanhol (Alex Soriano) e de quatro médicos portugueses: Fernando Maltez (director do serviço de doenças infeciosas do Hospital Curry Cabral), Maria João Brito (coordenadora da unidade de infeciologia do Hospital Dona Estefânia), Tomás Fonseca (médico internista do Centro Hospitalar da Universidade do Porto) e Nuno Germano (responsável da unidade de cuidados intensivos no Hospital Curry Cabral).

    Apenas por esta participação, Filipe Froes (através da sua empresa Terra & Froes) recebeu 1.230 euros, enquanto Fernando Maltez e Maria João Brito arrecadaram, cada um, 775 euros. Nuno Germano (através da sua empresa Germano & Emílio – Serviços de Saúde) arrecadou 630 euros, um pouco mais do que Tomás Fonseca, que amealhou 560 euros.

    Filipe Froes, António Diniz e Francisco Antunes: três médicos (em conversa na Ordem dos Médicos) que receberam dinheiro da Gilead e que sempre elogiaram o remdesivir.

    Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes – que lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Tendo arrecadado mais de 380 mil euros deste sector desde 2013 – com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros) –, a Gilead não poderia deixar de estar no seu radar. Facturou 13.480 euros em 2020 e 2021 desta farmacêutica.

    Aliás, Froes aumentou assim o seu portefólio, porque antes da pandemia não tivera relações com essa empresa norte-americana. E fez de tudo para merecer as benesses da Gilead: em 2020 moderou dois webinares e integrou o grupo de consultores (advisory board) para o remdesivir; em 2021 foram mais quatro eventos.

    O piscar de olhos de Filipe Froes à Gilead começou mesmo antes do surgimento do SARS-CoV-2 em território nacional. Em 29 de Janeiro de 2020, já falava naquele fármaco como potencial tratamento da covid-19, em entrevista ao Público. Em Abril desse ano, em plena “primeira vaga”, reforçou a ideia, em entrevista à Rádio Renascença. E continuou, sempre que lhe davam espaço mediático e oportunidade, sempre falou bem do remdesivir, especificamente. Mesmo já depois da OMS ter desaconselhado o seu uso, como ficou patente em declarações ao site Medic News, em 24 de Março do ano passado, no âmbito de mais um webinar patrocinado pela Gilead.

    Quanto a António Diniz – que também se destacou como um dos membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, escolhido pelo bastonário, o urologista Miguel Guimarães – consta na Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed como tendo recebido, em duas tranches, 2.164,8 euros da Gilead especificamente como consultor (advisory board) para o remdesivir. Desde o início da pandemia, recebeu da Gilead 7.950,13 euros.

    Fernando Maltez, por sua vez – que também é consultor da DGS – viu na pandemia uma oportunidade de negócio. Através de webinares e consultorias, recebeu da Gilead, em 2020 e 2021, um total de 17.342 euros. Do sector farmacêutico recebeu, neste período, 56.952 euros.

    Especificamente sobre o remdesivir também foi convidado para consultor (advisory board) e integrou três webinares que debateram os alegados benefícios deste fármaco. Chegou mesmo a participar em dois programas do Rádio Observador para falar sobre a pandemia, supostamente como especialista independente, mas recebeu, para isso, 2.460 euros da própria Gilead.

    Um dos webinares sobre o remdesivir, patrocinado e pago pela Gilead, e apoiado pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

    As ligações de Maria João Brito à Gilead são mais ténues. Além da participação no webinar de Julho de 2020, pelo qual recebeu 774,90 euros, apenas teve outro apoio em 2021 desta farmacêutica no valor de 622 euros para um congresso de pediatria em Lisboa. Desde o início da pandemia recebeu 9.400,6 euros de nove farmacêuticas distintas.

    Mas existem mais ligações fortes de conceituados médicos com o remdesivir e a Gilead ao longo da pandemia. Um desses casos é do Francisco Antunes, professor jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa.

    Em 2 de Maio de 2020, afirmou à revista Sábado que este anti-viral era “muito credível”, acrescentando ainda que o facto de um estudo então revelado nos Estados Unidos “ter sido anunciado por Anthony Fauci, dá-lhe muita credibilidade”. No mês seguinte, por uma sessão de formação no âmbito deste medicamento, ganharia 1.390 euros, pagos pela Gilead. Passado menos de 30 dias, a mesma farmacêutica desembolsaria mais 2.004,90 euros para o compensar por uma formação interna dedicada ao… remdesivir.

    Apesar de reformado, Francisco Antunes desdobrou-se, ao longo dos dois anos de pandemia, em intervenções um pouco por todo o lado, sobre a covid-19 e os avanços científicos no seu tratamento. Foi também presença habitual na imprensa, sempre interessada em “especialistas”. Também interessada nele esteve a Gilead. Ao longo de 2021, a Gilead pagou-lhe 21.970 euros para serviços de consultoria para a criação de um website sobre a covid, o qual é tão útil público que somente se acede por password.

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    Note-se que Francisco Antunes era já cara conhecida da Gilead. Antes da pandemia fizera parte da comissão de avaliação de prémios de investigação promovidos por esta farmacêutica (programa Génese), e em 2019 recebera 4.022 euros em diversos eventos.

    Contudo, a partir de 2020 a sua conta bancária teve transferências de 27.726 euros proveniente da Gilead. Recebeu, já agora, no mesmo período, 21.999 euros da Merck Sharp & Dohme.

    Uma entidade ligada à Universidade de Lisboa – a Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina (AIDFM) – também beneficiou bastante com a Gilead e especificamente com o remdesivir.

    Durante o ano de 2020, esta entidade recebeu desta farmacêutica 15.375 euros para um estudo intitulado “Análise do impacto de remdesivir na capacidade hospitalar do SNS” e mais 30.750 euros para o “Estudo de suporte do pedido de financiamento público de remdesivir no tratamento da covid-19”.

    Já em 2021, recebeu mais verbas para o “Estudo comparativo sobre a utilização de remdesivir” (9.225 euros) e “Actualização do dossier de valor terapêutico de remdesivir (Veklury) na indicação aprovada” (12.300 euros). Este ano, no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed constam ainda mais dois estudos pagos pela Gilead: “Análise descritiva da utilização de remdesivir” (9.225 euros) e uma actualização do valor terapêutico (mais 12.300 euros).

    Apesar de ser uma associação sem fins lucrativos criada por uma universidade pública, nenhum destes seis estudos – pelos quais recebeu um total de 89.175 euros – foi divulgado nem a direcção da AIDFM respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM, que incluíam cópia dos relatórios efectuados, o mesmo tendo sucedido com a Gilead Portugal.

    A farmacêutica norte-americana foi também particularmente generosa com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares – que já foi presidida pela ministra da Saúde Marta Temido –, a quem entregou, durante os dois anos da pandemia, apoios no valor de 95.442,5 euros. Uma outra entidade bastante beneficiada durante a pandemia foi a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que obteve um inédito apoio de 76.260 euros no ano passado. Em 2020 foram 14.967 euros.

    Destaque-se, por fim, que o PÁGINA UM solicitou ao Infarmed o acesso à base de dados das reacções adversas (Portal RAM) para analisar os problemas detectados no uso terapêutico do remdesivir – até porque a compra do segundo lote previsto foi drasticamente reduzida, porque o fármaco deixou praticamente de ser usado -, mas esta entidade não respondeu. Aguarda-se o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sobre a queixa apresentada. A DGS também não respondeu a qualquer questão colocada pelo PÁGINA UM sobre esta matéria.

  • Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero

    Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero


    Durante mais de duas semanas, acompanhei com detalhe, mesmo se à distância, através de vídeos, da análise das redes sociais, das notícias de todo o tipo de imprensa, as manifestações do Freedom Convoy.

    Acompanhei-as com a visão de jornalista, mas também analisando o próprio trabalho dos jornalistas, na forma como tratavam ambas as partes em confronto: os protestantes e as autoridades.

    Nem sequer vou falar muito da cobertura da imprensa mainstream portuguesa, porque dela não rezará a História – e se rezar, não será por boas razões -, mas da cobertura internacional, incluindo a canadiana.

    Os protestos, como se sabe, decorreram durante quase 20 dias num confronto sobretudo de palavras. Perante a invasão dos camionistas das ruas de Ottawa, e de outras partes do Canadá, o Governo de Justin Trudeau respondeu sempre com acusações de se estar perante uma minoria extremista e violenta.

    E a imprensa relatava, e até aqui, tudo bem. A posição de uma autoridade é, em si mesma, uma notícia.

    Porém, com honrosas excepções, jamais observei os media tentarem confrontar a validade de muitas das acusações governamentais contra os manifestantes, desde a alegada violência até à presença massiva de extremistas, passando pelas ligações a Trump ou ao QAnon, e a interesses nunca bem explicados ao estrangeiro.

    Acolhendo como completamente verídicas as acusações do Governo, que sempre recusou dialogar com os porta-vozes dos manifestantes – o que não me parece algo muito democrático num país com os pergaminhos do Canadá -, os jornalistas permitiriam sim a radicalização da postura de Justin Trudeau.

    Primeiro, pressionando a plataforma GoFundMe para suspender a angariação de fundos (mais de 1o milhões de dólares canadianos), e depois dando ideia de todos os doadores (mais de 120 mil) estivessem a proceder à lavagem de dinheiro ou a financiar actos terroristas. E, por fim, criando o cenário político e social para a implementação de uma lei de emergência, que basicamente passa por dar direitos especiais aos governantes, retirando direitos aos governados. Basicamente, suspende-se a democracia, que é o que tem estado a suceder desde Março de 2020.

    Não tenho dúvidas algumas da elevada probabilidade de existirem, no meio dos protestantes, e até de algumas das suas figuras proeminentes, algumas pessoas com ideologia pouco recomendável. Porém, vai uma grande distância entre identificar, num movimento de cidadãos pacíficos, umas quantas pessoas dessa índole – mas não as vi em actos desordeiros, nem vislumbrei imagens de violência dos manifestantes, gravadas pelas autoridades, que seriam as mais interessadas em apresentar provas desses actos – e considerar, desde logo, que estamos perante manifestantes que devem ser difamados, vilipendiados e escorraçados.

    Comecei sim, a ver, mais de duas semanas após o início dos protestos, uma violência de Estado – sim, bem sei que a pandemia alimentou os “instintos” de muitos em se castigar fisicamente quem de si discorda -, com operações policiais musculadas e com detenções apenas porque as pessoas, ali estão, a manifestar-se. E a incomodar.

    Ver-se-á, nos próximos dias, nova descarada tentativa de “criminalizar” junto da opinião pública as pessoas que vão sendo detidas, colando-as a determinadas “linhas ideológicas”, para, assim, desmobilizar os milhares e milhares de protestantes que ali estão, apenas (e já é muito) a lutarem pela sua liberdade, pela racionalidade, pela justiça, pelos seus direitos.

    Essa desmobilização será um terrível perigo, porque, a ocorrer, será um ensinamento para “governos democráticos” sobre um método eficaz de calarem manifestações futuras, quaisquer que sejam a causa e a razão. Basta que digam, e que seja essa mensagem propalada pela imprensa “amiga”, que os manifestantes são isto, e aquilo, e mais aqueloutro.

    Não quero, pessoalmente, como democrata, ver o meu direito de manifestação ou de opinião coarctado apenas porque, num determinado assunto ou movimento, está alguém que ideológica e/ou pessoalmente não merece a minha simpatia, e que em tudo resto, e em questões essenciais, se encontra nos antípodas das minhas posições.

    Por exemplo, para concretizar: durante a pandemia, não comunguei muitas opiniões, que considero infantis ou desprovidas de compostura e de Ciência, como aquelas que negavam até a existência do vírus e da doença, e o grau de gravidade em determinados grupos mais vulneráveis, mas isso jamais me impediu de contra-atacar a Narrativa Oficial baseada em manipulação de dados, na subversão dos princípios da Ciência, em alimentação de pânico e na promoção da discriminação.

    Sofri, e ainda sofro, dessa “ousadia”, e o próprio PÁGINA UM sofre e sofrerá desse lamentável estigma, que mostra mais a natureza de quem acusa do que a minha. Bem, na verdade, também mostra a minha…

    Outro exemplo: eu não quero ter de limitar a minha participação democrática se, em certo dia, num movimento contra a corrupção em que participe, estiverem presentes certos cidadãos, dos quais ideologicamente quero distância, e pessoalmente afastamento.

    Não estarei fisicamente a seu lado, mas não quero deixar de estar presente. E não quero, nem mereço, como até agora sucede, ser acusado de seguir uma certa ideologia apenas porque não concordo com certa tese oficial.

    Não devo fazer isso como cidadão, e muito menos como jornalista.

    Ainda menos como jornalista, repito.

    Não aceito, como cidadão e jornalista, e nunca aceitarei, que um Governo, seja o canadiano, seja o português, seja de outro qualquer país, me utilize, utilize jornalistas, para colar ferretes em manifestantes. Não embarco neste tipo de embarcações, ainda mais tendo a oportunidade de viver numa democracia e desejando continuar a viver numa democracia.

    A manipulação dos jornalistas, muitos deles por opção ideológica ou por ignorância ou por comodismo, é a mais grave ameaça à democracia nos países ocidentais.

    Quando um Governo acusa manifestantes de actos de extremismo e de vandalismo, tem necessariamente de apresentar provas imediatas. As palavras não bastam, até porque têm, devem ter, meios para mostrar essas provas.

    Se os jornalistas desistirem de ser os fiscalizadores da acção governativa, de fiscalização dos cidadãos que, circunstancialmente, estiverem com cargos políticos, acordarão, certo dia, numa ditadura. Numa ditadura que eles ajudaram a criar. Mostrarão então que foram sempre pequenos tiranetes. Não deixemos, por isso, que muitos deles, agora já tiranetes, andem vestidos com pelo de cordeiro, sendo lobos.