Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    A Ordem dos Médicos abriu mesmo um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, por delito de opinião, através de uma queixa de médicos com ligações à indústria farmacêutica. Amil Dias está obrigado a responder até ao final deste mês. Este é já o segundo processo disciplinar intentado contra este especialista pela Ordem dos Médicos durante o mandato de Miguel Guimarães. Sempre por delito de opinião.


    A Ordem dos Médicos, dirigida pelo urologista Miguel Guimarães, decidiu mesmo dar provimento à queixa de 16 médicos – alguns dos quais com fortes ligações à indústria farmacêutica, como Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas – contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria.

    A queixa já foi “processada” pelo Conselho de Disciplina da Regional Sul da Ordem dos Médicos, presidida por Maria do Céu Machado, ex-presidente do Infarmed, e o PÁGINA UM teve conhecimento que a acusação foi já formulada com vista à aplicação de uma sanção. O pediatra Amil Dias tem até ao final deste mês para apresentar defesa.

    O “crime” deste renomado especialista em gastroenterologia pediátrica é simples de explicar: durante a pandemia da covid-19, tomou posição pública, a título pessoal, ao considerar a vacinação de crianças “desproporcionada” e “desnecessária”, além de advogar a relevância da imunidade natural. Além disso, foi um dos subscritores de um abaixo-assinado que integrou quase uma centena de médicos e outros profissionais de saúde, alertando também para os riscos da vacinação num grupo etário de baixíssimo risco.

    O processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria – que não é escolhido, assim como nos outros colégios, nas mesmas eleições do bastonário, e beneficia de independência – resultou de uma carta-denúncia no início de Fevereiro, assinada por médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêuticas.

    Neste grupo estão incluídos todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 que solicitaram “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Amil Dias.

    Miguel Guimarães, que se manifestou incomodado por pediatras contrariarem as suas posições de médico urologista a falar de assuntos de pediatria, anunciou mesmo que levaria o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo. O PÁGINA UM sabe, contudo, que nenhum efeito teria: aquele órgão da Ordem dos Médicos não tem poder para destituir membros de um Colégio da Especialidade.

    Mais do que qualquer castigo relevante que possa atingir Jorge Amil Dias, este processo da Ordem dos Médicos revela o “clima de guerra” que alimenta as relações entre estes profissionais de saúde no mandato de Miguel Guimarães, que escancarou portas a procedimentos inquisitoriais por meros delitos de opinião, sobretudo com o advento da pandemia.

    Miguel Guimarães tem sido, além disso, criticado internamente por não acatar os pareceres técnicos dos Colégios de Especialidade – e até de os esconder publicamente, razão pela qual o PÁGINA UM está a preparar um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo –, optando antes por criar órgãos de consulta não-estatutários.

    Um exemplo paradigmático foi o Gabinete de Crise contra a Covid-19, dirigido por Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais relações promíscuas com a indústria farmacêutica. Só este ano, Filipe Froes vai já em 18 mil euros recebidos deste sector, aproximando-se assim dos 400 mil euros declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed desde 2013.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, um dos subscritores da queixa contra Jorge Amil Dias.

    Embora Miguel Guimarães continue sem impor um código de conduta, optando por rodear-se de médicos com ligações à indústria farmacêutica – e a própria Ordem dos Médicos recebeu, no ano passado, cerca de 430 mil euros deste sector –, a sua veia punitiva não tem deixado de latejar contra quem não segue a sua opinião.

    Além deste processo contra Amil Dias, a Ordem dos Médicos intentou, durante a pandemia, diversos processos a membros do denominado grupo Médicos pela Verdade. Até mesmo Fernando Nobre, fundador da AMI e ex-candidato à Presidência da República, foi alvo de um processo disciplinar com proposta de sanção, estando actualmente em fase de recurso.

    Mas mesmo antes da pandemia, durante o “reinado” de Miguel Guimarães, a Ordem dos Médicos começou a querer punir profissionais que simplesmente davam a sua opinião. Um exemplo, apurou o PÁGINA UM, é a carta-aberta, publicada no jornal Público em Outubro de 2019, de um conjunto de 10 pediatras, entre os quais também Jorge Amil Dias, que criticava a então situação problemática das urgências pediátricas.

  • Um guia desperdiçado

    Um guia desperdiçado

    Título

    Lisboa em 10 histórias

    Autores

    JOKE LANGENS e DIRK TIMMERMAN (tradução: Pedro Branco e Marta Jacinto)

    Editora (Edição)

    Casa das Letras (Março de 2022)

    Cotação

    10/20

    Recensão

    Por vezes, são os estrangeiros que, pelos seus olhos, nos revelam o quão bela e pitoresca é a nossa cidade. São eles que, amiúde, nos convencem, no entusiasmo dos seus encómios e deslumbres, a desfrutar de pequenas maravilhas que, por tão presentes no nosso quotidiano, nos escapam, se esfumam no bulício das nossas trepidantes e alheadas vidas.

    Por esse motivo, aprecio sempre a visão dos estrangeiros sobre Portugal e, particularmente, Lisboa. Na historiografia portuguesa e olisiponense, sobretudo dos séculos XVIII e XIX, são célebres os relatos dos costumes e paisagens por olhos estranhos, para o nosso bem e para o nosso mal, pela visão de estrangeiros como Charles Fréderic de Merveilleux, Charles Brockwell, Joseph Baretti, Charles François du Périer (conhecido por Dumouriez), James Murphy e, em especial, Lord Byron.

    Não se exigiria que Lisboa em 10 Histórias, da belga Joke Langens (em parceria com Dirk Timmerman, que curiosamente não aparece na capa), publicada pela Casa das Letras, viesse refazer essa tradição do quotidiano de uma cidade desvendada por olhos estrangeiros para surpreender também os nativos.

    Mas, convenhamos, sendo este livro, como todos, uma aposta editorial – que assim “condicionará” a possibilidade de outro projecto similar nascer nos tempos mais próximos –, esperar-se-ia que fosse exigido muito mais. Dos autores e da edição.

    Com efeito, Lisboa em 10 histórias anuncia na badana que na capital “não existe esquina, passeio ou recanto (…) que não esteja repleto de histórias por contar”, mas depois reduz-se a um mero repositório, em quase toda a sua extensão, de descrições como que retiradas de um qualquer vulgar compêndio histórico, cheio de lugares-comuns ou mesmo baseando-se em mitos sem sustentação na História.

    Um dos casos mais marcantes (ou chocantes, pelo menos para mim) surge no capítulo sobre o terramoto de Lisboa, onde o papel supostamente pragmático do futuro marquês de Pombal é, também aqui, artificialmente sublimado. Um erro crasso. E também erradamente se salienta uma falsa rapidez na reconstrução da chamada Baixa Pombalina, que, na verdade, demorou décadas.

    Isto já sem falar na questão religiosa, que também de forma errada é abordada: na verdade, nunca houve, naqueles tempos, uma visão científica sólida que defendesse a causa natural dos terramotos, e uma das primeiras medidas régias pós-terramoto até foi o pedido ao Papa para que o jesuíta São Francisco de Borja fosse “tido como patrono e protector” do Reino de Portugal contra novas calamidades deste género. Só a queda em desgraça dos jesuítas, após o atentado ao rei D. José I, terminaria com esta veneração.

    Enfim, não ajuda na apreciação desta obra que logo a seguir, na sua quarta história, seja apresentada uma temerária tese logo no título: “Como Napoleão criou de forma involuntária o Fado”. A sequência de acontecimentos que os autores associam Napoleão ao fado são, na verdade, risíveis, e no mínimo são mais fracos do que aqueles que aliariam, se alguém assim quisesse, D. Afonso Henriques à nossa mais célebre forma de canto. Dizer que a História do Fado aqui retratada é demasiado forçada é um eufemismo.

    Com estas duas “maleitas”, o livro tem depois dificuldades em se redimir. Embora a escrita seja escorreita, o registo nunca excede o tom jornalístico, demasiado descritivo, sem rasgos nem chama, mesmo quando o tema é a calçada portuguesa, a recuperação do Chiado, a Lisboa dos hotéis e seus espiões, a frente ribeirinha da Expo, os elevadores e eléctricos que dominam as colinas, ou a arte urbana – capítulo, aliás, de uma inaceitável pobreza franciscana, por se ater somente às obras do artista plástico Bordalo II.

    O livro tem também uma enorme, enormíssima falha, pouco compreensível numa editora prestigiada. A escolha das fotografias é fraca, do ponto de vista qualitativo, os locais não estão identificados em legenda (portanto, impossível de ser visitado numa edição com pretensões a ser um guia), e existem falhas gritantes.

    Não se compreende, por exemplo, que o capítulo do terramoto não tenha a foto de um dos seus símbolos – as ruínas do convento do Carmo –, e depois surjam três fotos distintas deste monumento no capítulo referente à recuperação do Chiado após o incêndio de 1988. O fogo não chegou às imediações do Largo do Carmo, ó céus! E, no capítulo do fado, nem um(a) fadista ou uma casa de fado com o seu ambiente nocturno para amostra.

    O livro terá tido editor?

  • Utentes no Alentejo que recusem vacinas ‘fora de prazo’ não são vacinados com outros lotes e ficam em lista de espera

    Utentes no Alentejo que recusem vacinas ‘fora de prazo’ não são vacinados com outros lotes e ficam em lista de espera

    Os centros de vacinação COVID (CVC) no Alentejo não dão alternativa imediata a quem não queira ser inoculado com doses de lotes que beneficiaram de extensão ad hoc do prazo de validade. Infarmed diz agora que houve autorização da Agência Europeia do Medicamento, mas não disponibiliza o documento nem apresenta justificação para o secretismo da medida. Ministra da Saúde mantém silêncio, não se sabendo sequer quantas pessoas foram vacinadas nestas condições nem sequer como e quem avaliará eventuais efeitos adversos da decisão de maximizar o uso de vacinas apenas para, supostamente, se poupar algum dinheiro.


    Diversos Centros de Vacinação COVID (CVC) do Alentejo que estão a usar lotes de vacina fora de prazo de validade – cuja administração obteve uma autorização informal do Infarmed, através de um simples e-mail enviado em Março, conforme ontem divulgado pelo PÁGINA UM – estão a recusar uma alternativa imediata aos utentes que não queiram ser injectados nessas condições. Se recusarem, as pessoas não são vacinadas com outro lote, e ficam a aguardar convocatória em data incerta.

    Contudo, não é certo que todos os utentes estejam a ser avisados, uma vez que o consentimento informado para a administração destas vacinas é meramente oral, sem comprovativo escrito sobre as condições das vacinas e efeitos adversos previsíveis apresentados de forma quantitativa.

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    Em causa está assim um número indeterminado de doses pertencentes a três lotes específicos de vacinas contra a covid-19, e que receberam uma autorização ad hoc para continuarem a ser administradas após o prazo de validade. São os casos dos lotes FP9632 e 1F1047A da vacina Comirnaty/Pfizer (com prazo de validade até 14 de Março e 5 de Março, respectivamente), e ainda do lote 000063A da vacina Spikevax/Moderna. Para o lote desta segunda vacina, alguns frascos tinham expirado o prazo de validade em 27 de Fevereiro e outros em 4 de Março.

    Em circunstâncias normais, os frascos destes lotes deveriam ser imediatamente destruídos após esgotar-se o prazo de validade, segundo as normas do “resumo das características do medicamento” – inseridas no Portal Infomed. Porém, em Março, através de uma simples comunicação por correio electrónico à Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, o Infarmed concedeu uma autorização de prorrogação do prazo de validade .

    Essa autorização especial não consta, porém, em qualquer das habituais circulares informativas do Infarmed nem sequer foi introduzida, com identificação dos lotes em causa, no resumo das características do medicamento.

    Ontem à noite, pelas 22:21 horas, o PÁGINA UM recebeu um esclarecimento do Infarmed – por “solicitação do gabinete de comunicação do Ministério da Saúde”, informando que “a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aprovou, este ano, a extensão do prazo de alguns lotes de vacinas contra a COVID-19, em condições de ultracongelação”, acrescentando ainda que “a extensão de prazo, de três meses e de seis meses aplica-se a todos os Estados-membros e tem efeitos retroactivos relativamente a lotes de injetáveis produzidos antes da aprovação.”

    Em vez de uma circular informativa, que esclarecesse e justificasse a medida de prorrogação do prazo de validade, o Infarmed decidiu apenas comunicar por correio electrónico a sua decisão ad hoc à ARS do Alentejo. Ignora-se quantas doses já foram usadas dos lotes em causa.

    No entanto, apesar de reiterado o pedido de indicação dos lotes autorizados, o Infarmed não respondeu. O PÁGINA UM tentou obter informação no site da EMA, mas sem sucesso. Existem, no entanto, autorizações especiais de prorrogação de prazo para certos lotes da vacina da Pfizer pelo National Health Service (NHS), do Reino Unido, mas nenhum dos lotes são aqueles que o Infarmed autorizou ad hoc para o Alentejo.

    O Infarmed também não quis explicar os motivos para não ter sido produzida qualquer circular – como é habitual sempre que formalmente existe uma decisão do Conselho Directivo – sobre esta matéria.

    No seu esclarecimento de ontem, o INFARMED diz apenas que a decisão de “utilização das vacinas” fora do prazo se baseou em “estudos de estabilidade apresentados pelos laboratórios”, mas não os enviou nem nunca os disponibilizou.

    Após a recepção deste esclarecimento, o PÁGINA UM questionou ainda o Infarmed no sentido de saber se o regulador informou a ministra da Saúde sobre a decisão de administrar vacinas fora do prazo sob autorização “especial”. E questionou também o Infarmed sobre se não se estaria perante um “ensaio clínico” ilegal, porquanto, como o PÁGINA UM salientou ontem, nos e-mails entre o Infarmed e a Administração Regional de Saúde do Alentejo prevê-se a monitorização específica das pessoas injectadas com vacinas fora do prazo inicial de modo a avaliar posteriormente os efeitos adversos e a efectividade vacinal.

    O PÁGINA UM também insistiu, junto dos três assessores de imprensa da ministra da Saúde, Marta Temido, para saber se o Governo tinha conhecimento deste expediente autorizado pelo Infarmed, para conhecer se outras ARS foram abrangidas, quantas pessoas tinham sido vacinadas com estes lotes e se esta estratégia será mantida. Não houve, até agora, qualquer resposta.

  • Infarmed autorizou uso de vacinas (contra a covid-19) fora do prazo de validade, e contrariando normas dos fabricantes.

    Infarmed autorizou uso de vacinas (contra a covid-19) fora do prazo de validade, e contrariando normas dos fabricantes.

    No Alentejo, foram administradas a um número indeterminado de pessoas vacinas contra a covid-19 fora do prazo. A decisão foi tomada no passado mês de Março em articulação entre o Infarmed e a Administração Regional de Saúde daquela região, mas sem base legal e contra as normas dos fabricantes. Apesar de garantir ser um processo seguro, o Infarmed acabou por estabelecer a obrigatoriedade de recolha de informação sobre as pessoas injectadas com estes lotes para posterior avaliação de eventuais acréscimos dos efeitos adversos ou de redução da efectividade vacinal. O PÁGINA UM revela os lotes das vacinas da Pfizer e da Moderna que foram injectadas já depois de expirar o prazo de validade. O Ministério da Saúde (ainda) não comentou se sabia desta decisão nem esclareceu (ainda) se houve mais lotes fora do prazo usados em outras regiões do país.


    O Infarmed autorizou o uso de três lotes de vacinas contra a covid-19 fora do prazo de validade em centros de vacinação do Alentejo durante o mês de Março e Abril, em condições que aparentam um ensaio clínico não autorizado, que não cumpre os mínimos princípios éticos e de consentimento informado.

    De acordo com mensagens electrónicas a que PÁGINA UM teve acesso, na noite de 14 de Março passado a directora do Departamento de Contratualização da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo, Sandra Silva, informou diversos responsáveis daquela região que “tendo em consideração as quantidades de vacinas existentes nas ARS com prazo de validade excedido”, o Infarmed tinha autorizado a sua utilização.

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    Em causa estava um número indeterminado de frascos dos lotes FP9632 e 1F1047A da vacina Comirnaty/Pfizer, com prazo de validade até 14 de Março e 5 de Março, respectivamente, e ainda um lote 000063A da vacina Spikevax/Moderna, sendo que alguns frascos tinham expirado o prazo de validade em 27 de Fevereiro e outros em 4 de Março.

    No e-mail daquela noite, além de acrescentar que seria enviada no dia seguinte “informação mais detalhada”, Sandra Silva transcrevia o parecer do Infarmed, constituído somente por duas frases escritas em português algo macarrónico: “Podem ser utilizadas as referidas vacinas dos lotes abaixo mencionadas por mais 15 a 30 dias apos o prazo de validade expirado de 30 dias referente ao prazo após descongelação, nas condições de 2C a 8C no entanto deverá ser preenchido no sistema Vacinas a administração das referidas vacinas mencionando validade e data de descongelação, de modo a monitorizar reações adversas se as mesmas existirem. Mais se informa que os referidos lotes de vacinas foram avaliados pelo Infarmed no que diz respeito à integridade do mRNA quando libertadas pelo fabricante da vacina”.

    E-mail enviado pela directora do Departamento de Contratualização da ARS do Alentejo na noite de 14 de Março passado, informando sobre a decisão do Infarmed.

    No site do Infarmed não consta qualquer aviso sobre esta matéria. Sobre as condições de conservação das vacinas covid-19, a última actualização é de 3 de Fevereiro deste ano, onde nada consta sobre a possibilidade de alargamento do prazo de validade.

    E no Portal Infomed, e no caso do resumo das características do medicamento da vacina Comirnaty/Pfizer, além de se elencar de forma exaustiva as exigentes condições de conservação, salienta-se que, após descongelação, “os frascos para injectáveis por abrir podem ser conservados durante um total de 10 semanas a uma temperatura entre 2 oC e 8 oC, nunca ultrapassando o prazo de validade (VAL) impresso”.

    No caso especifico da Spikevax/Moderna, o resumo das características do medicamento no Portal Infomed vão no mesmo sentido: “Não utilize esta vacina após o prazo de validade impresso no rótulo após VAL [prazo de validade]. O prazo de validade corresponde ao último dia do mês indicado”.  

    Em todo o caso, nunca fazendo referência às indicações dos fabricantes, na manhã do passado dia 15 de Março, a directora de Inspecção e Licenciamentos do Infarmed, Maria Fernanda Ralha, enviou um e-mail para ARS do Alentejo, explicitando melhor a “autorização” concedida.

    Na mensagem aquela responsável do Infarmed garantia que “os referidos lotes das vacinas Comirnaty adulta e Spikevax mantém-se estáveis assumindo-se que nenhuma das outras condições de conservação/transporte aprovadas foi excedida [e que] poderão eventualmente se manter , por mais 15-30 dias, para além da validade aprovada quando as vacinas forem mantidas entre 2ºC e 8ºC desde a sua descongelação” (sic).

    Maria Fernanda Ralha sugeria também que, “pela natureza destas vacinas COVID-19 e pelos dados de estabilidade disponíveis para outros lotes”, não se antevia para estes lotes fora de prazo “problemas de segurança”, mas em seguida acrescentava que “há no entanto que estar atentos a eventuais notificações de reações adversas em utentes que receberão estas doses pelo que é recomendado o registo deste desvio às condições aprovadas na plataforma Vacinas”. (sic)

    Nessa medida, esta responsável do Infarmed acabou por instruir os responsáveis da ARS do Alentejo para tomarem obrigatórios “procedimentos, tendo em conta a salvaguarda da saúde pública”, entre os quais o registo na plataforma Vacinas da data de descongelação e administração da dose da vacina fora de prazo, de modo a ser possível uma “futura avaliação da efetividade vacinal e eventuais questões de farmacovigilância decorrentes destes desvios”.

    Ou seja, assumia subliminarmente que não existiam certezas sobre a inocuidade do prolongamento do prazo de validade nem tão-pouco se ficaria afectada a protecção vacinal.

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    Esta decisão do Infarmed e da ARS do Alentejo não se deveu a qualquer quebra de stock de vacina. Pelo contrário, tem sido a fraca adesão às doses de reforço, sobretudo da população abaixo dos 50 anos, que tem causado “sobras” e, portanto, risco de partes de lotes expirarem o respectivo prazo de validade. Tanto assim é que a responsável do Infarmed recomendou que “as vacinas descongeladas e cujo prazo de validade aprovado já foi ultrapassado devem ser usadas antes de vacinas descongeladas em qualquer uma das datas subsequentes e só quando terminar o stock existente se passe para as vacinas descongeladas noutros dias”. (sic)

    O PÁGINA UM contactou Maria Fernanda Ralha, directora de Inpecção e Licenciamentos do Infarmed, que não quis fazer comentários sobre este assunto, alegando estar de férias e que todas as informações respeitantes às vacinas contra a covid-19 deveriam ser fornecidas pela Direcção-Geral da Saúde.

    Também o gabinete da ministra da Saúde, Marta Temido, foi questionado sobre se tinha conhecimento desta decisão do Infarmed e da ARS do Alentejo, e sobre quantas pessoas tinham sido vacinadas com vacinas fora do prazo de validade. E também se questionou o Ministério da Saúde sobre se noutras regiões se tinha usado similar procedimento, e se sim, se este procedimento seria mantido no futuro. Não houve, até agora, qualquer reacção.

  • PÁGINA UM revela 56 contratos ‘suspeitos’ assinados pelos principais grupos de media desde 2020, mas ERC não responde se vai ou não investigar

    PÁGINA UM revela 56 contratos ‘suspeitos’ assinados pelos principais grupos de media desde 2020, mas ERC não responde se vai ou não investigar

    Sobretudo a partir de 2020, os principais grupos de media olham para o jornalismo como “galinhas de ovos de ouro” e têm estado a assinar cada vez mais contratos de prestação de serviços com autarquias e mesmo com órgãos do Governo. O PÁGINA UM detectou já 56 contratos susceptíveis de condicionar ou limitar a linha editorial de órgãos de comunicação social de âmbito nacional. Não estão aqui incluídos contratos comerciais com empresas privadas envolvendo “mercantilização” de jornalistas. Conheça e consulte os contratos em causa.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) diz ter conhecimento da existência de contratos entre a imprensa e entidades públicas susceptíveis de condicionar ou limitar a autonomia editorial, mas recusa confirmar se irá em concreto investigar os principais grupos de media nacionais que assinaram contratos “suspeitos” com entidades públicas.

    Na deliberação de 16 de Março passado, em que se confirmou a existência de uma “prescrição de gaveta” que beneficiou o Porto Canal – controlado pelo Futebol Clube do Porto SAD – é afirmado que “amiúde são divulgadas notícias relativas a este [Porto Canal] e outros órgãos de comunicação social, alguns passíveis de avaliação através do portal dos contratos públicos (…), nada obstando que o Conselho Regulador da ERC, querendo, determine a abertura de um procedimento de fiscalização desta natureza, eventualmente mais abrangente”.

    Público, e o seu director Manuel Carvalho, têm executado contratos comerciais susceptíveis de interferirem com a independência editorial do jornal.

    Tendo em consideração que o PÁGINA UM tem vindo a denunciar diversos casos de prestações de serviços com a participação de jornalistas e mesmo directores – nomeadamente do Público, Expresso, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Visão e SIC, entre outros –, foi solicitado em 21 de Abril passado ao presidente da ERC, Sebastião Póvoas, que esclarecesse se já tinham sido abertos “procedimentos de fiscalização” e, se sim, que identificasse os órgãos de comunicação social. Pediu-se também que, no caso de não ter sido aberto qualquer procedimento, que fosse indicada a razão para tal, uma vez que a ERC admitia ter conhecimento de diversos casos.

    A resposta ao PÁGINA UM apenas surgiu ontem, dia 5 de Maio. Sebastião Póvoas diz que “o Conselho Regulador solicitou, nesta data, à Unidade de Transparência de Media (UTM) que procedesse ao rastreio, no Portal dos Contratos Públicos, de contratos de entidades públicas com o Porto Canal que possam colocar em causa os princípios pelos quais se deve pautar e cuja observância incumbe à ERC garantir”.

    Sobre a realização concreta de diligências para investigar cláusulas ilegais ou suceptíveis de colocarem em causa a isenção editorial e informativa em contratos de prestação de serviços assinados por grupos de media nacionais – como a Global Media (detentora, entre outros, do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF), a Impresa (Expresso e SIC), Trust in News (Visão, Jornal de Letras e Exame), Cofina (Correio da Manhã, CMTV, Sábado e Jornal de Negócios), Público e TVI –, o presidente do Conselho Regulador da ERC nada disse.

    Exemplo de um contrato de prestação de serviço: Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela subdirectora do DN, Joana Petiz.

    Instado esta manhã a esclarecer se a não-menção a outros grupos de media na sua resposta ao PÁGINA UM, significava ou não que aqueles estariam isentos a uma investigação, a ERC manteve-se em silêncio.

    O PÁGINA UM decidiu assim, elencar uma lista exaustiva de contratos “suspeitos” entre entidades públicas e os principais grupos de media assinados desde o ano de 2020, ou ainda em vigor naquele ano.

    De entre esses contratos, nenhum se refere a contratos de publicidade – que são absolutamente legais e constituem o financiamento habitual da imprensa – nem à venda de assinaturas nem à realização de eventos ou encartes promovidos pelos departamentos comerciais e de marketing sem participação de jornalistas ou sem interferência na linha editorial do órgão de comunicação social.

    No total, foram identificados 56 contratos, cinco dos quais de 2022 e 27 assinados em 2021. Por grupos de media, a Global Media (e subsidiárias) assinou 19, a Cofina 15, a Trust in News sete, a Impresa e Público seis cada, e a TVI três.

    O jornalista Paulo Baldaia foi o “mestre de cerimónias” de um evento pago pelo Ministério do Ambiente em Dezembro do ano passado. A SIC recebeu 19.750 euros por uma emissão a promover uma acção governativa.

    Nesses contratos, grande parte dos quais de simples prestação de serviços, encontram-se envolvidas mais de duas dezenas de câmaras ou empresas municipais. E estão também órgãos do Governo. Em diversos casos, o Governo financiou a divulgação e promoção de iniciativas governamentais em órgãos de comunicação social, através de eventos em que jornalistas funcionaram como “mestres de cerimónias”. Os 56 contratos identificados pelo PÁGINA UM envolveram um total de 1.936.340 euros.

    A selecção de contratos “suspeitos”, realizada pelo PÁGINA UM, agrega a prestação de serviços para a produção de eventos com a participação activa de jornalistas ou o pagamento de cobertura noticiosa (excluindo publireportagens ou encartes). Em diversos desses contratos, sobretudo para a realização de eventos, já participaram mesmo directores de órgãos de comunicação social, como Manuel Carvalho (Público), Rosália Amorim (Diário de Notícias), Inês Cardoso (Jornal de Notícias) e Mafalda Anjos (Visão).

    Rosalia Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma habitué na moderação de eventos realizados pela Global Media e pagos pelo Estado, empresas e autarquias.

    Em diversos destes contratos, não é possível esclarecer, através do Portal Base, todos os detalhes da prestação de serviços, uma vez que o adjudicante (a entidade pública) não inseriu o caderno de encargos no Portal Base, uma sistemática forma de manter a obscuridade de muitos contratos públicos.

    O PÁGINA UM poderia solicitar os cadernos de encargos de todos estes contratos, mas essa tarefa hercúlea não é função de um pequeno órgão de comunicação independente com escassos meios humanos. É função do regulador. Mesmo de um regulador que faz “prescrições de gaveta” ao fim de quatro anos.



    LISTA CRONOLÓGICA DOS CONTRATOS NO PORTAL BASE ASSINADOS POR EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

    Nota: clicando no nome de entidade adjudicante pode consultar os dados do contrato. Nos casos em que se apresenta o título de um órgão de comunicação social, significa que foi identificada uma cobertura noticiosa e/ou participação activa de jornalistas na execução desse contrato comercial.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Matosinhos

    Preço contratual: 12.800 €

    Data de contrato: 20/04/2022

    Divulgação de eventos e iniciativas promovidas pela Câmara Municipal de Matosinhos em 2022.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Dinheiro Vivo)

    Adjudicante: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve

    Preço contratual: 4.500 €

    Data do contrato: 28/03/2022

    Aquisição de serviços para fornecimento de publireportagens sobre projetos apoiados pelo CRESC ALGARVE 2020.

    COFINA MEDIA S.A.

    Adjudicante: AdP – Águas de Portugal

    Preço contratual: 19.900 €

    Data do contrato: 22/03/2022

    Aquisição de serviços para produção de conteúdos digitais no âmbito da campanha de alerta para a seca.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Diário de Notícias e Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Ordem dos Médicos Dentistas

    Preço contratual: 19.970 €

    Data do contrato: 18/03/2022

    Prestação de serviços de divulgação, promoção e cobertura do Dia Mundial da Saúde Oral.

    IMPRESA (SIC)

    Adjudicante: Secretaria-Geral da Educação e Ciência

    Preço contratual: 29.000 €

    Data do contrato: 09/03/2022

    Produção de três vídeos e campanha de divulgação dos mesmos em canal de imprensa escrita, digital, papel e televisão para o Programa Operacional Capital Humano (POCH).

    COFINA MEDIA S.A.

    Adjudicante: Governo Regional da Madeira

    Preço contratual: 50.000 €

    Data do contrato: 29/12/2021

    Aquisição de serviços de publicação e divulgação no âmbito das atribuições da Direção Regional do Património da Região Autónoma da Madeira.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Matosinhos

    Preço contratual: 5.310 €

    Data do contrato: 29/12/2021

    Contratação de serviços para a divulgação de eventos e iniciativas promovidas pela Câmara Municipal de Matosinhos em 2022.

    SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO S.A. (SIC)

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ambiente e da Ação Climática

    Preço contratual: 19.750 €

    Data do contrato: 06/12/2021

    Aquisição de serviços de Media Partner para a realização do Evento Anual do POSEUR – Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Gaiurb – Urbanismo e Habitação E.M.

    Preço contratual: 195.000 €

    Data do contrato: 03/12/2021

    Programa de Dinamização da Economia Local (Praça do Natal 2021), incluindo a definição e promoção da comunicação e divulgação do evento junto da imprensa e de outros meios de comunicação social.

    TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Visão)

    Adjudicante: AdP – Águas de Portugal

    Preço contratual: 60.000 €

    Data do contrato: 23/11/2021

    Celebração de Contrato para conceção, produção e divulgação de conteúdos de comunicação associados aos Prémios Verdes VISÃO.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.  (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Feira Viva – Cultura e Desporto E.M.

    Preço contratual: 2.500 €

    Data do contrato: 11/11/2021

    Prestação de serviços de divulgação informativa do evento Perlim.

    COFINA S.A. (Correio da Manhã)

    Adjudicante: Gaiurb – Urbanismo e Habitação E.M.

    Preço contratual: 53.000 €

    Data do contrato: 10/11/2021

    Promoção do projecto “Meu Bairro, Minha Rua” durante 20 dias.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP)

    Preço contratual: 16.000 €

    Data do contrato: 28/10/2021

    Contratação de Media Partner para a conferência “AICEP 2021 – Exportação & Investimento”.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência

    Preço contratual: 16.000 €

    Data do contrato: 15/10/2021

    Aquisição de serviços para evento para divulgação dos Resultados da avaliação da estratégia de comunicação do POCH através de um talk-webinar a realizar presencialmente e online.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Viana do Castelo

    Preço contratual: 13.500 €

    Data do contrato: 17/09/2021

    Prestação de serviços para organização de seminário e divulgação – Economia Azul.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Diário de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal do Barreiro

    Preço contratual: 19.995 €

    Data do contrato: 30/08/2021

    Aquisição de serviços de comunicação no âmbito dos 500 anos da autarquia do Barreiro.

    COFINA S.A. (Correio da Manhã e CMTV)

    Adjudicante: Câmara Municipal do Seixal

    Preço contratual: 142.276,42 €

    Data do contrato: 03/08/2021

    Aquisição, sem exclusividade, do direito de uso temporário das marcas “Splash Seixal” e “Cofina Boost Solutions”, respectiva activação e execução plano de promoção e publicidade.

    TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Visão)

    Adjudicante: Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais

    Preço contratual: 17.000 €

    Data do contrato: 15/07/2021

    Aquisição de Serviços para elaboração, produção e distribuição de uma revista.

    TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Visão)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Oeiras

    Preço contratual: 84.052 €

    Data do contrato: 02/07/2021

    Aquisição da prestação de serviços para a exposição World Press Photo 2021

    IMPRESA S.A. (Expresso e SIC)

    Adjudicante: Secretaria-Geral da Educação e Ciência

    Preço contratual: 19.500 €

    Data do contrato: 30/06/2021

    Aquisição de serviços para organização, cobertura e promoção de evento para o POCH.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Valongo

    Preço contratual: 7.500 €

    Data do contrato: 22/06/2021

    Aquisição de serviços de comunicação e divulgação do evento “Switch to Innovation Summit”.

    COFINA S.A. (Jornal de Negócios)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Melgaço

    Preço contratual: 16.500 €

    Data do contrato: 17/06/2021

    Conferência – Pensar Global Agir Local.

    COFINA S.A. (Jornal de Negócios)

    Adjudicante: Comunidade Intermunicipal do Cávado

    Preço contratual: 15.000 €

    Data do contrato: 02/06/2021

    Aquisição de serviços para elaboração da “Comunicação e divulgação da Estratégia do Cávado 2030 (programação dos FEEI 2021-2027 no território do Cávado)”.

    IMPRESA S.A. (Expresso)

    Adjudicante: Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica

    Preço contratual: 12.000 €

    Data do contrato: 31/05/2021

    Realização da conferência “Requalificar para o Futuro”.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Diário de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Lisboa

    Preço contratual: 17.500 €

    Data do contrato: 24/05/2021

    Aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário “O investimento público no pós-pandemia”, a realizar nos Paços do Concelho.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Melgaço  

    Preço contratual: 14.634 €

    Data do contrato: 29/04/2021

    Campanha de promoção da Festa do Alvarinho e do Fumeiro 2021.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Albufeira

    Preço contratual: 70.000 €

    Data do contrato: 27/04/2021

    Plano de Comunicação, Valorização e Divulgação da Marca “ALBUFEIRA” a nível nacional, incluindo o evento Albufeira Summit.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: Gaiurb – Urbanismo e Habitação E.M.

    Preço contratual: 65.400 €

    Data do contrato: 27/04/2021

    Pagamento de 16 podcasts “Conversas Urbanas” na Primavera e Verão de 2021.

    RÁDIO NOTÍCIAS S.A. (TSF)

    Adjudicante: Gaiurb – Urbanismo e Habitação E.M.

    Preço contratual: 75.000 €

    Data do contrato: 29/03/2021

    Pagamento de 15 programas “Desafios do Urbanismo” entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa E.M.

    Preço contratual: 19.990 €

    Data do contrato: 29/03/2021

    Aquisição de serviços de parceria de media para promoção do evento “Velo-City 2021 Lisboa”.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Santa Maria da Feira

    Preço contratual: 7.500 €

    Data do contrato: 26/03/2021

    Captação de Investimento Económico no Concelho de Santa Maria da Feira.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: Ordem dos Médicos Dentistas

    Preço contratual: 10.500 €

    Data do contrato: 09/03/2021

    Organização e concepção de evento online – Dia Mundial da Saúde Oral.

    TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Revista Exame)

    Adjudicante: COTEC Portugal

    Preço contratual: 50.000 €

    Data do contrato: 28/12/2020

    Aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC no âmbito do Programa Advantage 4.0..

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Diário de Notícas)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Lisboa

    Preço contratual: 10.000 €

    Data do contrato: 21/12/2020

    Aquisição de serviços para uma Campanha de Comunicação no âmbito do Plano de Apoio Económico e Social, para os estabelecimentos de comércio tradicional a retalho e de restauração e bebidas, durante 20 dias no Diário de Noticias (Digital e imprensa).

    TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Jornal de Letras)

    Adjudicante: Camões – Instituto da Cooperação e da Língua

    Preço contratual: 31.099,30 €

    Data do contrato: 15/12/2020

    Serviços de produção e publicação de um encarte “Camões”.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Gaiurb – Urbanismo e Habitação E.M.

    Preço contratual: 195.000 €

    Data do contrato: 04/12/2020

    Programa de Dinamização da Economia Local (Praça do Natal 2020), incluindo a definição e promoção da comunicação e divulgação do evento junto da imprensa e de outros meios de comunicação social.

    IMPRESA S.A.

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

    Preço contratual: 19.800 €

    Data do contrato: 04/12/2020

    Aquisição de serviços diversos para apoio à realização do evento anual do Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego (POISE).

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Aveiro

    Preço contratual: 65.000 €

    Data do contrato: 03/11/2020

    Aquisição de Serviços de Organização da Conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”.

    TVI TELEVISÃO INDEPENDENTE S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

    Preço contratual: 19.950 €

    Data do contrato: 06/10/2020

    Aquisição de serviços para a promoção do Município de Vila Nova de Gaia.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Viana do Castelo

    Preço contratual: 11.000 €

    Data do contrato: 02/10/2020

    Prestação de Serviços para divulgação na edição impressa e online de eventos principais da preparação da Agenda da Inovação para 2030.

    TVI TELEVISÃO INDEPENDENTE S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Tomar

    Preço contratual: 19,000 €

    Data do contrato: 22/09/2020

    Aquisição de serviços para divulgação e promoção do Concelho de Tomar.

    PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL S.A. (Público)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Penafiel

    Preço contratual: 7.000 €

    Data do contrato: 21/09/2020

    Prestação de serviços de realização de conferência digital – Órgãos de autarquia.

    COFINA S.A. (CMTV)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

    Preço contratual: 40.000 €

    Data do contrato: 13/08/2020

    Aquisição de serviços de realização e promoção da 9ª Edição do evento “A Mesa Dos Portugueses” em Vila Nova de Gaia.

    TVI TELEVISÃO INDEPENDENTE S.A.

    Adjudicante: Associação Turismo dos Açores

    Preço contratual: 19.250 €

    Data do contrato: 12/08/2020

    A emissão de um clip promocional/conteúdo com uma cara TVI com 120” de promoção turística do destino Açores nos canais televisivos TVI, TVI24 e TVI Ficção, com presença obrigatória em programa de Manuel Luís Goucha.

    COFINA S.A. (Correio da Manhã)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Albufeira

    Preço contratual: 22.500 €

    Data do contrato: 12/08/2020

    Aquisição de seis Suplementos Temáticos sobre Albufeira, no Correio da Manhã.

    COFINA S.A. (Jornal de Negócios)

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ministério da Economia

    Preço contratual: 18.000 €

    Data do contrato: 01/07/2020

    Produção de conteúdos e respetiva publicação no Jornal de Negócios para a Secretaria Geral da Economia e Transição Digital.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Braga

    Preço contratual: 31.333,33 €

    Data do contrato: 29/04/2020

    Serviços de promoção de eventos para o ano 2020.

    TRUST IN NEWS, LDA.

    Adjudicante: Cascais Próxima E.M.

    Preço contratual: 17.500 €

    Data do contrato: 03/03/2020

    Prestação de serviços para a criação de Guia de Mobilidade, e respetivo lançamento nas revistas Visão e Exame Informática.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Setúbal

    Preço contratual: 19.997 €

    Data do contrato: 03/03/2020

    Prestação de serviços para promoção, moderação e cobertura editorial da conferência “Descentralização ou Regionalização”.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Estarreja

    Preço contratual: 6.000 €

    Data do contrato: 28/02/2020

    Contratação de Publicações em Jornal, para Eventos 2020.

    IMPRESA S.A. (Expresso)

    Adjudicante: EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa E.M.

    Preço contratual: 13.500 €

    Data do contrato: 26/02/2020

    Aquisição de serviços para publicação de editorial com conteúdos publicitários sobre os 25 anos da EMEL.

    TRUST IN NEWS, LDA.

    Adjudicante: Associação de Promoção da Região Autónoma da Madeira

    Preço contratual: 26.400 €

    Data do contrato: 06/02/2020

    Aquisição de serviços de edição fora de linha numa publicação periódica de tiragem nacional com conteúdos relativos ao destino Madeira.

    COFINA S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos

    Preço contratual: 5.413,72 €

    Data do contrato: 27/01/2020

    Campanha de divulgação do Mês da Enguia 2020.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Gondomar

    Preço contratual: 59.999,92 €

    Data do contrato: 24/01/2020

    Aquisição de serviços de promoção do Município de Gondomar.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A. (Jornal de Notícias)

    Adjudicante: Câmara Municipal de Amarante

    Preço contratual: 6.000 €

    Data do contrato: 06/01/2020

    Promoção da Marca Amarante no JN/direto.

    GLOBAL NOTÍCIAS S.A.

    Adjudicante: Câmara Municipal de Aveiro

    Preço contratual: 110.000 €

    Data do contrato: 19/12/2019

    Evento “SAI PRA RUA” no âmbito do Projeto “Boas Festas em Aveiro”

  • ERC mexe na estrutura orgânica após “prescrição de gaveta” que beneficiou TV do Futebol Clube do Porto

    ERC mexe na estrutura orgânica após “prescrição de gaveta” que beneficiou TV do Futebol Clube do Porto

    Após notícia do PÁGINA UM sobre a caducidade de um procedimento oficioso contra o Porto Canal, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social anuncia criação de nova estrutura para tratar das contra-ordenações. Mas o responsável na ERC pela “prescrição de gaveta”, que beneficiou o canal do Futebol Clube do Porto, mantém o cargo de director do Departamento Jurídico.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) divulgou hoje ter procedido à reestruturação da sua orgânica, criando uma nova Unidade de Contraordenações, dirigida agora por Ana Isabel Ferreira, tendo afastado dessas tarefas Rui Mouta, director do seu Departamento Jurídico.

    Esta é uma consequência imediata de uma “prescrição de gaveta”, que o PÁGINA UM divulgou na quinta-feira passada, e que salvou o Porto Canal de sofrer um processo de contra-ordenação que poderia atingir uma coima máxima de 150 mil euros.

    Aquele responsável detinha desde 2017 plenos poderes, por delegação do Conselho Regulador, para “deduzir acusação e proceder à inquirição de testemunhas, bem como para a elaboração da proposta de aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias”, e nessa qualidade decidiu, sem informar o Conselho Regulador, meter na gaveta durante quatro anos a investigação a contratos alegadamente ilegais assinados entre o Porto Canal e diversas entidades, sobretudo autarquias.

    Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.

    A caducidade do procedimento oficioso, que acabou por ser deliberado pela ERC em 16 de Março passado, mais de quatro anos depois de o caso ter sido denunciado em 2018 pelo jornal I, encerrou o caso sem culpados nem penalizações, tanto mais que Rui Mouta manteve a confiança institucional para continuar como director do Departamento Jurídico na nova orgânica da ERC.

    Recorde-se que o Porto Canal é detido pela Avenida dos Aliados S.A., empresa controlada de forma directa (82,4%) pela Futebol Clube do Porto SAD, através da FCP Media, tendo Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente daquele clube nortenho, e Fernando Gomes, ex-presidente da autarquia do Porto e ex-ministro da Administração Interna como administradores.

    No lote de relações comerciais susceptíveis de violar a Lei da Televisão, por constituírem ingerências na autonomia editorial do Porto Canal, estavam contratos com cinco autarquias (Porto, Braga, Matosinhos, Póvoa do Varzim e Chaves), três Comunidades Intermunicipais – Ave (CIA), Tâmega e Sousa (CITS) e Terras de Trás-os-Montes (CITTM) –, a Empreendimentos Hidroeléctricos do Alto Tâmega e Barroso (empresa intermunicipal constituída por seis autarquias), o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Porto e Norte, o Instituto de Segurança Social, a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Lima e Fundação Hispano-Portuguesa Rei Afonso Henriques. No total, estes contratos envolveram mais de 600 mil euros.

    Em ofício exclusivamente enviado ao PÁGINA UM, o presidente da ERC, Sebastião Póvoa, alega que “as razões do incumprimento do prazo legal para a conclusão de um procedimento oficioso”, que é de 180 dias (embora a deliberação refira 120 dias), se devem ao “volume de trabalho acumulado e à gestão das prioridades dos serviços”.

    Notícia do Jornal i de Fevereiro de 2018 que denunciou contratos. O jornalista Júlio Magalhães, actualmente na CNN Portugal, era então o director de informação do Porto Canal.

    No entanto, este juiz conselheiro admite que, no caso do Porto Canal, “sabendo que não seria possível concluir as diligências instrutórias encetadas, reconhece-se que teria sido judicioso por parte dos serviços proceder a uma comunicação prévia ao Conselho Regulador sobre as opções a tomar para que este pudesse, em consequência, optar pelo caminho a seguir”.

    O presidente da ERC diz também que foi decidido enviar “os contratos celebrados pelas entidades públicas com o Porto Canal à Inspecção-Geral de Finanças”, embora as consequências práticas sejam nulas.

    Entretanto, em comunicado de imprensa, divulgado hoje, a ERC ainda reitera – como se fosse expectável que defendessem publicamente o contrário – que os membros do Conselho Regulador “manifestam a sua total isenção, ética e rigor nas matérias sujeitas à sua apreciação, independentemente do órgão de comunicação social que esteja em causa”.

  • A imoralidade da CNN Portugal, uma espécie de ‘escalracho’ que abafa a Democracia

    A imoralidade da CNN Portugal, uma espécie de ‘escalracho’ que abafa a Democracia


    Cinquenta dias depois de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e 132 dias após um pedido formal, ao abrigo da Lei da Imprensa, a CNN Portugal publicou finalmente, ontem, o meu direito de resposta em reacção ao seu artigo difamante de 23 de Dezembro do ano passado em que acusou o PÁGINA UM de ser uma “página negacionista”. Em causa estava um isento, rigoroso e irrepreensível artigo de investigação jornalística do PÁGINA UM sobre o verdadeiro impacte da pandemia nas crianças, usando dados oficiais mas anonimizados.

    Se a notícia ultrajante da CNN Portugal tivesse sido obra parida apenas pela verve de um desastrado e imberbe jornalista-estagiário, de seu nome Henrique Magalhães Claudino, ainda eu admitiria que, enfim, estaríamos apenas perante um futuro mau jornalista, o resultado sinérgico de uma inadequada supervisão e de evidentes deficiências estruturais de formação ética e deontológica.

    Apenas 50 dias após a deliberação da ERC, a CNN Portugal publicou direito de resposta do PÁGINA UM.

    Mas, comportando-se a CNN Portugal como se comportou, não podemos ser ingénuos: foi a direcção editorial que usou um jornalista-estagiário para fazer o “jogo sujo”, um frete, uma tentativa de assassinato de carácter do PÁGINA UM, de um órgão de comunicação social que nascera com um cunho de inquebrável e inquebrantável independência. E que já então estava a incomodar, e mais incomodou ao longo dos últimos meses, uma certa clique da imprensa mainstream e do sector médico (que, aliás, profusamente debitou ataques à investigação do PÁGINA UM).

    A CNN Portugal – que tem, na sua direcção tripartida, três jornalista que não nasceram ontem: Nuno Santos, Frederico Roque de Pinho e Pedro Santos Guerreiro – portou-se, neste lamentável episódio, com uma inqualificável arrogância, com a arrogância parola de um franchise televisivo falho e falhado de valores éticos e deontológicos.

    Recusaram, primeiro, a publicação voluntária do direito de resposta em finais de Dezembro do ano passado.

    Recusaram assumir que difamaram um colega de profissão e nem esboçaram um pedido de desculpas nem arrependimento nem vergonha.

    Mantiveram uma postura lastimável no processo levantado pela ERC ao longo dos primeiros meses deste ano de 2022.

    Os directores da CNN Portugal: Frederico Roque de Pinho, Nuno Santos e Pedro Santos Guerreiro.

    Borrifaram-se durante 50 longos dias na deliberação da ERC, conhecida em 13 de Março passado, mesmo sob o risco de pagarem uma multa de 500 euros diários.

    E só agora publicam o direito de resposta, após o PÁGINA UM pressionar a ERC para que fizesse cumprir a sua deliberação de Março passado.

    Todo este episódio é lamentavelmente revelador do estado da imprensa mainstream.

    Esta gente conspurca uma nobre profissão.

    Uma democracia não os merece. Uma democracia amadurecida não deveria suportar tê-los.

    O PÁGINA UM nasceu também por causa deste tipo de jornalismo, deste jornalismo da CNN Portugal. Porque uma má imprensa é o escalracho da Democracia: é erva daninha que, parecendo viçosa, a infesta; e deve ser arrancada para que possamos ambicionar melhores ares, uma melhor paisagem.


    TEXTO INTEGRAL DO DIREITO DE RESPOSTA PUBLICADO PELA CNN PORTUGAL EM 4 DE MAIO DE 2022

    Publicado por determinação da Deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social n.º ERC/2022/78 (DR-TV), adotada em 9 de março de 2022, nos termos do disposto no art.º 69.º da Lei n.º 27/2007, de 30 de julho

    1. Apesar de ostensivamente ser omitido na notícia da CNN Portugal “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista”, da autoria do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, alvo posteriormente de comentários/entrevista de um médico em antena a partir das 9:12 horas no dia 23 de Dezembro de 2021, em causa está um trabalho jornalístico da minha autoria — jornalista com carteira profissional (CP 1786) — publicado num órgão de comunicação social registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social sob o número 127661. O site do PÁGINA UM encontra-se no sítio https://srv700518.hstgr.cloud, e o artigo em causa está no seguinte endereço: https://srv700518.hstgr.cloud/2021/12/10/covid-19-em-criancas-zero-mortes/. O PÁGINA UM, como outros órgãos de comunicação social, possui uma página específica na rede social Facebook.
    2. Como jornalista trabalhei em órgãos de comunicação social como o semanário Expresso e Grande Reportagem, além de colaborações regulares no Diário de Notícias. Embora com um interregno de 10 anos, que agora reactivei, sempre pautei a minha actividade jornalística pelos mais elevados padrões éticos e deontológicas, e de isenção e rigor. O PÁGINA UM pauta-se por estritas regras deontológicas e de independência, tendo publicado no seu site um Código de Princípios e uma Declaração de Transparência. Possuo, além disso, e para além de formação académica diferenciada (três licenciaturas e um mestrado), formação na área em apreço, sendo até sócio aceite pela Associação Portuguesa de Epidemiologia.
    3. Qualquer acusação, explícita ou implícita, de eu e/ou o PÁGINA UM seguirmos movimentos ou grupos ditos de negacionismo em redor da pandemia é profundamente difamatório e lesivo do meu nome e do jornalismo independente.
    4. Fui, aliás, membro eleito no Sindicato dos Jornalista para o seu Conselho Deontológico no biénio 2007-2008. Conheço, reconheço e sempre coloquei em prática, com escrúpulo, todas as regras deontológicas e éticas, seguindo o interesse público. As informações que transmiti no artigo noticioso em causa são manifestamente de interesse público numa democracia.
    5. A CNN Portugal, através do seu jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino (TP886), contactou-me ontem pelo meu e-mail profissional pavieira@paginaum.pt, não podendo assim ignorar que o texto em causa era de um jornalista e de um órgão de comunicação social (PÁGINA UM), e jamais poderia, de forma difamatória e ultrajante, rotulá-la de “página negacionista”. Não lhe fiz declarações formais.
    6. A seu pedido, a jornalista da CNN Portugal Catarina Guerreiro teve também acesso, por um intermediário (que é jornalista), ao meu contacto telefónico, sabendo assim ela também que eu sou jornalista. Apesar disso, esta jornalista da CNN Portugal nunca me contactou.
    7. Não há memória, na História recente da Imprensa Portuguesa, de um órgão de comunicação social claramente independente (sem publicidade e sem parecerias comerciais) ser atacado de forma tão vil, e apelidado de “página negacionista” por um órgão de comunicação social de um importante grupo empresarial. E ser ainda acusado de propalar alegada informação falsa, ademais omitindo, intencionalmente, elementos essenciais.
    8. Como jornalista, a informação que revelei na notícia publicada agora no site do jornal PÁGINA UM é factual e fidedigna, anonimizada, cumprindo os preceitos de interesse público e de reserva da vida privada, cumprindo escrupulosamente o código deontológico dos jornalistas. Ademais, a própria Comissão Nacional de Protecção de Dados já admitiu, na notícia da CNN, que “a informação, embora detalhada do ponto de vista clínico, não parece de per si permitir identificar os titulares dos dados.” Aliás, os dados em causa são oficiais, e chegaram-me já anonimizados, podendo (e devendo até) ser divulgados publicamente, por constituírem uma base de dados, cujo acesso é previsto pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.
    9. A notícia da CNN destaca a opinião de cinco médicos que criticam a divulgação dos dados pelo PÁGINA UM, mesmo se anonimizados, entre os quais um dirigente da Ordem dos Médicos. Saliente-se que o PÁGINA UM está, neste momento, com uma queixa na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos perante a recusa da Ordem dos Médicos em ceder informação sobre um donativo da farmacêutica Merck no valor de 380.000 euros. O PÁGINA UM tem estado, também, a preparar a publicação de uma investigação sobre o financiamento de mais de seis dezenas de sociedades médicas, sendo que todas o sabem, porquanto foram atempadamente contactadas para esclarecimentos.
    10. O PÁGINA UM considera estranho que nenhum outro órgão de comunicação social, nem a Ordem dos Médicos, tenha criticado a Direcção-Geral da Saúde por revelar, na passada semana, dados clínicos sigilosos (situação vacinal) de uma jovem de Braga, esta sim perfeitamente identificada pelo nome, que sofreria de síndrome de Dravet, e que morreu com covid-19. Isso sim foi uma revelação de dados clínicos sigilosos por uma entidade estatal. O PÁGINA UM nunca revelou qualquer nome nem local de residência de crianças internadas em cuidados intensivos.
    11. Informo ainda que irei entrar com processos de difamação — crime neste caso agravado por ser cometido através da Imprensa — contra o senhor Henrique Magalhães Claudino, jornalista-estagiário da CNN Portugal, e contra os directores de informação da CNN Portugal, senhores Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho.
    12. Alerto ainda que qualquer órgão de comunicação social e/ou pessoa que divulgue os artigos acima referidos, ou que faça referências difamatórias contra mim e/ou contra o PÁGINA UM — numa tentativa vergonhosa de condicionar a liberdade de imprensa constitucionalmente defendida —, colocando em causa a minha honra e bom nome, poderá vir a ser alvo de similares processos judiciais.

    Lisboa, 23 de dezembro de 2021
    Pedro Almeida Vieira
    Diretor do PÁGINA UM

  • ‘A Humanidade cresceu com os loucos’

    ‘A Humanidade cresceu com os loucos’

    Um dos mais conhecidos psiquiatras portugueses, José Luís Pio Abreu (n. 1944) é professor emérito da Universidade de Coimbra e autor de uma multifacetada obra, onde se destaca o best-seller Como tornar-se doente mental, publicado em 2006. Mais do que uma entrevista, eis uma longa e estimulante conversa sobre normalidade, anormalidade e diversidade, sobre doenças, traumas e fobias (até de aranhas), sobre choques e eléctrodos, e sobre a pandemia, e sobre tudo o mais, que tudo cabe nas “folhas” de um jornal digital.


    Gostava de lhe lançar o desafio de falarmos da novela O alienista, do escritor brasileiro Machado de Assis. Um alienista do século XIX, como o doutor Simão Bacamarte, difere assim tanto do psiquiatra do século XXI?

    Não havia psicofármacos nem havia a Psiquiatria como é reconhecida agora. Não havia diagnósticos, por exemplo. Nós, médicos, trabalhamos fundamentalmente com o diagnóstico. Existe um conjunto de sintomas que são coerentes entre si, e que podemos detectar, e com esses sintomas criamos síndromes, que não são propriamente doenças. Em Psiquiatria não temos um marcador de qualquer doença, não existe. As doenças têm várias influências: podem ser genéticas, podem ser locais, podem ser cerebrais, podem ser culturais, podem ser familiares, podem ser traumáticas.

    Antigamente, no tempo do doutor Bacamarte, havia mais uma observação do médico e não tanto um diagnóstico clínico, certo?

    Dependia muito do psiquiatra, sim.

    E depois havia também aquelas teorias da predisposição para certos males, como o histerismo das mulheres, ou até a frenologia que associava a conformação e protuberâncias da cabeça, ou outros modelos físicos, a determinadas aptidões ou actos criminosos…

    Sim, por exemplo, considerava-se que existia uma relação entre a altura e peso. As pessoas, digamos assim, mais redondas teriam tendência às psicoses maníaco-depressivas; as pessoas mais altas teriam tendência à esquizofrenia; as pessoas mais musculadas teriam uma tendência para a epilepsia. Isso foi completamente ultrapassado, embora houvesse algumas indicações… Mas foi com [Philippe] Pinel [1745-1826] que se começou já a descrever as doenças mentais e tentar catalogá-las. E depois com [Jean-Étienne] Esquirol [1772-1840] e a seguir com todo um conjunto de psiquiatras. E depois existem dois vultos essenciais na Psiquiatria: o [Emil] Kraepelin [1856-1926] e o [Sigmund] Freud (1856-1939), que estabeleceram, por um lado, as psicoses – as psicoses maníaco-depressivas e a esquizofrenia – e, por outro lado, as diversas neuroses.

    Portanto, passamos a ter a componente de neurologia…

    O Freud considerava-se neurologista, mas de facto era fundamentalmente mais um psicólogo ou psiquiatra. Aliás, antigamente, a Neurologia estava ligada à Psiquiatria.

    Eu comecei a entrevista a falar do Doutor Simão Bacamarte do Machado de Assis porque ele também personifica o cientista que se que se enrodilha no próprio labirinto…

    Depois de ter recusado ser reitor em Coimbra… e foi para Itaguaí.

    Exacto! Enfim, ele baseou-se meramente em critérios científicos, mas errados…

    Sim. Descobre primeiro que toda a população era louca, e descobre depois que afinal não era verdade, que o único louco era ele. Hoje existe um conjunto de síndromes que são coerentes entre si, embora as causas sejam muito discutíveis. Existem vários tipos de causas; não existe propriamente uma só causa, mas conseguimos ter a noção das síndromes e dos medicamentos que podem melhorar esses quadros.

    Ainda queria falar num outro pormenor do Doutor Bacamarte e da Casa Verde, para onde ele enviou todos aqueles que não eram normais. Ele viu que, nos seus padrões, era o único normal na comunidade, o que era um paradoxo.

    Ele era normal porque era perfeito. Os outros não.

    E a questão é mesmo essa: o que para um psiquiatra é uma pessoa normal?

    Eu tenho a noção muito clara de que a normalidade é a diversidade. Somos todos diferentes uns dos outros, podemos adaptarmo-nos às circunstâncias, somos flexíveis, podemos inclusivamente transformar-nos a nós próprios. Isso é ser normal. No meu livro Como se tornar um doente mental, a questão central é exactamente essa: se alguém quiser ser doente mental não é doente mental.

    Tudo também depende das circunstâncias. Alguém me contou que um certo juiz do Supremo Tribunal de Justiça garantia que jamais, em nenhuma circunstância, seria capaz de roubar, mas o mesmo não dizia sobre matar. Ou seja, podem existir circunstâncias em que deixamos de ser normais…

    Basta ter estado na guerra. Por exemplo, se uma pessoa for considerada inimputável e praticou um crime, pode ir para um hospital, e ficar lá a vida toda se for perigoso. E o critério de perigosidade mais importante é ter matado alguém, porque uma pessoa que mata alguém entra num esquema diferente.

    Alguém que mata uma primeira vez fica com maior predisposição para matar mais vezes?

    Sim, sim. Mas depende. Numa guerra – e eu estive numa guerra; por sorte não matei ninguém, porque a minha G3 ardeu quando lá cheguei e o meu instrumento era o estetoscópio –, as pessoas matam, embora nem sempre dão conta que matam, pois não se vê o inimigo. Não matam a ver-lhe os olhos. Matar olhos nos olhos é difícil. Lançar uma granada e matar uma data de pessoas é completamente diferente.

    E isso marca indelevelmente uma pessoa…

    Marca, claro. As pessoas que estiveram numa guerra ficam sempre marcadas, mesmo se existem mecanismos para esquecer, como aliás em qualquer situação muito traumática. Vêm sempre à cabeça, em qualquer circunstância, em pesadelos ou outras manifestações.

    Os homens e mulheres sendo seres racionais afinal não são assim tão racionais. Eu costumo dizer que não há nada mais humano do que a desumanidade…

    Em certas circunstâncias, sim. Se vivemos num clima pacífico, vamos fazer a nossa vida normal; agora, se vamos para um ambiente que não é pacífico, um ambiente de guerra, ou intensamente traumático, de tráfico de droga, então as coisas são diferentes.

    O meio ambiente pode condicionar muito, certo?

    Sobretudo nas marcas que deixa. Mas o stress traumático está, neste momento, generalizado. Qualquer coisa pode ser. Ir a um hospital pode ser um stress traumático [risos].

    Tudo agora é traumático, de facto. Um filho ficar doente mostra-se traumático para os pais, sabendo-se que nunca se teve uma taxa de mortalidade infantil tão irrelevante. Não há uma exacerbação do trauma?

    Sem dúvida. Existem modos de ultrapassar, de recuperar dessas situações traumáticas. Existe o chamado processo de luto. Basicamente, baseia-se num processo de enfrentamento. Geralmente, quando as pessoas perdem alguma coisa, quando perdem alguém, ou quando têm um acidente automóvel, ou quando estão num cenário de guerra, a maneira de dessensibilizar é voltar aos mesmos locais. Agora, até através da realidade virtual, é possível. Por exemplo, entrar num local de guerra, e enfrentar a situação traumática. Resolvê-la.

    Resolvê-la de que maneira?

    Nós temos um mecanismo. Por exemplo, com os sonhos e também através da nossa descrição. Normalmente, as situações traumáticas, como numa guerra ou numa violação, são arredadas da memória. Há várias teorias fisiológicas sobre isso. Poderá ter a ver com a questão da linguagem, com o hemisfério direito e esquerdo. São situações que ficam encapsuladas, digamos assim, no hemisfério direito, que não tem acesso à descrição. Portanto, uma pessoa teve uma situação muito traumática e esqueceu; não se lembra mais, excepto às vezes, com novos pesadelos ou através de algumas atitudes disparatadas. Se uma pessoa vai a um psicólogo e se fala nelas, há possibilidade de se ter acesso à descrição, isso tem a ver com a transferência daquele “abcesso psicológico” que está no hemisfério direito, e passa para o hemisfério esquerdo, sendo traduzido em palavras ou noutros sinais. Isso ajuda.

    Mas o que é afinal ser doente mental? É algo reversível ou uma doença crónica?

    Há situações que tipicamente passam. Por exemplo, num ataque epilético, passa, mesmo que se possa repetir mais tarde.

    Estava mais a referir-me aos traumas…

    Depende. Um acidente pode resultar numa fobia, a pessoa não consegue mais andar de automóvel. Mas se a pessoa enfrentar, for conduzir depois de um acidente, aí consegue vencer aos poucos. Inicialmente, pode ter um pouco medo, mas depois consegue, geralmente, ultrapassar o trauma. É um tratamento de dessensibilização. Por exemplo, para a aracnofobia, temos várias maneiras de a resolver, com uma exposição progressiva: primeiro, desenhos; depois bonecos; a seguir, a própria aranha. Mas também há modos farmacológicos. Por exemplo, fazer uma exposição, uma imersão com aranhas, e depois tomar inderal, um betabloqueador.

    Que se deve fazer se uma pessoa tem medo de aranhas mesmo só de se falar delas?

    Depende. O problema das fobias é o evitamento; as pessoas evitam falar, evitam estar num sítio, evitam pensar, evitam estar em locais onde possam existir aranhas. E, portanto, cada vez enfrentam menos a fobia.

    Mas queria que abordasse mais a questão da doença mental. Não há uma banalização sobre o seu conceito?

    Nós temos agora o DSM [Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais] com os critérios e sintomas que definem cada uma, e que evoluiu para uma “psiquiatrização” de quase tudo por influência dos psicólogos.

    Mas afinal o que é uma doença mental? Porque uma coisa é um trauma e outra uma doença, não? Pode ter-se um trauma e ir a um psiquiatra, mas isso não o faz um doente mental…

    Não. Ele pode é ter outros sintomas que, na maior parte das vezes, nem relacionamos com o trauma. Podem ser fobias, podem ser perturbações dissociativas, etc,,

    E não há aqui também um jogo de palavras? E há depois os estigmas. Há uns anos, alguém com problemas mentais era um doido e era metido num manicómio; agora é um doente mental e é tratado num hospital psiquiátrico…

    Bom, alguém que vem a um psiquiatra para se tratar não é um doente mental, porque tem consciência do seu estado [risos].

    Então agora é mais o psiquiatra que vai à procura dos doentes?

    Também não é assim. Evidentemente, perante um crime ou um comportamento que ameaça o património pessoal ou material, pode suceder um internamento compulsivo. Antes resolvia-se com os enfermeiros a apanharem uma pessoa dentro de um cobertor e internavam-na. Agora, existem métodos legais para internamentos compulsivos e juntas psiquiátricas que determinam se se justifica ou não o internamento. Até porque existem situações de filhos zangados com os pais que tentam interná-los, por isso existem essas juntas. Além disso, os internamentos compulsivos são para doença diagnosticada e tratável.

    Como se combate o estigma da doença mental, mesmo se já não tão significativa como há algumas décadas?

    Uma das melhores maneiras é através de pessoas conhecidas que assumem essa doença, que escrevem livros e falam em programas de televisão. Isso tem acontecido ultimamente. Há muita gente a assumir, por exemplo, que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo. Com psicoses também, e o mesmo com transtorno bipolar. E o estigma assim fica mesmo menor. Até porque essas pessoas são notáveis, com capacidades notáveis. Aliás, há pouco estávamos a falar de doenças tratáveis, mas, por exemplo, temos o autismo, que tem provavelmente uma forte componente genética. Pode-se, neste caso, reabilitar, aumentar a capacidade de falar, de estar com outras pessoas, mas não é tratável. Mas há pessoas célebres nesta condição, que são super-inteligentes, que escreveram livros sobre o seu quadro, o que ajudou a combater o estigma.

    Não se pode dizer então que o autismo venha a ter cura…

    Há autismos profundos, e há outros que se podem reabilitar, com medicação. Mas não podemos dizer que curámos o autismo. Provavelmente, a reabilitação será o futuro da psiquiatria.

    Existe a ideia de que o psiquiatra é uma pessoa que receita sobretudo medicamentos, enquanto um psicólogo receita palavras. São profissões muito diferentes?

    Diria que são muito complementares. O psiquiatra tem de saber de Psicologia e de Psicoterapia. Não faz mal nenhum ao psicólogo que tenha uma noção dos quadros psiquiátricos, pelo menos se tiver que mandar alguém para um médico.

    É normal que lhe chegue um doente vindo de um psicólogo ou concluir que afinal alguém que atende precisaria mais de um psicólogo?

    Sim, por vezes enviam. E eu, por vezes, não ultrapasso a Psicologia. Há pessoas que, por vezes, não querem tomar medicamentos, e que conseguem resolver os seus problemas. Mas também os fármacos seguem agora também formas mais naturais, pode ser mesmo uma dieta. Por exemplo, observa-se isso no caso da serotonina.

    Portanto, um psiquiatra acaba também por necessitar de conhecimentos de nutricionismo.

    Não há nada que não tenhamos de saber, até Filosofia.

    Quando começou a exercer Psiquiatria, julgo que ainda na década de 60, ainda estava muito em voga o uso dos electrochoques e métodos mais invasivos. Hoje estamos na era dos psicofármacos…

    Olhe, mas para certas afecções, um dos tratamentos mais eficazes são os electrochoques, que são uma espécie de reset, como se faz com um computador para que volte a funcionar correctamente. O cérebro é a mesma coisa: por vezes, pode ser desligado para reiniciar, sincronizado, para voltar a funcionar em modo normal.

    Mas isso é feito com mais Ciência do que era nos anos 50 ou 60 do século passado, não?

    Continua a ser um tratamento empírico. Tal como se faz também com a magnetoterapia. Há campos magnéticos que podem fazer aumentar a actividade cerebral em determinadas zonas. E existe também a possibilidade de implantar elétrodos muito finos, não lesivos, em determinadas zonas do córtex, e as pessoas mudam completamente de estado mental. Em casos muito graves de perturbações obsessivo-compulsivas ou para a doença de Parkinson, pode funcionar.

    Mas já não estamos a falar de electrochoques como se viam nos filmes…

    No electrochoque há um reset, cria-se uma “tempestade” cerebral, e a pessoa entra num estado passivo em que recupera sem os “curto-circuitos”. Na psico-cirurgia, com os eléctrodos, é tudo bem controlado, com recurso também à imagiologia, e depois variações na frequência de impulsos, vai-se observando até chegar aos melhores efeitos.

    José Luís Pinto Abreu com José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal de Coimbra e antigo bastonário da Ordem dos Médicos.

    Em todo o caso, estamos agora numa era dos psicofármacos.

    Eu diria antes que estamos ainda numa fase de uso psicofármacos. Mas atenção, o problema de uma depressão por uma perda não melhora com antidepressivos, mas sim com psicoterapia. Agora, há psicofármacos com efeito imediato, como por exemplo os neurolépticos. Há injecções que têm uma duração de três meses, e as pessoas passam a ter uma vida normal.

    Porém, por exemplo, hoje parece que se prescreve um psicofármaco com a maior das facilidades… Veja-se o caso da Ritalina (metilfenidato).

    A Ritalina funciona para as crianças que têm uma síndrome de hiper-actividade grave, que não conseguem estar quietas e não conseguem aproveitamento escolar. Aquilo que convém saber é o que pode acontecer a esses jovens quando tiverem 18, 19, 20 anos. Se vão continuar a tomar. Curiosamente, muitas mães, neste processo, descobriam que também tinham esta síndrome, e começam também a tomar.  Aí há claramente um exagero. Mas se houver uma dosagem cuidadosa, não há efeitos adversos.

    Há pouco falávamos sobre o que era normal e falou-se que a normalidade é diversidade. Ora, mas ao “normalizarmos” as pessoas todas, não estaremos a perder algo? Não é a parte anormal que faz surgir os génios? A Humanidade evoluiu com os normais ou com os anormais?

    A Humanidade cresceu com os loucos. Há uma autora [Kay Redfield Jamison] que teve psicose maníaco-depressiva, perturbação bipolar, e que conta num livro [Uma mente inquieta] como evoluiu quando começou a tomar lítio, que é uma substância muito simples que melhora imenso a perturbação bipolar. E ela tem um livro onde exactamente demonstra que todos os grandes génios do século XX – portanto, as pessoas sobre as quais assenta a nossa cultura – eram bipolares, com psicose maníaco-depressiva.

    Daí o perigo de “normalizarmos” tudo…

    Podemos acabar com a criatividade, por exemplo.

    Isso. Porque uma coisa é melhorarmos o estado de uma pessoa para que não faça mal a si ou a outrem; outra, é poder-se condicionar alguém só porque não está com atenção às aulas…

    O próprio Einstein não tinha boas notas.

    Pois, e quando agimos sobre um adolescente para melhorar o seu desempenho, e dizemos que ficou normal, o que é que isso significa? Ficou normal para sempre, para ter uma vida banal para sempre?

    Quer dizer, há pessoas que têm vidas normais, banais, que têm família. E depois há outras que ultrapassam isso, que são grandes criadores, têm uma vida superior.

    Portanto, o psiquiatra não estará a matar a criatividade?

    [pausa] Em princípio, não, porque os criativos não vão ao psiquiatra [risos]. Agora, a sério, ao contrário do que as pessoas pensam, geralmente tomar psicofármacos não é para a vida toda. As pessoas têm capacidade de melhorar e de se reabilitarem. Há um paradigma completamente diferente. Os neurónios estão constantemente a renovar-se. Até em idades tardias. Isso sabe-se agora. Dantes não se sabia, pensava-se que a cada momento se perdiam neurónios. Sabe-se agora que os neurónios criam novas sinapses, reaparecerem, e isso abre um mundo completamente diferente, que é a reabilitação. Por isso é que eu foco muito na história da reabilitação.

    Falemos agora da pandemia. E sobretudo do medo. Em muitas fases, as pessoas ficaram com tanto medo da covid-19 que, sentindo sintomas graves de uma outra doença aguda, não iam ao hospital, fugiam do único sítio que as poderia salvar…

    O medo leva a duas reacções: ou à fuga ou o ataque. E também a paralisia que pode ser um grau extremo do medo, a pessoa desmaia e, por vezes, salva a vida por isso. Na verdade, o medo serve para nos salvar a vida, para nos defendermos ou para atacar. Um problema é quando atacamos quando nos poderíamos defender – e entramos em paranóia –, e um outro é quando fugimos quando devemos atacar. Por exemplo, podemos eliminar facilmente uma aranha ou um rato, mas muita gente foge, quando devia enfrentar. E ficam fóbicas. Por exemplo, os hipocondríacos evitam análises e idas ao médico, por medo, e depois ficam a sofrer das doenças. As patologias mentais têm um círculo vicioso: a doença é a causa da própria doença.

    Durante a pandemia, a morte surgiu sempre omnipresente, sempre e em qualquer circunstância…

    Por exemplo, eu posso ter medo de um animal, ou de alguém que entre aqui, um ladrão. Eu posso fugir ou paralisar. Ou até enfrentá-lo, eventualmente. Agora o problema é se eu tenho medo de uma coisa que está dentro de mim, no meu coração, se eu tenho medo do meu coração bater, eu não posso fugir. E quanto mais o coração bate, mais medo eu tenho; e quanto mais medo tenho, mais o coração bate. É um circulo vicioso, que dá um ataque de pânico.

    O medo pode ser a génese de uma doença mental?

    É, sobretudo das perturbações fóbicas e, às vezes, paranóides, que é o que está acontecer neste momento. As pessoas vivem com muito medo, estão a fazer paranóias, fobias, ansiedades, ataques de pânico.

    E notou um aumento desse fenómeno durante a pandemia?

    Sim, sim. Aliás, o chamado discurso do ódio, que existe nas redes sociais, não é só uma paranóia. As pessoas já não ouvem, já não argumentam, já não dialogam. Acham que aquele é o inimigo, e estão sempre a atacar o inimigo. Há uma altura em que as pessoas já estão a ver o inimigo em todas as outras. E depois o inimigo avoluma-se, de modo que chegamos à rua e somos capazes de ver outra pessoa e temos medo dela. E fugimos.

    A máscara, sobretudo, não ajudou, porque se tornou o símbolo da doença e do outro como alguém que nos pode infectar, causar mal, não é?

    Exactamente. A máscara, a fuga, o isolamento e depois a forma de funcionamento das redes sociais, com aquelas mensagens sem contexto e sem comunicação interpessoal. Cerca de 60% da nossa comunicação é não-verbal, através do tom de voz, dos gestos, do olhar, da presença. Quer dizer, todo o nosso corpo é comunicativo. Num texto, se as mensagens são descontextualizadas, podemos interpretar erradamente, de acordo com aquilo que nós pensamos ou com um pré-conceito. E aí começamos a entrar numa desconfiança mútua e em agressividade social.

    E que me diz da comunicação social e das mensagens da Direcção-Geral da Saúde (DGS) durante a pandemia?

    Agora, a DGS já não tem tantas mensagens, porque temos a guerra [da Ucrânia]. As televisões usaram muita estimulação emocional terrível, sempre a passar imagens trágicas, permanentemente, várias vezes ao dia, e com imagens por vezes antigas. As pessoas ficam mais impressionadas com as imagens do que com aquilo que verdadeiramente está a acontecer.

    E depois tivemos números descontextualizados, não-padronizados, sem ter em consideração o risco. E as pessoas olharam para esta doença como se fosse pior do que o cancro há umas décadas…

    Sim, sim. O vírus era visto como se fosse uma pessoa com uma espingarda pronta a disparar.

    Não deveria ter havido outra postura da classe médica?

    Eu acho que a classe médica também ficou com medo, porque são pessoas. E também não sabiam o que fazer, e também foram influenciadas por aquilo que aconteceu na Itália, por aquilo que era transmitido pelas televisões. E começaram a ficar também com medo, a tomar medidas desesperadas, e, por vezes, contraproducentes, como, por exemplo, a ventilação excessiva, ou o uso de alguns medicamentos que não funcionavam.

    Compreende-se que ao longo dos primeiros meses essa postura tivesse ocorrido, mas depois soube-se que existia um padrão evidente, de um maior risco em função da idade e das comorbilidades. Mas deixou-se de raciocinar, e introduziram-se medidas e mais medidas, e os certificados digitais e a discriminação de quem não se vacinava…

    ,,, como se fosse a estrela de David.

    Sendo a sociedade uma “mente colectiva”, como a viu um psiquiatra durante a pandemia?

    É incompreensível. Nós víamos as mortes diárias por covid-19, mas não as víamos para as outras doenças. Se a DGS divulgasse antes da pandemia as mortes por pneumonia por dia e em todo o lado, provavelmente ficaríamos com medo.

    Sem dúvida. Houve períodos, sobretudo no Inverno de 2020-2021, que houve muitas mais mortes causadas pelo SARS-CoV-2, mas houve outros em que as mortes por covid-19 se equiparam às das pneumonias antes da pandemia. A questão, enfim, é saber o que aconteceu a este “ente colectivo”, à sociedade para se ter comportado como comportou…

    Não sei. Terá sido a falta de audiência das televisões? [risos] Não faço ideia. Acho que é tema para os sociólogos. Mas atenção, quando há pouco falava da classe médica, convém dizer que não é a classe médica; são alguns médicos que, de uma maneira ou de outra, se tornaram representativos. E o problema é a própria representação. Alguns que não tinham nada a ver com o assunto, e através de fóruns, tomaram um epíteto para si, como médico humanista ou coisas desse género [risos]. E por aí tornaram-se representativos, como os influencers. Uma pessoa que diz barbaridades acaba, por vezes, de ser mais visto do que quem não diz barbaridades. A notícia não é o cão que mordeu o homem.

    Não notou também que há uma certa radicalização na própria convivência entre opiniões diversas? Tudo o que divergia da narrativa oficial durante a pandemia era negacionista. E agora, no caso da Guerra da Ucrânia, se houver um “mas” é-se putinista… O que é que está a acontecer?

    Há uma polarização. Basta, aliás, olhar para as recentes eleições. As pessoas estão insatisfeitas, as pessoas estão mal. Percebem que a vida vai ficar pior, têm pouca esperança. E lutam, lutam. Lutam contra alguém que esteja à mão.

    Que sociedade vamos ter depois “disto”? Depois do fim de tudo “isto”? E no pressuposto esperançoso de que “isto” vai ter um fim…

    Não lhe sei responder. Mas tudo está a mudar.

    Vamos ter mais doentes mentais?

    Não necessariamente. Os valores religiosos, patrióticos ou familiares sempre foram baseados em narrativas. E neste momento deixou de haver narrativas, são muito aleatórias.

    Voltando ao fim da pandemia. Acha que as pessoas vão, por exemplo, abandonar rapidamente as máscaras?

    Os comportamentos sociais são muito imitativos. Isto vai ser como acontecia em Roma. Quem tiver uma vida de romano, quem se vestir como um romano e se comportar como um romano, então é um romano.

    Mas se a maioria continuar a usar porque a maioria usa, nunca mais nos livraríamos então das máscaras.

    Há-de haver um dia em que a maioria não usa, e então há uns tolinhos que a usam.

    A mais recente obra de Pio Abreu, publicada em Setembro de 2021.

    Ou seja, tudo isto acaba, enfim, por não ter qualquer lógica… Bom, mas queria ainda falar-lhe da capacidade da mente. Recentemente, estive em coma induzido, e não tenho dúvida alguma sobre as memórias que tive desse período. Por aquilo que vivenciei, como se fosse realidade, leva-me a perguntar-lhe: a mente está acordada mesmo se estamos em coma?

    A questão está em saber o que é a mente. Estive recentemente num congresso sobre essa temática, e que tem a ver com o tempo e o espaço. O problema é saber se a realidade é real. Se aquilo com que nós lidamos está aqui ou não, se é real. Nós podemos estar a sonhar, ou podemos estar com os olhos fechados, e começamos a dormitar, e estamos aqui e estamos noutro lugar. Quem tem alucinações está fora da realidade, é psicose. Na minha perspectiva, realidade é o que opõe resistência. Portanto, se eu for aqui a andar e atravessar as paredes, e continuar por aí fora, eu estou fora da realidade. Se eu bater com a cabeça na parede, então é a realidade. De algum modo, a realidade é o que nos causa sofrimento.

    É algo físico…

    Sim, mas também tem a ver com pontos de referência que precisamos para nos enquadrarmos com a realidade, que é: quem, onde e quando. Referências pessoais – sou eu ou outra pessoa. Se mudarem as referências sociais, eu deixo de ser eu, e está lá o outro, e isso é patológico. O quando refere-se ao tempo, se é de manhã ou noite, e podem-se perder em situações de isolamento. E o onde refere-se ao espaço, que tem a ver também com o toque, com o mexer, com os sentidos.

    Um bom actor então é aquele que consegue mudar esses pontos de referência…

    Sim. Um actor incorpora outros eus. Mas um actor tem de entrar nesse papel, mas depois voltar a si próprio.

    Não tenho a experiência de actor, mas tenho de escritor de romances, em que se cria e recriam personagens e nos incorporamos nelas.

    Isso acontece até quando lemos um romance ou vemos um filme, entramos noutra dimensão. Nós somos aqueles personagens.

    Voltando ainda ao coma. Tenho a percepção que, realidade ou não, o meu cérebro vivenciou algo forte. Ou seja, que a mente continua a trabalhar…

    Sim, sim. É sabido que as pessoas mesmo em coma continuam a funcionar, e por vezes ouvem. E por isso colocam-se questões éticas na relação que se tem com o doente.

    Mas não há uma vivência da realidade, pelo que depreendo do que diz. Na verdade, raramente tive a percepção de estar em sofrimento, imóvel e com incapacidade de comunicar…

    Às vezes as pessoas até têm a percepção de estarem no tecto a olharem para si próprias. Chama-se autoscopia. Podem viajar. Mas sobre o sofrimento, depende também dos medicamentos que esteja a tomar. Por exemplo, agora, em situações terminais está a utilizar-se até o LSD que provocam estados alucinatórios ou experiências fora de si próprias, com bons resultados.

    E o que acontece com as pessoas que estão em coma profundo e, de repente, passados anos, acordam?

    A pessoa fica a saber quem é, em que tempo está e onde está.

    Mas quem é que ligou o “interruptor” para a fazer ter consciência da realidade? É que aquilo não é um processo gradual; é repentino…

    É como acordar. Implica abrir os olhos, tocar e pôr os sentidos a funcionar. Implica ligar os sentidos ao mundo exterior. Há zonas do cérebro específicas que lidam com o mundo exterior e outras com o mundo interior. A parte interna, em ambos os hemisférios, lida com o mundo interior, com as nossas lembranças, com o nosso passado. E isso já se observa com imagiologia.

    Pedro Almeida Vieira e José Luís Pio Abreu

    Há pouco tempo, numa entrevista, explicou as diferenças entre Cirurgia, Medicina Clínica e Psiquiatria, sendo que este último ramo, além da parte física e dos fluídos, estudava a mente. Portanto, estudando a Psiquiatria os Fluídos, a Física e a Mente, o que é então afinal isto, a Vida, e sobretudo a Vida Humana?

    Eu costumo dizer que o corpo está no espaço, é uma coisa concreta. A vida está no tempo. A vida é o tempo que o corpo dura e evolui, se muda, até desaparecer. O cérebro, que os neurologistas estudam, está no espaço. E a mente está no tempo. A mente é equivalente à vida, mas tem a ver com o cérebro e o sistema nervoso central.

    Significa que se conseguirmos invernar um corpo por algum tempo…

    … mas há corpos invernados.

    No futuro, então pode ser possível escolher viver uns anos no século XXI, mais uns no século XXII, e por aí fora?

    Essa possibilidade existe. Há corpos invernados nos Estados Unidos. Antes de morrerem as pessoas decidiram entrar num processo de hibernação, geralmente pessoas doentes com esperança de encontrarem cura no futuro. Há coisas levadas da breca como a clonagem. Há animais clonados. Vamos para a clonagem de humanos, sim ou não? Essa é uma questão muito complexa, como sabemos… Dantes, falávamos da reencarnação da alma – e há religiões que acreditam –, e na verdade, tecnicamente é possível, não a reencarnação da alma, mas a reanimação do corpo. Um corpo igual ao nosso, mas com uma cultura completamente diferente.

    Mas se nascesse um clone de mim, eu teria o mesmo timbre de voz, o mesmo raciocínio? Quem seria o outro eu?

    Para já, o timbre de voz tem a ver com audição e a imitação dos outros. Mas os pensamentos seriam outros.

    Mas esse meu novo eu não teria consciência de mim, do original?

    Penso que não, mas aí nunca se sabe [riso]. Bom, agora fazem regressões até à idade infantil, através de hipnose…

    Eu sei que a hipnose é usada em Psiquiatria, e é reconhecida. Mas há quem use hipnose para indagar sobre supostas vidas passadas. Qual a sua opinião sobre isso?

    Acho que é pura sugestão, mas tenho colegas meus, psiquiatras, que acreditam sinceramente que tivemos vidas passadas. É um pouco como o budismo. Eu sou extremamente crítico, e acho que temos de ter os pés assentes no chão. Mas o acreditar que há alguma coisa depois da morte dá uma tranquilidade imensa.

    Se soubéssemos que viveríamos mais vezes, se calhar levávamos a vida de forma completamente diferente…

    Sim, mas os budistas acreditam que a vida é sofrimento, e que a última reencarnação é a libertação total, já não é vida.

    É possível cientificamente que um dia se chegue a saber se isso é verdade ou é uma patranha?

    A única coisa que se pode dizer é que, confirmando-se a existência de vidas passadas, nunca a maneira de ser seria a mesma.

    Fotos da entrevista: António Honório Monteiro

  • A desinformação só não existe em sistemas não-democráticos; portanto: Viva a Desinformação!

    A desinformação só não existe em sistemas não-democráticos; portanto: Viva a Desinformação!


    A desinformação é uma externalidade negativa da democracia, prejudicial para as sociedades. Mas também é um indicador da saúde de uma democracia. A sua existência, visível e “palpável”, indicia que a democracia existe. E a sua existência é benéfica para as sociedades.

    Explico melhor: a desinformação – sendo um desvio da verdade e da realidade – advém exclusivamente da possibilidade de existir liberdade de expressão e informação livre, e estas só podem ser concebidas numa democracia. Sem liberdade não existe diversidade de opinião; sem diversidade de opinião, não existe possibilidades de alcançarmos a verdade, que nem sempre é óbvia, nem sempre surge pelo caminho mais fácil e comummente observável.

    Basta-nos hoje olhar para a verdade em torno da teoria heliocêntrica: se acreditamos agora que a Terra roda à volta do Sol, e não o contrário, não é porque a esmagadora maioria de nós confirmou esse fenómeno (pelo contrário, o Sol aparentemente move-se de este para oeste), mas sim porque houve provas científicas que o comprovaram e, embora demorando séculos e séculos, se inculcaram como Verdade.

    man in black crew neck shirt with red and white face paint

    A dificuldade que essa Verdade teve em se impor deveu-se exactamente à ausência de liberdade de expressão e de informação livre; à ausência de um sistema democrático livre. De facto, a teoria heliocêntrica de Galileu foi, em tempos, considerada uma heresia, uma falsidade. Nem sequer era desinformação, porque nem poderia circular. Não tinha sequer existência.

    Actualmente, em países como a Coreia do Norte, a China, mesmo na Rússia, e em muitas outras partes do Mundo, a desinformação continua a não existir. Existe sim um controlo estatal ou institucional que impõe uma verdade única e absoluta: essa é a “informação”, inquestionável, dogmática, a qual pouco importa se se sustém sobre a realidade. A “informação” oficial sobrepõe-se à realidade; impõe-se perante a realidade; molda a realidade em si mesma.

    Ora, nesta linha de raciocínio, conclui-se que num sistema político que bloqueie a liberdade de expressão e de circulação de ideias não existe desinformação, porque, não havendo essa necessária liberdade democrática, não há lugar a “segundas opiniões”. A mentira (associada à desinformação, mas feita pelo poder), sendo imposta, passa a “verdade oficial”, logo é “informação”. E, perante isso, a realidade molda-se, e a verdade (e a realidade) arrisca-se a poder ser, numa bitola independente, a “desinformação”.   

    Contudo, na verdade – e perdoem-me o pleonasmo –, mesmo em sistemas democráticos a verdade tem vindo a arriscar surgir como uma imposição. Alguma verdade já não se plasma apenas com argumentos científicos, empíricos, etc.. Começa já a ser manipulada pelos poderes políticos, financeiros, económicos, por lobbies, por clubites.

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    Com a falácia de a “desinformação” ser agora um “bicho-papão” disseminado e incontrolável nas redes sociais, temos agora falsos arautos da democracia, até de cravo na lapela no 25 de Abril, a defender de forma tenaz, e com uma tenaz, uma linha, uma narrativa, uma orientação por vezes normativa para constranger alguém ou um grupo de assumir, sem sofrer um qualquer grau de censura, uma qualquer posição contrária.

    Vimos isso durante a pandemia.

    Vemos isso durante a Guerra da Ucrânia.

    Temo que vejamos isso nos tempos futuros, em outras circunstâncias e eventos, pelas marcas indeléveis que pandemia e Guerra da Ucrânia deixarão mesmo nas sociedades mais desenvolvidas.

    Caminhamos, sem nos apercebermos, para uma democracia distópica. Para uma democracia em que todas as nossas opiniões são bem-vindas desde que não colidam com temas sensíveis, mas se houver temas sensíveis, mediáticos e mediatizados até ao supremo absurdo, então passará a haver uma obrigação de opinar, embora apenas para dizer amén: sofreremos censura se discordarmos, se dissermos um simples “mas”, e até se calhar se quisermos não dar a opinião. Até o silêncio passará a ser suspeito.

    Mesmo correndo eu o risco de, escrevendo nos dias de hoje este simples texto, ser apelidado de um sem-número de epítetos por qualquer pessoa com a quarta classe e opiniões obtidas por osmose de um qualquer Rodrigo Guedes de Carvalho, não posso deixar de defender a existência da desinformação.

    Viva a desinformação, deverei gritar mesmo, porque ela é e será o principal sintoma da existência da democracia. E sobretudo, porque não quero correr o risco de termos um qualquer Galileu no século XXI que seja censurado e obrigado a abjurar porque as suas teses são contrárias a uma imposta narrativa oficial.

    Mas estou eu a defender que a desinformação é bem-vinda?

    Claro que não. Apenas que ela é intrinsecamente humana. É uma decorrência da democracia, da liberdade. Basta conhecer um pouco de História, ler alguns livros antigos, para constatar a existência de montanhas de mentiras e cordilheiras de absurdos, em muitos casos vistos e tidos como verdades na época, e por vezes sem maldade, mas apenas por ignorância. E boatos, rumores, balelas, atoardas e rumorejos sempre existiram antes sequer do surgimento da comunicação social ou das redes sociais.

    Aquilo que estou a defender é que não se elimina a desinformação com medidas anti-democráticas, com o silenciamento, com a censura, com a discriminação de pessoas ou grupos com pensamentos diferentes (mesmo se aparentemente obtusos), porque, parecendo à primeira vista benéfico, traz consequências terríveis a curto e a longo prazo.

    Não se pode correr o risco de a censura errar. Ou não podemos correr o risco de dar o poder da censura a ninguém, mesmo a alguém que jure a pés junto que é democrata.

    Aliás, um democrata que aceite um “bastão“ da Censura, que se assuma “bastonário da Verdade”, deixa automaticamente de ser um democrata.

    Em sistemas democráticos temos de saber conviver com a inconveniência da desinformação, da mentira, do logro, enquanto fazemos esforços para amenizar os seus efeitos nefastos, encontrando “medicamentos” para eliminar umas quantas “variantes”, mas sabendo que outras surgirão.

    selective focus photography of iPhone on MacBook

    Esses “medicamentos” passam pela Educação, pela informação, pela transparência da Administração Pública, pelo debate, pela argumentação, pela Ciência. Nunca por uma lei, nunca por um algoritmo, nunca pela censura.

    Na verdade, nunca eliminaremos a desinformação enquanto tivermos democracia. No momento em que alguém gritar, satisfeito, que acabámos com a desinformação, estará a congratular-se com o fim da democracia.

    Não caiamos, por isso, na tentação de considerar legítimo que algoritmos em computadores remotos ou em clouds censurem a suposta desinformação, que empresas privadas pré-censurem ou “expulsem” da comunidade aqueles que mentem, aqueles que enganam, aqueles que produzem discursos de ódios e de violência.

    Para esses, antes das redes sociais, antes das empresas como o Facebook ou o Twitter, existe um poder disciplinador e regulador: a Justiça. Não tem meios para os novos desafios? Que seja: forneçam-se. Não deixemos essa função social, que deve ser rápida e eficaz, mas moderada, aos algoritmos e às empresas privadas. Essas são funções que foram acometidas à Justiça pelos cidadãos de uma democracia. Não se privatizam nem se “desumanizam”.

    Mas, além disto, para lutar contra a desinformação em sociedades democráticas – nas outras, a questão coloca-se mais a montante: encontrar mecanismos para as tornar democráticas primeiro –, a comunicação social deve assumir o seu papel de regulador e de árbitro, com base em legitimidade assente na confiança.

    Porém, tem a imprensa aí falhado rotundamente nos últimos anos. Não apenas porque a sua independência (financeira, ética, etc.) há muito se questiona já, o que coloca em causa o seu papel de árbitro da verdade, por falta de credibilidade. Mas sobretudo porque deixou de questionar, de pressionar, de exigir justificações. E, em muitos casos, passou mesmo a ser adepta fervorosa de formas de censura. E a praticá-la.

    Por isso, quando leio, como crocodilos lacrimejantes, certos jornalistas queixarem-se da desinformação e a defenderem regras censórias, dá-me vontade de os mandar a um certo sítio.

  • Nova fase, mesmos objectivos: a independência do PÁGINA UM que depende(rá) dos leitores

    Nova fase, mesmos objectivos: a independência do PÁGINA UM que depende(rá) dos leitores


    A génese do PÁGINA UM foi fruto de um desafio, em Outubro do ano passado: saber se seria possível confiar-se num antigo jornalista – “inactivo” durante uma década e sem rede de influências, mesmo tendo passado por alguns dos mais importantes órgãos de comunicação social – para sozinho, ou praticamente sozinho, “refundar” a imagem do jornalismo como um dos pilares da democracia em Portugal.

    Poderia – e poderá – ser presunção considerar que um só jornalista, um só jornal, ainda mais sem um grupo económico na sua base, tenha capacidade para mudar alguma coisa.

    Porém, algo que a pandemia veio confirmar nos últimos dois anos, foi a crise estrutural – de preparação, de valores, de ética – da comunicação mainstream em Portugal. E não apenas em Portugal. E, nessa medida, sempre acreditei que, perante este “estado de coisas”, seria possível uma só pessoa fazer a diferença.

    Porém, quando se diz que uma só pessoa pode fazer a diferença, fica subentendido que a sua acção pressupõe mais acções (ou reacções).

    Pedro Almeida Vieira, Bartolomeu Costa Macedo, Rita Pinto Coelho de Aguiar, Luís Gomes e Nuno André, sócios da Página Um, Lda.

    E o PÁGINA UM tem sido isso: um fluxo de acções e reacções.

    Em 21 de Dezembro, cerca de dois meses após esse apelo de Outubro, o PÁGINA UM nasceu como jornal digital registado como jornal digital na Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Tinha já uma pequena redacção e sede em pleno Bairro Alto, começava a levantar muitos assuntos incómodos e a escrever sem temores nem reverências.

    E sobretudo tinha, tem e terá no seu ADN a “sequência genética” de uma independência inquestionável: um jornal sem publicidade, sem parcerias comerciais e apenas dependente dos apoios pontuais ou regulares dos seus leitores.

    Em quatro meses de existência, o PÁGINA UM tem tentado demonstrar que é um jornal diferente, incomodativo, intransigente na defesa dos valores democráticos e da transparência. Não tememos incomodar.

    E, por esses motivos, temos feito exigências de informação que outros órgãos de comunicação social não arriscam fazer (porque perderam os seus valores).

    Por esses motivos, temos agora – e muito graças aos leitores – uma linha estratégica de obtenção de informação através dos processos de intimação no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO financiado por apoiantes individuais.

    Começámos logo com um processo contra o Conselho Superior da Magistratura para mostrarmos que confiamos na Justiça, mas sabendo que os mecanismos da Justiça devem também ser escrutinados numa democracia. E seguimos com outro sobre o Infarmed. E haverá mais, incluindo a Direcção-Geral da Saúde, um caso crónico e doentio de intolerável falta de transparência.

    E sabemos que seremos atacados por essa independência, como já sucedeu. E como vai suceder ainda mais.

     Para o crescimento e consolidação do PÁGINA UM – para que consiga dar um salto qualitativo e quantitativo, assente nos seus princípios de “jornalismo independente dependente dos leitores” – foi decidido que seria mais adequado constituir uma estrutura minimamente profissional para o jornal, mas cumprindo o Código de Princípios que então assumi perante os leitores e apoiantes: “até Junho de 2022, e tendo em consideração a sua evolução, comprometo-me a definir um modelo mais empresarial para o PÁGINA UM. Caso a solução encontrada seja a constituição de uma empresa, em nenhuma circunstância terei uma posição minoritária. A minha posição dominante no PÁGINA UM é um bem inalienável.”

    Ontem foi dado esse passo.

    O PÁGINA UM passará, no futuro, a ser gerido por uma pequena empresa denominada PÁGINA UM, Lda., com um capital social de 10.000 euros, e que me terá como sócio maioritário (70%). Os outros 30% do capital social estão distribuídos por Bartolomeu Costa Macedo (10%) Rita Pinto Coelho de Aguiar (10%), Luís Gomes (5%) e Nuno André (5%).

    Luís Gomes é um dos colunistas habituais do PÁGINA UM.

    Nuno André é um dos jornalistas “residentes” do PÁGINA UM, e do qual podem esperar, muito em breve, interessantes novidades.

    O Bartolomeu e a Rita são duas das pessoas que acolheram o PÁGINA UM desde o seu início, ainda como projecto embrionário, permitindo que pudesse ter um espaço físico para a sua consolidação em pleno coração de Lisboa.

    No futuro entrarão novos sócios, sempre com posições simbólicas, e uma garantia: enquanto eu estiver a dinamizar o PÁGINA UM, serei o seu sócio maioritário, como um pilar do desafio inicial de Outubro de 2021.

    Não esquecerei as circunstâncias especiais do nascimento deste projecto nem os apoios que me foram concedidos.

    Apesar da criação desta estrutura empresarial do PÁGINA UM continuará a viver do apoio dos seus leitores, mais ainda pela abertura das notícias mesmo para quem não o apoie.

    Mas isso vai exigir um esforço suplementar dos leitores que desejam um jornalismo independente.

    Neste momento, os recursos financeiros do PÁGINA UM são extremamente escassos, e não permitem mais do que até agora, e com um esforço pessoal que dificilmente tem sustentabilidade no futuro neste nível de exigência.

    Contamos, por isso, agora que teremos uma estrutura mais dinâmica, que os apoiantes do PÁGINA UM vejam no jornal uma aposta num projecto (ainda mais) sério, credível, consolidado mas também com os meios financeiros que lhe permita um desafogo para mais e novas lutas.

    O nosso lema é e será sempre “PÁGINA UM: o jornalismo independente DEPENDE dos leitores”.

    E isto para nós, para mim, significa que se o PÁGINA UM deixar de poder depender apenas dos leitores, porque não há um número suficiente, então preferiremos desaparecer. Ou, pelo menos, eu decidirei sair do projecto.

    Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM e sócio maioritário da PÁGINA UM, Lda.

    Nota: Quando diversos trâmites burocráticos forem concluídos, será publicada a escritura do PÁGINA UM, Lda.. Em todo o caso, esta alteração obrigará, dentro dos prazos estabelecidos, a alterar o registo do PÁGINA UM na ERC, o que implicará posteriormente o cumprimento de normas mais rígidas do que aqueles que existiam para um projecto editorial em nome individual.