Autor: Pedro Almeida Vieira e Maria Afonso Peixoto

  • Quem dá a cara pelo Reignite Freedom, o movimento contra o Clube de Bilderberg?

    Quem dá a cara pelo Reignite Freedom, o movimento contra o Clube de Bilderberg?

    As manifestações globais começam a viralizar, mas também são alvo de ataques na imprensa mainstream, que acusa os seus promotores de serem o “braço” popular de grupos de direita conservadora e mesmo de extrema-direita, congregando também anti-vacinas e teóricos da conspiração. Será assim? O PÁGINA UM apresenta os perfis dos 11 principais promotores do Reignite Freedom, um dos movimentos mais dinâmicos, e que organizou este sábado uma manifestação em Lisboa por causa da reunião do Clube de Bilderberg.


    “We are many, we are united, we are ready” [nós somos muitos, nós estamos unidos; nós estamos prontos] – este é o lema da manifestação de protesto do movimento Reignite Freedom que hoje se realiza em Lisboa, integrado num movimento mais alargado, o Global Walkout, nascido no ano passado protagonizado pela activista australiana Monica Smit.

    Não é um acaso o momento e local desta manifestação na capital portuguesa por parte daqueles que alertam para os perigos da globalização e da concentração de poder em elites políticas e financeiras, e que considerando mesmo que o The Great Reset, defendido em 2020 pelo World Economic Forum, tem propósitos malévolos.

    Hotel Pestana, em Lisboa, onde se reúne este fim-de-semana o Clube de Bildeberg.

    Nos próximos três dias, o Hotel Pestana Palace, em Lisboa, será o palco da reunião anual do Clube de Bilderberg, uma espécie de fórum (mais ou menos) secreto e agendas de similar calibre, e que constitui um alvo sempre apetecível dos movimentos anti-globalização.  

    Embora os objectivos formais do Reignite Freedom sejam apenas ideologicamente anti-globalização – no sentido de considerarem a sua missão como de “reacção global unificada e estratégica contra a agenda globalista, garantindo que mantém a liberdade individual e colectiva”, conforme consta no seu site –, a imprensa mainstream não tem sido favorável às manifestações antiglobalização.

    Na generalidade, surgem coladas às ideologias de extrema-direita, de negacionistas da pandemia e mesmo a teóricos da conspiração. E isto quando não simplesmente ignoradas, com a completa ausência de cobertura.

    Por isso, sobre o movimento Reignite Freedom, o PÁGINA UM decidiu traçar o perfil das 11 personalidades que constituem a sua “equipa de lançamento”, onde desponta como figura maior o advogado John F. Kennedy, durante anos um destacado e reconhecido activista ambiental, e agora candidato nas primárias do Partido Democrata às eleições norte-americanas, mas que caiu em desgraça na imprensa mainstream durante a pandemia.


    ROBERT F. KENNEDY JR

    Sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy, o agora candidato pelo Partido Democrata às presidenciais norte-americanas de 2024 tem um longo historial como activista ambiental, destacando-se como advogado do poderoso National Resources Defense Council, uma organização não-governamenal ecologista com cerca de 2,5 milhões de membros.

    Defensor da “liberdade de escolha médica”, Robert F. Kennedy fundou a Children’s Health Defense (CHD), uma organização sem fins-lucrativos que se destacou pela contestação ao uso de timesoral (contendo mercúrio) em vacinas por alegadamente estar associado a autismo, doença de Alzheimer e esclerose múltipla, entre outras doenças. Apesar de garantir a segurança dessa substância, as autoridades norte-americanas retiraram o seu uso na generalidade das vacinas. No entanto, estas posições justificaram-lhe o rótulo de anti-vacinas, sobretudo quando colocou questões sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.

    Aliás, no passado dia 24 de Março, Kennedy, juntamente com a Children’s Health Defense, avançou com uma “acção legal colectiva” contra o presidente norte-americano Joe Biden, o virologista Anthony Fauci e outros responsáveis de topo da actual Administração, acusando-os de encetar uma “campanha concertada para que as três principais redes sociais nacionais censurassem discurso protegido constitucionalmente”.

    Candidato às primárias do Partido Democrata para as eleições para a Presidência dos Estados Unidos em 2024, Robert Kennedy Jr não tem tido a vida facilitada nas redes sociais: em Agosto do ano passado as suas contas de Instagram e de Facebook foram eliminadas por ter alegadas violações às regras “da política de desinformação” sobre a covid-19.

    Porém, mantém-se bastante activo no Twitter, rede onde conta mais de 1,3 milhões de seguidores.

    Quando o movimento organizador do protesto de sábado foi lançado, o sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy foi, desde logo, uma das principais figuras a dar a cara pelo projecto, e está prevista a leitura de uma sua mensagem.


    MONICA SMIT

    Líder do movimento “Reignite Freedom”, a activista australiana de 34 anos surge como o rosto mais activo e está presente na manifestação em Lisboa.

    Durante a pandemia de covid-19, perante as duras restrições impostas pelo Governo australiano, Smit fundou a Reignite Democracy Australia (RDA), uma organização que, segundo consta na página oficial, “visa a manutenção da liberdade individual e colectiva”. Entre as suas reivindicações, está a “abolição da censura” e da “tirania médica”.

    A cobertura mediática de Smit não lhe tem sido nada favorável: a propósito de um vídeo que a activista publicou esta semana nas redes sociais, no qual pedia donativos financeiros para a sua associação por estar alegadamente à beira da falência, foi ridicularizada por vários jornais, incluindo o britânico Daily Mail.

    Apelidada habitual e insistentemente como “anti-vacinas”, Monica Smit está já habituada a um tratamento hostil. No Verão de 2021 foi alvo de acusações criminais – que lhe seriam retiradas em Julho do ano passado – por ter promovido manifestações contra o confinamento, e chegou mesmo a ser detida durante 22 dias.

    A activista foi novamente acusada por incumprimento das ordens da autoridade de saúde de Melbourne em 2021, motivo que a levou novamente ao tribunal em Dezembro do ano passado. Smit contra-atacou, dizendo ser sua intenção processar as autoridades pela sua detenção.

    De acordo com a sua página de LinkedIn, e antes de ter fundado a sua organização, Smit trabalhava como jornalista independente, desde Fevereiro de 2018, tendo viajado durante esse período para os Estados Unidos, Canadá, Equador, Honduras e Guatemala.

    Sem qualquer indicação de formação académica nessa rede social, Monica Smit refere experiências profissionais anteriores no ramo imobiliário e de publicidade.


    ROBERT MALONE

    Conhecido virologista e imunologista norte-americano, devido ao seu papel pioneiro no desenvolvimento da tecnologia de mRNA, Robert Malone, agora com 63 anos, foi um dos nomes mais credíveis no mundo da Ciência a criticar a vacinação contra a covid-19.

    A sua posição crítica valeu-lhe, por um lado, o respeito pelos grupos que contestavam aquelas vacinas, mas por outro uma imprensa hostil que se apressou a desvalorizar as suas investigações e a desmentir a ideia, que o próprio proclamava, de ser ele o “inventor das vacinas de mRNA”.

    Em Portugal, jornais como a Visão, o Polígrafo e o Observador publicaram artigos que contradiziam as afirmações de Malone e negavam a suposição de que ele teria sido uma figura central na criação desta nova espécie de vacinas.

    Robert Malone

    Se houve ou não paternidade, certo é que os trabalhos de Robert Malone foram indesmentivelmente uma das primeiras peças do “puzzle” da tecnologia mRNA aplicada nas vacinas contra a covid-19 da Pfizer e da Moderna. Na década de 1990, em conjunto com outros colegas, publicou um artigo que demonstrava como a injecção de RNA nos músculos produzia proteínas.

    No entanto, como reportou o jornal New York Times no ano passado, Malone não foi o único, nem o principal autor do artigo científico. Na verdade, como o PÁGINA UM confirmou, o artigo em causa publicado na Science em 23 de Março de 1990, tem sete autores, sendo que Malone é o segundo, atrás de Jon A. Wolff, um geneticista falecido em Abril de 2020.

    Além disso, embora a descoberta tenha sido cabal para o desenvolvimento das actuais vacinas de mRNA mensageiro, foram ainda necessários “aprimoramentos” ao longo de vários anos, nos quais Robert Malone já não participou.

    Em todo o caso, durante a pandemia, as suas afirmações mais contundentes incidiram sobre os possíveis efeitos secundários da vacinação e à “toxicidade” da proteína spike, à relativização da gravidade da doença e à defesa do uso de ivermectina e hidroxicloroquina como formas de tratamento contra a covid-19.

    Robert Malone, em Lisboa, numa tertúlia em Setembro de 2021, dinamizada pela Cidadania XXI.

    No entanto, embora Malone tenha colaborado, ao longo da vida profissional, com a indústria farmacêutica, e estado até envolvido na pesquisa para a vacina do vírus Ébola e na terapêutica para o Zika, tem sido apelidado pela imprensa mainstream como anti-vacinas. Isto mesmo depois de Malone se ter vacinado em 2021, como assumiu num evento em Lisboa.

    À boleia da covid-19, Robert Malone – que sempre garantiu não pertencer a nenhum partido político – começou a dar entrevistas em canais conservadores, sendo a sua aparição mais polémica ocorrido no conhecido podcast The Joe Rogan Experience, em Dezembro de 2021, episódio que acabaria por ser censurado pelo Youtube.

    Tendo-se tornado num ‘activista’ assumido, soma mais de 300 mil seguidores na plataforma Substack, enquanto no Twitter está próximo de 1,1 milhões de seguidores.


    MIKE YEADON

    Em Março de 2021, a Reuters escreveu um artigo sobre Mike Yeadon intitulado “O ex-cientista da Pfizer que se tornou um herói anti-vacinas”. De facto, quando pesquisamos o seu nome no motor de busca do Google, a primeira página que aparece diz-nos que se trata de um “activista anti-vacinas britânico” e “farmacologista reformado”. Mas será mesmo assim?

    Quando Michael Yeadon se pronunciou publicamente contra as medidas de contenção da pandemia, as suas declarações – na altura extremamente controversas – circularam na internet, dizendo-se que seriam do “vice-presidente da Pfizer”. No entanto, apesar de Yeadon ter, efectivamente, trabalhado durante vários anos naquela farmacêutica alemã, o cargo que alguns internautas lhe atribuíram nunca foi seu. Este cientista foi, na realidade, vice-presidente do departamento de investigação de alergias e doenças respiratórias daquela empresa entre 2006 e 2011.

    Mike Yeadon

    Fora da Pfizer, Michael Yeadon co-fundou e foi presidente da Ziarco, uma empresa de biotecnologia entretanto adquirida em 2017 pela farmacêutica suíça Novartis, num contrato inicialmente fechado por 325 milhões de dólares (cerca de 300 milhões de euros), mas que previa pagamentos suplementares em função de objectivos. O negócio acabou por ser um fiasco para a farmacêutica suíça, com um prejuízo de 485 milhões de dólares assumido em 2020, porque o fármaco desenvolvido pela Ziarco para o tratamento de eczema nunca obteve autorização de comercialização.

    O prestígio de Yeadon foi também diminuindo, nos últimos três anos, por força da “classificação” pela imprensa mainstream de ser ele um “activista anti-vacinas”, após as suas críticas contra as medidas de combate à covid-19.

    Em Outubro de 2020, este cientista chegou a defender que a pandemia no Reino Unido “tinha terminado” e que “não haveria uma segunda vaga de infecções”, pelo que as vacinas seriam desnecessárias. Estas declarações chegaram a ser alvo de uma análise do jornal português Polígrafo em Fevereiro de 2021, que lhe atribuiu a classificação de “pimenta na língua”.

    Além de se pronunciar contra as máscaras e confinamentos, Yeadon pôs também em causa a segurança das vacinas contra a covid-19, alegando que poderiam provocar infertilidade nas mulheres.


    PETER McCULLOUGH

    Cardiologista norte-americano, aos 60 anos Peter McCullough tem um currículo extenso. Formado em 1984 em Ciência pela Universidade de Baylor, uma década depois completou um mestrado em Saúde Pública na Universidade do Michigan, onde estudou Epidemiologia.

    Entre 2010 e 2013, McCullough ocupou cargos executivos no hospital St. John Providence, no Estado do Michigan, e, posteriormente, na especialidade de Medicina Interna do Centro Médico da Universidade de Baylor, no Texas, onde permaneceu até Fevereiro de 2021.

    Depois, exerceu como cardiologista clínico na Heart Place, o maior grupo em prestação de cuidados cardiovasculares no norte do Texas. Desde Agosto passado, ocupa o cargo de director científico da The Wellness Company, sediada em Miami.

    Peter McCullough

    Tal como sucedeu com Robert Malone, devido às suas posições contrárias à gestão da pandemia, o cardiologista teve a sua conta do Twitter suspensa antes da compra por Elon Musk. Com a nova administração da rede social, a sua conta foi reactivada e McCullough tem já mais de 800 mil seguidores.

    McCullough, que tem no seu perfil uma imagem onde se lê “Corageous Discourse [Discurso Corajoso]” não se tem, de facto, coibido, seja em entrevistas, conferências ou nas redes sociais, de manifestar as suas opiniões controversas em relação à vacinação contra a covid-19.

    No início deste ano, esteve no programa (recentemente suspenso) de Tucker Carlson, no canal conservador Fox News, para falar do misterioso aumento de problemas do foro cardíaco entre jovens atletas. Foi, também entrevistado por Joe Rogan para o seu podcast, em Dezembro de 2021, e até pelo polémico Steve Bannon em Julho do ano passado.

    O médico já esteve em Portugal, onde participou no Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias que ocorreu em Fátima em Outubro passado.

    CHRISTINE ANDERSON

    Com 54 anos, a alemã Christine Anderson é eurodeputada desde 2 de Julho de 2019 pela “Alternativa para a Alemanha” (AfD, na sigla em alemão).

    Conotado com o “populismo de extrema-direita”, o partido, do qual Anderson faz parte desde a sua fundação, há 10 anos, segue a linha habitualmente associada a este espectro ideológico: tendencialmente nacionalista, crítico da União Europeia, e apologista de restrições mais apertadas à imigração.

    Em Dezembro de 2021, Anderson foi uma entre seis eurodeputados a sofrerem sanções do Parlamento Europeu (PE), por se ter recusado mostrar o certificado de vacinação contra a covid-19 para entrar na sede desta instituição. A penalização de Anderson não foi, contudo, das mais pesadas: apenas perdeu as regalias de parlamentar por dois dias.

    Christine Anderson

    Outro momento em que a conduta da eurodeputada destoou ocorreu em Novembro do ano passado, quando se recusou a denominar o regime de Vladimir Putin como “terrorista”. A resolução, considerada sobretudo um gesto simbólico, teve a aprovação da esmagadora maioria (um total 494), mas Anderson, ao lado de 57 outros eurodeputados, rejeitou atribuir aquela designação à Rússia, e votou contra. A eurodeputada e mais seis membros do seu partido foram os únicos políticos alemães a assumir esta posição.

    No seu país, Anderson é figura polémica, somando controvérsias e sendo acusada de ser simpatizante do PEGIDA – sigla para “Patriotic Europeans Against the Islamization of the West” –, um movimento político conhecido pela sua hostilidade ao islamismo e à forte rejeição de refugiados e imigrantes.

    Em Fevereiro deste ano, Christine Anderson chegou a ser, de forma indirecta, alvo de um comentário condenatório do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, que considerou que o Partido Conservador do Canadá “devia explicações” depois de três dos seus membros terem aparecido ao lado da eurodeputada alemã numa fotografia, que se tornaria viral.


    JIMMY LEVY

    Cantor norte-americano, inicialmente de gospel, agora com 25 anos, Jimmy Levy já era um influencer antes da sua participação na 18ª edição do programa American Idol, estreado em Fevereiro de 2020, lhe conferir maior visibilidade.

    Depois da sua breve passagem pelo concurso televisivo, Jimmy Levy lançou duas músicas com uma forte mensagem de contestação, em parceria com o rapper Hi-Rez, intituladas “This is a War” e “Welcome to the Revolution”, esta última com uma evidente mensagem de alerta para a segurança das vacinas contra a covid-19. Juntas, as duas músicas somam mais de seis milhões de visualizações no Youtube.

    Contudo, o Instagram é a rede social onde Levy tem um maior número de seguidores, totalizando mais de um milhão.

    Jimmy Levy

    Nas suas plataformas digitais, o jovem artista partilha frequentemente opiniões de cariz político, tendo já criticado, em várias ocasiões, a vacinação contra a covid-19, bem como outras medidas “progressistas”, como a sexualização das crianças.

    Durante as eleições presidenciais do Brasil no início deste ano, Levy declarou-se um devoto apoiante de Jair Bolsonaro e condenou o tratamento que os manifestantes contra Lula da Silva receberam em Brasília. Na internet, circula uma fotografia sua com um chapéu em que se lê “Lula Ladrão seu lugar é na prisão”.

    O músico chegou a encontrar-se com Bolsonaro, junto do qual tem fotografias e vídeos que partilhou nas redes sociais. A sua voz activa em defesa do antigo presidente brasileiro colocou-o na mira de alguns órgãos de comunicação brasileiros.

    Judeu, diz ter sido salvo pela fé, depois de “múltiplas tentativas de suicídio” desde a sua adolescência. Nos últimos meses, começou a promover encontros de culto para “adorar Yeshua”, nos quais canta. Num recente episódio, chegou até a ser retido e expulso pela polícia.


    MORGAN C. JONAS

    No seio do movimento Global Walkout, o australiano Morgan C. Jonas, de 38 anos, é a personalidade mais próxima da líder Monica Smit. Na verdade, os dois activistas estão noivos.

    No seu site oficial, Jonas revela que a desconfiança sobre o poder político começou a brotar durante a campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. Na altura, era dono de uma empresa de equipamentos para desportos de combate, e os discursos de Trump fizeram-no repensar o seu modelo de negócio, sustentado sobretudo em importações, outsourcing e produção no estrangeiro, algo que contribuiria para o progressivo enfraquecimento do sector industrial.

    Morgan C. Jonas

    Para si, esse foi o ponto de viragem. A partir daí, cresceu em Jonas a vontade de empreender uma mudança, expondo “políticos corruptos” e “as suas más acções”.

    Esse desejo culminou na organização de um comício em 2019, cujo alvo era Daniel Andrews – o primeiro-ministro do Estado australiano de Victoria, onde Jonas reside, na cidade de Melbourne. Na altura, o principal objectivo era denunciar os “perigosos” acordos comerciais com o Partido Comunista Chinês.

    Com a pandemia de covid-19, Morgan C. Jonas lançou o “MCJ Report”, um programa com conteúdos noticiosos da sua autoria, somando conflitos com as autoridades. Em Setembro do ano passado fundou o Freedom Party of Victoria, com resultados modestos nas eleições para a Assembleia legislativa (1,71%).


    ALEXANDER TSCHUGGUEL

    O austríaco Alexander Tschugguel, que completa 30 anos em Junho, é um dos mais jovens propulsores do Global Walkout, sendo conhecido por protagonizar actos de protesto impetuosos e suis generis.

    Por exemplo, em 2019, para combater o “paganismo”, liderou um grupo de manifestantes que roubou estátuas indígenas em madeira, de mulheres nuas e grávidas, expostas dentro da Igreja de Santa Maria em Traspontina, perto do Vaticano, e atirou-as ao Rio Tibre. E assumiu o acto no YouTube, na página do Instituto São Bonifácio, que se assume como “plataforma para apoiar a luta pela fé católica e defender essa fé quando e onde for necessário”.

    Alexander Tschugguel

    Descendente de uma família austríaca abrasonada da região de Bolzano, em Itália, Tschugguel é o arquétipo do conservador. Baptizado na doutrina protestante de Lutero, converteu-se ao catolicismo, aos 15 anos, regressando a uma tradição que tinha atravessado todos os seus antepassados, mas “quebrada” pelo seu bisavô.

    Um ano depois, juntou-se uma organização política de carácter católico e conservador originária do Brasil, a “Tradição, Família e Propriedade” e, desde então, tem sido um fervoroso defensor dos valores católicos e tradicionais: opõe-se ao aborto, ao casamento homossexual, à União Europeia, e é avesso às políticas climáticas.

    Em 2013, foi também um dos fundadores do partido conservador e eurocéptico Die Reformkonservativen, que cessou a actividade em 2016.

    Em 2019, Alexander Tschugguel organizou também um protesto que consistia em orar, junto à catedral de Santo Estêvão, em Viena, que estava naquele momento a ser palco de um evento anual de angariação de fundos para campanhas de sensibilização para o HIV.


    MICHAEL J. MATT

    Jornalista norte-americano, Michael J. Matt combate, nas suas próprias palavras, “lunáticos e hereges” desde 1996. Após o falecimento do seu pai, Walter Matt, em 2002, assumiu o seu lugar como editor do The Remnant, um jornal norte-americano católico tradicionalista fundado em 1967.

    Matt é, também, produtor da Remnant TV, uma plataforma que pretende ser “rival” do Youtube e onde apresenta o seu próprio programa.

    Extremamente crítico do pontificado do Papa Francisco, opõe-se às mudanças na Igreja Católica, sobretudo daquelas tomadas a partir do chamado Concílio Vaticano II, em 1962. Na versão digital do seu jornal, defende que “tem lutado contra esta revolução na Igreja há mais de quarenta anos, tal como tem lutado contra os erros que infectam o Estado moderno – o liberalismo, socialismo, comunismo, a Nova Ordem Mundial, uma cultura de juventude degenerada, a epidemia de abortos, eutanásia, educação sexual”.

    Michael J. Matt

    O legado do “jornalismo católico”, herdado por Michael J. Matt através da sua família, remonta a várias gerações atrás. Foi o seu pai que criou The Remnant, depois de uma contenda com o seu irmão (o tio de Michael J. Matt), Alphonse Matt, com quem conduzia, até então, o The Wanderer, o jornal católico mais antigo do país, fundado em 1867 no Estado do Minnesota.

    O The Remnant tem sido apelidado por alguns grupos – católicos ou de direitos civis, como o Southern Poverty Law Center, uma organização sem fins lucrativos  – como “radical” e “reaccionário”, e acusado de “antisemitismo”.

    No Twitter, Michael J. Matt tem mais de 32 mil seguidores, e o canal de Youtube do jornal conta com 262 mil subscritores.

    AMANDA FORBES

    Embora seja um dos principais rostos do Global Walkout, a canadiana Amanda Forbes é pouco conhecida publicamente. As causas que abraça dizem respeito sobretudo à “liberdade médica”, e à liberdade de escolha e consentimento informado nas políticas de vacinação.

    Amanda Forbes

    Integrou ainda a organização sem fins lucrativos Vaccine Choice Canada, fundada em 2014.

    Amanda Forbes é também presidente da Children’s Health Defense Canadá e co-fundadora da Freedom Organization, que promove conferências sobre saúde.

  • #TwitterFiles: Organização Mundial de Saúde alterou informação para permitir censurar o apresentador Tucker Carlson

    #TwitterFiles: Organização Mundial de Saúde alterou informação para permitir censurar o apresentador Tucker Carlson

    A demissão pela Fox News de um dos mais populares e influentes pivots norte-americanos, sobretudo da ala direita, apanhou o público de surpresa. Fervoroso apoiante de Donald Trump, Tucker Carlson apresentava desde 2016 um programa líder de audiências. Um “alvo a abater” pela ala democrata, Carlson esteve particularmente activo nas críticas à gestão da pandemia. Os Twitter Files revelaram entretanto que também ele foi alvo de censura mesmo quando fez referências correctas usando informação da Organização Mundial de Saúde, que as alterou para que as redes sociais lhe colocassem o selo de misinformation.


    Tucker Carlson é o homem do momento nos Estados Unidos. Depois de ter sido demitido pela Fox News – uma semana após a cadeia televisiva de Rupert Murdoch ter estabelecido um acordo de indemnização da ordem dos 787 milhões de dólares à Dominion Voting Systems para suspender um processo por difamação que envolvia acusações de fraude no processo eleitoral –, o apresentador norte-americano fez uma aparição no Twitter, lançando farpas contra aqueles que o querem silenciar. Conseguiu, até agora, mais de 79 milhões de visualizações.

    Mas, ironicamente, o Twitter foi uma das redes sociais que, durante a pandemia, e apesar da popularidade de Carlson junto da ala mais conservadora dos Estados Unidos, o censurou, através de um processo no mínimo rocambolesco.

    Tucker Carlson

    De acordo com mais uma série dos Twitter Files, divulgada na passada quinta-feira pelo jornalista Paul D. Thacker, houve um artigo de opinião de Tucker Carlson que lançou imensa preocupação nos estrategas da gestão da pandemia. Em 23 Junho de 2021, Carlson, que só no Twitter tem quase sete milhões de seguidores, alertava para os riscos da vacinação contra a covid-19 nas crianças.

    Sob um título acutilante – “A vacina contra a covid-19 é perigosa para crianças e a Big Tech não quer que saiba disso” –, o pivot norte-americano consubstanciava a sua posição em directrizes que então constavam explicitamente do site oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS). Nessa altura, a OMS afirmava que as crianças não deviam ser vacinadas contra a covid-19 por ainda não existirem evidências suficientes de segurança para este grupo etário.

    Nessa intervenção, Carlson era extremamente crítico para com as as Big Tech: “Por mais de um ano, os monopólios tecnológicos de Silicon Valley usaram as declarações oficiais da OMS para determinar o que os consumidores norte-americanos de notícias podem saber – e o que devem ser proibidos de saber – sobre a covid-19. O Facebook até anunciou uma parceria formal com a OMS para ‘levar informações atualizadas e precisas a milhões de pessoas’. Essa parceria – entre uma ONG controlada pela China e as plataformas de tecnologia dependentes da China – continuou sem problemas até poucos dias. Foi quando os burocratas da OMS publicaram novas orientações sobre vacinas. Aqui está o que diz: crianças não devem tomar a vacina contra o coronavírus. Porquê? Esses fármacos são muito perigosos. Não há dados suficientes para entender os efeitos a longo prazo ou para mostrar que os benefícios valem o risco que trazem. Esta é uma notícia terrível, claro, para a indústria farmacêutica. A Big Pharma planeia testar a vacina em crianças de seis meses. É profundamente embaraçoso para grande parte da media, que parou de criar histeria sobre espiões russos para vender vacinas aos seus telespectadores. E, acima de tudo, é um repúdio chocante às autoridades [establishment] norte-americanas, que têm pressionado incansavelmente a vacinação universal, inclusive em crianças. O principal conselheiro da pandemia de [Joe] Biden, Zeke Emanuel, declarou que os jovens deveriam ser obrigados a tomar a vacina.”

    Impacte público de intervenção de Tucker Carlson levou OMS a alterar recomendação que abriu “portas”
    a censura nas redes sociais.

    Carlson continuava a atacar as redes sociais, como o Facebook, por censurarem mesmo informações verídicas, se questionassem a eficácia e benefícios das vacinas contra a covid-19. “Você não tem permissão para sugerir o contrário. Não importa quais dados possa ter. Não importa quais dados possa ter, não importa o que uma organização de saúde possa lhe dizer.”, concluía o apresentador.

    Perante a dimensão pública das palavras de Tucker Carlson, a OMS reagiu rapidamente. Segundo o jornalista Paul D. Thacker, “a OMS editou furtivamente a sua página sobre as vacinas contra a covid-19 para remover a linguagem que Tucker citara no seu artigo”.

    Depois, “no dia seguinte, funcionários do Twitter começaram a discutir o artigo de Tucker e a forma de limitar o seu impacte sem chamar a atenção para Tucker e sem criar ‘riscos políticos’ para o Twitter por estar a censurar diretamente a Fox News.”

    Jornalista Paul D. Thacker, que tem tido acesso aos Twitter Files, revelou que a Organização Mundial da Saúde se censurou a ela própria para que Tucker Carlson fosse censurado.

    Ou seja, segundo Paul D. Thacker, “a OMS auto-censurou-se sobre as vacinas para ajudar o Twitter a censurar Tucker Carlson”.

    Certo é que os e-mails internos da rede social agora controlada por Elon Musk mostram que os seus funcionários congeminaram uma estratégia para censurar o artigo de Carlson logo no dia seguinte à sua publicação. Se “os links para este artigo de opinião de Tucker Carlson, uma figura televisiva proeminente, violam a nossa política de informações enganadoras sobre a covid-19”, é a dúvida que uma executiva coloca à equipa.

    Esta tarefa era, contudo, espinhosa. Por exemplo, um destacado funcionário do Twitter, Brian Clarke, defendeu então que agir, censurando, sobre o endereço do artigo do então apresentador da Fox News poderia ter um efeito contraproducente, porque Tucker Carlson falava precisamente sobre “a censura das grandes tecnológicas”.

    woman wearing white and beige sari dress

    O Twitter acabou por optar pela classificação como desinformação se houvesse partilhas em que se reforçasse a opinião de Tucker Carlson.

    Um dos aspectos também relevantes desta nova revelação de Paul D. Thacker tem a ver com a promiscuidade entre política, negócios e redes sociais quando o assunto era a vacina contra a covid-19. O jornalista salienta que a funcionária do Twitter que primeiro alertou para o “perigo” do artigo de opinião de Tucker foi Elizabeth Busby, que ocupara o cargo de vice-secretária de imprensa nacional do líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, um crítico frequente de Tucker Carlson.

    Tendo ingressado no Twitter em 2020, Busby trabalhara antes para a SKDK, uma agência de relações públicas e de lobby estreitamente alinhada com o Partido Democrata.

    Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.

  • Balcões dos CTT dizem adeus às “raspadinhas” até Junho

    Balcões dos CTT dizem adeus às “raspadinhas” até Junho

    Fonte de receita importante para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – que regressou no ano passado aos lucros, depois de somar prejuízos acumulados de 72 milhões de euros em 2020 e 2021 –, as polémicas “raspadinhas” têm os dias contados aos balcões dos CTT, onde os funcionários tinham instruções para as “impingir” aos clientes. Os impactes sociais para adição a este jogo, sobretudo “praticado” por pessoas em vulnerabilidade económica, são a principal causa para esta medida.


    Nova promessa, desta vez com prazo. Agora, são os próprios CTT que garantem que até finais de Junho as polémicas “raspadinhas” deixarão de ser vendidas nos seus balcões.

    O anúncio, feito ao PÁGINA UM por fonte oficial da empresa, surge mais de dois meses depois de o ministro das Infraestruturas, João Galamba, ter anunciado na Assembleia da República a intenção do Governo em cessar com a comercialização daquele jogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que tem vindo a ser acusado de criar adição junto de grupos sociais economicamente vulneráveis.

    Em declarações ao PÁGINA UM, os CTT diz que, “tendo em conta os contratos em curso com o parceiro deste produto [SCML], prevê-se que a venda de Lotaria Instantânea (Raspadinhas) nas Lojas seja descontinuada até ao final do primeiro semestre de 2023”, acrescentando que “o processo está a decorrer com normalidade”.

    Esta informação não foi confirmada ainda pelo Ministério das Infraestruturas nem pela SCML, sendo certo que o corte nos postos de venda terá um impacte significativo nas receitas da mais poderosa instituição de solidariedade social, historicamente controlada pelo Estado, e que continua num clima de instabilidade financeira.

    As contas da SCML de 2021 – com um prejuízo de 20,1 milhões de euros, depois de perdas de 52 milhões de euros no ano anterior – continuam sem ser homologadas pelo Governo. No ano passado, a instituição terá regressado aos lucros (10,9 milhões), estando previsto no próximo mês a entrada em funções, como provedora, da ex-ministra socialista da Saúde, Ana Jorge.

    Segundo dados da própria SCML, divulgados há dois anos, quase 80% das pessoas que jogavam raspadinhas integravam as classes baixa e média-baixa. Em média, ao longo do ano de 2020, os portugueses gastaram uma média diária de 4,7 milhões de euros para riscar os cartões deste jogo que representa um pouco mais de metade da facturação no sector dos jogos da SCML.

    Entretanto, no mês passado, o Jornal de Notícias dava conta que ”os portugueses gastaram 1.515,2 milhões de euros em raspadinhas durante o ano de 2021, o que dá uma média de 4,1 milhões de euros por dia”. Desde Maio do ano passado, promovido pelo Conselho Económico e Social, tem estado em curso um estudo sobre a adição à raspadinha, por força de um protocolo com a Universidade do Minho, responsável pela investigação, a Apifarma, a Fundação Mestre Casais, a Fundação Manuel António da Mota e a Fundação Social Bancária.

    Nos últimos meses, tanto o Bloco de Esquerda como o Livre vinham pressionando o Executivo a proibir os CTT de continuarem o comércio deste jogo.

    O deputado único deste segundo partido apresentou mesmo um projecto-de-lei que visava proibir a “venda de bilhetes de lotarias e de lotaria instantânea nas estações e postos de correio”. Nessa proposta Tavares salientava que “o gasto médio por pessoa nestes jogos é de 160 euros por ano”.

    Em resposta, no passado dia 10 de Fevereiro, João Galamba já anunciara na Assembleia da República que os CTT apenas se iriam “dedicar precisamente àquilo que o senhor deputado Rui Tavares disse que gostava que os CTT fizessem, que o Governo também gostaria que fizessem e a boa notícia é que a actual administração dos CTT tem a mesma visão”.

  • Debate sobre vacinação de crianças: um Parlamento com muita palra e pouca uva

    Debate sobre vacinação de crianças: um Parlamento com muita palra e pouca uva

    A discussão de uma petição para a suspensão das vacinas contra a covid-19 em crianças serviu sobretudo para revelar a confrangedora iliteracia científica e a nula curiosidade dos deputados em analisar os mais recentes estudos sobre efeitos adversos em idade pediátrica. Nem um deputado aparentou alguma vez na vida ter olhado para a base de dados da Agência Europeia do Medicamento. Chavões e mais chavões foi o que mais se ouviu esta sexta-feira no Palácio de São Bento. Parecia estar-se em 2021. Ou na Idade das Trevas, onde se permite nada mais do que uma linha ortodoxa feita dogma.


    Cavalgar a onda e acabar por debater bugalhos quando estava em causa alhos. Foi isto que sucedeu ontem em plenário da Assembleia da República com um debate que deveria analisar uma petição criada há 18 meses – e que andou a marinar infindável tempo sob o desinteresse geral dos deputados da Comissão da Saúde – que pedia a suspensão da vacinação contra a covid-19 em crianças porque os benefícios potenciais (numa doença que, para este grupo etário é irrelevante) não justificam os potenciais e reais efeitos adversos.

    Em vez de questionar os factos científicos, que se têm vindo a acumular, e as evidências já recolhidas pela Agência Europeia do Medicamento sobre os efeitos adversos em idade pediátrica, os deputados da Nação optaram por acoplar à discussão uma proposta de recomendação ao Governo para “a avaliação do impacto psicológico da pandemia a crianças e jovens em idade escolar”, uma iniciativa do partido Chega. A petição original, com 9.046 assinaturas validadas, não incidia sobre os efeitos psicológicos da pandemia; mas sim sobre aspectos clínicos das vacinas sobre as crianças.

    Assembleia da República, ontem durante o debate sobre a petição.

    À boleia do assunto suscitado pelo Chega, a petição acabou por perder protagonismo, não tendo havido qualquer menção à necessidade de uma análise benefício-risco da administração de vacinas em jovens saudáveis, que até já nem é recomendada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). Neste momento, a DGS apenas recomenda a vacinação de menores com determindas comorbilidades, e já nem sequer aconselha boosters para menores de 50 anos.

    A incerteza criada em redor da eficácia das vacinas e a falta de confiança nas autoridades, que continuam a esconder dados, tem sido responsável pela forte redução na procura de boosters nesta época sazonal. Desde 13 de Janeiro deste ano, segundo os últimos três relatórios semanais da resposta sazonal em saúde, apenas cerca de 10 mil pessoas entre os 18 e os 50 anos procuraram a dose de reforço sazonal. Isto num grupo etário superior a quatro milhões de pessoas.

    O debate foi, também por isso, anacrónico, parecendo estar-se ainda no ano de 2021, quando dogmaticamente se faziam profissões de fé sobre os miraculosos fármacos que livravam da morte certa vulneráveis e saudáveis de qualquer idade e condição.

    Os chavões ainda lá estiveram. Houve, e ouviram-se, deputados a evocar os famosos epítetos de “chalupas” e de “extrema-direita” para se referirem aos que levantaram dúvidas e perguntas sobre a gestão da pandemia e as vacinas contra a covid-19 administradas de forma maciça e com recurso à coerção. Foi o caso paradigmático de Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, que inusitadamente até insinuou que há quem acredite que a vacinação teve como efeito adverso a deterioração da saúde mental juvenil. A bizarra extrapolação dirigia-se sobretudo ao partido Chega – e aí tinha algum sentido, embora enviesado: o evidente impacto da pandemia ao nível psicológico nos jovens, já bastante estudado, advém das restrições (muitas, absurdas), e não à vacina propriamente dita, pelo que o debate parlamentar esteve a misturar alhos com bugalhos (mesmo se ambos são de produção vegetal).

    Rita Matias, deputada do Chega.

    E isso mesmo disse Pedro Filipe Soares: “Não é consequência das vacinas o problema de saúde mental nas escolas”, mas como se, entre as 10 razões elencadas pelos peticionários para suspender a vacinação nos mais jovens, ali figurasse aquela.

    Esta intervenção do bloquista foi posterior à da deputada Rita Matias, do Chega, que apresentou a proposta do partido liderado por André Ventura, e com quem acabou por protagonizar uma acesa troca de palavras. E vieram mais chavões, com Pedro Filipe Soares a acusar o Chega de querer “agradar aos chalupas da sociedade”. A colagem ideológica à extrema-direita foi, aliás, um dos mais estafados truques da narrativa ortodoxa que, ao longo da pandemia, negou qualquer tipo de debate racional, tachando de extremistas e anti-ciência qualquer pessoa que se atrevesse a discordar da maioria.

    Em todo o caso, o Chega acabou por ser o único partido a destacar-se de uma confrangedora homogeneidade de argumentos a favor da vacinação dos mais jovens. Com efeito, Rita Matias acabou por ser a única deputada a defender que na petição constam “verdades que não podem ser negadas”, tais como a falta de “dados de segurança das vacinas e noção dos seus efeitos nocivos a médio e longo prazo”, bem como sobre o excesso de reações adversas registadas em comparação com outras vacinas.

    E criticou ainda Pedro Filipe Soares por chamar chalupas aos 9.046 peticionários, acusando-o de “fazer uma salada-russa de ideias”. Sobre uma das questões em debate – o alegado carácter voluntário da toma da vacina contra a covid-19 –, a deputada do Chega também relembrou que, apesar de ser opcional, muitos portugueses foram impedidos de “aceder a restaurantes, espaços de lazer, hotéis e grupos desportivos com base no estado vacinal ou no certificado digital”.

    Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda.

    A par do Bloco de Esquerda – que teve Pedro Filipe Soares como protagonista a defender que “não são os decisores políticos que se devem substituir aos decisores técnicos no que toca à matéria de saúde” –, as intervenções do PCP, do Livre e do PAN tiveram em comum um lavar de mãos sobre a matéria, atribuindo a responsabilidade das decisões às autoridades sanitárias.

    “Não existe nenhum medicamento nem nenhuma vacina que seja completamente inócuo, há sempre riscos associados”, frisou o deputado João Dias, do PCP, afirmando ainda que “devemos respeitar as decisões das autoridades de saúde pública”.

    A deputada do PAN Inês Sousa Real, por seu turno, seguiu o mesmo diapasão, mas realçou ainda que “sempre defende[mos] a “não-discriminação” com base no estatuto vacinal, mas sim apenas com base num certificado de teste negativo. Algo que tem pouca base científica: um teste negativo não garante que a pessoa não esteja, nesse preciso momento, sem infecção.

    Na sua maioria, as intervenções dos deputados foram meras réplicas dos argumentos já repetidos até à exaustão, sobretudo ao longo de 2021, para se justificar a administração das vacinas nas camadas mais jovens. Note-se que a própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) já não se pronuncia sobre a administração em crianças desde 10 de Dezembro de 2021, sabendo-se que ao longo do ano passado o conhecimento científico sobre os efeitos adversos neste grupo etário se aprofundou bastante.

    Inês Sousa Real, deputada do PAN.

    Quanto aos dois principais partidos, o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) assumiram posições quase indiscerníveis sobre o tema. Convergindo com o PS, a deputada social-democrata Cláudia Bento – uma médica nefrologista que foi nomeada relatora desta petição em Junho de 2022 – , reafirmou a importância da vacinação, mas sem dados: limitou-se a reiterar que são “seguras e eficazes”, apelando a que se confie “na Ciência e nas directrizes da autoridades de saúde”. Mas a Ciência esteve ausente porque nenhum deputado citou um estudo sequer ou um número válido e correcto sobre os efeitos adversos em crianças.

    A “evidência científica” andou sempre de boca em boca como o Credo. Como na da deputada socialista Anabela Rodrigues que ainda afirmou que “as crianças são susceptíveis de infecção”, mas sem qualquer referência à taxa de letalidade, e invocando o aval das várias entidades de saúde, nacionais e internacionais, como a Agência Europeia do Medicamento e a Organização Mundial da Saúde.

    Já Bernardo Blanco, deputado do Iniciativa Liberal, reconheceu ser “muito raro [jovens e crianças] desenvolverem problemas decorridos da covid-19”, e que há casos relatados de miocardites e pericardites após a vacinação. Contudo, ressalvou que estes efeitos adversos são também “muito raros”, e salientou que “o importante é que as famílias portuguesas possam escolher e o façam com cada vez mais informação”.

    Clara Bento, deputada do Partido Social Democrata.

    Na verdade, o deputado liberal foi o único que lá se muniu de um número: 1.007 miocardites em cerca de 50 milhões de vacinas administradas em jovens europeus, referindo-se a dados recentemente revelados pela Agência Europeia do Medicamento.

    Esqueceu-se o deputado, em todo o caso, de referir que, dessas 1.007, houve 13 que resultaram em desfechos fatais, e que já foram notificadas à Agência Europeia do Medicamento um total de 125 mortes de crianças e adolescentes por forte suspeita de associação com as vacinas contra a covid-19, como o PÁGINA UM já relatou com base nos dados da EudraVigilance. E que as mortes e outras afecções, muitas com graves sequelas, não foram apenas cardíacas, mas também pulmonares e neurológicas.

    Rui Tavares, do Livre, foi quem mais defendeu a vacinação de crianças como estratégia eticamente aceitável, porque terá, segundo ele, contribuído para diminuir a mortalidade geral, como se já não tivesse sido descartada há muito, mesmo pelas farmacêuticas, a possibilidade de se conseguir imunidade de grupo. Ou seja, já se sabe cientificamente que vacinar crianças saudáveis não concede qualquer protecção a idosos; aquilo que os pode proteger, na melhor das hipóteses, é eles se vacinarem. Sendo assim, mostra-se imprudente, e até contra as regras médicas, colocar em risco um grupo (idade pediátrica) de baixo risco. Saliente-se que a letalidade (sem vacina) para os menores de 20 anos é de 0,0003%, segundo um estudo este mês publicado numa reputada revista científica, e que tem como co-autor John Ioannidis, o mais citado epidemiologista mundial.

    Rui Tavares, deputado do Livre.

    Mas o deputado do Livre ainda foi mais longe: “Sem vacinação contra a covid-19 teríamos tido 10 vezes, provavelmente, mais mortalidade do que tivemos”, garantiu, fazendo até um paralelismo com a penumónica de 1918, que atingiu o Mundo numa época em que os avanços médicos e tecnológicos eram muito mais fragéis, e a condição de saúde mais débil. Saliente-se que a esperança média de vida há um século rondava os 40 anos em Portugal – e também que a pneumónica (ou gripe espanhola) se tornou menos virulenta (com o surgimento de variantes) antes de se encontrar qualquer vacina eficaz.

    Sobre as potencialidades das vacinas para se evitar uma catástrofe humana durante a pandemia, recorde-se também que em Portugal tinham morrido cerca de sete mil pessoas por covid-19 até finais de 2020, antes do programa de vacinação. O número subiria para os 17 mil em Maio de 2021, quando já a esmagadora maioria da população mais vulnerável estava vacinada. Neste momento, ronda os 26 mil óbitos. Rui Tavares defendeu assim ser plausível que, sem vacinas, tivessem morrido 260 mil pessoas apenas de covid-19.

    Obviamente, tudo isto disse o deputado do Livre sem citar qualquer artigo científico validado e sem sequer referir que os estudos científicos mostram que a Ómicron fez, por si só, baixar significativamente a letalidade do SARS-CoV-2, e que os ganhos da vacinação com as novas variantes (que tornaram a covid-19 mais transmissível e rapidamente endémica) são desprezíveis ou mesmo nulos abaixo dos 40 anos de idade. E isto sem se conhecer os efeitos a longo prazo.

    Augusto Santos Silva, deputado do Partido Socialista e presidente da Assembleia da República.

    Na verdade, embora muitos deputados tivessem assumido a existência de efeitos secundários como “normais” em todos os fármacos, foram evidentes as dificuldades em lidar com argumentação científica sustentada mesmo quando a Ciência foi evocada e invocada – tanto ao nível dos efeitos adversos com sequelas como ao nível de mortes –, sabendo-se ser com números (e não com profissões de fé) que se decide se o benefício compensa o risco. Nesse aspecto, e é quase tudo, nenhum deputado mostrou estar habilitado.

    Em suma, muita palra para tão pouco sumo. Se vantagens houve no debate da petição e da recomendação proposta pelo Chega – que seria chumbada – foi o de se saber que os deputados portugueses continuam apenas com chavões na boca e a necessitarem urgentemente de uma rápida reciclagem científica à cabeça. O Google Scholar ajudaria, embora depois dê trabalho ler o que a Ciência tem revelado nos últimos tempos sobre estas matérias – não convém muito ir ao ChatGPT, diga-se, porque (ainda) repete chavões, e ainda não está ligado a artigos científicos.

  • Vacinação em jovens adultos: por cada hospitalização evitada, há entre 18 e 98 casos de reacções adversas graves

    Vacinação em jovens adultos: por cada hospitalização evitada, há entre 18 e 98 casos de reacções adversas graves

    Estudo coloca em causa imposição da vacinação em universidades norte-americanas, concluindo que os prejuízos potenciais no grupo etário dos 18 aos 29 anos são superiores aos benefícios. Este “sacrifício” nem sequer traz vantagens para as comunidades mais vulneráveis face ao rápido decaimento da eficácia das vacinas na protecção contra a infecção, asseguram os autores, que pertencem a conceituadas universidades da América do Norte e Reino Unido.


    Se a vacina contra a covid-19 se chamasse emenda, e soneto fosse o SARS-Cov-2, então poder-se-ia aplicar o rifão português para sintetizar as conclusões de uma análise de 11 investigadores norte-americanos e britânicos divulgado esta semana: será pior a emenda do que o soneto se se insistir na vacinação de jovens adultos.

    O estudo – com 50 páginas e 125 referências bibliográficas –, ainda se encontra em avaliação pelos pares (peer review), sendo da autoria de 11 investigadores de diversas universidades, entre as quais a de Oxford, Harvard e Edimburgo. Alguns destes cientistas publicaram em Maio passado um artigo científico na prestigiada revista BMJ Global Health onde arrasaram a gestão política e mediática da pandemia, invocando sobretudo questões éticas.

    three men and one woman laughing during daytime

    Nesse artigo era salientado que a adopção dos certificados digitais, como passes sanitários para o acesso a determinados locais, tinha “colidido com os direitos humanos e promovido a polarização social afectando a saúde e o bem-estar”, acabando por ser usado com um fito “inerentemente punitivo, discriminatório e coercitivo.” Defendiam então uma reavaliação “à luz das consequências negativas.”

    Agora, no artigo intitulado “Covid-19 vaccine boosters for young adults: A risk-benefit assessment and five ethical arguments against mandates at universities”, os investigadores mostram-se mais taxativos, chegando a quantificar o risco dos efeitos adversos de um reforço vacinal nos jovens dos 18 aos 29 anos em confronto com o risco de hospitalização sem vacinação.

    Na análise risco-benefício, os autores estimam que, nos Estados Unidos, para se evitar uma hospitalização naquele grupo etário será necessário vacinar entre 22 mil e 30 mil adultos, uma vez que as complicações em caso de infecção de não-vacinados é sempre rara. Este risco da não-vacinação entra em confronto com o que se conhece sobre efeitos adversos das vacinas.

    person holding white plastic bottle

    Ora, de acordo com os dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – a agência norte-americana de Saúde –, referidos pelos autores, esse número de vacinados, para prevenir apenas uma hospitalização, resulta em 18 a 98 casos de reacções adversas graves, incluindo 1,7 a 3,0 casos de miocardite, e ainda entre 1,37 e 3,23 casos sérios de reactogenicidade capaz de interferir com tarefas diárias.

    Por esse motivo, e porque os investigadores consideram que já existe, naquele grupo etário, uma elevada prevalência de imunidade adquirida por infecção, dizem que, nessas circunstâncias, o perfil de risco-benefício se torna ainda menos favorável. E, nessa medida, criticam a política de imposição da vacina em muitas instituições de ensino superior norte-americanas. Recorde-se que, em Maio passado, pelo menos mil universidades e campus universitários dos Estados Unidos exigiram a vacinação contra a covid-19, e mais de três centenas requereram agora a dose de reforço para aceitar matrículas. 

    Os investigadores relembram ainda que “a vacinação em massa foi promovida como a forma de terminar a pandemia”, mas tal nunca sucedeu, porque a eficácia na protecção contra a infecção decai muito rapidamente.

    Neste contexto, estes investigadores consideram que vacinar jovens adultos com uma dose de reforço, se mostra antiético. Primeiro, porque ainda “não existe nenhuma análise formal de risco-benefício para este grupo etário”; segundo, porque “a imposição da vacina pode resultar num malefício acumulado superior aos benefícios para os mais jovens”; terceiro, porque a redução de infecções nos jovens por via vacinal não acarreta significativos benefícios para a sociedade; quarto, porque a obrigatoriedade da vacina “viola o princípio da reciprocidade”; e por fim, a obrigatoriedade de vacinação tem consequências sociais profundas.

    Em Portugal, a vacinação nunca foi obrigatória, mas a pressão política e mediática para os jovens adultos se vacinarem foi enorme ao longo do ano passado, tanto mais que o acesso a determinados locais esteve condicionado à apresentação de certificado digital.

    De acordo com os mais recentes dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS), virtualmente toda a população com mais de 25 anos fez a vacinação completa, enquanto na faixa dos 18 aos 24 anos se atingiu os 98%. No entanto, o reforço (geralmente, a terceira dose) teve menor adesão: 67% receberam-na no grupo dos 25 aos 49 anos, descendo para apenas 54% entre os 18 e os 24 anos.

  • Bastaram 30 bebedouros para EPAL “arrebatar” prémio ambiental patrocinado por empresa-mãe

    Bastaram 30 bebedouros para EPAL “arrebatar” prémio ambiental patrocinado por empresa-mãe

    Estava prevista a instalação de 200 bebedouros em Lisboa no âmbito da Capital Verde Europeia, mas o projecto arrastou-se e só foram ainda colocados 30 em dois anos e meio. Este ano, nem um. Não houve problema: a EPAL, em parceria com a autarquia de Lisboa e uma associação ambientalista ligada ao PSD, foi mesmo assim distinguida com um prémio promovido pela revista Visão e patrocinado em 60 mil euros pela “holding” Águas de Portugal.


    Uma trintena de bebedouros colocados ao longo dos anos da graça de 2020 e de 2021 foi o quanto bastou para a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL) – em parceria com a autarquia de Lisboa e o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território (GEOTA) – “arrebatar” um prémio de sustentabilidade.

    A inusitada façanha – quase ao nível das ancestrais inaugurações dos chafarizes do Estado Novo – foi entronizada pela revista Visão em Junho passado, através dos Prémios Verdes, cujo patrocínio exclusivo, com direito a contrato no Portal Base no valor de 60.000 euros, foi do Grupo Águas de Portugal – nada mais, nada menos do que a empresa-mãe da EPAL.

    Inauguração do bebedouro da EPAL em Janeiro de 2020

    O contrato em causa incluía também a realização de entrevistas e artigos de opinião de pessoas ligadas a esta empresa pública de saneamento.

    Aliás, entre o júri dos prémios – que contou com cinco categorias – estiveram a própria directora da Visão, Mafalda Anjos, e o presidente do Grupo Águas de Portugal, José Furtado, que tem como seu vice-presidente José Manuel Sardinha, que acumula a presidência da própria EPAL.

    Justificada fica assim a forma como no site da EPAL se anunciou a surpreendente distinção: “Projeto ‘Rede de Bebedouros de Lisboa’ arrebata o galardão ‘Prémios Verdes – Visão+AdP’, na categoria Água e Cidades Sustentáveis”.

    Mas ainda mais espantoso do que o “amor maternal” do Grupo Águas de Portugal para com a sua empresa-filha EPAL é o facto de o projecto dos bebedouros estar ainda muito longe da conclusão. Ou melhor dizendo, está muito atrasado.

    Primeiro bebedouro instalado, em foto tirada na semana passada.

    Em concreto, dois anos e meio se passaram desde a “primeira pedra” e a taxa de execução está em apenas 15%, quase fazendo jus à primeira grande obra pública da antecessora da EPAL: o Aqueduto das Águas Livres demorou mais de 13 anos até chegar a Lisboa no século XVIII no meio de avanços e muitos recuos.

    Lançado com pompa e circunstância em 27 de Janeiro de 2020, com direito à presença do então ministro do Ambiente Matos Fernandes e uma vasta comitiva, o primeiro dos 200 bebedouros, a serem disseminados pela capital, foi “plantado” na Avenida da Liberdade defronte à sede da EPAL. A cerca de 20 metros encontra-se um antigo e elegante bebedouro em pedra lioz, inactivo, como tantos outros em jardins alfacinhas.

    Aplicativo H2o Quality mostra localização dos bebedouros da EPAL/Câmara de Lisboa e das juntas de freguesia.

    Mas este, tal como os outros 199 previstos – que contavam com um orçamento de 400 mil euros –, eram de última geração: “mais modernos e inclusivos, em espaços abertos e fechados, que podem ser utilizados por crianças, adultos e pessoas com mobilidade reduzida”, possibilitando o enchimento de garrafas e de fornecimento de água a animais de estimação.

    Aquando da inauguração deste primeiro bebedouro, enfatizou-se a sua importância na sustentabilidade ambiental e o seu enquadramento nas iniciativas de Lisboa como Capital Verde Europeia. Mas foi-se o ano de 2020, e apesar de se saber que os bebedouros eram de “água da torneira”, o projecto foi perdendo gás. Este ano, por exemplo, ainda não foi colocado nenhum.

    Marcos Sá, assessor de comunicação da EPAL, alega questões contratuais para que apenas estejam até agora instalados 30 bebedouros, faltando portanto 170. “A partir de determinados valores, somos obrigados a fazer concursos públicos, e tivemos de os fazer para a montagem”, esclareceu o porta-voz da empresa.

    Os bebedouros deste projecto podem ser encontrados no aplicativo H2O Quality, que tem também a localização de vários outros patrocinados por juntas de freguesias, nomeadamente Penha de França, Arroios e Estrela, que, aliás, nunca receberam prémio algum.

    A EPAL garante agora que está prevista a conclusão da instalação dos 200 bebedouros  no “primeiro trimestre de 2023”, após ter sido já feita uma adjudicação por ajuste directo. Certamente que se com 15% da “empreitada” concluída se recebeu um prémio, com 100% mais lhe serão atribuídos.

  • Atletas e treinadores de judo não-vacinados pagam mais por participação na Taça da Europa de Seniores em Coimbra

    Atletas e treinadores de judo não-vacinados pagam mais por participação na Taça da Europa de Seniores em Coimbra

    A Federação Portuguesa de Judo (FPJ) enviou ontem uma norma para treinadores e atletas impondo uma discriminação entre quem se vacinou e não se vacinou contra a covid-19, que se reflecte no custo da pernoita em dois hotéis de Coimbra. A justificação para a diferença está, segundo a FPJ, nas diferenças de preços entre testes de antigénio (para quem foi vacinado) e PCR (para não-vacinados), algo que não encontra respaldo na lei portuguesa nem nas actuais normas da Federação Internacional de Judo. Hotéis garantem que nada têm a ver com esta política discriminatória.


    Para participarem na Taça da Europa de Seniores, que se realizará em Coimbra nos próximos dias 27 e 28 de Agosto, a Federação Portuguesa de Judo (FPJ) está a exigir que atletas e treinadores não-vacinados paguem em certos casos mais do dobro pela pernoita em dois hotéis da cidade em comparação com os vacinados.

    A discriminação explícita de preços consta da circular nº 117/22, assinada ontem pelo próprio presidente da FPJ, Jorge Fernandes, onde, além de se indicarem normas de participação, se impõe a obrigatoriedade de envio do certificado de vacinação ou de recuperação por parte de atletas e treinadores, de modo a assim permitir destrinçar depois o tipo de exigências à chegada para a competição. Estar ou não vacinado tem repercussões no preço da estadia nos dois hotéis escolhidos oficialmente pela FPJ: Villa Galé e D. Luís.

    man doing karate stunts on gym

    Com efeito, embora a todos os atletas e respectivos treinadores seja exigido um teste PCR negativo feito há menos de 48 horas antes da chegada ao hotel oficial, a FPJ impõe depois uma discriminação imediata entre vacinados (incluindo recuperados há menos de seis meses) e não-vacinados (incluindo aqueles sem esquema vacinal completo).

    Para os primeiros, a FPJ diz que têm de fazer ainda “um teste antigénio à chegada ao hotel oficial”, enquanto os segundos têm de fazer “um teste PCR”. Os custos são distintos: os testes de antigénio, se forem realizados sem credencial do SNS (nesse caso são gratuitos), podem ter um preço de 18 euros (valor cobrado pela Cruz Vermelha Portuguesa) e os PCR rápidos (com resultados em 30 minutos) chegam aos 70 euros. Ou seja, uma diferença de 52 euros.

    Contudo, saliente-se que aquilo que distingue os testes PCR e de antigénio residente são a melhor sensibilidade e especificidade dos primeiros – ou seja, teoricamente, dão menos falsos positivos e falsos negativos. Deste modo, não existe nenhum argumento científico que permita afirmar que um teste de antigénio seja o método mais adequado para uma pessoa vacinada, e que, para se detectar uma eventual infecção de uma não-vacinada, terá que se usar sempre um teste PCR.

    Extracto da circular nº 117/22 da Federação Portuguesa de Judo impondo preços distintos na estadia para atletas e treinadores em função do estado vacinal.

    O diferencial de preços nos testes exigidos aos dois grupos implica assim que a estadia tenha preços distintos. Por exemplo, um quarto individual para um atleta no Vila Galé custará 117 euros para um atleta vacinado e 190 euros para um atleta não-vacinado – ou seja, uma diferença de 73 euros. A mesma diferença (73 euros) se observa no Hotel D. Luís entre vacinados e não-vacinados. Ou seja, a preços de mercado, mesmo que houvesse necessidade de aplicar métodos distintos, os não-vacinados estariam a pagar sempre mais.

    Miguel Galhardas, responsável da comunicação da FPJ, alega que os valores mais elevados pela pernoita dos atletas e treinadores “não é uma discriminação”, devendo-se apenas “as normas exigidas pelas organizações internacionais de judo”, designadamente a European Judo Union (EJU) e a Internacional Judo Federation (IJF).

    Sucede, porém, que essas normas são já conflituantes. Com efeito, as normas da EJU prevêem um tratamento discriminatório aos não-vacinados, exigindo que façam um teste PCR (ao custo de 80 euros), enquanto que ao vacinados exige apenas um teste de antigénio, mesmo assim a um preço bem acima do mercado (40 euros). Já as normas do IJF não fazem discriminação, exigindo testes PCR para atletas e treinadores, independentemente do estado vacinal.

    woman lying on bed

    No meio desta política discriminatória, os dois hotéis escolhidos pela FPJ mostram-se surpreendidos. Em declarações ao PÁGINA UM, o gerente do Hotel D. Luís em Coimbra diz que nunca houve qualquer política de discriminação de preços com base na vacinação contra a covid-19. “Para nós as pessoas são todas iguais, não fazemos discriminação”, garante Luís Ribeiro da Silva, explicando ainda que “se um hóspede estiver doente, o que fazemos é apenas levar-lhe a comida ao quarto, mas até nessas circunstâncias os preços são iguais “.

    Por sua vez, o Hotel Vila Galé Coimbra esclarece também que os preços praticados pela empresa são sempre idênticos para vacinados e não-vacinados. “Não fazemos preços diferentes nem estamos a perguntar às pessoas se têm a vacina ou se não têm”, frisou André Pereirinha, assistente de direcção daquela unidade hoteleira.

  • ERC dá “raspanete” ao Diário de Notícias por ter chamado negacionistas aos polícias que recusaram vacina

    ERC dá “raspanete” ao Diário de Notícias por ter chamado negacionistas aos polícias que recusaram vacina

    O Diário de Notícias catalogou de “negacionistas” os agentes policiais que optaram por não tomar a vacina voluntária contra a covid-19. Regulador diz que a notícia carece de rigor, não tendo ficado demonstrado que aqueles negassem a existência da pandemia, ou a sua gravidade, ou a validade científica das respostas de combate à doença, como a vacinação.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acusa o Diário de Notícias de falta de rigor num artigo de Novembro passado em que chamava “negacionistas” aos 1.017 agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), 76 da Polícia Judiciária (PJ) e a um número indeterminado de agentes da Polícia de Segurança Pública que, à data, não se tinham vacinado contra a covi-19. Recorde-se que esta vacina nunca foi obrigatória.

    A notícia, da autoria da jornalista Valentina Marcelino, publicada em 28 de Novembro do ano passado – e que viria a ter chamada de primeira página neste matutino – colocava uma tónica na aplicação, ou não, de medidas restritivas operacionais sobre os agentes que se recusassem vacinar por parte das cúpulas daquelas forças policiais.

    Notícia do Diário de Notícias que a ERC considerou não rigorosa.

    Também era destacada, na notícia, a opinião do pneumologista Filipe Froes que considerava “estes dados [eram] preocupantes, como já [tinham sido] os das Forças Armadas”, defendendo ainda que, para estes casos “a vacinação deve[ria] ser forte e reiteradamente recomendada”.

    O artigo noticioso, agora criticado pelo regulador, surgiu 11 dias depois de uma manchete em que, com letras garrafais, também se chamava negacionistas a “centenas de militares das forças armadas [que] recusaram vacina contra a covid”.

    Manchete de 17 de Novembro de 2021 também chamou “negacionistas” a militares que não optaram pela toma da vacina voluntária.

    De acordo com a deliberação da ERC, hoje conhecida, o Diário de Notícias foi advertido “para o estrito cumprimento das exigências de rigor informativo (…), uma vez que não foram carreados os elementos factuais para a compreensão da matéria noticiada”.

    Para o regulador – que tem estado a mudar a sua postura face ao uso indiscriminado de expressões coloquiais, muito em voga pela imprensa, como o de “negacionista” para rotular qualquer pessoa ou grupo que conteste, mesmo com bases científicas, as medidas governamentais –, a notícia não apresentava “os elementos de factualidade veiculados” que justificassem o uso daquele termo contra os agentes que, legal e voluntariamente, tinham decidido não tomar uma vacina não-obrigatória.

    A ERC salienta mesmo que “a partir das informações constantes da notícia [do DN] não se identificam elementos que permitam concluir que os indivíduos não vacinados nas forças policiais e militares neguem a existência da pandemia de Covid-19, ou a sua gravidade, ou a validade científica das respostas de combate à doença, como a vacinação”.

    E, nessa medida, o regulador concluiu que “a utilização da terminologia ‘negacionistas, no caso em apreço, não encontra evidente correspondência com os factos avançados na peça jornalística.”

    Em sua defesa, o DN ainda chegou a alegar “de que a notícia partiu de ‘informações que chegaram ao Jornal a alertar para a existência de negacionistas (a expressão foi exatamente esta) nestas instituições’”, mas a ERC contrapôs que “no texto da notícia não é possível encontrar tal informação”.

    A ERC também destaca que, em abono da verdade, a peça assinada pela jornalista Valentina Marcelino, apenas usava a palavra «negacionistas» no título da notícia, mas salientava que “os títulos não são autónomos em relação às notícias e devem ser vistos como parte integrante das mesmas, não desvirtuando as exigências de rigor informativo.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias.

    Na verdade, em última análise, os títulos são mesmo escolhidos ou são uma responsabilidade directa da direcção deste jornal liderado por Rosália Amorim. Recorde-se que a directora do DN escreveu diversos editoriais usando aquela expressão desprimorosa de forma indiscriminada, mesmo confessando que “de ciência pouco sei, não é (ainda) a minha área de formação ou investigação”. Com efeito, a jornalista é licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Lisboa.

  • Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Desde 1993 há uma lei, cheia de boas intenções, para promover a abertura dos arquivos da Administração Pública aos cidadãos, mas na prática, três décadas depois da sua criação, a cultura de secretismo e de obscurantismo continua bem enraizada. As queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sucedem-se, mas muitas caem em “saco roto”, até porque cada vez mais entidades públicas nem se dão ao trabalho de justificarem os seus actos. A lei até diz que os funcionários públicos têm o dever de colaboração com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar, mas ninguém se importa. Eis o obscurantismo em todo o seu esplendor no Portugal democrático do século XXI.


    Quatro em cada 10 entidades que não satisfizeram pedido de consulta de documentos públicos nem sequer colaboram com a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) quando esta entidade elaborou os seus pareceres após a recepção de queixas. Esta situação é bem reveladora de uma postura de obscurantismo da Administração Pública, que se tem vindo a agravar, como o PÁGINA UM tem revelado.

    De acordo com um levantamento exaustivo aos 304 pareceres resultantes de queixas decididas em 2021 pela CADA – a entidade responsável pela regulação do direito dos cidadãos a acederem a documentos da Administração Pública e outras entidades com funções similares –, houve 121 que ficaram sem resposta à solicitação para serem apresentadas justificações para a recusa.

    open book lot

    Saliente-se que a legislação, criada em 1993, estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”.

    A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), tuteladas pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, encabeçam a lista das entidades públicas ou equiparadas que mais ignoraram a CADA, que é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira.

    A APA, presidida por Nuno Lacasta, esteve envolvida em nove queixas, por recusa de acesso a documentos, e apenas respondeu a três ofícios da CADA. Já Nuno Banza, presidente do ICNF, teve pior desempenho: em sete queixas, deu zero respostas à CADA.

    Na lista compilada pelo PÁGINA UM destacam-se ainda o Instituto da Segurança Social (com cinco queixas não respondidas), a Câmara Municipal de Grândola e o Agrupamento de Escolas dos Templários de Tomar (ambas com quatro queixas, respectivamente), e a Câmara Municipal do Porto (com três queixas). Nestes processos, a vasta maioria dos requerentes são cidadãos.

    Nuno Banza (primeiro à direita), presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Esta entidade teve sete queixas por recusar o acesso a documentos públicos em 2021. Em nenhum caso apresentou sequer justificação à CADA.

    Uma parte substancial destas queixas foi intentada por organizações não-governamentais, sobretudo associações ambientalistas, como é o caso da Zero. No ano passado, esta associação solicitou informação por três vezes à APA e por sete vezes ao ICNF, mas só com a intervenção da CADA conseguiu a informação pretendida.

    Francisco Ferreira, presidente da Zero, lamenta esta situação: “Compreendemos que possa existir dificuldades em responder com celeridade em alguns casos, mas não é aceitável que não haja sequer uma resposta onde se proponha uma data para satisfação pedidos”. Para este ambientalista,“tem de ser implementada uma cultura na Administração Pública que permita uma maior transparência na divulgação da informação”.

    Questionado o Ministério do Ambiente sobre a postura dos seus dirigentes, o gabinete de Duarte Cordeiro diz que, no futuro, “tudo fará para obstar a que estas situações se repitam com entidades que tutela e com elas procurará estabelecer mecanismos para ultrapassar essas dificuldades”, acrescentando que o ministro é “um defensor do acesso à informação por parte dos cidadãos e de uma administração transparente”.

    Quanto à CADA – cujos pareceres são não-vinculativos, ou seja, mesmo se favorável aos queixosos a entidade requerida pode continuar a recusa, obrigando a um processo de intimação no Tribunal Administrativo –, não aparenta grande incomodidade por ser ignorada por muitas entidades da Administração Pública, dizendo que “corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”.

    assorted files

    Sobre a possibilidade de tornar vinculativos os pareceres, Alberto Oliveira refere que “a opção legislativa, desde a primeira Lei [em 1993] (…) tem sido a de contemplar a CADA como uma figura próxima da do Ombudsman, também sem poderes vinculativos.” E acrescenta ainda que “uma característica específica da CADA, face à figura genérica do provedor de justiça, é a de que, diferentemente do que com este acontece, a apresentação tempestiva de queixa à CADA interrompe o prazo para propositura de intimação contenciosa”.

    Uma vantagem que, diga-se, constitui uma vantagem irrelevante ou até contraproducente, porque se as entidades públicas recusarem o pedido do requerente e depois não cumprirem o parecer não-vinculativo da CADA, resta apenas então o recurso ao Tribunal Administrativo. Ou seja, na prática, mesmo que a Justiça dê razão ao requerente, perde-se apenas meses de forma inglória e gasta-se dinheiro, não havendo qualquer punição do dirigente da Administração Pública que recusou indevidamente um direito dos cidadãos.

    Aliás, tem sido para acelerar o processo de acesso que o PÁGINA UM decidiu, em alguns casos, nem sequer recorrer à CADA: opta antes por fazer logo entrar no Tribunal Administrativo um processo de intimação, como aliás sucederá com a recusa da ministra Marta Temido em abrir os arquivos do Ministério da Saúde desde 2020.

    Sobre a norma que estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”, o presidente daquela instituição nada refere. A impunidade é absoluta.

  • Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    A autarquia de Lisboa já gastou, desde Julho do ano passado, quase 430 mil euros a comprar kits alimentares para os centros de vacinação contra a covid-19, através de contratos nada transparentes. O primeiro contrato, em vigor até Novembro, serviu para fornecer a cada utente uma maçã, uma embalagem de água e um mini-pacote de bolacha maria. O segundo contrato, assinado por ajuste directo, no mês passado, no valor de 214.900 euros, serve agora para nada: os centros de vacinação estão praticamente vazios.


    Os centros de vacinação contra a covid-19 em Lisboa estão “às moscas”, mas no mês passado, por ajuste directo e sem contrato escrito, a Câmara de Lisboa comprou 214.900 euros de kits alimentares à Albisabores – uma empresa de importação e exportação de Castelo Branco – para os distribuir pelos utentes.

    O contrato, que durará até 12 de Julho – o que implica um custo diário de 1.760 euros – estará a abastecer os três únicos centros de vacinação ainda abertos, agora com uma procura residual, para não dizer praticamente nula, conforme constatou in loco o PÁGINA UM.

    Centro de vacinação no pavilhão da Ajuda. Apenas cadeiras vazias na passada quinta-feira à tarde.

    Ignora-se também que tipo de alimentos foram agora adquiridos, porque nem a Câmara Municipal de Lisboa nem a Albisabores quiseram fornecer informações sobre esta matéria. O gabinete de Carlos Moedas não respondeu ao e-mail do PÁGINA UM. A Albisabores, após um contacto telefónico, pediu perguntas por escrito, mas depois não respondeu.

    O contrato em causa nem sequer foi reduzido a escrito, usando uma norma do Código dos Contratos Público, abusivamente invocada durante a pandemia, que permite esse expediente sempre que “a segurança pública interna ou externa justifica-o”. Ignora-se em que aspecto a segurança pública esteve em causa para a autarquia liderada por Carlos Moedas fazer ajustes directos para a compra de kits alimentares para um centro de vacinação – uma situação raramente feita em outros municípios. Não existe nenhuma sugestão nem recomendação de índole médica que justifique a necessidade de ingerir qualquer alimento ou bebida após a toma da vacina.

    Entrada do centro de vacinação das Olaias, na sexta-feira passada.

    Em Lisboa encontram-se, actualmente, apenas três centros de vacinação contra a covid-19 em funcionamento, devido à já baixíssima procura. E mesmo esses estão praticamente sem fluxo de pessoas.

    O PÁGINA UM fez, na tarde da passada quinta-feira e sexta-feira, uma visita “encoberta” (sem pré-aviso e identificação) aos centros de vacinação no pavilhão desportivo da Ajuda, no Templo Hindu (em Telheiras) e nos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa nas Olaias, e todos estavam com mais pessoal de enfermagem e de logística do que de utentes.

    Por exemplo, no pavilhão da Ajuda, aquando da visita do PÁGINA UM, quatro funcionários conversavam, ao computador, de frente para cerca de 40 cadeiras vazias. Uma diligente funcionária, de pé, e com os braços atrás das costas, aguardava uma eventual, mas nunca anunciada chegada de pessoas para a inoculação.

    Nas Olaias, o cenário era similar. A sala de espera, de dimensão bem mais reduzida e com menos de metade das cadeiras, poderia ainda ser mais pequena. Mesmo que houvesse apenas uma cadeira disponível seria, mesmo assim, mais do que suficiente, porque durante o tempo da visita do PÁGINA UM foi evidente a ausência de interessados na vacina. Os três funcionários da Câmara que lá estavam, de coletes cor-de-laranja, tinham pouco mais que fazer do que contar o tempo. Pessoas para vacinar não havia.

    À entrada do centro do Templo Hindu Radha Krishna, a recepção aos potenciais utentes era feita por sapadores da própria autarquia. O PÁGINA UM observou aí dois longos corredores com dezenas de cadeiras. Todas vazias. Nos guichés, ninguém levantado: apenas funcionários sentados. O “circuito” terminava num enorme auditório para a denominada “zona de recobro”, onde se observaram um pouco mais de uma dezena de pessoas. Não se vislumbrava ninguém a comer ou com qualquer coisa parecida com um kit alimentar.

    Templo Hindu Radha Krishna, na quinta-feira passada. À entrada, sapadores da autarquia controlavam entrada, mas fluxo era quase inexistente.

    Mesmo sem informação disponibilizada pela autarquia de Lisboa e pela Albisabores, este contrato de 214.900 euros poderá, em princípio, não ser muito diferente daquele que foi também assinado em 19 de Julho do ano passado por estas mesmas entidades.

    Nesse contrato, cujos detalhes também não constam no Portal Base, a Albisabores já teve de se sujeitar a um concurso público e “vencer” uma proposta da Sogenave. Mas também aqui se recorreu a um novo expediente: na sua base esteve um concurso público limitado por prévia qualificação, sem publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, porque não ultrapassava o limite de 221.000 euros. Não ultrapassava, diga-se, por apenas 6.100 euros. Note-se que se tivesse sido o Estado a adjudicar, esse limite seria de 144.000 euros.

    Este primeiro contrato do Verão passado, assinado ainda no tempo de Fernando Medina como presidente da autarquia de Lisboa, esteve também em vigor durante 123 dias – entre 19 de Julho e 18 de Novembro de 2021 –, e o PÁGINA UM apurou que consistiu, em geral, no fornecimento de uma simples maçã, um pacote de água em cartão complexo e, por vezes, um mini-pacote de bolachas maria, acondicionado num saco de papel kraft.

    Kit alimentar do primeiro contrato integrava uma embalagem de água comprada em Espanha, uma maçã e um mini-pacote de bolacha maria.

    Note-se que, neste período, a afluência de utentes para vacinação foi incomensuravelmente superior, mas como se ignora o teor de ambos os contratos, não se sabe quantos kits alimentares foram fornecidos em 2021. E muito menos se sabe quantos kits se prevêem distribuir agora que quase não há pessoas a vacinarem-se em Lisboa. E nem se sabe se haverá, para atrair mais visitantes, uma melhoria nos acepipes a oferecer.

    Apenas se sabe uma coisa: a Albisabores vai sacar da autarquia de Carlos Moedas cerca de 1.760 euros por dia. Todos os dias até ao próximo dia 12 de Julho. Ainda são, até lá, mais 78 dias. Sempre a facturar.