Autor: Pedro Almeida Vieira e Maria Afonso Peixoto

  • ‘Falha técnica’, dizem: Força Aérea revela ‘aos pingos’ contratos de aeronaves para fogos

    ‘Falha técnica’, dizem: Força Aérea revela ‘aos pingos’ contratos de aeronaves para fogos


    No ar, qualquer falha pode ser a ‘morte do artista’, e aí pode-se confiar no rigor da Força Aérea. Já em terra, em frente ao computador e com papelada, a coisa parece já não ser bem assim. O Estado-Maior da Força Aérea (EMFA) somente este mês começou a colocar no Portal Base a informação dos 17 contratos relativos ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais de 2023. São meses de atraso em contratos de milhões que a EMFA diz dever-se a ‘falha técnica’, que não especifica nem é confirmada pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), que gere o Portal Base. Na verdade, a existir ‘falha técnica’, então é um problema crónico da Força Aérea: nos seus últimos 500 contratos divulgados no Portal Base, um total de 64 demoraram mais de um ano a ser publicamente conhecidos. Envolviam 69,2 milhões de euros. Estes atrasos têm estado a beneficiar de uma absoluta impunidade face à passividade do IMPIC e do próprio Tribunal de Contas.


    Falha técnica – ou, melhor dizendo, para se ser rigoroso uma alegada “falha técnica”. É esta a justificação do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA) para não cumprir os prazos de divulgação dos contratos para aquisição dos meios aéreos em 2023 no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR). Os contratos foram sendo assinados em Maio e Junho do ano passado, mas somente agora em Janeiro de 2024 têm sido divulgados alguns destes ajustes directos. Mas ainda faltam mais.

    Com efeito, de acordo com os registos do Portal Base, somente nas últimas duas semanas foram dados a conhecer quatro contratos com a Helibravo, um com a Gestifly e outro com a Babcock. Com a primeira empresa, os ajustes directos totalizam mais de 9 milhões de euros (sem IVA), enquanto o contrato da Gestifly atingiu os 3,8 milhões de euros e os da Babcocck cerca de 600 mil euros.

    Assumindo que está “pendente da resolução de falhas técnicas encontradas nas plataformas ACINGOV e Portal Base aquando das tentativas de publicação”, fonte oficial do EMFA assumiu ao PÁGINA UM que foram assinados 17 contratos em 2023, faltando a “publicação de seis”, dos quais dois do consórcio Helibravo/Elitellina (no valor de um pouco mais de 10,8 milhões de euros) relativos a 10 aeronaves, outros dois da Gestifly (no valor de 9,1 milhões de euros) relativos a nove aeronaves, e outros dois da CCB (no valor de quase 18 milhões de euros).

    Além do elevado montante destes seis contratos que o EMFA diz estarem em falta relativos ao DECIR de 2023 – um total de quase 28 milhões de euros -, na verdade ainda continuam ignotos mais. Com efeito, se o EMFA diz terem sido assinados 17 contratos e assume agora seis em falta, então faltarão conhecer outros cinco, uma vez que, numa pesquisa detalhada da totalidade dos contratos no Portal Base, por agora só lá estão seis. Portanto, os seis já colocados, mais os seis em falta assumidos pelo EMFA dá 12. Para 17 faltam, portanto, se a aritmética ainda é um ramo elementar da Matemática, cinco contratos.

    No ano passado, em Junho, foi anunciado que se previa gastar 68 milhões de euros em meios aéreos de apoio ao combate aos incêndios, mas esse montante somente pode ser apurado após os contratos no Portal Base. Somando os contratos divulgados em Janeiro, e os seis que o EMFA refere estarem em falta, o montante vai em cerca de 51 milhões de euros. Mas ainda faltarão os tais cinco contratos para que haja mesmo 17.

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    O EMFA acrescenta que apenas recentemente se apercebeu de uma falha técnica, “que teve como consequência um atraso na publicação dos contratos mencionados”, mas não indica qual foi, em concreto, a falha, que diz ser extensiva não apenas ao Portal Base mas também à plataforma Acingov. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), entidade responsável pela gestão do Portal Base, mas não obteve ainda qualquer reacção.

    Em todo o caso, estas falhas parecem ser crónicas numa instituição supostamente conhecida pela ‘disciplina militar’ de rigor. Numa análise do PÁGINA UM aos últimos 500 contratos publicados pelo EMFA – que apanham um período desde 27 de Fevereiro do ano passado e hoje – identificam-se quatro contratos em que se demorou mais de 1.000 dias a inserir-se a informação no Portal Base, um dos quais a aquisição de um boroscópio de medição no valor de quase 31 mil euros à Olympus, adquirido em Agosto de 2020 e que só deu entrado no Portal Base em Agosto de 2023.

    Mas isto são só os casos extremos. Se se considerar os atrasos superiores a um ano, ou seja, 365 dias, encontram-se 64 contratos, e aí o montante sobe para os 69,2 milhões de euros. Com atraso superior a meio ano são já 212 contratos, envolvendo um montante total superior a 100 milhões de euros. Contudo, considerando que os prazos de divulgação genericamente previstos no Código dos Contratos Públicos são de 20 dias úteis, o EMFA estará num cumprimento inferior a 20% dos contratos.

    Considerando os 15 contratos acima de um milhão de euros, de entre os 500 mais recentemente divulgados pelo EMFA, apenas em seis se cumpriram os prazos, sendo que nos restantes nove encontram-se três em que a demora foi superior a dois longos anos. Neste caso, destaca-se o contrato de fornecimento de combustíveis por cerca de três anos à Petrogal no valor de 57,3 milhões de euros. A celebração foi a 30 de Setembro de 2021, mas a informação só viu a luz no Portal Base no passado dia 16 de Janeiro. Portanto, uma demora de 838 dias.

    Por sua vez, o contrato de fornecimento de electricidade com a Endesa assinado no antepenúltimo dia de 2021 acabou por somente ontem ser colocado no Portal Base. Teve um preço contratual próximo de 3,5 milhões de euros. Por fim, o contrato de limpeza com a Interlimpe, assinado em 1 de Junho de 2021 no valor de quase 1,2 milhões de euros foi apenas publicado no Portal Base no passado dia 18. Ou seja, um contrato que tinha um período de vigência de 730 dias, demorou 961 dias a ser inserido na plataforma. Portanto, serviu apenas para fazer História.

    Perante este histórico, o ‘guião’ de divulgação dos contratos de meios aéreos para a próxima ‘época de fogos’. No ano passado terão sido contratadas 65 aeronaves, prevendo-se mais cinco para este ano, que o PÁGINA UM não conseguiu confirmar se incluem os quatro helicópteros comprados no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência.


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  • Apelo da Direcção-Geral da Saúde para reforço vacinal em Janeiro foi um ‘flop’

    Apelo da Direcção-Geral da Saúde para reforço vacinal em Janeiro foi um ‘flop’


    Desde o dia 19, a mortalidade total decaiu para números normais para um ‘normal’ mês de Janeiro. estando já abaixo da fasquia dos 400 óbitos por dia, quando nos primeiros 10 dias de 2023 ultrapassaram os 500. Será que se deveu ao apelo da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para os mais ‘incautos’ se irem vacinar contra a covid-19 e a gripe, alargando-se mesmo as faixas etárias a cobrir? A resposta é não. Uma análise do PÁGINA UM aos relatórios oficiais mostra que a taxa de ‘convencimento’ das pessoas que não se tinham vacinado em Dezembro foi bastante baixo ao longo de Janeiro, e mesmo irrelevante para os menores de 60 anos. Aliás, os números da DGS (que nos relatórios ‘inflacionam’ as taxas de cobertura vacinal) mostram mesmo existir uma crise de credibilidade nas vacinas contra a covid-19: mais de meio milhão de pessoas que se foram vacinar contra a gripe rejeitaram o ‘booster’ para reforçar a imunidade contra o SARS-CoV-2.


    A elevada mortalidade no final de Dezembro e nos primeiros dias de Janeiro, sem que a situação epidemiológica da covid-19 e da gripe se mostrasse preocupante, levou a Direcção-Geral da Saúde (DGS) a alterar as normas de vacinação contra estas doenças no passado dia 12. No caso da vacinação sazonal contra a covid19 alargou o acesso aos maiores de 18 anos, e na vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos. Dias depois, a imprensa relatava uma aparente ‘corrida `s vacinas da gripe e covid’, mas, na verdade, o apelo das autoridades de Saúde e dos habituais ‘peritos’ caiu praticamente em saco roto. Foi um flop.

    Com efeito, numa análise do PÁGINA UM às quantidades administradas das duas vacinas entre os dias 1 e 21 de Janeiro – incluindo assim um período anterior ao apelo da DGS – apenas foram administradas, nestas três primeiras semanas do ano – um total de 78.874 doses de vacina contra a covid-19 e 119.672 contra a gripe.

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    Esta diferença de quase 41 mil vacinas confirma uma tendência de maior adesão à vacina contra a gripe e uma crescente desconfiança face à vacina contra a covid-19, numa altura em que o Infarmed continua a recusar a disponibilização da base de dados das reacções adversas (Portal RAM), num caso que aguarda ainda recurso no PÁGINA UM no Tribunal Central Administrativo Sul.

    De acordo com o mais recente relatório da DGS, foram administradas no programa de vacinação sazonal em curso, até 21 de Janeiro, um total de 1.890.126 doses de vacina contra a covid-19, enquanto 2.407.492 quiseram a vacina contra a gripe. Sendo certo que pode suceder haver pessoas que se vacinaram contra a covid-19 e recusaram a da gripe, estes números revelam, contudo, uma quantidade apreciável de pessoas – pelo menos mais de 500 mil – que recusaram a prometida protecção contra os efeitos do SARS-CoV-2 quando foram receber a vacina contra a gripe.

    Contudo, o dado mais relevante, analisando em detalhe os grupos etários, e os números da vacinação de Janeiro até ao dia 21, é a fraquíssima adesão ao apelo das autoridades de Saúde, mesmo nos grupos idosos, sobretudo no caso da covid-19. E quanto aos menores de 60 anos, o apelo foi praticamente ignorado para ambas as vacinas.

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    Considerando as mais recentes estimativas populacionais por grupo etário do Instituto Nacional de Estatística – que, aliás, permitem detectar excessos na cobertura vacinal apresentada nos relatórios da DGS –, e o número de vacinas administradas até finais de Dezembro do ano passado, conclui-se que não se tinham vacinado contra a covid-19 cerca de 38% dos maiores de 80 anos, 43% do grupo dos 70 aos 79 anos, 59% do grupo dos 60 aos 69 anos e quase 96% do grupo dos 18 aos 65 anos. No caso da vacina contra a gripe, a opção pela não vacinação era ligeiramente menor: 26% para os maiores de 80 anos, 31% para o grupo dos 70 aos 79 anos, 53% para o grupo dos 60 aos 69 anos e quase 92% do grupo dos 18 aos 65 anos.

    Significa assim que, estando em causa o ‘convencimento’ dos não-vacinados, os apelos não tiveram grande eco, sendo, aliás, bastante notório a existência de uma crescente desconfiança na vacina contra a covid-19, mesmo numa situação em que as autoridades de Saúde ‘abanaram’ com o espectro de um corrente excesso de mortalidade associado a infecções respiratórias.

    Assim, segundo os cálculos do PÁGINA UM, de entre os ainda não-vacinados contra a covid-19 em Dezembro com mais de 80 anos apenas 3,4% se convenceram a pedir a vacina contra esta doença nas primeiras três semanas de Janeiro. Para a gripe, esse número quase duplicou, mas manteve-se bastante baixo: 6,4%. A adesão à vacinação durante Janeiro pelos não-vacinados em Dezembro) para o grupo dos 70 aos 79 anos foi quase similar: 3,7% e 7,4%, respectivamente, acabaram por receber as doses para a covid-19 e para a gripe. Já quanto ao grupo dos 60 aos 69 anos, essa adesão quedou-se nos 3,0% e 4,9% para a covid-19 e a gripe, respectivamente.

    Ministério da Saúde exagera na taxa de cobertura, usando dados errados na população por grupos etários.

    No caso dos menores de 60 anos, e incluindo somente os maiores de idade), a adesão foi paupérrima: somente um em cada 200 pessoas (0,5%) que não se tinham vacinado contra a covid-19 em Dezembro quiserem receber uma dose de vacina ao longo de Janeiro (até dia 21), aumentando esse valor para menos de um em cada 100 (0,9%) para a vacina contra a gripe.

    Recorde-se que no início de Janeiro foi destacado um aumento dos internamentos nos cuidados intensivos por pessoas ‘não vacinadas’ contra a covid-19 e a gripe – apesar de, como o PÁGINA UM mostrou no passado dia 9, a cobertura vacinal contra a gripe não estivesse assim tão baixa. Contudo, a realidade mostra que este género de campanhas alimentadas pelo medo – que levou a maior parte da população a vacinar-se durante a pandemia – já não está a surtir o mesmo efeito.

    Em todo o caso, a faixa etária dos maiores de 80 anos continua a ‘jogar pelo seguro’. Assumindo a população estimada pelo INE, dos cerca de 724 mil portugueses com mais de 80 anos, um total de 449.310 receberam reforço sazonal contra a covid-19 até 21 de Janeiro, ou seja, 62,04%. Saliente-se que, para este número de vacinas (449.310), a DGS indica uma cobertura vacinal de 65,11%, que se deve ao facto de considerar, erradamente, uma população menor do que a estimada pelo INE, erro que se verifica com a generalidade dos outros grupos etários. No caso da gripe, considerando as doses indicadas no mais recente relatório da DGS (537.010), 74,15% dos maiores de 80 anos vacinaram-se contra a gripe.

    Situação do programa de vacinação sazonal em Portugal para a covid-19 e gripe e taxa de adesão de não-vacinados em finais de Dezembro às vacinas em Janeiro (até dia 21). Fonte: DGS (doses) e INE (para população). Análise: PÁGINA UM.

    Estes valores baixam significativamente para as faixas etárias mais novas, sendo que no grupo etário dos 60 aos 69 anos se observa que quem se vacina contra a covid-19 e contra a gripe é já uma minoria: 40,85%, no primeiro caso, e 47,30%, no segundo. Para o grupo dos 18 aos 59 anos, apenas 4,50% quiseram receber o ‘booster’ sazonal para a covid-19, aumentando para os 8,23% para a gripe.

    Saliente-se que este mês, depois de se ter observado uma mortalidade média diária acima de 500 óbitos até ao dia 11, os registos desceram com a melhoria das condições meteorológicas. Desde o dia 19, o número de óbitos contabilizado pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) estão abaixo da fasquia dos 400, indiciando uma ‘normalização’. Haverá sempre, por certo, quem possa sugerir que foi resultado do apelo de vacinação contra a covid-19, mas, na verdade, a mortalidade para esta doença mantém-se estável desde Agosto de 2022. E se olharmos para os valores deste mês, nada se alterou de forma relevante: entre 1 e 11 de Janeiro, a covid-19 foi responsável por uma média diária de 6,5 óbitos, e entre 12 e 23 de Janeiro situou-se nos 5,8.


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  • Câmara de Faro: contrato de transporte escolar de 1,06 euros custa afinal 370 mil

    Câmara de Faro: contrato de transporte escolar de 1,06 euros custa afinal 370 mil


    Para a Câmara Municipal de Faro, a pacata vila de Aljezur, na algarvia costa vicentina, fica muito mais longe do que Lisboa, e Loulé fica mais distante do que Beja. Ou, pelo menos, é aquilo que se conclui pelas estimativas dos percursos delineados para justificar um ajuste directo para o transporte de crianças algarvias com necessidades especiais para o Agrupamento de Escolas São João de Deus. O mais absurdo deste ajuste directo, assinado pelo presidente social-democrata e que beneficiou uma empresa denominada ‘Mais que um Destino’, é que, no Portal Base, o ajuste directo surge com um “preço contratual” de 1,06 euros. Com a hiper-inflação de distâncias, os encargos chegam, na verdade, aos 370 mil euros, para supostamente pagar mais de 349 mil quilómetros. Daria para quase nove voltas ao Mundo.


    À primeira vista, na consulta do Portal Base, pode parecer surpreendente a ‘diligência’ da Câmara Municipal de Faro em celebrar e divulgar um contrato público no valor de um euro e seis cêntimos. Isso mesmo: 1,06 euros. Mas é mesmo verdade, no passado dia 21 de Novembro, o município da capital do Algarve, liderado pelo social-democrata Rogério Bacalhau, registou um contrato deste valor pela aquisição de serviço de transporte de crianças para as escolas do Agrupamento João de Deus.

    O surpreendente baixo valor ainda se mostrava mais estranho porque o objectivo era transportar para aquele estabelecimento de ensino, integrado na Rede Nacional de Escolas de Referência de Educação Bilingue (com necessidades educativas especiais por serem surdos-mudos), não apenas crianças de Faro como de todo o Algarve.

    Agrupamento de Escolas São João de Deus.

    Porém, uma leitura do contrato propriamente dito celebrado por ajuste directo entre a autarquia de Faro e a empresa curiosamente denominada Mais que um Destino Lda., mostra que, afinal, os gastos públicos vão ser muito superiores. Na verdade, cerca de 349 mil vezes mais do que o valor que consta como “preço contratual”! Ou seja, a autarquia de Faro vai afinal pagar à Mais que um Destino Lda. um total de 370 mil euros, dos quais 140 mil já terão sido pagos no ano passado.

    Em vigor desde 16 de Novembro do ano passado, e com o seu término em finais de Maio deste ano, o contrato refere que, afinal, o valor de 1,06 euros – considerado o “preço contratual”, que será usada como valor para as estatísticas do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção – diz respeito ao pagamento por quilómetro percorrido pelos veículos de transporte de crianças. E é através da consulta do caderno de encargos que se descobrem percursos com as respectivas quilometragens completamente absurdas.

    Com efeito, são quatro os percursos definidos a serem feitos pelo Mais que um Destino, Lda. para levar para a escola e trazer para casa as crianças em número que não é indicado. Logo ‘à cabeça’, o primeiro percurso é Aljezur-Lagos-Faro, para onde se apresenta uma estimativa de 667 quilómetros a ser realizado, segundo o caderno de encargos, pela A22. Portanto, por dia, com esta estimativa, a empresa de transportes receberá 707,2 euros.

    Rogério Bacalhau, presidente da autarquia de Faro, assinou um contrato que estipulava que a distância entre o seu concelho e Aljezur é superior à distância a Lisboa.

    Ora, sucede que a distância entre Aljezur e Lagos é de cerca de 32 quilómetros e entre Lagos e Faro de pouco mais de 82. Ida e volta dá, portanto, 228 quilómetros, que correspondia, ao preço unitário de 1,06, a um total de apenas 241,68 euros. Mesmo que se acrescente mais alguns quilómetros, jamais poderíamos chegar a uma quilometragem diária entre Aljezur e Faro passando por Lagos que é bem superior a ir de Lisboa a Faro e regressar no mesmo dia. Além disso, se imaginarmos uma criança a ser transportada todos os dias 667 quilómetros para ir à escola, estaríamos perante um acto de sadismo.

    No mesmo absurdo caem os outros percursos, onde a realidade geográfica não bate com as estimativas do contrato celebrado pela autarquia socialista. Assim, para o percurso Lagoa-Silves-Faro, o caderno de encargos estima uma distância (ida e volta) de 326 quilómetros, que implicará um pagamento de 345,56 euros.

    Também neste caso, o número estimado no caderno de encargos é desmentido pelas distâncias entre aquelas localidades, que rondam os 70 quilómetros, pelo que uma viagem de ida e volta daria apenas cerca de 140 quilómetros. Ou seja, pelo caderno de encargos, e perante esta hiper-inflação de distância, a empresa receberá por cada transporte diário mais do dobro do que deveria.

    Printscreen do caderno de encargos do contrato de ajuste directo onde constam as “rotas dos percursos” e a estimativa de quilometragem diária.

    Já a viagem de ida e volta entre as localidades de Albufeira, Loulé e Faro, que na realidade ronda os 100 quilómetros, foi estimada no caderno de encargos em 240 quilómetros, enquanto o percurso Loulé, Olhão e Faro, para o qual a autarquia definiu uma distância de 325 quilómetros por percurso diário, faz-se normalmente com uma quilometragem real a bater nos 68 quilómetros.

    Com o objectivo de perceber como foram feitas estas estimativas pelo município de Faro, o PÁGINA UM contactou a autarquia, por duas vezes desde Novembro passado, mas nunca obteve qualquer resposta. Também ficou sem resposta o motivo pelo qual a autarquia de Faro se disponibilizou a arcar com despesas de transporte de crianças que vivem em outros concelhos, sabendo-se que, por regra, o transporte escolar é assegurado pelos municípios de residência das crianças. De igual modo, ignora-se o número de crianças beneficiadas, porque o caderno de encargos é estranhamento omisso quer no número de estudantes a transportar em cada percurso quer na tipologia dos veículos.

    O PÁGINA UM também questionou o Ministério da Educação sobre o número de crianças algarvias a frequentarem aulas em Faro, no âmbito da Rede Nacional de Escolas de Referência, e pediu esclarecimentos sobre os apoios concedidos quer às escolas quer às autarquias quer às famílias dos estudantes, mas não obteve também qualquer resposta ao longo de mais de um mês.

    Aljezur: para a Câmara Municipal de Faro fica mais longe do que Lisboa.

    Também o Agrupamento São João de Deus não se mostrou disponível para informar quantas, afinal, são as crianças surdo-mudas por concelho que frequentam a escola nem para dizer os apoios que recebe do Ministério da Educação, e se incluem o transporte ou alojamento desses estudantes.

    Assim, com tanto silêncio, e perante a hiper-inflação da quilometragem, aquilo que apenas se sabe é que um ajuste directo com “preço contratual” de 1,06 euros vai custar afinal 370 mil euros. E com a hiper-inflação de distância, a autarquia pagará 349.057 quilómetros. Daria para quase nove voltas à Terra – para quem acredita que a Terra é redonda, claro.


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  • 1001 noites (um pouco mais): Agência de promoção do voluntariado aluga hotel de quatro estrelas por ajuste directo usando ‘truque’

    1001 noites (um pouco mais): Agência de promoção do voluntariado aluga hotel de quatro estrelas por ajuste directo usando ‘truque’


    Não é todos os dias que a gerência do Sana Metropolitan, um hotel de quatro estrelas em Lisboa, celebra contratos com entidades públicas. Pelo contrário. No Portal Base constavam, até ao mês passado, cerca de duas dezenas de contratos, mas quase todos de alugueres de salas para eventos. Para dormidas, muito poucos. Em todo o caso, nunca tinham ultrapassado os 20 mil euros. Isto até Outubro deste ano.

    Mas um dia não são dias, e na passada quarta-feira foi ‘dia de festa’ para a Sociedade Hoteleira de Sete Rios, a empresa do Grupo Sana que gere esta unidade. A Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Juventude/Desporto (ANGPE+J/D) – uma entidade pública de promoção do voluntariado juvenil sedeada em Braga e tutelada pela ministra Ana Catarina Mendes – decidiu fazer um ajuste directo no valor de 122.415,39 euros para reservar 1.362 noites (dormidas) para cerca de duas centenas de participantes em acções de formação marcadas para a primeira semana de Dezembro.

    Este é o maior ajuste directo de sempre para serviços desta natureza, de acordo com uma consulta do PÁGINA UM no Portal Base. A factura total deverá atingir, contudo, os 132 mil euros, tendo em conta o IVA (6%) e a taxa turística (2 euros por noite). No entanto, além do custo elevado, houve um ‘truque’ para legalizar mais um contrato de ‘mão-beijada’.

    Para justificar um ajuste directo de tão elevado montante, ainda por cima sem sequer ser feito um contrato escrito, a ANGPE+J/D lançou um concurso público “relâmpago” condenado a ficar vazio porque só esteve aberto durante 49 horas e 11 minutos. Nem mais um segundo. Com efeito, no passado dia 6 de Novembro, a direcção desta agência, presidida por Luís Mendes Alves – membro da Comissão Nacional do Partido Socialista – lançou um concurso público para reservar dormidas, em quatro lotes, com um preço-base perto dos 140 mil euros. O anúncio foi colocado na plataforma acinGov às 15h49, de acordo com o Diário de República, e apenas foi concedido um prazo para propostas até às 17h00 do dia 8, ou seja, apenas dois dias úteis.

    Em consequência de um prazo tão curto para a candidatura e muito pelo facto de serem necessários 216 quartos (com duração variável, mas a maioria para uma ocupação de sete noites) no período compreendido entre 3 e 9 de Dezembro, ou seja, menos de um mês mais tarde, o concurso público ficou vazio. Resultado: a ANGPE+J/D conseguiu assim ‘luz verde’ para um ajuste directo sem contrato escrito. Por sorte, o Sana Metropolitan estava ali ‘à mão de semear’, com muitos quartos disponíveis, de contrário os participantes da formação promovida por esta agência arriscariam ter de acampar debaixo da ponte.

    Luís Mendes Alves, director da Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Juventude/Desporto, tem ocupado diversos cargos do Partido Socialista, integrando actualmente o seu Conselho Nacional.

    O alojamento (que incluirá pequeno-almoço) no Sana Metropolitan – um hotel de quatro estrelas na Rua Soeiro Pereira Gomes, perto da sede do PCP – servirá para os participantes do Ciclo de Formação e Avaliação do Corpo Europeu de Solidariedade, e tem por objectivo dar formação a voluntários nacionais e internacionais, estando prevista a participação de jovens que exercem voluntariado oriundos, segundo informações da própria ANGPE+J/D, “da Alemanha, França, Itália, Espanha, Turquia, Polónia, Luxemburgo, Azerbaijão, Tunísia, Letónia, Áustria, Grécia, Países Baixos, Rússia, Roménia, Angola, Bélgica, Estónia, Suécia, Eslovénia, Finlândia, Palestina, Macedónia, Jordânia, Portugal e Brasil”.

    Mas não seria expectável que eventos desta natureza tivessem uma programação atempada – por motivos logísticos e até para caber na agenda das duas centenas de participantes –, para dar tempo ao lançamento de concursos públicos com maior antecedência, de modo a encontrar soluções mais económicas para o erário público? Luís Mendes Alves, director da ANGPE+J/D, diz que não. “A natureza do processo não permite a programação da formação com meses de antecipação, como gostaríamos e, sobretudo, como conviria ao nosso (curto) quadro de pessoal”, alegou este dirigente em resposta ao PÁGINA UM.

    E acrescenta ainda que “o procedimento em causa [ajuste directo que custará ao erário público cerca 132 mil euros] tem por objeto a aquisição de serviços de uso corrente – alojamento e alimentação – sem exigência de qualquer outra especificidade que não sejam as decorrentes do sector de atividade, sendo o único critério de escolha o preço, pelo que se enquadra nas condicionantes inerentes ao procedimento de concurso público urgente”.

    Apesar de, repita-se, este ser o mais elevado ajuste directo de sempre para alojamento e alimentação, o dirigente desta agência defende que “os serviços a contratar e respetivo caderno de encargos não apresentam complexidade face à prática corrente do mercado, pelo que a utilização do citado expediente [ajuste directo sem contrato escrito] não coloca em causa a respetiva concorrência subjacente ao procedimento”, acrescentando que “apenas pretendíamos serviços que os operadores prestam quotidianamente, sem qualquer complexidade adicional de análise que não corresponda aos serviços e cotações que diariamente prestam”.

    Sobre a razão da escolha específica do Sana Metropolitan, Luís Mendes Alves diz que foi “em virtude de se tratar da entidade que, em função do local e datas definidos para a realização das atividades em causa, das especificações necessárias à boa execução do contrato, bem como da experiência da mesma na prestação desta tipologia de serviços, demonstrou disponibilidade e capacidade de resposta para a realização da totalidade das formações em causa”, acrescentando que foram contactados “vários hotéis da zona de Lisboa, como sejam o Hotel Mundial, o Hotel Vip Executive, o Hotel Ramada, o Sana Metropolitan Hotel, o Lutécia Hotel, o Masa Hotel, o Novo Hotel, o Hotel Mercure, o Hotel Roma, entre outros, sendo que apenas o Sana Metropolitan demonstrou disponibilidade para a realização da totalidade das formações pretendidas nas datas indicadas”.

    A pretexto deste facilitismo no recurso a ajustes directos mesmo quando em causa estão montantes elevados, saliente-se ainda que a ANGPE+J/D quase não sabe o que é um concurso público. De acordo com o Portal Base, desde 2015, ano da criação desta agência, foram celebrados 206 contratos no valor de 3.977.024,77 euros (sem IVA), mas só dois (ambos em 2021 e com um valor total de pouco mais de 143 mil euros) foram sujeitos a concurso público, ou seja, 3,6% do montante global.

    Luís Mendes Alves alega, contudo, que são quatro, sendo dois em 2021, um em 2022 e outro em 2023. Mas se assim é, então a sua agência está em falta na informação constante hoje no Portal Base, onde só constam mesmo dois. E, talvez por ironia, ou não, são dois contratos por concurso público para serviços de alojamento, com direito a caderno de encargos e cláusulas escritas. E os montantes em causa estavam abaixo daquele que foi feito agora por ajuste directo ao Sana Metropolitan.

    O contrato entre a Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Juventude/Desporto (ANGPE+J/D) e a Sociedade Hoteleira de Sete Rios (empresa detentora do Hotel Sana Metropolitan) integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre 24 e 26 de Novembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV / MAP


    Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 699 contratos públicos, com preços entre os 5,00 euros – para aquisição de serviço de cobrança de portagens, pelo Ministério da Defesa Nacional – Marinha, através de ajuste directo – e os 19.950.000,00 euros – para aquisição de Paxlovid, pela Direcção-Geral da Saúde, também por ajuste directo.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 15 contratos, dos quais oito por concurso público, três ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e três por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 13 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Direcção-Geral da Saúde (com a Pfizer, no valor de 19.950.000,00 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a Alnypt, Sociedade Unipessoal, no valor de 3.039.607,20 euros, e outro com a Gilead, no valor de 144.900,00 euros); Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (com a Pfizer, no valor de 1.613.944,10 euros); Estrutura de Missão Recuperar Portugal (com a Inetum España, no valor de 230.482,71 euros); três do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (um com a Terumo Bct Portugal, no valor de 213.788,00 euros, e dois com a Fresenius Kabi Pharma, um no valor de 158.630,40 euros e outro no valor de 152.755,20 euros); Município de Lagoa (com Teresa Sofia Paulino, no valor de 145.000,00 euros); Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (com a J.J.L. – Instalações Eléctricas, no valor de 141.690,10 euros); Hospital da Horta (com a Biomerieux Portugal, no valor de 124.376,37 euros); Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Juventude/Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade (com a Sociedade Hoteleira de Sete Rios, no valor de 122.415,39 euros); e o Hospital de Braga (com a Pfizer, no valor de 105.920,80 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 24 a 26 Novembro (todos os procedimentos):

    1 Aquisição de tratamentos de medicamento Paxlovid (Nirmatrelvir+Ritonavir)

    Adjudicante: Direcção-Geral da Saúde

    Adjudicatário: Laboratórios Pfizer

    Preço contratual: 19.950.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo simplificado


    2Construção de edifício que comporte todos os serviços da autarquia, e da Praça da Democracia Local

    Adjudicante: Município de Valongo

    Adjudicatário: Atlântinivel – Construção Civil

    Preço contratual: 13.994.003,26 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Alnypt, Sociedade Unipessoal

    Preço contratual: 3.039.607,20 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Construção de Lar Residencial para Pessoas com Deficiência

    Adjudicante: CERCIMA – Cooperativa de Educação, Reabilitação, Capacitação e Inclusão de Montijo e Alcochete

    Adjudicatário: Rocwork – Soluções Construtivas

    Preço contratual: 2.597.582,67 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Aquisição de serviços de desenvolvimento e implementação do Sistema de Recolha e Tratamento de Dados

    Adjudicante: Estrutura de Missão Recuperar Portugal

    Adjudicatário: Babel Ibérica, S.A.

    Preço contratual: 1.776.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 24 a 26 de Novembro

    1 Aquisição de tratamentos de medicamento Paxlovid (Nirmatrelvir+Ritonavir)

    Adjudicante: Direcção-Geral da Saúde

    Adjudicatário: Laboratórios Pfizer

    Preço contratual: 19.950.000,00 euros


    2Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Alnypt, Sociedade Unipessoal

    Preço contratual: 3.039.607,20 euros


    3Aquisição de medicamentos e outros produtos farmacêuticos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central

    Adjudicatário: Laboratórios Pfizer

    Preço contratual: 1.613.944,10 euros


    4Aquisição de licenciamento Microsoft 365 E5 e serviços conexos

    Adjudicante: Estrutura de Missão Recuperar Portugal

    Adjudicatário: Inetum España

    Preço contratual: 230.482,71 euros


    5Aquisição de kits

    Adjudicante: Instituto Português do Sangue e da Transplantação

    Adjudicatário: Terumo Bct Portugal

    Preço contratual: 213.788,00 euros

    MAP

  • Câmara de Lisboa: só este ano, contratos em assessoria política atingem os 1,8 milhões de euros

    Câmara de Lisboa: só este ano, contratos em assessoria política atingem os 1,8 milhões de euros


    O PÁGINA UM foi investigar as contratações de serviço político na Câmara Municipal de Lisboa. Até porque ontem foram publicados mais dois contratos no Portal Base para auxiliar uma vereadora do Bloco de Esquerda que, sem pelouro, já conta cinco assessores. Só este ano, celebraram-se 27 contratos, que incluem até jovens militantes, e onde se destaca o ex-jornalista Maia Abreu, com nova avença mensal desde Setembro no valor de 4.616 euros, e que nem obriga à sua presença diária. E até há um assessor para o PPM que vive nos Açores, um exotismo que levou o deputado municipal Gonçalo da Câmara Pereira a insurgir-se face a um pedido de comentário, mandando o jornalista do PÁGINA UM para “o caralho”  e recomendando-lhe a ir “pintar macacos para a China”.


    A Câmara Municipal de Lisboa já contratou este ano mais 27 assessores para auxílio político dos seus autarcas (vereadores e deputados municipais), comprometendo-se a gastar cerca de 1,8 milhões de euros, IVA incluído. Esta lista inclui um contrato celebrado no dia 27 de Dezembro do ano passado, mas com duração de quase dois anos. De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, encontram-se assessores para todos os gostos e carteiras, desde seis assessores a receber mais de 4.000 euros por mês – valores superiores aos salários dos próprios vereadores, cuja remuneração nas duas principais autarquias do país ronda os 3.200 euros – até um contratado por cerca de 1.100 euros, mas neste caso o assessor, para trabalhos de apoio ao grupo municipal do PPM, viverá nos Açores.

    Os contratos têm duração distinta, mas a esmagadora maioria (21) abrange mais de 700 dias. Assim, no presente mês de Novembro, apenas para os contratos celebrados em 2023, a autarquia irá gastar cerca de 81 mil euros, não estando aqui contabilizados os assessores com contratos de prestação de serviços celebrados antes deste ano mas que ainda se encontram em vigor.

    Apesar da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas determinar a inserção obrigatória em “página electrónica, por extracto” dos contratos de prestação de serviços, o departamento de comunicação da Câmara Municipal de Lisboa remeteu o PÁGINA UM para a pesquisa no boletim municipal ou no Portal Base, não enviando a lista dos assessores e dos contratos como outras autarquias fazem. Ou seja, quis que o PÁGINA UM procurasse ‘agulhas em palheiro’. Saliente-se que para cumprimento da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não basta a uma entidade pública dizer que a informação consta no seu site; tem de enviar as ligações ou disponibilizar a informação escrita.

    Apesar disso, o PÁGINA UM predispôs-se a fazer uma pesquisa detalhada, mas morosa, no Portal Base, desvendando alguns casos muito sui generis de aquisição de serviços de assessoria política em contratos em vigor a partir de 2023. Não estão, assim, incluídas as aquisições de serviços políticos celebradas no ano passado, e não se incluindo, deste modo, por exemplo os oito assessores contratados no início de 2022, e ainda em funções, para prestar assessoria a Rui Tavares, vereador sem pelouros do Livre e também deputado na Assembleia da República.  

    A primeira conclusão é que mesmo os partidos sem funções executivas usam os orçamentos camarários para contratar assessores políticos em número assinalável, mesmo podendo recorrer, na recolha de informação, aos próprios serviços administrativos do município. E não contratam, como se observa pelo acima referido para o Livre, a um, a dois ou a três assessores. Por exemplo, actualmente, a vereadora bloquista Beatriz Gomes Dias, mesmo também sem pelouro, já aumentou este mês para cinco o número de assessores, depois de mais dois contratos de prestação de serviços celebrados no passado dia 1, e que ontem foram detectados pelo PÁGINA UM aquando da elaboração do Boletim 1 dos ajustes directos.

    Contratos por ajuste directo em vigor a partir de 2023 para assessoria política na Câmara Municipal de Lisboa, O valor mensal foi calculado em função do preço contratual divido pelo prazo de execução em dias e multiplicado por 30. O IVA é de 23% do valor contratual. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM. Ver aqui em maior resolução.

    Um dos contratos foi com Ackssana Rodrigues da Silva, no valor de cerca de 3.000 euros por mês, especificamente para a “área dos Direitos Sociais, com foco nas questões da discriminação de género e da discriminação racial, das migrações e da proteção de crianças e jovens”. O outro foi com Ana Filipa Gonçalves, que receberá cerca de 3.500 euros por mês para trabalho político genérico. Esta assessora já tinha executado funções similares no gabinete de Ricardo Robles em 2018, um bloquista caído em desgraça.

    Esta vereadora do Bloco de Esquerda conseguira assegurar os outros três assessores entre Abril e Maio do ano passado, cujos contratos ainda estão em vigor. Carolina Almeida da Silva, Carlos Sainica Carujo e Tiago André Teixeira estão a receber por mês cerca de 3.000 euros. Em suma, a ‘folha salarial’ dos cinco assessores políticos para uma vereadora bloquista sem pelouro fica em quase 16.000 euros por mês.

    Mas os primeiros dois lugares do pódio em número de contratos de assessoria política em 2023 são ocupados pela vereadora Joana Almeida, com os pelouros do Urbanismo e da Reabilitação Urbana, e pela vereadora da oposição Floresbela Mendes Pinto, eleita na coligação Mais Lisboa (PS e Livre). Ambas contrataram três novos assessores desde Janeiro.

    Beatriz Gomes Dias, vereadora sem pelouro do Bloco de Esquerda, conseguiu mais dois novos assessores este mês. Já conta cinco, de acordo com os dados do Portal Base.

    A primeira vereadora, eleita na lista de Carlos Moedas, passou a contar este ano com Adriano Prates, Inês Chambel Borges e António Graça Vieira, que se juntaram a mais quatro outros assessores ainda em funções: Bruno Valente Mourão, Rita Apolinário, José Cunha e Henrique Galado, cada um recebendo por mês, com IVA incluído, cerca de 3.000 euros. Os sete assessores podem justificar-se pelas necessidades nos sectores por si tutelados, uma vez que os novos serviços de assessoria se destinam às áreas jurídica, de arquitectura, gestão urbanística e planeamento urbano, e ainda para “apoio à implementação do programa municipal Lisboa sem Fios”.

    Quanto a Floresbela Mendes Pinto – que já esteve do ‘outro lado’, arrecadando cerca de 4.600 euros por mês entre Dezembro de 2017 e Outubro de 2021, quando foi assessora da vereadora Paula Tavares – rodeou-se este ano de Isabel Cotrim, André Ferreira e António Diegues Ramos para “apoio à atividade” do seu gabinete e para “suportar a necessária articulação da atividade autárquica desenvolvida”. Isto mesmo não tendo funções executivas. Não se encontram no Portal Base assessores políticos em anos anteriores para o seu gabinete.

    Mas o partido político que, no conjunto, mais assessores conseguiu contratar este ano para a Câmara Municipal de Lisboa foi o CDS-PP, para auxiliar o vice-presidente Filipe Anacoreta Correia e os vereadores Diogo Moura e Sofia Athayde. Por agora, são oito.

    Rui Tavares, vereador sem pelouro, não teve nenhum novo assessor este ano, mas conseguiu que em 2022 o município lhe pagasse nove, dos quais oito ainda em funções.

    De entre os contratados neste lote destaca-se a contratação do ex-jornalista João Maia Abreu. Há alguns meses, o antigo director dos canais internacionais da TVI suscitou polémica ao ser-lhe adjudicada, por ajuste directo, a liderança da comunicação da Jornada Mundial da Juventude, que terminou em Agosto passado.

    Maia Abreu nem sequer duas semanas descansou, porque Anacoreta Correia conseguiu lhe uma nova avença, no valor de 4.616 euros por mês, por uma assessoria de comunicação de 13 meses. A assessoria não obriga à sua presença diária, uma vez que no contrato apenas se explicita que a “prestação de serviços de aconselhamento, elaboração de elementos e recolha de informações” se fará “quando e sempre que para tal [for] solicitado pelo Gabinete, mantendo disponibilidade e encontrando-se sempre contactável para o efeito”.

    Mas Maia Abreu nem sequer é o que vai receber mais. Rui Castello-Branco Ribeiro, que já exerceu funções no grupo parlamentar CDS-PP, mas perdeu o emprego com a saída deste partido da Assembleia da República, está a auferir cerca de 4.600 euros por mês num contrato até Maio de 2025.

    Há outro caso digno de nota nas contratações para os vereadores centristas: com um mestrado em Ciência Política concluído no ano passado, António Pereira da Silva é um dos assessores mais jovens, estando a auferir um salário mensal de cerca de 3.600 euros, IVA incluído. Vai receber 92.250 euros até Outubro de 2025.

    João Maia Abreu, em 2016, a fazer playback numa festa da TVI. Agora, ‘canta’ na Câmara Municipal de Lisboa, para o vice-presidente Anacoreta Correia, com uma avença não-presencial de 4.616 euros por mês.

    Ainda em relação ao CDS-PP, está neste lote o assessor Pedro Vaz Pinto Furtado de Mendonça, contratado em finais de Janeiro, e que recebeu 7.380 euros no seu primeiro mês de trabalho. Mas, na verdade, o seu contrato, válido até Janeiro de 2025, terá uma retribuição mensal média de cerca de 3.500 euros.

    Mesmo na oposição, o gabinete dos vereadores do Partido Socialista deu as boas-vindas a dois novos assessores. Um deles é o jovem advogado Ricardo Marcos, na casa dos 20 anos, que integra a Comissão Nacional da Juventude Socialista, e que foi contratado para assessorar a vereadora Inês Drummond na área jurídica. Custará à autarquia cerca de 100 mil euros até Outubro de 2025, auferindo um salário um pouco superior a 4.500 euros. Menos sorte teve outro assessor contratado para prestar “apoio técnico” ao grupo socialista: Ricardo Gonçalves Dias só está a receber desde o início deste ano cerca de 1.300 euros por mês.

    Por sua vez, o PSD contratou cinco novos assessores: dois para o gabinete da vereadora Filipa Roseta, dois para o vereador Ângelo Pereira, e um para o Grupo Municipal. Os serviços em causa cobrem desde as áreas das “obras municipais e concretização das acções em habitação incluindo as financiadas pelo PRR” à “higiene urbana”. No total, os contratos feitos pelos sociais-democratas perfazem 189.990 euros. Destes assessores, aquele que está a receber mais é Pedro Silva Vieira, que aufere desde Maio passado cerca de 4.000 euros por mês, tendo o contrato mais longo (915 dias).

    António Pereira da Silva, um dos mais jovens assessores políticos com uma avença de cerca de 3.600 euros por mês.

    Os partidos Chega, PCP e o Partido Popular Monárquico foram, ao longo de 2023, mais ‘comedidos’, tendo contratado apenas um assessor. O PCP contratou um assessor (Fernando Manuel Carvalho Henriques) com um salário de cerca de 2.000 euros por mês para auxiliar o vereador João Ferreira.

    Por sua vez, para assessorar os deputados municipais, o partido de André Ventura conseguiu que o município de Lisboa adquirisse os serviços de assessoria de comunicação, com uma duração de 23 meses, a Sofia Félix Teixeira, uma militante do Chega da freguesia de Penha de França. O custo mensal para os cofres municipais será de cerca de 3.600 euros por mês.

    Por seu turno, o PPM destaca-se por, no grupo de assessores com contrato celebrado este ano, ter o mais ‘baratinho’, mas também o mais ‘exótico’, uma vez que Edgardo Costa Madeira vive nos Açores.

    Gonçalo da Câmara Pereira, deputado municipal de Lisboa pelo Partido Popular Monárquico.

    Com o objectivo de dar “apoio técnico na érea da educação e cultura” ao Grupo Municipal do PPM da Assembleia Municipal de Lisboa, o açoriano Edgardo Costa Madeira – que não respondeu ao pedido de comentário do PÁGINA UM – pode, de acordo com o contrato que lhe vale quase 1.200 euros por mês, prestar o seu trabalho “em qualquer local que o Município de Lisboa designar, desde que se justifique para assegurar a execução dos serviços (…) sem necessidade de anuência por parte do prestador de serviços”.

    Sobre esta contratação, também se quis obter um comentário do único deputado do Partido Popular Monárquico na Assembleia Municipal da capital, Gonçalo da Câmara Pereira, mas este muito republicamente, e com elevado espírito filosófico, declarou, de forma repetida, ao PÁGINA UM: “Vá pintar macacos para a China. Vá para o caralho”.

  • Sporting de Braga: Empresa municipal de água, lixos e esgotos gasta 60.855 euros para ir à bola em camarote

    Sporting de Braga: Empresa municipal de água, lixos e esgotos gasta 60.855 euros para ir à bola em camarote


    Criada em 1999, para suceder aos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, a empresa municipal AGERE foi fazendo, ao longo de mais de duas décadas, o seu trabalho habitual: distribuir água potável, tratar dos esgotos e gerir os lixos urbanos. E assim sempre fizeram, sem interrupções.

    Mas no passado dia 18 de Agosto, porventura para desfastio das horas encerrados em gabinetes, o Conselho de Administração tomou uma solene decisão: deliberou a abertura de um procedimento para a celebração de um contrato para aquisição do… “direito de utilização de um camarote ao Sporting Clube de Braga (SCB) – Futebol, SAD. (Época 2023/2024)”. Nem mais, para ir à bola em camarote num estádio que, formalmente, é propriedade da Câmara Municipal de Braga e arrendado ao clube da cidade por 500 euros por mês. Enquanto tratavam de águas e esgotos, a administração da AGERE demorou a concluir os procedimentos, e o contrato avançou, tendo sido ontem assinado.

    De acordo com o contrato assinado por ajuste directo, a AGERE comprometeu-se a pagar à SAD do Sporting de Braga um total de 60.885 euros (IVA incluído) para a utilização de um camarote no estádio minhoto até ao final da época desportiva em Junho do próximo ano. Contas feitas, como a Administração já ‘perdeu’ quatro jogos em casa do Braga para a Liga, então os 13 restantes jogos vão custar à AGERE, através de dinheiros públicos, quase 4.700 euros por cada 90 minutos de tempo regulamentar. Se consideramos a duração temporal, dará um custo mensal de 7.500 euros para a empresa municipal pelo usufruto do camarote integrado num estádio municipal arrendado por 500 euros ao Braga.

    Embora os preços dos camarotes esteja “sob consulta”, no site do Sporting de Braga apresentam-se fotos de algumas destas instalações, um dos quais tem uma mesa para 10 pessoas, mais do que suficiente para, por exemplo, fazer reuniões do Conselho de Administração da AGERE.

    Para seduzir os interessados, o Sporting de Braga elenca também um extenso rol de mordomias para aquilo que é caracterizado como um “espaço privilegiado para a realização de negócios através do contacto direto com os nossos parceiros”: serviços de catering com direito a hospedeiras, “hospitality account dedicado”, lugares de estacionamento, e a possibilidade de utilização do espaço em outros dias que não os dos jogos.

    E não se esquecem também deliciosos ‘brindes & ofertas’ como camisolas oficiais, cachecóis, canetas e pins, duas viagens para jogos das competições europeias, “oportunidade de tirar uma fotografia com o seu jogador favorito na zona mista” e ainda “possibilidade de um familiar, até 11 anos, entrar em campo com um jogador”. Tudo isto ficará agora à disposição dos administradores da empresa municipal AGERE e mais os seus convidados por 60.885 euros, que correspondem, na verdade, a mais de 250 lugares cativos (Lugar Guerreiro) de época para o estádio bracarense.

    O contrato foi assinado, da parte da SAD do Braga, pelo director financeiro Cláudio Couto e pelo administrador João Pedro Carvalho, enquanto do lado da AGERE as assinaturas são apenas dos administradores Paula Nívea Campos e António Almeida Silva. O presidente da empresa municipal, Rui Morais, chegou a ser economista do Sporting de Braga há duas décadas, não apôs a sua assinatura no contrato.

    Mesmo tendo em conta ineditismo deste contrato – o PÁGINA UM não descobriu qualquer outro similar para uma entidade pública assistir a espectáculos desportivos, muito menos em camarote –, a fundamentação avançada pelo Conselho de Administração da AGERE para este ajuste directo atinge a excentricidade: foi a inexistência de “concorrência por motivos técnicos”, ou seja, a subalínea ii) do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos, que se invocou para, com dinheiros públicos, não se lançar um concurso público para a aquisição de um camarote para assistir à bola. Visto está que a Administração da AGERE queria ver jogos do Braga e só do Braga.

    Paula Nívea Campos, assinou o contrato para o camarote no estádio do Braga. O presidente da AGERE, Rui Morais, que já trabalhou no Sporting de Braga, optou por não assinar.

    Além disto, há informações omitidas no Portal Base, mesmo se a AGERE até foi lesta a publicitar o seu ajuste directo, no mesmo dia em que foi assinado, algo que não é frequente em outras entidades públicas. Por lei, a divulgação deve ser feita no prazo de 20 dias. Com efeito, a versão disponibilizada não oferece detalhes adicionais sobre os termos do contrato, nem inclui o respectivo Caderno de Encargos. Assim, desconhecem-se as condições acordadas entre a empresa municipal e o clube desportivo, designadamente o número de lugares de acesso e outras eventuais mordomias. O PÁGINA UM contactou a Administração da AGERE pedindo esclarecimentos sobre este contrato e os motivos para o pagamento, mas não obteve resposta.

    Recorde-se que o Estádio de Braga vai acumulando polémicas desde que foi construído para o Euro 2004: Depois de ter já custado a módica quantia de 200 milhões de euros ao erário público, quando a estimativa inicial apontava para apenas 29,9 milhões de euros, como refere uma investigação recente do Público.

    Os custos para a Câmara agora liderada pelo social-democrata Ricardo Rio são tantas que a autarquia quer vender o estádio. Apesar de elogiada a sua arquitectura por estar integrada numa antiga pedreira, e ter sido da autoria de Souto Moura, este é o estádio português mais caro de sempre, mas nem sequer terá condições para integrar os equipamentos do Mundial de 2030, uma vez que tem menos de 40 mil lugares.

    Agora, e sendo certo que não estamos a falar de milhões, mas sim de 60.885 euros, a Pedreira (como popularmente chamado), pode passar a ser também conhecido como primeiro estádio português onde uma empresa pública pagou para assistir a jogos de futebol. E de camarote.

    Este contrato não está incluído neste Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos, mas pelo facto de ser mais um caso paradigmático de má utilização dos dinheiros públicos, consideramos relevante divulgá-lo. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV/MAP


    Ontem, dia 26 de Outubro, no Portal Base foram divulgados 678 contratos públicos, com preços entre os 8,57 euros – para aquisição de serviço de comunicações fixas, pelo Ministério da Defesa Nacional – Marinha, através de ajuste directo – e os 67.696.893,79 euros – para empreitadas de linhas de Muito Alta Tensão, pela REN – Rede Eléctrica Nacional, através de procedimento de negociação.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 19 contratos, dos quais 15 por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro, um através de procedimento de negociação e dois por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 10 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Infraestruturas de Portugal (com a Alstom Ferroviária Portugal, no valor de 829.166,20 euros); Município de Albufeira (com a Távola Nostra – Eventos Globais, no valor de 532.000,00 euros); Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (com a Top Atlântico Viagens e Turismo, no valor de 300.000,00 euros); Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (com a Novartis Farma, no valor de 276.100,00 euros); Centro Hospitalar de Trás-os-Montes  Alto Douro (com a Philips, no valor de 149.246,00 euros); Município de Fafe (com a CP – Comboios de Portugal, no valor de 132.749,00 euros); Município de São João da Pesqueira (com a Transdev Interior, no valor de 126.736,84 euros); Banco de Portugal (com a BT Global ICT Business Spain, no valor de 116.100,00 euros); Município de Leiria (com a Fusion Originale International Projects, no valor de 106.070,00 euros); e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (com a Precise, no valor de 104.334,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 26 de Outubro

    (todos os procedimentos)

    1 Empreitadas de linhas de Muito Alta Tensão

    Adjudicante: REN – Rede Eléctrica Nacional

    Adjudicatário: CME – Construção e Manutenção Electromecânica; EIP – Serviços

    Preço contratual: 67.696.893,79 euros

    Tipo de procedimento: Procedimento de negociação


    2Aquisição de energia eléctrica em Alta, Média e Baixa Tensão

    Adjudicante: EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres

    Adjudicatário: Iberdrola Portugal

    Preço contratual: 7.037.817,94 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de energia eléctrica em Alta, Média e Baixa Tensão

    Adjudicante: Águas do Vale do Tejo

    Adjudicatário: Iberdrola Portugal

    Preço contratual: 4.903.430,46 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Fornecimento de energia em Baixa Tensão Normal (BTN)

    Adjudicante: Município de Albufeira 

    Adjudicatário: Endesa Energia         

    Preço contratual: 4.528.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Modernização da infraestrutura tecnológica de centros de dados

    Adjudicante: Secretaria Regional das Finanças     

    Adjudicatário: MC – Computadores  

    Preço contratual: 3.599.835,42 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 26 de Outubro

    1 Aquisição de balizas para alteração dos troços Faro/Vila Real de Santo António e Tunes/Lagos    

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Alstom Ferroviária Portugal

    Preço contratual: 829.166,20 euros


    2Aquisição do evento Albufeira Carpe Nox 2024

    Adjudicante: Município de Albufeira 

    Adjudicatário: Távola Nostra – Eventos Globais

    Preço contratual: 532.000,00 euros


    3Serviços de viagens (transporte aéreo, alojamento e aluguer de viaturas)     

    Adjudicante: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras 

    Adjudicatário: Top Atlântico Viagens e Turismo

    Preço contratual: 300.000,00 euros


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil

    Adjudicatário: Novartis Farma          

    Preço contratual: 276.100,00 euros


    5Substituição de ampolas de TAC e Raio-X

    Adjudicatário: Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro

    Adjudicatário: Philips

    Preço contratual: 149.246,00 euros

    MAP

  • Refugiados ucranianos: Câmara de Cascais paga 180 mil euros ao Continente por produtos que custam 14 mil

    Refugiados ucranianos: Câmara de Cascais paga 180 mil euros ao Continente por produtos que custam 14 mil


    O PÁGINA UM pegou numa calculadora e no “cabaz de compras” de um ajuste directo celebrado entre a autarquia de Carlos Carreiras e o Modelo Continente, e foi saber se era mesmo preciso gastar-se os cerca de 180 mil euros previstos num contrato assinado em Julho passado. E não era: contas feitas a cerca de uma centena de itens, um a um, de mercearia, frescos, congelados e produtos de higiene e drogaria, o total dava pouco mais de 14 mil euros, e já com IVA incluído. A autarquia não quis reagir e o Modelo Continente remete as perguntas do PÁGINA UM para o município. Recorde-se que a edilidade de Cascais já terá gastado mais de 925 mil euros só em alimentação para refugiados ucranianos, incluindo três ajustes directos à mesma empresa (ICA), com periodicidade aleatória, mas recusa mostrar elementos sobre esta actividade.


    Em Julho passado, mesmo tendo contratos de ajuste directo para fornecimento de refeições aos refugiados ucranianos, em número que não quer divulgar, o município de Cascais decidiu estabelecer um estranho contrato com a Modelo Continente no valor previsto de 166.124,88 euros, sem IVA incluído, para a entrega em períodos mensais, durante um ano, de cerca de uma centena de produtos. Com IVA, o contrato deverá aproximar-se dos 180 mil euros.

    No contrato exposto no Portal Base inclui-se, neste caso, o caderno de encargos com as especificações para a aquisição de bens essenciais para o Centro de Refugiados de Cascais, onde consta uma extensa lista de produtos alimentares e de higiene que a autarquia liderada por Carlos Carreiras devia receber do Modelo Continente.

    Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais.

    Nos produtos de mercearia surgem 35 itens, que vão desde 300 embalagens de leite UHT até 100 embalagens de chá de cidreira e camomila, passando por quantidades distintas de açúcar, massas e cereais diversos, feijão e o incontornável atum, cogumelos em lata, azeite e óleo, café diverso e 30 quilogramas de sal, entre grosso e fino.

    Na parte de produtos frescos – que, de acordo com as peças do contrato, deveriam ser entregues, tal como os outros produtos, com uma frequência semanal ao longo de 12 meses – encontram-se 25 itens, começando a lista por 500 embalagens de 600 gramas de jardineira de bovino para guisar e terminando em 60 quilogramas de beterraba sem rama. Pelo meio desta lista consta ainda carne picada, bifanas, salsichas frescas e costeletas de porco e outros produtos de frango e peru, tudo em doses de 50 quilogramas. No caso dos peixes – em quantidade de 10 quilogramas – estão listadas diversas espécies: carapau, cavala, pargo, dourada, robalo, salmão, truta, pota e choco. E depois ainda verduras, como batatas, cenoura, couve e cebola, além de ovos e manteiga.

    Acresciam ainda 13 produtos congelados em embalagens de pesos distintos, abrangendo quer peixes quer legumes. Nestes destacavam-se as 100 embalagens de 200 gramas de corvina e ainda as 48 embalagens de 210 gramas de garoupa.

    bunch of vegetables

    Por fim, no sector dos produtos de higiene, o caderno de encargos listava 25 itens – desde champôs e gel de banho até desodorizantes, sabonetes, tampões e lâminas –, e no sector da drogaria ficaram previstos nove itens, entre detergentes, esfregonas, baldes e vassouras.

    Enfim, a lista é extensa, mas mais do que as quatro páginas – e mais umas linhas de uma outra – com a listagem de produtos e quantidades, aquilo que verdadeiramente surpreende é que, mesmo assim, parece pouco para aquilo que foi combinado na parte financeira entre a Câmara Municipal de Cascais e o Modelo Continente.

    Com efeito, como contrapartida das quantidades listadas no caderno de encargos, a autarquia de Cascais comprometeu-se a pagar a pagar 166.980 euros, sem incluir IVA. Pareceu ao PÁGINA UM ‘fruta a mais’ – embora, curiosamente, só tenha ficado previsto a entrega de 150 embalagens de pêssego em calda com peso escorrido de 480 gramas e ainda 30 latas de polpa de maracujá de 565 gramas. E por isso “fomos às compras” – ou, melhor dizendo, conferimos os preços praticados na loja online do Continente para saber quanto se pagaria por aquele cabaz de compras.

    A pesquisa do PÁGINA UM realizou-se nos primeiros dias deste mês de Outubro. Apesar de nem todos os produtos constantes no caderno de encargos para o centro de refugiados da Ucrânia não se encontrarem à venda na loja online do Continente, procurou-se produtos similares ou os preços em outros hipermercados semelhantes.

    a pile of fish sitting on top of a pile of ice

    E assim, “conseguimos” o cabaz de compras de produtos de mercearia, já com IVA incluído, por 4.078,70 euros. Os produtos frescos ficaram por 5.052,60 euros. Os produtos congelados por 1.256,45 euros, os produtos de higiene por 3.201,86 euros e, por fim, os produtos de drogaria por 770,70 euros.

    Contas feitas, para uma lista de produtos para a qual a Câmara de Cascais assinou um contrato de 166.980 euros, sem incluir IVA (com IVA aproximar-se-á dos 180 mil euros), o PÁGINA UM – e qualquer outra pessoa, incluindo funcionários dos serviços da autarquia liderada por Carlos Carreiras – “faria a festa” por 14.360,37 euros. Ou, noutra perspectiva, compraria um cabaz mais de 10 vezes aquele que foi adquirido pelo município.

    O PÁGINA UM tentou obter comentários da autarquia de Cascais e do Modelo Continente sobre esta contrato pouco ortodoxo de solidariedade com os refugiados ucranianos com evidentes sinais de desperdício de dinheiros públicos. Não conseguiu sequer entrar em contacto com o gestor do contrato, obrigatório por lei, porque no documento constante no Portal o seu nome e função foi apagado. Este procedimento de rasurar nomes de funcionários públicos em exercício de funções públicas é profundamente ilegal, constituindo uma forma de obscurantismo.

    Parte inicial das especificações técnicas dos produtos a entregar pelo Modelo Continente à autarquia de Cascais para cumprimento do contrato.

    No caso da Câmara Municipal de Cascais solicitou-se mesmo a entrega de facturas das remessas de dois meses para conferir as quantidades entregadas e os preços unitários praticados.

    Por sua vez, o Modelo Continente reagiu através de uma agência de comunicação, indicando que as respostas deveriam ser dadas pelo município. Mas mesmo com insistência, a empresa do universo da Sonae não respondeu se foi ponderada a venda daqueles produtos, atendíveis os fins, sem a aplicação de margem de lucro ou uma doação de bens.

  • Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias

    Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias


    Em três campanhas publicitárias desenvolvidas em 2018, a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, violou a Lei da Publicidade Institucional do Estado, que obriga a que se destine pelo menos 25% do custo total de uma campanha estatal aos órgãos de comunicação social regionais e locais. As três multas podem chegar até aos 55 mil euros (e o mínimo será de 7.650 euros), mas a probabilidade de prescrição é elevada por os casos serem anteriores à pandemia. A par com a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Tribunal de Contas detectou também infracções similares em campanhas de outras entidades públicas, entre as quais se destacam a Agência para a Modernização Administrativa, o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes e a Força Aérea. 


    Os casos remontam a 2018, mas a “justiça”, lenta e a passo de caracol, chegou agora em 2023. Três campanha publicitárias da Direcção-Geral da Saúde (DGS), no âmbito da vacinação contra a gripe e o sarampo, envolvendo um montante global superior a 318 mil euros, privilegiaram órgãos de comunicação social em detrimento da imprensa local e regional, e foram denunciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao Tribunal de Contas (TdC). E agora, só no mês passado, a “factura” chegou: a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, foi multada a título pessoal por três infracções com um mínimo de 25 unidades de conta (UC). cada uma, e um máximo de 180 UC, cada.

    Independentemente de já não ocupar o cargo, Graça Freitas está sujeita a ter de desembolsar, contas feitas, entre 7.650 euros e 55.080 euros. Embora estes casos prescrevam ao fim de cinco anos, a intervenção do TdC suspendeu os prazos.

    Campanha publicitária da DGS em 2018 a favor da vacinação da gripe não cumpriu a lei, e Graça Freitas foi agora multada pelo Tribunal de Contas.

    De acordo com o relatório nº 11/2023 de auditoria ao cumprimento dos deveres legais nas Campanhas de Publicidade Institucional do Estado, o TdC entendeu que a DGS não cumpriu com a obrigação legal de destinar aos órgãos de comunicação social regionais ou locais um mínimo de 25% do valor global, incorrendo assim em “infracção financeira sancionatória”, que é da responsabilidade não da instituição mas dos gestores que autorizaram esse procedimento. Além disso, o TdC afirma ainda que a DGS não comunicou à ERC a aquisição dos espaços publicitários dentro do prazo legal de 15 dias após a realização dos contratos.

    A DGS não foi a única entidade fiscalizada após denúncia da ERC. Também os gestores da Agência para a Modernização Administrativa (um processo), o Instituto da Segurança Social (dois processos), o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (um processo), a Empresa Portuguesa das Águas Livres (dois processos), o Instituto dos Registos e Notariado (um processo) e a Força Aérea (um processo) foram alvo da atenção do TdC, tendo havido, com excepção desta última entidade, a indicação de sanções.

    Note-se, porém, que este relatório do TdC tem várias partes rasuradas, alegadamente por normativos legais, não sendo possível uma leitura integral.

    Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.

    Este é apenas mais um caso que confirma que, ano após ano, a comunicação social regional e local tem sido preterida em benefício das maiores empresas de media, sobretudo de televisão, na distribuição da publicidade estatal, sendo este já um problema “endémico”. No relatório anual da ERC sobre a publicidade estatal em 2022, o regulador dos media havia registado cinco casos similares.

    No entanto, foi em 2021, devido à pandemia de covid-19, que se registou um “pico” das campanhas publicitárias, onde se destacou a DGS, que nesse ano gastou mais de 5 milhões de euros. Naquele ano, aliás, bateu-se um recorde absoluto no investimento estatal em publicidade para a comunicação social, ultrapassando-se a fasquia dos 12,5 milhões de euros, dos quais 3,09 milhões para órgãos de comunicação social regional e local. No ano anterior tinha sido de apenas 2 milhões de euros.

    Segundo o último relatório da ERC, ao longo de 2022, os institutos públicos e as entidades que integram o setor empresarial do Estado comunicaram a realização de 112 campanhas publicitárias, no montante global de quase 6,5 milhões de euros, o que representou um decréscimo de quase metade do montante distribuído em 2021. .

    A verba destinada aos órgãos de comunicação social regionais e locais cumpriu a lei, atingindo cerca de 2,4 milhões de euros, correspondendo a quase 37% do total investido na aquisição de espaços publicitários.

    A distribuição irregular de verbas de publicidade institucional, beneficiando os grandes órgãos de comunicação social de âmbito nacional em detrimento da imprensa local e regional, tem causado um crónico mal-estar no sector.

    A Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa), que agrega cerca de 450 sócios, entre grandes empresas nacionais e empresas de menor dimensão, aponta lacunas na Lei da Publicidade Institucional, criada em 2015, uma das quais é “a exclusão de dever de cumprimento de algumas entidades públicas”, como a Caixa Geral de Depósitos ou das instituições de ensino superior, “que todos os anos investem milhares de euros em publicidade institucional.”

    Além disso, o organismo agora presidido por Cláudia Maia lamentou ao PÁGINA UM que “a Lei não prevê sanções verdadeiramente a quem infringe as regras sobre a distribuição à Imprensa Regional”, algo que, adianta, se mostra “particularmente grave porque, ano após ano, tem lesado os órgãos de comunicação social regional e local em muitos milhares de euros.”

    Por outro lado, a APImprensa diz que, em muitos casos, a publicidade institucional é intermediada por agências que “selecionam os órgãos de comunicação social pelos quais distribuem as verbas, o que pouca abona a favor da transparência e da diversidade”, acusando que “são quase sempre os mesmos a receber as campanhas”. E diz ainda que “os valores apresentados nos relatórios da ERC não incluem as comissões das agências, o que faz com que, na maioria dos casos, os valores apresentados como tendo sido atribuídos aos órgãos de comunicação social regionais não correspondam ao que estes efetivamente receberam”, podendo até ser “menos de metade do anunciado”.

    A APImprensa defende, por isso, “uma revisão e clarificação urgente da Lei”, que inclua o direito de “acesso às campanhas reportadas na Plataforma Digital da Publicidade Institucional do Estado, de forma a poder monitorizar e reportar eventuais abusos ou desvios ao que está definido na Lei da Publicidade Institucional do Estado.”

    Adicionalmente, a APImprensa entende que “a ERC deveria ter uma postura mais proactiva e fiscalizadora junto das entidades promotoras, não se limitando a elaborar relatórios sobre o estado da nação no que diz respeito à distribuição da publicidade institucional.”

  • Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas não responde se vai dar parecer sobre “noticiários pagos” na CMTV

    Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas não responde se vai dar parecer sobre “noticiários pagos” na CMTV

    Silêncio ensurdecedor e comprometedor. O director da CMTV, Carlos Rodrigues, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) remetem-se ao silêncio sobre os polémicos contratos do canal de televisão da Cofina e 10 autarquias, que envolveram o pagamento de entrevistas e reportagens de promoção dos municípios em noticiários, com jornalistas como Francisco Penim a servirem de mestres-de-cerimónias. Apenas o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas reagiu, acabando por emitir um comunicado. Mas fala em “cebolas”, quando se perguntou por “alhos”.


    À pergunta sobre “alhos”, o Conselho Deontológico dos Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) deu uma resposta sobre “cebolas”.

    Se em abono da verdade botânica, cebolas e alhos até pertencem à mesma família (Alliaceae) – sendo ambos bulbosos subterrâneos comestíveis –, a resposta da estrutura sindical que aborda as questões éticas dos jornalistas acabou por não responder ao PÁGINA UM sobre se iria debruçar-se sobre os contratos da Cofina com autarquias que resultaram em alinhamentos em programas de informação e com jornalistas a servirem de mestre-de-cerimónias de promoção dos municípios.

    a bunch of different types of onions and onions

    E optou antes, “em resposta às perguntas” do PÁGINA UM, por emitir um comunicado público em que, afinal, se debruça somente nas deliberações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que identificou 14 jornalistas comerciais e instaurou sete processos de contra-ordenação a empresas de media. Recorde-se que as deliberações da ERC foram divulgadas pelo PÁGINA UM no passado dia 3, ou seja, há mais de duas semanas.

    No decurso da investigação do PÁGINA UM ao contratos entre 10 autarquias e a Cofina – que colocou os municípios a interferirem até nos alinhamentos noticiosos da CMTV, com jornalistas (como Francisco Penim, antigo director de programas da SIC) a publicitarem os concelhos e a entrevistarem autarcas –, foram colocadas questões às três entidades com poderes de regulação: ERC, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e CD-SJ. Somente a estrutura sindical dedicada à deontologia reagiu até agora, mas começou por fazer considerações genéricas sobre os deveres dos jornalistas.

    Convidada ontem a explicitar se, em concreto, no caso dos contratos entre os municípios e a Cofina, “o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer”, o CD-SJ respondeu esta manhã informando que “relativamente à sua pergunta de ontem, o CD vai emitir esta manhã, via site do Sindicato, uma posição, que enviamos desde já em anexo.”

    Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os recorrentes “mestres-de-cerimónia” dos programas de informação da CMTV que executaram contratos de prestação de serviços, onde autarquias indicaram entrevistados e definiram alinhamentos.

    O comunicado, entretanto publicado, é, contudo, completamente omisso em relação aos contratos entre a Cofina e a CMTV, nem se debruça sobre eventuais medidas contra os jornalistas envolvidos na execução de parcerias comerciais que envolveram entrevistas pagas e alinhamentos de telejornais.

    Nesse comentário, sem nomear qualquer órgão de comunicação social e muito menos qualquer jornalista, o CD-SJ remete para as deliberações da ERC, divulgadas há duas semanas pelo PÁGINA UM, questiona-se se “ainda estamos a falar de jornalismo” nas situações em que “os temas das notícias são definidos em primeiro lugar por critérios comerciais” e também se verifica, “como tem sido noticiado, a definição prévia de perguntas e de entrevistados”.

    Na sua posição, o CD-SJ reconhece que a criação de notícias pagas “parece cada vez mais comum em muitas redações”, repudiou a “tendência crescente de as empresas jornalísticas transformarem os jornalistas em produtores de conteúdos, num processo que compromete um modelo de negócio que tem por base a credibilidade dos seus profissionais e da informação que divulgam”.

    ERC e CCPJ mantém-se silenciosos perante um caso de reportagens e entrevistas pagas em noticiário da CMTV.

    O comunicado também “sublinha o papel de diretores e editores de informação”, a quem cabe “em primeira instância a responsabilidade de não permitir que estes tipos de solicitações sejam feitas dentro das redações que dirigem”. No entanto, mostra-se claro que são os próprios directores de diversas publicações que participam activamente em eventos comerciais, não ignorando, pelo contrário, que há cobertura noticiosa sem aviso aos leitores de se tratar afinal de publicidade redigida.

    O tom geral do comunicado do CD-SJ acaba por ser, na verdade, extremamente genérico sobre os perigos do “jornalismo comercial”, a precariedade dos jornalistas e a situação financeira complexa dos órgãos de comunicação social e de recomendações à resistência, salientando que “o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”.

    Porém, em termos de acção concreta, para além do inócuo comunicado, nada o CD-SJ adianta. O PÁGINA UM reiterou ao CD-SJ que a pergunta que lhe foi colocada era muito específica e “não foi respondida”, acrescentando que “o vosso comunicado nada tem a ver com a ‘pergunta de ontem’” sobre a Cofina e a CMTV.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    E, por isso, o PÁGINA UM insistiu, no início desta tarde, na pergunta: “face a esta situação em concreto (contratos da Cofina com autarquias, com alinhamento de noticiário e indicação de entrevistados pelo adjudicante, e sua execução por jornalistas da CMTV), o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer?”. E acrescentava-se que a pergunta era “simples, aceita três tipos de resposta, todas noticiáveis: sim, não e silêncio.”

    Até agora, o silêncio do CD-SJ é a resposta.

  • Público é multado pela ERC por publicidade encapotada e exige direito de resposta ao PÁGINA UM por se sentir ofendido

    Público é multado pela ERC por publicidade encapotada e exige direito de resposta ao PÁGINA UM por se sentir ofendido

    O Público vai contestar nos tribunais a decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de lhe aplicar uma coima de 2.500 euros por um artigo que configura ser uma “publireportagem” a promover uma campanha do Banco Santander. Esta intenção do diário da Sonae foi expressa num pedido de direito de resposta exigido ao PÁGINA UM pela publicação do artigo “Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia”, no passado dia 1. O pedido foi satisfeito, apesar de ser dúbio esse direito, de acordo com a Lei da Imprensa, por uma simples razão: a notícia do PÁGINA UM era exacta, factual e até favorável à jornalista visada, porquanto até se analisou o seu histórico de artigos.


    “Injusta e errada” – é assim que o director do Público, David Pontes, reage à coima de 2.500 euros aplicada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao jornal do Grupo Sonae por causa de uma notícia publicada em 2019 sobre uma campanha do Banco Santander.

    De acordo com um texto ontem enviado pelo Público ao PÁGINA UM, invocando direito de resposta, de acordo com a Lei da Imprensa, a coima será alvo de recurso judicial para o Tribunal Administrativo de Lisboa. David Pontes, na sua missiva, enviada em correio registado, alega que a notícia do PÁGINA UM “afecta o seu bom nome [Público], embora esta se baseie numa deliberação pública da ERC, se tenha divulgado a posição do Público no processo e se tenha auscultado a jornalista autora do artigo de 2019, Rosa Soares. Apesar disso, o PÁGINA UM – até para se diferenciar das práticas do Público sobre o exercício do direito de resposta – decidiu publicar o texto de David Pontes.

    black and red bicycle on brown concrete floor
    Campanha do Santander era notícia para o Público. Para a ERC foi publicidade, mesmo sem se conseguir provar pagamento imediato.

    Recorde-se que, em causa, na aplicação desta coima – bastante rara para situações deste género, tendo já sido aplicada uma coima similar ao Observador – estava a notícia sobre uma campanha do Banco Santander que o regulador considerou que era “conteúdo publicitário, no sentido promocional”, devendo por isso ter sido identificada como tal, cumprindo o preceituado na Lei de Imprensa.

    David Pontes, director do Público, vem agora repetir os argumentos então usados pela direcção editorial aquando do processo de contra-ordenação instaurado pela ERC, afirmando que a peça jornalística em causa “foi suscitada, única e exclusivamente, pelo interesse editorial de identificar uma tendência comercial de um sector – os bancos – dando conta de uma alteração da forma como em concreto o Banco Santander estava a actuar”.

    O texto jornalístico do Público vinha, contudo, acompanhado de uma imagem promocional da campanha, e destacava tratar-se da “última oportunidade” para obter um financiamento de 25 mil euros com uma taxa anual nominal (TAN) de 6,99%.

    ERC aplicara já uma coima similar ao Observador em finais de 2022.

    Além disso, conferia detalhes sobre simulação para um empréstimo de 7.500 euros, ressaltando que “o crédito ao consumo tem crescido de forma muito expressiva em Portugal e [que] os ‘saldos’ do Santander são um exemplo da aposta que os bancos fazem, na contratação de empréstimos online”. Na peça, não se fazia referência a nenhuma outra campanha de qualquer outro banco.

    Mas David Pontes alega que, “de forma alguma, o jornal violou (…) a Lei da Imprensa, que, em concreto, estipula que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante.”

    O articulado na Lei da Imprensa diz que se considera “publicidade redigida e publicidade gráfica todo o texto ou imagem cuja inserção tenha sido paga, ainda que sem cumprimento da tabela de publicidade do respectivo periódico”.

    Prinscreen da campanha do Santander, com o endereço do site, que acompanhava a notícia do Público.

    Apesar de não ter provas de contrapartidas financeiras, a ERC entendeu que o artigo do Público teve a intenção de promover uma campanha de saldos em taxas de juros do Santander. Somente dois anos depois, em 2021, é que o diário da Sonae veio a estabelecer uma parceria comercial com o banco espanhol, que inclui o pagamento de conteúdos para a secção “Estúdio P”.

    Saliente-se, no entanto, que nem os conteúdos comerciais do Estúdio P cumprem a Lei da Imprensa , uma vez que não fazem constar a palavra ‘Publicidade’ ou as letras PUB em caixa alta, “no início do anúncio”. Geralmente, os conteúdos do Estúdio P, escritos num estilo jornalístico, apenas colocam uma discreta referência de se tratar de um conteúdo publicitário no final dos textos, apondo as letras PUB em tamanho diminuto.


    N.D. O direito de resposta de David Pontes, director do Público, pode ser lida aqui.