Autor: Nuno André e Pedro Almeida Vieira

  • Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Com a espuma dos dias a desaparecer em redor da pandemia, começam a surgir investigadores com coragem para análises menos emotivas e mais científicas. Anteontem, na prestigiada BMJ Global Health foi publicado um extenso artigo de nove investigadores de diversas universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido onde não se poupam críticas aos abusos cometidos na gestão da pandemia que colidiram “com os direitos humanos e promoveram a polarização social, afectando a saúde e o bem-estar”.


    Nove investigadores norte-americanos, canadianos e britânicos acusam as políticas de vacinação contra a covid-19, seguidas pelos diversos países democráticos, de terem tido “efeitos prejudiciais na confiança do público, na confiança nas vacinas, na polarização política, nos direitos humanos, nas desigualdades e no bem-estar social”.

    Num extenso artigo de 14 páginas publicado na passada quinta-feira na prestigiada revista científica BMJ Global Health, os nove investigadores – que trabalham, entre outros centros, na Universidade de Oxford, Johns Hopkins University (Maryland), London School of Hygiene & Tropical Medicine, Universidade de Washington e Universidade de Toronto – questionam “a eficácia e as consequências da política de vacinação coerciva na resposta à pandemia”, recomendando aos decisores políticos que “retomem abordagens de saúde pública não discriminatórias e baseadas na confiança.”

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    Intitulado “The unintended consequences of COVID- 19 vaccine policy: why mandates, passports and restrictions may cause more harm than good”, o artigo aborda, em detalhe, como foi implementada a estratégia de vacinação maciça e as suas implicações em termos de psicologia comportamental (reactância, dissonância cognitiva, estigma e desconfiança), política e direito (efeitos nas liberdades civis, polarização e governança global), socio-economia (efeitos na desigualdade, capacidade do sistema de saúde e bem-estar social) e de integridade da Ciência e da Saúde pública (a erosão da ética da saúde pública e da supervisão regulatória). E também a forma ziguezagueante como políticos e media se comportaram.

    Reconhecendo que as vacinas tiveram impacto significativo na redução da taxa de mortalidade relacionada com a covid-19, os investigadores criticam sobretudo os mecanismos de coerção e estigmatização implementados nos últimos dois anos, que “provocaram considerável resistência social e política”, o que, segundo eles, tiveram “consequências prejudiciais não intencionais”, as quais “podem não ser éticas, cientificamente justificadas e eficazes.”

    Primeira página do artigo.

    Por exemplo, no caso da adopção dos certificados digitais, como passes sanitários para o acesso a determinados locais, os investigadores salientam que acabou por “colidir com os direitos humanos e promover a polarização social afectando a saúde e o bem-estar”, tendo sido usado com um fito “inerentemente punitivo, discriminatório e coercitivo.” Defendem, por isso, ser da máxima importância uma reavaliação “à luz das consequências negativas.”

    No artigo relembra-se também a manipulação da opinião pública em redor da eficácia das vacinas ao longo do ano passado para incentivar a adesão da população.

    “A lógica comunicada publicamente para a implementação de tais políticas mudou ao longo do tempo”, salientam os autores. Numa primeira fase dizia-se que a vacinação visava a “proteção dos mais vulneráveis”. Em seguida serviria para se alcançar a “imunidade de rebanho’, acabar com a pandemia’ e ‘voltar ao normal’, assim que o suprimento de vacinas fosse suficiente”. Porém,“no final do Verão de 2021” já passou a defender-se “a recomendação universal de vacinação para reduzir a pressão hospitalar e nas unidades de cuidados intensivos na Europa e América do Norte”.

    Sobre as políticas gerais da vacinação obrigatória, os autores admitem que têm sido cada vez mais desafiadas e questionadas, devido à diminuição significativa da eficácia contra a infecção, apontando também que estudos realizados em Israel e no Reino Unido mostram que a “vacinação forçada aumentou os níveis de contestação, especialmente naqueles que já desconfiavam das autoridades”, agudizando a polarização social.

    Neste aspecto, os media mainstream são particularmente criticados pelos investigadores, por terem usado “narrativas simplistas sobre percepções públicas complexas”, sobretudo quando sistematicamente optaram por catalogar as posições críticas como uma “consequência de forças ‘anti-ciência’ e de ‘extrema-direita”.

    Nessa linha, a pressão social sobre os não-vacinados chegou a níveis de perseguição. Por exemplo, ainda que a imunidade natural – adquirida por uma infeção anterior por SARS-CoV-2, tenha fornecido uma protecção significativa, mesmo superior à da imunidade vacinal, “muitos dos que foram infetados acabaram por ser suspensos dos seus empregos ou até mesmo despedidos”, no caso de não se terem vacinado, denunciam os investigadores. “Estas pessoas, ficaram impedidas de viajar ou de participar em eventos públicos”, acrescentam.

    Não ser vacinado passou a ser alvo de uma discriminação automática, incentivada por políticos e mesmo pelos media. Discriminar ou rotular não-vacinados “tornou-se socialmente aceitável entre os grupos de pró-vacinas, media e o público em geral, que viram a vacinação completa como uma obrigação moral e parte do contrato social”, referem os investigadores, mas apontam as consequências nefastas: “O efeito, no entanto, tem sido o de polarizar a sociedade – física e psicologicamente (…) A política de vacinas parece ter impulsionado as atitudes sociais em direção a uma dinâmica nós/eles em vez de adaptativa com estratégias para diferentes comunidades e grupos de risco.”

    Para exemplificar, as atitudes hostis de responsáveis políticos, os investigadores elencam frases ameaçadoras e estigmatizantes de diversos políticos, como Emmanuel Macron, Justin Trudeau, Joe Biden, Jacinda Ardern e Tony Blair.

    A declaração do presidente francês, feita no início de Janeiro deste ano, é bastante reveladora da procura de estigmatização: “É uma pequena minoria que está a resistir. Como reduzir essa minoria? Irritando-os ainda mais… Quando a minha liberdade ameaça a liberdade dos outros, eu passo a ser um irresponsável e alguém irresponsável não é um cidadão”.

    Também a de Tony Blair é destacada: “Precisamos chegar aos não-vacinados. Francamente, se você ainda não está vacinado, se é elegível e não tem razões de saúde para não ser vacinado, você não é apenas um irresponsável, mas um idiota.” E também são salientadas duas intervenções do presidente norte-americano, uma das quais em Setembro do ano passado em que responsabilizava os não-vacinados pela manutenção da pandemia. Joe Biden garantia que se estava perante uma “pandemia de não-vacinados”. Como agora se sabe, as vacinas concedem uma protecção extremamente curta ou mesmo irrelevante na redução da transmissão.

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    Segundo os investigadores, “os governos abusaram [também] do poder, invocando um constante estado de emergência, evitando [assim] a consulta pública”, além de terem demonstrado “que confiavam excessivamente nos dados fornecidos pelas farmacêuticas”.

    Considerando também que “a confiança nas autoridades de saúde se perde quando estas não são transparentes” – até porque não existiu transparência sobre o impacto negativo das vacinas, o que “exacerbou as ansiedades sociais, frustrações, raiva e incerteza”, os investigadores concluem que “as consequências criadas por estas circunstâncias, provocam uma tensão entre os princípios constitucionais e bioéticos, especialmente em democracias liberais”. Razão que os leva depois a relembrar que “as estruturas éticas foram projetadas para assegurar que os direitos e liberdades sejam respeitados mesmo durante a emergência de saúde pública”.

  • Observador acusado pela ERC de falta rigor informativo

    Observador acusado pela ERC de falta rigor informativo

    Durante os primeiros meses do ano, a cobertura dos protestos no Canadá teve uma cobertura enviesada pela imprensa mainstream, tal como já sucedera durante a fase mais aguda da pandemia. A Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) veio agora dizer que o Observador não teve “rigor informativo” quando apelidou os manifestantes canadianos de “antivacinas”. O Observador defendeu que chamar “antivacinas” a quem até pode não ser “antivacinas” constituiu um princípio enquadrado na “liberdade de expressão e de criação dos jornalistas”.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acusou o jornal Observador de falta de “rigor informativo” na cobertura das manifestações no Canadá durante o denominado Freedom Convoy, que sitiou a capital Ottawa, em Janeiro e Fevereiro passado.

    Em causa está uma notícia da autoria da jornalista Tânia Pereirinha, publicada em 30 de Janeiro passado, intitulada “Trump elogia manifestantes antivacinas canadianos: ‘Queremos que aqueles grandes camionistas saibam que estamos com eles’“. Apesar de a jornalista referir que “o protesto [era] organizado contra a lei que vai obrigar os camionistas que cruzem a fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá a apresentar certificado de vacinação contra a Covid-19” – e não contra as vacinas –, acabava por apelidar os manifestantes de “antivacinas”, tanto no título como no lead.

    A deliberação da ERC, do passado mês de Abril, mas apenas divulgada esta semana, surge no seguimento de uma queixa particular contra o Observador, que considerava que «a notícia em causa falta[va] à verdade de forma evidente e (excluindo a hipótese de incompetência total) deliberada». O queixoso dizia ainda que «este tipo de manipulação é grave, é um atentado ao jornalismo e é, por consequência, um atentado à nossa democracia».

    A entidade reguladora veio agora dar razão à queixa, assumindo que o Observador violou as “exigências de precisão, incluindo terminológicas, que envolvem” a actividade informativa, até porque a manifestação canadiana nunca teve como objectivo a contestação à vacinação.

    No processo, o Observador ainda invocou “princípios de liberdade de expressão e de criação dos jornalistas” para apelidar de “manifestantes antivacinas” os participantes do protesto, e que as acusações de falta de rigor constituíam “uma leitura enviesada da notícia em causa». 

    Opinião contrária teve a ERC que considerou não ser aceitável «que um órgão de comunicação social possa justificar uma falha de rigor informativo com base na liberdade de criação ou de expressão, ou mesmo em direitos fundamentais dos jornalistas», concluindo que a designação foi livremente escolhida pelo próprio jornal para referir as pessoas em protesto.

    Recorde-se que o Código Deontológico do Jornalista salienta que “o jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade”, acrescentando que “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”.

    Curiosamente, esta decisão da ERC constitui uma profunda – e bem-vinda – mudança de paradigma na análise da terminologia usada pelos media portugueses por parte dos membros do Conselho Regulador.

    Notícia do Observador publicada em 30 de Janeiro. Durante a cobertura do Freedom Convoy houve declaradas tentativas de associar os manifestantes a movimentos de extrema-direita.

    Durante a pandemia, a ERC nunca interveio para disciplinar a prática corriqueira da esmagadora maioria da imprensa mainstream em apelidar de “negacionista” qualquer pessoa que contestasse qualquer parte da estratégia de gestão política, ou rotular de “antivacinas” quem sequer considerasse que a vacinação voluntária não deveria ser universal – e apenas administrada a grupos de risco – ou que os certificados de vacinação não eram um método eficaz de controlo epidemiológico.

    A ERC chegou mesmo a arquivar em Dezembro passado queixas contra notícias da Visão e do Observador por apelidarem de “negacionistas” todos os manifestantes que contestavam a estratégia política sobre a pandemia, também tendo recentemente ilibado de crítica o jornalista da TVI José Alberto Carvalho por chamar “negacionista” a quem não se vacinou. E a mesma ERC nunca criticou, nem levantou processos, podendo, contra os diversos órgãos de comunicação social (CNN Portugal, Público, Observador, Expresso e Lusa) que apelidaram o PÁGINA UM de “página negacionista” e “antivacinas” em notícias no passado dia 23 de Dezembro.