Não tendo a pretensão de se tornar um guia e muito menos um livro técnico, Lisboa: indo e vindo consegue levar-nos a passear pela cidade e a ensina-nos Arquitectura, História e Arte sem que, para isso, sejam necessários conhecimentos prévios. Podia até ser mais uma no meio de tantas outras obras sobre a capital portuguesa, mas o ritmo, o tom e o estilo convidam a experimentar uma outra forma de conhecer a cidade dos alfacinhas.
A escritora Filomena Marona Beja, num roteiro bem organizado e num estilo peculiar, junta memórias da capital portuguesa à História. No conjunto, revelam-se verdadeiros tesouros de curiosidades. Quem conhece a cidade, facilmente se recordará dos espaços descritos neste livro, e quem ainda não a conhece virá certamente a querer visitá-la.
Como acontece em qualquer lugar habitado pelo Homem, também as cidades sofrem mudanças diárias. Os ritmos de vida, a evolução e o crescimento obrigam à construção de novos prédios, à inauguração de novas ruas e à demolição de edifícios. Por isso, não é tarefa fácil conhecer a génese dos espaços e das gentes, assim como não é fácil acertar no essencial da vida da comunidade, na vida quotidiana.
Para o conseguir isso é preciso viver, gastar tempo, passar pela experiência da cidade. Filomena Beja faz tudo isto com competência e simplicidade. Contrariando outras obras menos credíveis, quiçá mais mercantilistas, desperta os sentidos do leitor e descreve cada lugar de forma expressiva, cristalina. Conta histórias, revela particularidades honestamente sustentadas.
Neste conjunto de escritos a autora foge ao seu estilo habitual. Dedica-se a falar do Poço do Bispo, do Tejo, do Hospital de São José, do Jardim Zoológico, dos cafés lisboetas… Mas, porque estamos a falar de uma cidade tão vasta e tão rica, podemos perguntar: onde estão os outros lugares icónicos como o Campo Pequeno, o Jardim da Estrela, a Feira Popular ou tantos outros espaços que compõem e harmonizam o ritmo da cidade? Sabemos a resposta. Não estão. Não podiam estar. Não tinham que estar. Ainda que tenham feito parte dos 78 anos de vida da autora – e fizeram certamente – contribuir com demasiada informação seria correr o risco de transformar a obra num livro pesado, maçador.
Livros como este são úteis. Neles se guardam memórias pessoais e coletivas. Fixam-se histórias.
Por isso, a crónica, estilo que Filomena Beja adoptou, foi uma excelente opção para deixar saudade a uns, matar a curiosidade de outros e despertar a vontade de passear pela cidade aos demais. São cento e quarenta páginas de equilíbrio e sobriedade. De Lisboa.
Creio que uma das principais diferenças entre o passado e o presente é o facto de estarmos a viver na Idade Global – e não na Antiguidade, nem na Idade Média, nem na Idade Moderna, nem na Idade Contemporânea.
Uma Idade Global em que quase tudo se espalha pelo planeta num espaço de 24 horas – e em que a comunicação real demora menos de um minuto para dar a volta ao globo terreste. Aliás, somente na velocidade do conhecimento e da transmissão, a pandemia foi (ou está a ser) diferente de qualquer uma das anteriores. E hoje, tal como foi ontem, temos economias destruídas e perturbações no quotidiano. Mas, ainda assim, a todas as pandemias os seres humanos sobreviveram e, de quase todas, se vão esquecendo.
Pode parecer irónico falar de esquecimento quando estamos a viver na primeira pessoa, conscientes de que, possivelmente, ainda não passou a pior parte. Agora, depois do medo a que fomos sujeitos, o pior está para vir – principalmente quando soubermos a verdade, quando tivermos acesso a outros ângulos de uma mesma verdade, quando estivermos informados.
Mas, sem querer dispersar, recordo que logo que surgiram arco-íris às janelas escrevi uma crónica no Jornal i que intitulei “Não vai ficar tudo bem” – e não ficou.
Continuo a acreditar que a pandemia, sendo uma porta para a mudança, não é por si um ponto de viragem radical. Exemplo disso foi o infeliz aumento de casos de violência.
Nos lares, onde deveria imperar o amor, houve espaço para a contradição. Contradição que se estende de casa em casa, de rua em rua, de cidade em cidade. A humanidade pode estar à beira da extinção, mas parece que ninguém deu por isso.
A preocupação é, e sempre foi, com a economia, com o dinheiro, com o poder, com a supremacia. A ordem continua a ser: consumir! O sonho continua a ser pautado pela ideia de prosperidade. A receita é simples: acreditar no que nos dizem e seguir em frente. Ordeiros. Sem fazer perguntas. Condicionados.
Mesmo assim, em relação ao passado, temos mais liberdade, melhores condições de vida, mais oportunidades a todos os níveis.
Mas, em troca, tornámo-nos escravos do dinheiro, obcecados, doentes, desequilibrados. Sim, estamos doentes e ainda por cima, além de não reconhecermos isso, não aceitamos o remédio. É como se soubéssemos onde residem as células malignas que nos matam e não estivéssemos dispostos a sofrer para as arrancar.
Pelo contrário, deixamo-nos levar pelo sofrimento não dando espaço ao amor. E sim, é de amor que devemos falar. Amor que tudo suporta e que tudo supera. Amor que, segundo a nossa natureza animal não nos conduz a uma vida isolada e fechada sobre si, mas antes a uma experiência de comunidade. Neste ponto o amor estende-se ao próximo na forma de caridade, solidariedade ou em última análise de fraternidade.
Refiro-me ao amor que, por ser amor não é egoísta, nem mentiroso, nem manipulador. Um amor que não nos prende ou engana como os espelhos ainda que ao ver o nosso próprio reflexo num objeto seja fascinante. Este gesto habitual pode trazer consigo uma inquietação em torno da pergunta filosófica: “quem sou?”. Por princípio, podemos afirmar que o espelho não mente, já que nos revela a verdade que se apresenta diante de si.
Em tom de conclusão, relembremos a história da Branca de Neve. Nela, a bruxa pergunta ao espelho: “espelho meu espelho meu, há alguém mais bela do que eu?” Sim – respondeu-lhe o espelho deixando-a devastada. É aterrador quando nos dão a resposta errada. Errada, na medida em que não era aquela que desejávamos ouvir.
Já alguma vez vos aconteceu chegar a casa, olharem-se ao espelho e perceber que afinal uma certa peça de roupa não fica assim tão bem? É justamente aqui que reside o ponto. Há espelhos que nos mentem. As lojas de roupa ou os ginásios que o digam, são autênticas máquinas de distorção da realidade.
Ainda sou do tempo da diversão da casa dos espelhos na Feira Popular. Lá, todos os espelhos eram assumidamente mentirosos e apesar de tudo, divertíamo-nos muito com isso. Talvez pelo descaramento da mentira. A quem não se recorda ou nunca conheceu este divertimento, explique-se que era um circuito labiríntico de pequenas salas de espelhos que brincavam com as nossas formas, faziam-nos gordos, magros, cabeçudos, anões ou gigantes… Riamo-nos das mentiras que nos contavam. Sabíamos que lá no fundo tudo aquilo era ilusão.
O problema surge quando olhamos para os espelhos mentirosos e acreditamos que aquilo que estamos a ver é verdade. Em última análise, não é o espelho que nos julga, mas a nossa consciência. A mesma consciência que nos acompanha e pressiona a cada decisão. A mesma consciência que nos obriga a seguir os padrões de beleza e de verdade que alguns cretinos tiveram a liberdade de definir.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Desde os primórdios da Humanidade, as diferentes civilizações têm olhado o sol tecendo considerações religiosas, filosóficas e científicas. Se é graças à sua luz e calor que há vida na Terra, é também por sua causa que a vida um dia se extinguirá.
Este astro começa por ser uma bola de hidrogénio, que se vai apertando e aquecendo até atingir cerca de dez milhões de graus centígrados. Depois, entra numa reação com a fusão do hidrogénio e vive cerca de vinte milhões de anos neste estado. Até ao presente, estima-se que tenha atingido aproximadamente metade da sua vida e, por isso, terá em média mais dez milhões de anos pela frente até que se consumam os elementos químicos que o compõem.
Mais tarde vai dilatar-se, depois de ter arrefecido e contraído, fase essa em que se transformará num gigante vermelho. É algures neste o momento que se espera o fim da Terra.
Não deixa de ser curioso que os textos sagrados do Antigo Testamento tenham escolhido a luz como primeiro acto da criação e expressão da vontade de ordenar o Mundo. Este princípio criador, que vai do caos à ordem, arrola a necessidade de conferir lógica à Vida – aliás, ideia presente noutros textos, noutras religiões, noutras tradições filosóficas que se reflectem em símbolos e sinais.
Num mundo perturbado, a palavra ordem pode assustar. Associa-se frequentemente a palavra ordem a ditaduras e a tiranos, mas a ordem é muito mais. Por ordem entenda-se dispor as “coisas” no seu devido lugar. Não simplesmente porque uma vontade isolada o queira, mas porque a natureza e a vida se encarregam de dar um lugar para todo o existencial.
Graças à ordem, o que se encontra em potência pode tornar-se Acto. Imagine-se uma árvore que se encontra em potência numa semente. Dir-se-á que está em potência porque ainda não é uma árvore. Mas, se a semente for deitada à terra no tempo próprio, se for regada e se não for destruída, poderá chegar ao acto – ser uma árvore.
Parece-me oportuno relembrar que toda a criação guarda, além de um ritmo próprio, segredos de funcionamento que nos compete descodificar e descobrir.
Podemos chamar Conhecimento – que é e deve ser libertador, pois só o ignorante conserva tantos medos e preconceitos; somente aquele que ainda não recebeu a luz continua a viver às escuras.
Por tudo isto, educar pode significar, precisamente, transmitir conhecimento às gerações futuras, de tal forma que estas possam, depois de o enriquecer, dar continuidade à sua transmissão.
A História isto nos ensina – não há sociedades perfeitas, ninguém guarda o saber absoluto, ninguém se reduz ao exemplo. Para sermos “hoje melhores do que ontem e amanhã melhores do que hoje”, precisamos mudar, crescer, aprender, pensar.
E, porque somos dotados de inteligência, é sempre oportuno recordar que assim como sol, todos temos o nosso tempo de vida e por isso, dado que tudo tem uma Ordem, nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida a outro ser humano, uma vez que a vida não é uma luz que se pode apagar por vontade de alguém – é um Acto pleno em torno do qual todos giramos.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
As células comunicam, os órgãos comunicam, os animais comunicam; aliás, a própria Natureza é um complexo sistema comunicante.
Num olhar sobre a História da Humanidade, percebemos de que forma a comunicação tem funcionado como catalisador do pensamento racional – particularidade que favoreceu o pensamento crítico, capaz de julgar, relacionar e decidir em consciência e liberdade.
A propósito da Era Global em que vivemos, onde a informação se difunde a alta velocidade ligando todos os pontos do globo em poucos segundos, gostava de vos falar um pouco sobre uma regra pela qual pautamos a nossa comunicação.
Se, por um lado, podemos afirmar que evoluímos, retirando das novas tecnologias o melhor partido, também é verdade que aos poucos criámos uma dependência, quiçá doentia, em torno desta mesma conexão que, fazendo-nos sentir tão acompanhados, nos deixa tão sós.
Recordemos: “O homem age e o animal reage”.
Esta é uma verdade quando nos referimos ao estado normal da consciência humana; porém, quanto mais dependemos das tecnologias mais parecemos não ser capazes de pensar sobre o que nos rodeia, tomando por vezes decisões irracionais até na luta pela sobrevivência, conscientes de que a Humanidade tende a viver em comunidade e, assim, só é capaz de vingar através de sistemas interligados que potenciam todas as ideias e vontades em torno da construção de um mundo melhor, mais justo, pacífico e tolerante.
Por isso, acreditar nesta ideia é também entender que somos parte activa e responsável na transformação histórica desde que a Internet surgiu para ligar pessoas umas às outras. Internet que é, sem dúvida alguma, a maior reserva de informação que alguma vez existiu e uma via a infinitas possibilidades de conteúdos.
Por tudo isto, podemos entendê-la como um psicoactivo que gera sensações de novidade, imprevisibilidade e euforia, comunicando e consumindo-se instantaneamente, prestando-se ainda à evasão do quotidiano, das gentes e dos lugares envoltos numa névoa de sentimentos penosos.
Ainda assim, a Internet parece ser um espaço democrático: todos a ela acedem em condições de igualdade, em certa medida. Neste mundo paralelo, todos temos espaço para dizer algo, mesmo que disfarçados com nomes, perfis ou avatares virtuais, acreditando, contudo, que estamos a influenciar o real – e influenciamos.
Entretanto, na realidade virtual podemos ter mil caras, mil opiniões, milhões de certezas. Dominemos ou não o conhecimento, opinamos, julgamos, defendemos, manipulamos… É este outro dos grandes riscos: arruinar a capacidade de ser. Somos o que fazemos, o que dizemos, o que pensamos.
Navegando pela Internet, assumimos responsabilidades profissionais, temos acesso à cultura, ao lazer, ao consumo, a diálogos e a monólogos, encontros e desencontros. A vida virtual também é real e por isso é um espelho daquilo que somos. Usamos, abusamos. Vivemos, vadiamos. Fingimos. Mentimos, desmentimos. Traficamos. Ameaçamos, asfixiamos. Matamos. Ou não.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Um lugar sagrado evoca muito mais do que o respeito pelo religioso; e, por isso, dependendo de cada cultura religiosa, somos levados a viajar pelos símbolos, pelos efeitos, pelas regras da geometria, da acústica, da óptica. O espaço sagrado torna-se, portanto, uma dimensão pela qual o ser humano viaja para se conhecer e se encontrar com o Divino.
Despertado pelos sentidos, pelas emoções e sensações provocadas por cada símbolo, por cada forma, pelo silêncio, pela luz, pelas sombras, pela presença e pela ausência, a Humanidade sacraliza o que está fora para depois despertar o que se encontra dentro.
Num ritmo que nos leva a uma permanente linguagem simbólica pela qual os sinais sensíveis dos mistérios inteligíveis constituem, para a Humanidade, um caminho ousado, misterioso e desafiante, que nos segreda, passo a passo, em cada pista, em cada sentido, em cada forma.
Também por isso, muito antes da maioria de nós saber ler e escrever, as histórias são fixadas pela pintura, pelos vitrais, pelos azulejos, pela arte. Não fosse a fraqueza humana e tudo pareceria perfeito.
Assentemos agora os pés na terra e recordemos a imagem do cão – símbolo de fidelidade, proteção, vigilância. Representação animal que, do Egipto Antigo à Grécia, atravessando tantas outras culturas e civilizações, se mantém transversal no significado e na proximidade aos humanos.
Diz o povo que: “Cão que ladra não morde” – um provérbio popular que se refere aos que muito falam, pouco fazem, confundem, perturbam, se intrometem, mas não são consequentes. Ora, durante os últimos seis meses, viu-se isso contra o jornal PÁGINA UM – nenhum ousou e conseguiu morder. Verificou-se o ditado.
Estratégia diferente adoptou o jornal de onde vos falo: ladrou e tem mordido, nem sempre por esta ordem. Tem deixado marcas. Muitas e diversas.
Mas, ainda a propósito dos cães e do jornalismo, gostava de recordar as velhas lutas mortíferas – que são, muitas vezes perversamente manipuladas pelos humanos ao cortarem as caudas dos cães para evitar a desistência – já que é metendo a cauda entre as patas que o animal manifesta o medo e a derrota.
Acto desumano, esse, o de amputar um membro que pode manifestar alegria ou medo. Perdoem-me a correcção – gesto, quiçá, demasiado humano.
Mas gostava de acrescentar algo mais à crónica de hoje. Durante muito tempo associou-se à língua daquele ser vivo a ideia de cura.
Julgou-se que as feridas saravam mais facilmente quando eram lambidas por um cão do que sendo simplesmente lavadas com água que tudo lava – benditas as línguas destes pequenotes que, deixando-se comprar por biscoitos e afagos, continuam fiéis companheiros.
Ora, assim se conclui facilmente que o comportamento canino é um franco resultado de uma relação e de uma tensão entre o estado selvagem e instintivo e a estreita ligação aos humanos. Somos todos muito parecidos, pena que a língua humana não seja tão eficaz a sarar como eficaz é a ferir.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Habituámo-nos aos números. São símbolos, mas também das principais formas de nos exprimirmos, de comunicar, de entender. Basta ligar o rádio, a televisão ou simplesmente navegar pela internet para perceber como aqueles invadem o nosso pensamento e nos revelam, e nivelam, o interesse pelos acontecimentos.
Aparentemente, tudo se resume a algarismos, e o domínio destes revela-se um dos primeiros sinais da entrada na vida adulta – quando passamos a saber de cor, por exemplo, o nosso número de contribuinte.
Alguns adultos são até tão adultos que decoram também o número do cartão de cidadão, o número da segurança social, o número da conta bancária – e tantos outros números que chega a ser possível igualá-los a uma verdadeira máquina registadora.
Este estado de sedução, a que hoje me refiro; é compreensível; afinal, são os números que respondem às perguntas consideradas fundamentais, que nos apresentam e distinguem: a data de nascimento, o número de irmãos, a média das notas da licenciatura, o tempo de serviço, quanto pesamos, quanto medimos, quanto ganhamos, enfim…
Porque a mediocridade tomou conta do coração de muitos, perdemos, ainda que aos poucos, o verdadeiro sentido destes aliados simbólicos.
Pitágoras, um homem sábio, sobre quem pouco se sabe, nada escreveu, e por isso ninguém pode afirmar em absoluto aquilo que por ele terá sido dito. Aliás, aqui está uma curiosa característica comum aos que alcançam o nível mais profundo de conhecimento: nada escrevem (excepção feita para cronistas…).
Diz a tradição que tanto Pitágoras como os seus alunos mantinham um silêncio pouco habitual. Julga-se saber que este mestre viajou por muitos lugares, não sentindo, ainda assim, a necessidade de registar essas experiências – o que hoje corresponderia à publicação de fotografias e vídeos, numa qualquer rede social. Mesmo assim, o filósofo e matemático concluiu que tudo no universo segue regras e proporções matemáticas.
Portanto, se entendermos as relações numéricas e matemáticas conseguimos entender o cosmos. E, por isso, a Matemática tornou-se o modelo básico do pensamento humano, levando-nos, por sua vez, a afirmar que “os números governam as ideias”. Comprova-se na Música, na Geometria, na Arquitectura, na Física, na Química e em tantas outras áreas do saber.
A ideia de falar sobre números e sobre Pitágoras surgiu-me a propósito da época de exames nacionais. Havemos de falar de números, de muitos números, sejam sobre a quantidade de alunos, a relação das médias nacionais, as percentagens, o ranking.
Aliás, ainda a propósito da ideia de se avaliar segundo cálculos matemáticos, a qualidade da aprendizagem reduz-se hoje a partir da posição que ocupa cada estabelecimento de ensino numa lista de médias nacionais.
Contudo, há um pormenor a reter: por um algarismo, uma virgula ou um sinal, o cálculo matemático erra um resultado. A Matemática é rigorosa. Talvez seja isso que nela nos assusta; afinal, geralmente não somos bons a Matemática – dizem-nos, ironicamente, as estatísticas. Explica-se assim porque somos maus a pensar e, consequentemente, péssimos com as ideias.
Porém, nem tudo está perdido – caso saibamos assumir a postura de eternos estudantes, reaprendendo a contar (verdades), a somar (qualidades), a subtrair (defeitos), a multiplicar (amabilidades) e a dividir (com todos).
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Em Lisboa: indo e vindo, a escritora Filomena Marona Beja junta, num estilo muito peculiar, a sua memória da capital portuguesa com a História e as estórias que, no conjunto, revelam verdadeiros tesouros de curiosidades. O pretexto da conversa com o PÁGINA UM era para ser uma breve conversa sobre o seu mais recente livro, editado pela Parsifal, mas acabou por resvalar para uma longa e agradável viagem de memórias e sentimentos por uma cidade que só pode ser aprendida e apreendida devagar, a pé, sempre a pé.
O seu nome, enquanto autora, tanto aparece numa versão curta – Filomena Beja – ou numa versão mais longa – Filomena Marona Beja. Com qual delas prefere assinar?
Na escrita, é sempre Filomena Marona Beja. Há uma coisa engraçada: eu sou escritora, fui documentalista de arquitectura escolar e escrevi muitas obras, e, no âmbito profissional, era sempre conhecida como Filomena Beja. Uma vez, a Biblioteca Nacional perguntou-me se ambos os nomes eram da mesma pessoa e eu disse que sim; então, estou na Biblioteca com os dois nomes.
Pelo que escreve, percebe-se que é pessoa atenta, com uma invulgar capacidade de absorver em pormenor o que a rodeia. Este livro tem, aliás, uma riqueza excepcional de sensações, que nos “aguça” os sentidos…
Eu acho que é o quanto gosto de Lisboa que está neste livro, e o facto de conhecer muito bem Lisboa.
Identifica-se então como uma lisboeta, uma alfacinha.
Mais alfacinha do que lisboeta. Sou lisboeta, porque nasci em Lisboa, e sou alfacinha, porque vivo essa cultura e porque a sinto.
E o que é ser alfacinha?
[risos] Olhe, é saber andar a pé em Lisboa, é saber olhar para as coisas, é gostar da luz, é saber ir de um lado para o outro e é sentir-me lá bem. Ser alfacinha é, sobretudo, isto. É a comida, é o próprio falar. Eu sei que nós, os lisboetas, não damos por isso, mas temos uma pronúncia. Além de falarmos depressa, temos uma pronúncia própria. Abrimos um bocado os últimos “o”, e essas coisas assim, e usamos termos que são de Lisboa, porque Lisboa foi sempre um encontro de tudo e mais alguma coisa. Tanto do que veio de fora, que nos chegou nas caravelas que iam entrando no Tejo e nos mercadores que iam cá deixando as coisas; como no que depois, a determinada altura, quando eu era pequena, no fim da Segunda Guerra Mundial, as pessoas deixaram de ter, no campo, os mesmos meios de rendimento que tinham tido até aí, e começaram a vir trabalhar para as fábricas… foi um vir de longe para cá e essa mistura, o continuar a querer falar à maneira de Lisboa e a querer as coisas à maneira de Lisboa, isso é ser alfacinha, acho eu.
Mesmo correndo o risco de se tornar francesa… [risos]
Foram os franceses que me educaram, sim. Aprendi a escrever ao mesmo tempo nas duas línguas, mas isso foi outra história. Foi do lado do meu pai, que era tradutor na Companhia dos Caminhos de Ferro. Ele ajudou, durante a guerra, a resistência francesa, e chegavam-lhe refugiados, gente que vinha escondida nos comboios, que ele ia buscar a Santa Apolónia, e conseguia depois passar para Inglaterra. E, no fim, teve a roseta da Liberdade de França e convidaram-no a ir para à escola francesa. Na altura, ainda fiz a primeira e a segunda classe na École Française de Lisbonne, que ficava na Travessa do Forno do Tijolo. Entretanto, estava a ser construído o Liceu Francês, que ficou com o nome de Charles Lepierre, que era professor de química no Instituto Superior Técnico. E, quando eu fui para a terceira classe, inaugurámos o Liceu. Há sessenta anos. Aprendi com os franceses uma coisa muito importante: o que é a liberdade e que se é livre desde que se seja responsável. E nessa altura isso não se aprendia no ensino português. Foi essa a história [risos]. Também me ensinaram que quando falasse português, era português, e quando falasse francês, era francês. Portanto, eu não podia misturar as duas línguas nem as duas culturas.
De 1944 para 2022, Lisboa transformou-se. Já não é a mesma.
A essência está lá. Claro que não é a mesma Lisboa, e uma das razões é as “invasões” que tem sofrido [risos]. Primeiro, de pessoas estranhas à cidade que vieram para cá viver e agora é a invasão dos turistas. Desce-se a Rua Augusta e não se vê nenhuma das lojas antigas, só se vê casas de comida. Ah!
A maioria nem sequer apresenta comida portuguesa.
Sim! Nem sequer é comida portuguesa, são coisas esquisitíssimas. Já vi turistas a comerem sardinhas com um café com leite ao lado. Eu acho que não são turistas, são viajantes que vêm cá para ver e não para descobrir. Vêm para verificar que está e às vezes vêem mal. Vão ao Carmo, vêem umas ruínas mas não percebem porque é que aquilo está assim… Está lá a Guarda Nacional Republicana, eles olham para aquilo e não sabem muito bem o que é que aquele fulano está para ali a fazer de um lado para o outro… No chão está escrito o nome do Salgueiro Maia e eles sabem lá quem é que foi o Salgueiro Maia e o que é que aconteceu ali. E pronto, é isto. Isto não é viajar, não é conhecer. E é mau, é uma invasão e é estragar a nossa cidade.
Ao regressarem a casa levam consigo umas fotografias, mas não provaram a gastronomia portuguesa, não conheceram Lisboa…
Não sabem o que viram! Dizem que os turistas deixam cá dinheiro, mas às vezes nem deixam. Comeram aqui e ali, mas geralmente as coisas até vêm pagas. E depois, o que é isto do alojamento local, não é? As pessoas a serem empurradas para fora das casas para as casas serem transformadas em alojamento local. Também não é bom.
Escreveu até sobre os jacarandás, que são um marco de Lisboa, ao qual ninguém que viva na cidade fica indiferente…
Quando vejo os jacarandás, fico muito contente, porque continuam a florir todos no mesmo dia. É assim, porque vieram todos do mesmo sítio, foram plantados na mesma altura, deram a mesma flor, e isso acontece, está tudo a florir ao mesmo tempo. São um sinal de vida, da Natureza, da sintonia.
Este livro acaba por ser um convite para se viajar por Lisboa. Aliás, é uma autêntica viagem pela cidade…
[risos] Olha, que bom! É uma viagem por Lisboa, não deixando de ser uma viagem pela memória de Lisboa.
O que sente por Lisboa?
Sinto muito orgulho. Aliás, basta ver a cidade que ainda é. Tem resistido ao que lhe tem acontecido, justamente com estas “investidas” de gente que não sabe o que é Lisboa, como o alojamento local, o ter desaparecido as lojas para aparecerem os comedouros…
Como é que se poderia resolver essa situação?
Era voltar atrás, o que seria complicado. Seria outro “terramoto”, quem sabe. As evoluções são mesmo assim… há sítios que resistem melhor, e há sítios que resistem pior. Depende.
Junta às memórias de Lisboa as suas próprias memórias. Era impossível dizer o que aqui está dito se não as tivesse vivido, certo? Sentiu-se obrigada a deixar um registo daquilo que sentiu, viveu e aprendeu?
Foi um bocado isso, o gosto de escrever às vezes dá isso. Foi para deixar escrito, mas talvez até mais para mim mesma; é uma recordação, está apontado aquilo que eu vivi, aquilo que eu senti e aquilo que eu gosto. Até podia ter escrito mais coisas que não estão no livro e que eu assisti, e que podia ter dito.
Usa alguma ironia quando se refere aos membros do clero, como por exemplo ao Cardeal Cerejeira – o amigo de Salazar [risos]. Qual é a sua relação com a religião?
Nunca tive relação nenhuma [risos]. Fui sempre livre de escolher o que queria, e achei que a religião era algo que não fazia sentido. Em pequena, lembro-me de uma tia minha me tentar ensinar uma oração, e eu achava que aquilo não queria dizer nada. Nunca me obrigaram a ir à Igreja, e aí tive sorte porque os franceses não obrigavam ninguém a fazê-lo. Mas, pela lei portuguesa, era preciso que se ensinasse religião. Em França, não se dá aulas à quinta-feira à tarde, e é uma coisa que vem do tempo da Revolução Francesa, era uma maneira de terem um dia livre durante a semana, e não só o domingo. Mas cá, o dia livre era a quarta-feira porque era o tempo da Mocidade Portuguesa. Havia um grande anfiteatro no liceu francês, e à quarta-feira à tarde eles levavam lá um padre que vinha da igreja de São Luís dos Franceses, e ele enchia o quadro de uma conversa qualquer em latim. A porta ficava aberta, quem queria entrar assistia, e quem não queria, não ia; ninguém tinha nada a ver com isso. Fui lá uma vez ou duas para os ver a escrever em latim, e depois fui-me embora porque achei aquilo uma chatice de todo o tamanho. De resto, entrei nas igrejas que quis ver por razões de arquitectura e de arte. Eu e o meu marido não nos casámos pela Igreja, não baptizámos os filhos. Não sou anticlerical sequer: quem quer, quer; quem não quer, não quer, pronto. Não acredito na religião [risos].
O seu texto nasce de uma tensão entre a sua experiência particular e a História em geral. Qual é o sentido desse movimento? Ou seja, interessou-se primeiro pelos lugares, passando depois à investigação, ou leu primeiro sobre alguns lugares e monumentos, cruzando-se depois com estes?
Quando me encontro num lugar ou diante de um monumento, tenho logo curiosidade de saber como é que foram as coisas. Porque me interesso pela Arquitectura, porque me interesso pela Ciência, porque eu não sou uma literata, não sou da Faculdade de Letras. Sou da Faculdade de Ciências [risos]. E isso é uma coisa que me dá uma grande bagagem e uma forma diferente de olhar para as coisas.
Neste caso, porquê a opção pela crónica?
Foi a forma que encontrei para contar a História com verdade. Não foi inventar a verdade, como faço quando escrevo romances.
Em vez de lhe perguntar sobre qual é o público-alvo, gostava de saber qual é o perfil das pessoas que poderão sentir-se atraídas por esta obra…
Não escrevi o livro para atrair ninguém, nunca penso nisso. Eu sei que sou um bocado bicuda a escrever. Aquilo que fica contado é com um português certo e rigoroso, mas sou um bocado “bicuda”. Pelo que tenho percebido desde que o livro foi publicado, o que me chegou foi que qualquer pessoa que lê, percebe o que ali está e fica a gostar. De Lisboa, não do que está escrito [risos].
Os seus valores assentam nos três pilares: liberdade, igualdade, fraternidade?
Sim, sim, sobretudo a liberdade. É importante saber usá-la. Quando se é livre, é-se responsável pela liberdade que se tem.
Romance de estreia de Filomena Marona Beja em 1998, quando contava já 54 anos. Na última década intensificou a sua vida literária com mais de uma dezena de títulos.
Destaca aqui, mais uma vez, a palavra liberdade. Acha que vivemos tempos em que podemos gritar vitória, que somos livres, ou vivemos um fracasso da liberdade?
Sinto alguns sinais de fracasso, mas, mesmo na Europa, somos dos povos que melhor percebe o que é a liberdade. Porque quisemos, porque fomos submetidos durante muito tempo, tanto pelo Marquês de Pombal como pelos que vieram a seguir, e que deu mau resultado… E finalmente houve qualquer coisa que deu algum resultado, e foi bom, foi o que de melhor aconteceu.
Sebastião de Carvalho e Melo é um dos responsáveis pela cidade ser como é. Vê-o como tirano e opressor ou como um herói libertador?
É capaz de ter sido as duas coisas. Nesta altura ele era Sebastião José, ministro da guerra, não era ainda Conde de Oeiras, muito menos Marquês de Pombal ou primeiro-ministro. E teve que deitar a mão ao que aconteceu, e deitou bem, ou, no mínimo, o melhor que pôde. Ele tinha sido embaixador em Viena de Áustria e tinha trazido de lá muitas ideias. Por cá, já tinha as coisas mais ou menos preparadas. O plano de recuperação de Lisboa surge num instante, em poucos meses, e foi de certeza porque já estava preparado e pensado, por ele e pelos militares que trabalharam para ele e conseguiram reconstruir Lisboa. Ele, com a visão do que tinha visto lá fora, saiu o que saiu e saiu muito bem. Era um bocado ditador, pois era, mas já se sabe que há coisas que só à força é que se fazem [risos]. Como é que teria sido se não fosse à força? Tinha sido o que cada um quisesse, e não podia ser.
Numa viagem livre, as páginas do seu livro tanto nos levam aos históricos cafés de Lisboa como às paragens do metropolitano. E de repente, estamos no meio de uma lição que nos ensina os significados do girassol, da gaivota, ou da caravela simbolicamente escolhidas.
Foi a Maria Keil [risos]. Era uma senhora amorosa, pequenina, pintava… lembro-me muito bem dela, as últimas imagens que tenho dela foi na Expo 98. Ela era sempre muito bem recebida, davam-lhe o lugar nas filas, mas ela nunca queria passar à frente de ninguém. Com uma mochilinha às costas, viu tudo.
Para esta obra, investigou, por exemplo, na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional?
De propósito para isto, não. Fiz muitas investigações, por várias razões profissionais e não só, e “apanhei” muita coisa, tomei nota, e sei muita coisa por isso. Tinha muito boa memória. Agora já não tenho a memória que tinha, e como estou com esta “bicharada”, fugiu-se-me muito. Mas muitas coisas ficaram, e voltam, e uma delas é como é que era Lisboa, onde ficavam os sítios. Sabia tudo isso, e era algo que me dizia muito. Por exemplo, as pessoas agora vão ao Hospital de São José entregar papéis e a sigla que lhes aparece é “O.S.”, e não sabem o que significa. É omnium sanctorum: era o nome do “Hospital de Todos os Santos”. Pronto, sei, aprendi.
A expressão “Lisboa é Portugal, o resto é paisagem” é justa?
Não, não, isso é conversa. O resto não é paisagem de maneira nenhuma. Há cidades que se impõem, como Coimbra, Beja, Évora. São cidades muito interessantes. Os Açores…
Mas como é que passamos a paixão pelo conhecimento às novas gerações?
Ou as pessoas vêem e são capazes de perceber o interesse que as coisas têm, ou então não há nada a fazer. Antes disto acontecer, eu fiz termas num sítio mesmo à beira do Rio Douro, no concelho de Resende, chamado Caldas de Aregos. Quando ali chegou o cônsul de Portugal vindo de Paris, porque ia tomar conta de uma casa que a mulher tinha herdado, não chamou à zona de Aregos, chamou-lhe Tormes. Tudo isto é Portugal.
Vou ler o que escreveu no seu livro, na página 69: “Rua António José Serrano, sobe-se, rua do Arco, rua Martim Vaz, anda-se por ali. Ouve-se a sirene de uma ambulância, de outra, outras”. Como é que estabeleceu o equilíbrio entre a história de Lisboa e a sua história pessoal? Por exemplo, os acontecimentos no Hospital de São José e a relação com o terramoto…
Pelas várias razões por que lá fui, e por que hoje ainda vou, seja por causa dos meus que trabalham lá, ou pela minha médica. E lembro-me de o Hospital de São José ter muito má fama e das pessoas serem muito mal atendidas, antes do 25 de Abril, claro, e depois, das coisas terem corrido bem e ter havido uma evolução extraordinária, e de ser um sítio de excelência para as urgências. Portanto conheço, sei o que era aquilo antes de ser o hospital, sei o que foi estarem lá os franceses. E, como eu disse, fui documentalista de arquitectura, e olho muito para os prédios e para os edifícios, é uma coisa que me diz muito. E é com muita pena que vejo que os portugueses sabem quem é que escreveu Os Lusíadas [Luís de Camões], mas ninguém sabe dizer quem foi o arquitecto da Torre de Belém [Francisco de Arruda]. Não é preciso saber ler para olhar para um edifício e para o admirar, e tudo é isso, é História. Gosto.
Assim sendo, e como excelente conhecedora de Lisboa, onde é que se pode tomar um bom café e a que horas?
[risos] A qualquer hora, e há bons sítios para se tomar café. Antes havia a Pastelaria Suíça, que deixou de existir, mas o Café Nicola por exemplo, tem bom café.
No livro apresenta-nos um leque de ofertas, desde o Vá-Vá, em Alvalade, ou a Brasileira, que ainda existem, mas será que aos poucos também não se vão descaracterizando?
Sim, claro. A Brasileira agora é o que se vê; e, no entanto, as coisas lá dentro ainda correm razoavelmente. Mas depois também há, às vezes, uma certa renovação. Muitas vezes parei na Brasileira e gostava de lá ir. Há um bom café, por exemplo, na Pastelaria Sacolinha [na Rua dos Douradores, na Baixa], um sítio onde se vendiam bordados da Ilha do Faial. Logo ao lado esquerdo há uma barbearia muito conhecida e antiga, e ao lado havia uma casa de bordados, que agora se tornou um café onde se bebe um óptimo café.
Ficou por dizer neste livro algo que gostaria de acrescentar?
Não sei, há tanta coisa que faltaria dizer. Muita coisa, muita. Sobre outros bairros, outros sítios. Toda a beira-Tejo, o que se vê no Castelo, no caminhar na Mouraria, o fazer a Avenida Infante D. Henrique. Saindo do Terreiro do Paço e passando por Santa Apolónia, e por aí fora. Tudo em Lisboa é muito apetecível de se dizer que queria estar lá. A Feira do Livro, por exemplo, não cheguei a descrever o que é. Eu lembro-me da Feira do Livro ser doze barraquinhas à roda do Rossio, e hoje já vai onde vai.
Cresceu na zona do Poço do Bispo e ali, mesmo ao lado, temos o Parque das Nações, que sofreu uma evolução brutal. Mas ainda temos ali Xabregas…
São os cais, é o facto de haver cais. De chegarem navios, do acostar, é o movimento ainda do rio.
Sim, mas, pelo que me apercebo pela leitura deste seu livro, não acha propriamente uma paisagem bonita aqueles contentores.
Desde 2015, Filomena Marona Beja publicou seis obras de ficção na Parsifal, entre romances, contos e crónicas.
Não era, não era uma coisa bonita. Como é que foi possível juntar-se aquilo tudo ali ao molho? Foram tirados e ainda bem. Depois foi arranjado, arquitectonicamente foi bem arranjado, aquela solução que o arquitecto Manuel Salgado arranjou de pôr os bancos às riscas, aquilo sim, ficou bem. Aquelas tágides [risos]!
E sobre as ciclovias? Para si descaracterizam a cidade ou são simplesmente uma mais-valia?
As ciclovias? Porque não?! E agora está tudo muito chateado, porque dizem que vão cortar o trânsito aos fins de semana na Avenida da Liberdade. Que cortem, e depois? Subir e descer aquilo a pé, não é bom? Pois, experimentem e vão ver se não gostam [risos]. As ciclovias são de certa maneira um resguardo. São úteis, desde que sejam cumpridas regras. Há espaço para tudo desde que haja bom-senso, respeito e inteligência prática.
É complicado passear por toda a cidade de bicicleta.
Pois é. Mas eu não acho que as ciclovias sejam más, porque no fundo é um bocado pôr o automóvel na ordem, é um bocado isso [risos].
No fim de cada capítulo deste seu livro, regista, na maior parte das vezes, Lisboa e Sintra como sendo o local onde os escreveu, e revela-se que, normalmente, demorou em cada um cerca de dois meses.
Às vezes, escrevo coisas e guardo. E, depois, daí por uns tempos, dou com os papéis e retomo a ideia, e dou-lhe a forma final. Antes de me aposentar, eu ia todos os dias a Lisboa, e depois de me aposentar passei a ir apenas várias vezes por semana. Por isso, claro que todos os capítulos têm um “pé” em Lisboa. E depois a escrita é aqui, em Sintra.
Tem já uma vasta obra, cerca de uma dezena e meia de romances e livros de contos e crónicas. Já tem outro em mente, presumo…
Sim. Em princípio, há já uma coisa preparada para o ano que vem, com novelas. Uma novela é diferente de um conto, e aprendi as diferenças com o Camilo Castelo Branco. Chamá-lo-ei As novelas ao vento, são umas tantas. Gosto muito de escrever contos, mas os editores gostam pouco de os publicar. Quando quero dar um presente a alguém, escrevo um conto e ofereço-o, no final do ano. Ponho o Natal de parte, sou muito crítica em relação ao Natal. Sei que Cristo existiu, e sei o que ele passou para defender aquilo em que acreditava. Não o vejo como um “homem-deus”, mas como uma figura histórica. Acho impensável que se festeje o seu nascimento apenas com consumismo. Portanto, para mim não há Natal, mas há outra coisa que se lhe sobrepõe: tudo o que nós temos de festas ligadas ao catolicismo aproximam-se das festas pagãs antigas, e neste caso é o Solstício de Inverno. E eu festejo o Solstício de Inverno oferecendo contos a toda a gente, pronto [risos]. Mas retomando a pergunta, tenho sim, uma série de novelas preparadas.
Ainda que goste muito de Lisboa, acaba por viver em Sintra.
Eu e o meu marido casámos em 1967. Na altura ele veio para aqui dar aulas para a secção do Liceu Passos Manuel. As casas em Sintra eram muito mais em conta; em Lisboa eram muito mais caras. Acabámos por comprar uma moradia e aqui vivemos há sessenta anos.
Imaginemos que depois de morrer, o paraíso, para si, era ficar sentada num cadeirão a observar Lisboa. Que recanto da cidade escolheria?
O Castelo é um sítio bom, mas há outros. Um sítio onde eu até tenho estado, e gosto de saborear, é em frente à igreja de São Cristóvão. Vem-se de baixo, sobe-se as Escadinhas de São Cristóvão até meio, à entrada para a clínica dos Empregados do Comércio, e há aquele larguinho… Ali, está-se muito bem.
Aos 63 anos, e com vasta experiência cinematográfica e televisiva, o italiano Nicola Vegro dá-nos uma visão diferente do santo que une Portugal e a Itália, Lisboa e Pádua: Santo António ou, para o mundo, Fernando de Bulhões. No romance António secreto: a força de um santo, e lançado agora em Portugal pela Paulinas Editora, conhecemos sobretudo o lado humano de alguém que não se coibiu até de lançar desbragadas críticas aos vícios da Igreja, como fez num seu escrito em Coimbra, em Junho de 1219: “Quantos são hoje os bispos que pregam a pobreza e, entretanto, são avarentos! Quantos são hoje os bispos que pregam a castidade e, entretanto, vivem na luxúria! Quantos são hoje os bispos que pregam o jejum e a abstinência e, entretanto, são glutões e gulosos. (…) Como anel de porco em focinho de porco, assim são os padres frouxos e bem ataviados; são como prostitutas que se entregam por dinheiro (…).” O PÁGINA UM esteve em conversa com Nicola Vegro durante a sua passagem por Lisboa.
Tem-se a ideia de que sobre Santo António já praticamente tudo foi dito. Dois grandes escritores portugueses – Aquilino Ribeiro, com Humildade gloriosa, e Agustina Bessa-Luís, com Santo António – ficcionaram a sua vida. Porque decidiu escrever agora sobre ele?
Existem muitos pontos em comum entre a situação social do tempo em que viveu Santo António e os dias de hoje. No seu tempo, a Igreja vivia um período de instabilidade, o Mundo estava no meio de guerras.
Como hoje…
Diria que se vivesse agora, António repetiria, por exemplo, a Embaixada de Paz que organizou quando Pádua estava em guerra, e iria ao encontro de Putin e Zelensky para lhes pedir que suspendessem o conflito de imediato. Escutava as duas partes. E fomentava o diálogo. António era uma figura de primeira linha, destemido, corajoso, contra corrente. Jamais seria passivo numa situação como esta que estamos a atravessar. Então, por isso mesmo, parece-me muito oportuno seguir as pisadas deste homem que a Igreja acabou por canonizar. Enfatizo no romance o homem culto, oportuno; o ser humano que atacava ferozmente a sociedade hipócrita e corrupta do seu tempo, mas que oferecia as soluções para a mudança. Apontava o caminho.
Nicola Vegro, autor de António secreto: a força de um santo.
No entanto, não é exatamente essa a imagem que o povo guarda dele… O casamenteiro e o milagreiro…
Todos conhecem o nome de Santo António, conhecem a figura, mas não conhecem o seu pensamento nem a sua personalidade. Nada é mais falso do que a imagem dos santos que ornamentam as nossas igrejas, e que invadem a nossa imaginação, com as suas atitudes patéticas com um ar melancólico, com aquele toque anémico e evanescente que emana de todo o seu ser, como se fossem eunucos… Ele enfrentou todo o tipo de batalhas, principalmente pedindo apoios sociais, combatendo contra a pobreza e as desigualdades. Mas, também tocava em feridas profundas da Igreja, tais como a corrupção, a luxúria, as incongruências…
Era então uma espécie de activista?
De certo modo, sim. António obrigou a que se mudassem algumas leis, assegurou a criação de uma efectiva segurança social, deu a cara pela libertação de reclusos – muitas vezes injustamente condenados. Neste romance, António surge como um crítico, um pensador, um homem proactivo que deve ser redescoberto nos dias de hoje. Por exemplo, o custo do pão ou o custo da gasolina… são situações lamentáveis que não passariam despercebidas ao santo. Estou certo de que ele estaria ao lado do povo, a reclamar por preços mais justos apontando o dedo aos tiranos que fingem nada poder fazer quanto à descida dos preços.
Quis então desconstruir a imagem do santinho milagreiro…
Este livro é uma proposta e uma oportunidade para conhecer o pensamento de António. A força dele está na sua obra em vida, nas suas ideias. O seu legado não está propriamente na aparência simpática de um homem vestido de franciscano que sorri como se estivesse tudo bem. Não está tudo bem, nunca esteve!
O que mais destaca então na figura de Santo António?
Destaco o seu exemplo, a rectidão e o comportamento. A sua grande humildade… Foi capaz, em simultâneo, de apontar erros e soluções. Vejamos: como orador podia limitar-se a falar bem – tinha todos os dons para isso – e apontar todos os erros da sociedade. Mas ele fez muito mais do que isso. E não se limitou a atacar os pecadores ou os hereges, apontou sim para dentro da sua própria Igreja, para os bispos, para os padres, para os frades…
Onde e em que é que se baseou para escrever este romance?
Li os seus sermões e as cartas. Aliás, os discursos e as ideias no meu romance são o reflexo desses sermões. Apesar de ser uma obra de ficção, o livro não se trata de uma pura invenção da minha cabeça; pelo contrário, fui o mais fiel possível à sua palavra, ao seu carácter, à sua personalidade. A melhor forma de entender Santo António é lendo os seus textos originais e, depois, fazer uma espécie de destilação, tal como se faz com os licores, para no final recolher o mais precioso. Considero esta obra uma destilação das palavras de Santo António.
Nicola Vegro (ao centro), no passado sábado, durante o lançamento do seu romance, no Museu de Lisboa – Santo António.
Veio a Portugal para o lançamento do livro. Sentiu que a capital portuguesa tem o espírito de Santo António de Lisboa, que é também Santo António de Pádua?
Santo António encarna o espírito português. A minha visita a Portugal ajudou-me a entender a garra deste povo que foi capaz de se aventurar pelo mar, por exemplo. Pensei nisso esta manhã ao visitar Belém. Este espírito de aventura também estava no coração de Santo António. Aliás, é necessário olhar o horizonte e desejar ir mais além. É uma característica bem portuguesa!
Ainda que este seja o seu primeiro romance, mas tem já larga experiência em cinema e televisão. Essa experiência teve influência no momento de o escrever?
Este livro foi pensado como preparação para um filme. A minha esperança e o meu empenho é o de chegar à produção cinematográfica. Acredito que seja um mote para uma união entre vários países como Portugal, Itália, França, Espanha… e até Marrocos. Seria um investimento com retorno garantido. Divulga História, Cultura… é universal.
É mais do que um objecto; é um símbolo e, por isso, ocorreu-me falar hoje de uma peça que, muitas vezes, passa despercebida aos olhos daqueles que nos conhecem, e que frequentam a nossa casa, a nossa intimidade.
Uma peça que, não sendo secreta – excepto em alguns contextos que agora não são para aqui chamados –, se torna discreta. Atrás de uma porta, numa gaveta, num armário, ali está: o avental…
O uso de avental como peça de vestuário remonta a tempos imemoriais. Feito de pele, de tecido vegetal, de plástico ou de outro qualquer material qualquer – desde que seja maleável – é de uso universal por homens, por mulheres, por crianças.
Serve de proteção, geralmente em trabalho.
Por isso mesmo, geralmente ao abordarmos alguém vestido com um avental pedimos desculpa, supondo estar a interromper o visado. O avental tornou-se um símbolo de “mãos ocupadas”.
Envolvidos na ideia do avental, rapidamente recordamos as nossas mães, tias, avós. Recordamos a infância. Recordarmos a avó de avental e relembramo-la das suas ocupações, dos seus afazeres. O mesmo avental que lhe servia para colher uma peça de fruta no regaço e levá-la até à mesa, servia-lhe de pega quando a panela estava quente. Servia-lhe igualmente para secar as mãos antes de nos abraçar e, por incrível que pareça, bastava-lhe tirá-lo, ajeitar o cabelo e estava “arranjada” para sair de casa.
Era mágico, aquele avental: podia desaparecer num piscar de olhos, sem que déssemos por isso. Também servia para fazer desaparecer alguma lágrima num desgosto inesperado, para fazer sumir o pó, para esconder pequenos objetos, qual manto da invisibilidade. Era útil para afastar moscas e, se não resultasse, para as matar!
Provavelmente não recordaremos as nódoas desse avental, mesmo se nele se transportava lenha, legumes ou cascas. Servindo para (se) sujar, a verdade é que a avó o mantinha sempre limpo. Imaculado.
O avental era uma extensão de si. Era sinal de identidade e, por isso, tinha orgulho nele do mesmo modo que tinham orgulho em tudo aquilo que fazia.
Refiro os aventais das avós, mas também posso referir os outros aventais! – os manchados, rotos, riscados, rasgados. Com nódoas de sangue, de óleo, de ferrugem. Acontece que certas profissões a isso obrigam; labutar sujo, marcado pela natureza do trabalho. Sobre estes, escreverei um dia.
Enquanto crianças, talvez nos recordemos de que sempre que tentávamos usar um avental, achávamo-lo cumprido, largo, e, por isso mesmo, fazia-nos sentir adultos, responsáveis.
Hoje, já crescidos, pouco ligamos aos aventais. Vendem-se por aí alguns exemplares cuja natureza é meramente decorativa, não oferecendo, por exemplo, segurança nem funcionalidade, fruto de uma sociedade plástica, fútil, superficial.
O avental é útil para quem faz, não para quem fala. Fala-se tanto… faz-se tão pouco.
Neste ponto reside o fundamental que a todos aproxima – a possibilidade de transformar o mundo através das nossas próprias mãos. Não importa que o avental seja usado por um homem ou por uma mulher, importa o resultado: a eficácia.
Talvez nos falte entender que é na utilidade que reside a perfeição, porquanto algo somente se torna perfeito se cumpre a função da sua concepção.
Talvez um dia, quando aqueles que nos sucederem, se recordarem dos aventais, relembrem-se de nós com o mesmo amor e ternura com que recuperamos da memória aqueles que, por nos terem sido úteis, foram perfeitos.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Foi descoberto recentemente o manuscrito primordial de Clavis Prophetarum, ou Chave dos Profetas, umas das obras magnas do Padre António Vieira, que se julgava perdido para sempre. Ainda que possamos pensar na sorte da investigadora, que quase por mero acaso o encontrou na Biblioteca da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, a verdade é que a sorte, se assim lhe quisermos chamar, esteve do lado do manuscrito. Muitos o manusearam, folhearam, leram e por ignorância, por incompetência, ou simplesmente por indiferença, não lhe atribuíram o respectivo valor.
Porque já quase tudo foi dito sobre a descoberta, considero oportuno partilhar com os leitores uma ou outra ideia sobre aquilo que Vieira nos deixou. E que continua de grande actualidade.
Recordemos, por exemplo, o Sermão de Santo António aos peixes. Se a memória não me falha, e se a Internet não me engana, diz-nos este jesuíta: “E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (…) o dito polvo é o maior traidor do mar.” Compara assim o religioso a aparência do polvo com a serenidade e confiança que nos deve fazer passar um monge.
Padre António Vieira (1608-1697)
O conhecido olhar de António Vieira sobre da Humanidade acaba por estar permanentemente na ordem do dia, tanto hoje como há mais de 350 anos. Vivendo ele para o absoluto, não viveu para o poder. Deu murros na mesa, defendeu os fracos, os diferentes, foi um verdadeiro advogado da Humanidade.
Como visionário, esteve à frente do seu tempo, razão pela qual remou sempre, e incansavelmente, contra a maré, enfrentando maiorias. A irreverência isolou-o de tal forma que acabou por parecer, aos olhos dos outros homens, mais homem do que santo. É pena. Foi pena.
Voltando ao polvo. Também eu tenho razões de queixa deste desgraçado cefalópode. A verdade é que, quando o colocamos na panela, nunca sabemos com o que podemos contar. A maneira como mirra chega a parecer vingança. E pode mesmo ser – pela maldade que lhe fizemos.
Sabemos que a capacidade do polvo em mudar de cor, ao assumir os tons do ambiente, faz dele um dos mais hábeis predadores e, uma vez mais, em tudo se assemelha à forma de ser e de actuar do ser humano. Não é que tenhamos predadores à nossa volta, que nos queiram comer. Desses, de uma forma geral, já nós nos fomos libertando, mas a constante lei do mais apto torna-nos, muitas vezes, verdadeiros “polvos terrestres”. Aprendemos tais manhas, desde tenra idade, que ficamos perigosos muito célere, e o pior de tudo é que não paramos de adquirir novas capacidades e esquemas até à velhice. Com isto, sobrevivemos. Não vivemos. Essa parece ser, aliás, a questão que nos leva a actuar como predadores.
Apesar de tudo isto, ou sobretudo por isto, convém relembrar a inteligência dos polvos, que os mergulhadores relatam em momentos de interação. Nessas situações, eles vêem-nos como seres inteligentes, e como tal, assim gostam de brincar com humanos. Eles não nos olham, durante esses contactos, nem como presas nem como predadores. Por isso, um mergulhador que não queira caçar um polvo pode vê-lo, e sentir, que tem ali um bom companheiro para momentos de descontração. E não vê no polvo nem fúria nem medo.
Na verdade, esta analogia serve para dizer que não somos maus por uma nossa natureza, tal como mau este molusco não é. Defendemo-nos simplesmente daquilo que nos assusta ou que nos tenta atacar. Quando formos capazes de perder o medo e nos tornarmos mais seguros de nós próprios, talvez esteja dado o passo significativo no que toca aos valores e integridade.
Afinal, não é o polvo que se apresenta como monge, nós é que nos apresentamos, muitas vezes, como polvos.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.