Autor: Frederico Duarte Carvalho

  • Vaticano: o intrigante 13 e as profecias de São Malaquias

    Vaticano: o intrigante 13 e as profecias de São Malaquias


    Foi em Novembro de 2013 que a editora Planeta lançou o meu livro “O Terceiro Bispo”, a primeira obra de ficção, a nível mundial, onde se mencionava a figura do Papa Francisco. Este livro começou a ser planeado em Fevereiro de 2013, quando o Papa Bento XVI anunciou a sua demissão. A eleição do Papa Francisco, a 13 de Março de 2013, com ele a declarar que viera do “fim do mundo”, veio depois confirmar a decisão e a necessidade de levar avante a missão de publicar a obra. Devo a Juan Mera e à Ana Maria Pereirinha a confiança depositada na altura.

    A trama de “O Terceiro Bispo”, em cuja capa temos uma foto escuro do perfil do Papa Francisco, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e a Basília de S. Pedro, é sobre um atentado contra o Papa para “cumprir o Terceiro Segredo de Fátima”. A razão era simples: o Papa João Paulo II não morrera no atentado de 13 de Maio de 1981, pelo que o terceiro segredo, aquele que menciona a morte do Bispo Branco, ainda estava por cumprir.

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    Muito da obra andava à volta do número 13, data das aparições de Fátima, em 1917, que ocorrerem entre 13 de Maio e 13 de Outubro. Uma das minhas fontes de consulta para aquela obra de ficção fora o livro “A Última Vidente de Fátima”, publicado em 2007 pelo cardeal Tarcisio Bertone, o secretário de Estado do Vaticano e pessoa que, em Abril de 2000, teve um encontro com a Irmã Lúcia para preparar vinda de João Paulo II a Fátima, altura em que foi revelado o Terceiro Segredo de Fátima.

    Bertone registou no seu livro as coincidências à volta do número 13, referindo-se ao facto de que o Papa João Paulo II, aquele que mais vezes visitara Fátima (1982, 1991 e 2000), falecera a 2 de Abril de 2005, uma data cuja soma individual dos seus algarismos, 2+4+2+5, dava um total de 13. Depois, Bertone também fez a mesma associação em relação à vidente de Fátima, a irmã Lúcia, falecida dois meses antes, a 13 de Fevereiro de 2005. E isso também deu o mesmo resultado: 1+3+2+2+5 é igual a 13.

    O livro de Tarcisio Bertone foi publicado quando o Papa era Bento XVI, pelo que, na altura, não se conhecia a data da morte do sucessor de João Paulo II. Sabe-se agora que Bento XVI faleceu a 31 de Dezembro de 2022 e, utilizando o método de contagem do cardeal Bertone, somando 3+1+1+2+2+2+2, temos novamente, como resultado total, o número 13.

    Então, e o Papa Francisco, qual era a sua relação com o número 13? Bem, essa tornara-se bem óbvia no dia sua eleição, pois o 13 de Março de 2013, para além de ter duas vezes o número 13, era também uma data onde a soma dos algarismos 1+3+3+2+1+3 alcançava um total de 13.

    Agora que sabemos a data da morte do Papa Francisco, será que podemos continuar a falar na coincidência do número 13? A soma dos algarismos do dia 21 de Abril de 2025 não nos dá esse valor. O resultado total de 2+1+4+2+2+5 é o número 16. Nem tirando ou acrescentando um algarismo iríamos obter 13.

    Será isso então suficiente para podemos concluir que o Papa Francisco não é um Papa que esteja debaixo da alçada do número 13? Poderíamos facilmente descartar as coincidências anteriores e continuar com a nossa vida sem muitas preocupações com o misticismo “made in Vaticano”. E os espíritos mais lógicos seguiriam mais descansados.

    Só que – e nem se trata de forçar conclusões – podemos usar o método de Tarcisio Bertone para olhar com detalhe os algarismos que surgem relacionados com a data da morte da morte do Papa Francisco. Através do recurso à contagem do tempo, via o site timeanddate.com, chegamos a números que nos podem fazer pensar de forma diferente.

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    Assim, se formos ver os anos e dias do Papa Francisco à frente dos destinos do Vaticano, reparamos que, entre 13 de Março de 2013 e 21 de Abril de 2025, decorreram 12 anos, 1 mês e 9 dias. A soma de 1+2+1+9 dá 13. Ao converter esse espaço temporal apenas em dias, isso atinge o número 4.423, sendo que a soma dos algarismos, 4+4+2+3, atinge, novamente, o 13.

    Um outro tema que o livro “O Terceiro Bispo” abordou em 2013 foram as profecias de São Malaquias, alegadamente escritas em 1140 e divulgadas publicamente em 1595. Dizem esses escritos que a destruição da Igreja irá acontecer quando chegar o Papa número 266.

    A eleição de Francisco, a 13 de Março de 2013, representou a eleição do Papa número 266 e, desde esse dia e até à sua morte, apesar de existir uma crise de Fé, o Vaticano não acabou. A Igreja Católica ainda vai mantendo a sua influência no mundo e, em breve, um novo conclave irá eleger o Papa número 267, superando assim os números previstos nas profecias do santo irlandês.

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    Só que quando o Papa Francisco foi eleito, o Papa Bento XVI ainda estava vivo. Uma situação pouco comum no Vaticano. Por isso, durante o pontificado do Papa Francisco, poderíamos considerar que este era, na realidade, a continuação do Papa 265, não sendo o 266 em todo a sua plenitude. Era, se quisermos assim ver, o Papa número 265-B.

    E, entre a morte do Papa Bento XVI, a 31 de Dezembro de 2022, e a morte de Francisco, no dia 21 de Abril de 2025, o sucessor de Bento manteve-se à frente do Vaticano durante 27 meses e 22 dias. O que, somados os algarismos 2+7+2+2, permite que se obtenha, de novo, o número 13.

    Podemos assim dizer, de forma inequívoca, que à semelhança de João Paulo II e Bento XVI, também Francisco viveu e morreu debaixo do número 13. E, ao ser o terceiro bispo de Roma a morrer debaixo do signo 13, foi assim a continuação dinástica do Papa 264, João Paulo II, mas ocupando o número 265-B. O Papa Francisco morreu com 88 anos, tendo isso acontecido 20 anos e 20 dias exactos após a morte de João Paulo II, o dito “Papa de Fátima”, que tinha 84 anos, menos 4 que Francisco.

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    O próximo conclave irá agora ter de eleger um novo Papa. Um Papa que poderá não estar ligado ao número 13, mas que seria o 266º. De acordo com a profecias de São Malaquias, existe um nome para o novo Bispo de Roma: Petrus Romanus. Seria o Papa Pedro II, romano de origem. Para que tal aconteça, basta que o próximo chefe da Igreja seja de origem italiana, o que não acontece desde que o polaco João Paulo II foi eleito em 1978, sendo seguido por um alemão e um argentino.

    Na lista de 22 prováveis Papas – os Papabili – constam cinco nomes de candidatos oriundos de Itália. O primeiro, Angelo Bagnasco, de 82 anos de idade, é o Arcebispo Emérito de Génova. Depois, com 79 anos, está Fernando Filoni, Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém. Segue-se o nome do secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, de 70 anos, que sucedeu a Tarcisio Bertone em 2013. O quarto candidato vindo de Itália tem 80 anos e chama-se Mauro Piacenza, sendo o actual Penitenciário-Mor Emérito do Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica. O quinto nome é o do Arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi, que tem 69 anos.

    Na lista não consta como sendo oriundo de Itália o nome de um outro candidato que, por acaso, nasceu em Itália. Trata-se do Patriarca Latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, que nasceu em Cologno al Serio, na zona da Lombardia, e professou os seus votos solenes na Igreja de Santo António, em Bolonha, no ano de 1989. Chegou a Jerusalém a 7 de Outubro de 1990 – sim, a mesma data do ataque de 2023 pelo Hamas. Em 2014, ajudou a organizar o encontro no Vaticano entre o Papa Francisco, o presidente israelita Shimon Peres, o líder palestiniano Mahmoud Abbas e o Patriarca de Constantinopla. Nascido em 1965, cumpriu 60 anos a 21 de Abril, o mesmo dia do falecimento do Papa Francisco.

    Pierbattista Pizzaballa

    Se um destes italianos for eleito Papa e assumir o nome de Pedro II, então podemos começar a falar mais a sério sobre as profecias de São Malaquias. Por outro lado, pode ser que o mundo venha a ser surpreendido com a escolha de um Papa de origem portuguesa, vindo da terra de Fátima. José Tolentino de Mendonça, de 59 anos, é um dos nomes nos Papabili e, aí sim, quem sabe o Vaticano e a Fé Católica não viria a ter um outro destino.

    Fiquemos atentos, portanto, ao resultado do próximo conclave.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • ‘Qualquer coisa que Trump faça, em relação a segredos, será para o seu próprio interesse’

    ‘Qualquer coisa que Trump faça, em relação a segredos, será para o seu próprio interesse’

    Não se pode dizer que Craig Unger seja um jornalista norte-americano sem currículo. Nasceu a 25 de Março de 1949 e trabalhou, entre outras, em publicações como Vanity Fair, The New Yorker, Esquire, The Guardian, The New York Times, The Washington Post e The New Republic. Em 2004, escreveu o livro “House of Bush, House of Saud”, onde investigou as relações entre a família Bush e a dinastia Saud, da Arábia Saudita.

    Anos mais tarde, seguindo o sucesso da primeira obra, assinou, em 2018, o livro “House of Trump, House of Putin”, onde relatou as relações entre Donald Trump  e a Mafia russa, tendo ainda escrito, em 2021, “American Kompromat”, onde o agora reeleito presidente Donald Trump era acusado de ter colaborado com os serviços de informação russos e de ter estabelecido uma aliança com pessoas próximas do Kremlin desde os anos 80.

    Todos esses livros, de uma forma ou outra, tiveram ampla aceitação e divulgação pública. Entretanto, Craig Unger, lançou recentemente, em Outubro de 2024, a obra “Den of Spies”, que se pode traduzir para algo como “Covil de Espiões”, e tem ainda como subtítulo: “Reagan, Carter e a História Secreta da Traição que Roubou a Casa Branca”. Mas a receção junto da Imprensa, ao contrário dos outros livros, não suscitou grandes linhas de divulgação e análise sobre o seu conteúdo, demonstrando que o tema continua a ser incómodo para a generalidade dos jornalistas.

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    A Casa Branca. / Foto: D.R.

    O jornalista norte-americano, que seguiu ainda as pistas de um falecido jornalista que também dedicou parte da sua vida profissional à investigação do caso, Bob Parry, demonstra como a reeleição falhada do recém-falecido presidente dos EUA, Jimmy Carter, a 4 de Novembro de 1980, foi o resultado de uma traição da parte da candidatura republicana, encabeçada por Ronald Reagan, com o antigo chefe da CIA, George Bush como vice-presidente e o futuro chefe da CIA, Bill Casey, como diretor de campanha.

    Craig Unger comprova nesta obra como a crise dos reféns de Teerão, que começou com o assalto à embaixada dos EUA no Irão, a 4 de Novembro de 1980, e deu origem à crise dos reféns, levou a várias negociações secretas entre republicanos e iranianos, no sentido de manter os reféns em cativeiro até às eleições presidenciais de 4 de Novembro de 1980.

    O principal responsável, aponta o jornalista, foi o chefe de campanha da candidatura republicana, antigo agente secreto da II Guerra Mundial e futuro chefe da CIA, Bill Casey, que teve reuniões secretas com iranianos em Madrid, em Junho e Agosto de 1980, mais ainda um encontro em Paris, em Outubro, dias antes das eleições de 4 de Novembro de 1980.

    O tráfico de armas para o Irão, resultante dessas negociações, era então ilegal quando, a 4 de Dezembro, faleceram em Camarate o primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, na queda de um avião através da explosão de uma bomba, como ficou demonstrado nas investigações levadas a cabo pelas várias comissões de inquérito da Assembleia da República.

    Jornalistas a escutar, em directo, o discurso de Jimmy Carter acerca do salvamento falhado dos reféns no Irão (1980). / Foto: Marion S. Trikosko

    Os reféns norte-americanos foram libertados minutos depois da tomada de posse de Ronald Reagan, a 20 de Janeiro de 1981. Segue-se a entrevista com o autor de Den of Spies, feita via telefone, entre Lisboa e Brooklyn, onde Craig Unger reside.      

    Este livro chama-se Den of Spies [Covil de Espiões], que era o nome dado pelos iranianos à embaixada dos EUA em Teerão, mas era para ter um título diferente: Original Sin [Pecado Original]. Porquê esse outro título e por que não o usou?

    Para mim, as palavras mais bonitas da fundação dos Estados Unidos foram escritas por Thomas Jefferson na Declaração da Independência, em 1776: “Todos os Homens são criados de forma idêntica”. É bonita, mas era uma mentira, pois naquele tempo havia escravatura e as mulheres não podiam votar. Jefferson nem sequer deu direitos de igualdade aos seis filhos que teve com uma das suas escravas, Sally Hemings.

    Do meu ponto de vista, foi sempre uma mentira. Mesmo depois do fim da Guerra Civil [1861-65], reconstruímos o Sul e tudo iria estar bem com os afro-americanos, e também isso foi uma mentira.

    Portanto, no fim, decido não usar o título de Pecado Original por estar demasiado próximo da raça e o meu livro não é sobre isso. Mas acho que o meu país foi fundado em mentiras e sempre as negamos.

    Neste livro, como sabe, concentro-me na História Contemporânea, onde os Republicanos, repetidamente — em 1968, em 1972, em 1980, em 2000 e 2016 —, uma e outra vez, levaram a cabo uma espécie de traição.

    O antigo presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter com o então primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin (1977). / Foto: Marion S. Trikosko

    Esta entrevista acontece poucos dias após a morte do presidente Jimmy Carter, a pessoa que foi mais prejudicada por esta traição. Pensa que ele conhecia toda a verdade quando morreu?

    Penso que ele soube o que aconteceu. Mandei-lhe o meu livro e não sei se teve a oportunidade de o ler enquanto estava no hospital. Mas, mesmo em 1981, ele encorajou o Congresso a investigar e foi bastante vocal em relação a isso, e não creio que não o teria feito se não soubesse a resposta.

    Vamos então à origem do caso de 1980. No fim de Outubro de 1979, o Xá do Irão, que estava exilado na América Latina desde Janeiro, deu entrada num hospital de Nova Iorque para tratamentos oncológicos. Tanto David Rockfeller como Henry Kissinger foram os principais promotores desse internamento, alegando razões humanitárias. Jimmy Carter opunha-se, pois temia um ataque à embaixada em Teerão. Ora, foi precisamente isso que aconteceu dias depois, a 4 de Novembro, quando os estudantes atacaram a embaixada e derem início à crise dos reféns. O facto de o ataque ter sido a 4 de Novembro, um ano exacto antes das eleições presidenciais de 1980 — data já conhecida no dia do ataque, pois as eleições ocorrem sempre de quatro em quatro anos, na primeira terça-feira de Novembro, entre os dias 2 e 8 — podemos falar de uma coincidência ou de um acto premeditado?

    Bem, se estamos a falar do que aconteceu da parte dos iranianos, ao tomarem de assalto a embaixada a 4 de Novembro, isso não sei. Simplesmente não sei. Agora, não há dúvidas de que a vinda do Xá para os Estados Unidos foi o que os levou a atacar a embaixada.

    Jimmy Carter estava contra a ideia de admitir a entrada do Xá nos Estados Unidos, mas enfrentou uma poderosa oposição de David Rockfeller, Henry Kissinger, uma grande parte do sistema de serviços de informação e até do seu secretário de Estado, Zbigbnew Brzezinsky.

    Pode ter sido uma coincidência que o ataque tenha acontecido a 4 de Novembro. Realmente, não sei dizer, mas foi a partir do momento em que o Xá foi admitido nos Estados Unidos que decidiram tomar a embaixada. E esse é um facto que temos de assumir como verdadeiro. Coincidência ou não, quem sabe?

    No livro, diz que não foi a gestão da crise que preocupou os serviços secretos, mas sim o facto de haver uma crise. Pensa que aconteceu porque o presidente dos Estados Unidos era fraco e, se fosse outro presidente, com outro domínio dos serviços secretos, a crise teria sido resolvida de forma diferente?

    Jimmy Carter tinha alienado de forma irrevogável a comunidade dos serviços de informação. Parte do problema foi ter nomeado Stansfield Turner chefe da CIA.

    Após ter despedido George Bush…

    É normal um novo presidente substituir o director da CIA quando assume o cargo. Bush demitiu-se poucos dias antes da tomada de posse de Carter — que aconteceu a 20 de Janeiro de 1977.

    Mas o nome de Carter está ainda associado, depois da demissão de Bush, com uma série de despedimentos dentro da CIA, certo?

    Certo. Quando Turner era chefe da CIA, mais de 800 pessoas foram demitidas. Foi um ‘massacre’ e alienou completamente a CIA contra Carter. E esse era o verdadeiro problema que o enfraqueceu enormemente.

    Foi também com Carter, no início de 1978, que foi nomeado para número dois da CIA, como director-adjunto, uma pessoa chamada Frank Carlucci e que era, desde 1975, embaixador norte-americano em Lisboa. E, durante a sua estadia em Portugal, sempre se suspeitou que ele estava intimamente relacionado com a CIA. Este nome diz-lhe algo?

    Escrevi um pouco sobre Carlucci num dos meus primeiros livros, House of Bush, House of Saud, e foi sobre a sua ligação ao grupo Carlyle. Neste livro não.

    As circunstâncias em que ocorreu a morte do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, numa explosão do avião em que seguia com o seu ministro da Defesa, suscitam ainda hoje muitas interrogações. / Foto: D.R.

    Carlucci não surge neste seu recente livro e a investigação centra-se no papel de Bill Casey, o homem que era o chefe de campanha da candidatura Republicana de Ronald Reagan e George Bush e que, depois das eleições, tornou-se no chefe da CIA. Ele dizia que o mais difícil de provar era o óbvio. É esse o problema deste caso? Ser óbvio?

    É uma daquelas coisas inteligentes que se dizem. No prólogo do meu livro menciono a revista satírica The Onion, que no seu número de resumo do século XX, quando se refere ao dia da tomada de posse de Reagan, apresenta uma capa falsa do The New York Times com o título: “Reféns libertados; Reagan apela ao povo americano a não somar dois mais dois”. Claro que toda a gente viu os reféns regressarem aos Estados Unidos, literalmente, cinco minutos após Reagan ter prestado juramento. E, claro, ele não poderia ter negociado a libertação nesses cinco minutos porque estava a fazer o discurso no pódio. E tinha de haver contactos. É difícil acreditar que os iranianos iriam devolver os reféns sem falarem com a administração Reagan. Portanto, a negociação tinha de ter começado mais cedo.

    Provavelmente, um jornal satírico como o The Onion estava a dizer mais do que a imprensa de referência. Menciona no livro que, no caso Watergate, Bob Woodward e Carl Bernstein tinham o princípio de escreverem algo que tivesse sido confirmado por duas fontes diferentes. Neste caso, por vezes, havia cinco fontes e nem assim se escrevia a informação. Como explicar o silêncio dos jornalistas em relação a este caso? 

    Usei esse número quando mencionei a possibilidade de George Bush ter estado na reunião de Paris, entre os dias 18 e 19 de Outubro de 1980. Havia cinco pessoas que me diziam que tinha estado, mas nenhuma como fonte directa. Por exemplo, o espião israelita Ari Ben-Menashe disse-me que ouvira dizer que Bush esteve lá, mas não tinha a certeza. Era um tipo de informação que não era conclusiva e, na altura em que estávamos a fazer essa investigação, Bush era candidato à reeleição e, na época, era necessário ter mais fontes, dependendo do quão sério aquilo era. Continuo a ser agnóstico sobre Bush em Paris.

    Mas, no caso de Casey, ele estava em Madrid no Verão de 1980, a negociar com iranianos?

    Sim, absolutamente.

    E a prova disso, a tal “arma fumegante”, é um telegrama diplomático onde a embaixada norte-americana em Madrid informava o Departamento de Estado sobre a presença de Casey na capital espanhola, numa altura em que, oficialmente, deveria estar a dar uma palestra em Londres, certo?

    Certo. E também entrevistei um antigo agente, chamado Robert Sensei, que me confirmou que viajou até Madrid, em Agosto de 1980, com Bill Casey. E Casey tinha três álibis que foram caindo, um por um. Quando isso acontece, aproximamo-nos cada vez mais da verdade. Se eu tivesse de ser presente a um júri diria que, sim, Casey estava no meio do caso e era culpado. Mas, quanto a Bush ter estado na reunião de Paris, isso ainda está por confirmar. Sim, gostaria de ter mais provas.

    Talvez os telegramas diplomáticos do embaixador norte-americano em Paris pudessem ajudar a esclarecer isso. Pediu ao Departamento de Estado para os consultar?

    Tanto quanto sei, não havia telegramas diplomáticos relacionados com Bush em Paris.

    Este livro, ao contrário de outros que já escreveu, não parece estar a ter a mesma divulgação junto da imprensa norte-americana. Porquê?

    Penso que este caso é um dos episódios mais escandalosos da história da imprensa norte-americana, mas não é apenas ignorarem a história, mas terem-na  tratado da forma errada. Investigaram a história de forma agressiva, como se não quisessem que fosse publicada. E penso que houve duas forças que contribuíram para isso. Uma é aquilo que chamo de “jornalismo de acesso”. Explico no livro que os jornalistas têm um acesso diário a estas pessoas e, por isso, não vão querer dizer nada crítico em relação às pessoas às quais precisam de aceder. Não sei se em Portugal acontece o mesmo…

    Sim, em Portugal também temos disso, sim, temos e muito…

    Pois (risos)… A segunda força, e uma das conclusões do livro que, para muitas pessoas é difícil de aceitar — e, a propósito, sou judeu e já fui acusado de antissemita por reportar isto — mas não se pode ler o meu livro sem concluir que Israel desempenhou um papel central numa operação secreta de sabotagem nas eleições norte-americanas e isso é uma violação da nossa soberania.

    O actual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. / Foto: D.R.

    Isso leva-me, então, a uma outra questão: quando juntamos aquilo que escreveu sobre Trump poder estar comprometido com os russos — sobretudo desde o seu casamento, nos anos 80, com uma pessoa oriunda de um País de Leste —, e o facto de Putin, antigo agente do KGB, conhecer como os republicanos conquistaram o poder em 1980 e como, desde então, têm gerido a traição a Carter, então Putin sabe bem como é frágil a democracia norte-americana. Fiz uma leitura correcta da situação actual, não?

    Oh, sim! Absolutamente! (Riso nervoso. Isso é o foco do livro. Aquilo que funcionava com o compromisso era o que não se usava, que ficava nos bastidores. Mas Trump é um sem-vergonha e não há nada que lhe faça dano, se percebe o que quero dizer.

    Falo agora em relação a Portugal. O meu país investigou um negócio de tráfico de armas para o Irão durante o tempo em que se deu a traição a Jimmy Carter, como parte do móbil do assassinato do primeiro-ministro de Portugal e do ministro da Defesa. E sabemos aqui que houve movimentações nesse sentido. Agora, encontrou algo sobre Portugal na sua investigação?

    Não há dúvida de que há um episódio interessante que parece ser mais do que uma coincidência. Henry Kissinger era, claramente, um jogador central ao conseguir que o Xá do Irão fosse admitido nos Estados Unidos. Ele, os Rockfeller com o seu Chase Manhattan Bank e o antigo sistema de informação, pressionaram Carter a admitir o Xá. E, depois, claro, isso desencadeou a crise dos reféns. Então, logo após a vitória de Reagan, em Novembro de 1980, quando é preciso mandar armas para o Irão e Jimmy Carter ainda é presidente, temos Kissinger a fazer uma viagem até Portugal. O que foi ele fazer? Haverá carregamentos de armas para o Irão a chegar através de Portugal e esperamos que os deixem passar? Quem sabe?

    Pensa que, com Donald Trump — e vendo as promessas de trazer à luz determinados documentos secretos, como aqueles envolvendo a morte de J.F. Kennedy —, ele poderá revelar algo sobre o que aconteceu em 1980?

    Penso que qualquer coisa que ele faça em relação a segredos será para o seu próprio interesse. E penso que não vai abrir a porta para que a nossa democracia fique mais saudável.

  • Fui eu quem apanhou os Melos no bar Cockpit

    Fui eu quem apanhou os Melos no bar Cockpit


    Fui eu quem apanhou Nuno Melo com Gouveia e Melo

    Está na hora de assumir: fui eu o jornalista que registou o encontro entre Nuno Melo e Gouveia e Melo. Frederico Duarte Carvalho, jornalista desde 1992, possuidor da carteira profissional número 1581, tendo trabalhado em órgãos de Comunicação Social como O Primeiro de Janeiro, Tal&Qual e Focus. Presentemente, jornalista freelancer, escritor e colaborador (ir)regular do PÁGINA UM.

    As imagens do encontro foram retiradas de um vídeo de 20 segundos que gravei na noite de terça-feira, dia 19 de Novembro, quando estava sentado na esplanada do bar Cockpit (que não fica em Alvalade. Mas por que toda gente insiste em dizer Alvalade? Haja rigor jornalístico, pois aquilo é Areeiro: a freguesia de Alvalade termina do outro lado da linha do comboio, a meio da Avenida de Roma. Se o encontro tivesse sido no bar Old Vic, do outro lado da linha, por exemplo, aí sim, seria Alvalade).

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    As circunstâncias em que consegui captar o momento de relevante interesse jornalístico merecem ser explicadas. É preciso travar as teorias da conspiração levantadas por gente que, alegadamente (esta frase tão jornalística e tão esquecida), é séria.

    Ouço perguntarem por aí se as fotos foram ou não foram combinadas entre o jornalista e os intervenientes. Querem saber quem pagou para o jornalista estar ali, naquele momento. Ou ainda quem deu a informação sobre o encontro e porquê, porquê, ao PÁGINA UM. Irei então, dentro do que me é possível profissionalmente, elucidar algumas das mentes brilhantes do País sobre o que ainda se pode fazer no jornalismo em Portugal.

    Por volta das 22h21 recebi uma chamada no meu telemóvel – para quem controla os metadados, sim, podem ir ver quem me ligou. Era um amigo (apolítico) que soube, através de um amigo, que soubera através de um outro amigo de um amigo, que o piso superior do bar Cockpit tinha sido reservado para um encontro entre o ministro da Defesa, Nuno Melo, e o almirante Gouveia e Melo.

    A minha primeira reacção foi: “Está bem! Já ouvi melhores”, e deixar-me estar. Aquilo não fazia grande sentido, mas como ainda sou jornalista – não tenho horários de trabalho -, meti-me a caminho do local. Ajudou à decisão o facto de, por coincidência, estar por perto – e, se quiserem saber, por acaso eu é que estava mesmo em Alvalade nessa altura.

    Foto: PÁGINA UM./ FDC

    Cheguei então ao pequeno bar do Areeiro, poucos minutos depois das 22h30, que era a hora prevista para o encontro. Perguntei se podia ter uma mesa dentro e disseram-me que só havia espaço na barra do bar, pois o piso de cima estava fechado. Olhei para o local e comprovei que, de facto, não estava ninguém nas mesas de cima. Tal não significava, contudo, que estivesse fechado para uma cimeira de Defesa à Portuguesa. Fui então sentar-me numa mesa da esplanada. A única vazia e algo afastada da entrada principal. Não me parecia o melhor local, mas era o que havia.

    Pedi uma bebida para justificar a ocupação da mesa e esperei para ver se aparecia alguma das duas figuras que me tinham sido prometidas. Cogitava sobre o meu papel de jornalista e lembrava-me das várias esperas e fotografias que fiz em anteriores trabalhos. Apesar de ser jornalista da escrita, sei também o valor que uma boa imagem pode ter e mantenho esse instinto de fotógrafo jornalístico.

    (Há um bom par de anos, por exemplo, ao serviço do Tal&Qual, fiz uma espera para fotografar o carro oficial de António Guterres – ainda como primeiro-ministro -, a fazer uma manobra, então proibida, de virar à esquerda no cruzamento da Avenida Duque de Ávila com a Avenida da República, sem qualquer indicação de marcha de urgência – como mandam as regras -, dias depois do governante ter dado início à campanha de tolerância zero nas estradas nacionais.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    Noutro exemplo, em 2016, quando estava de férias em Roma, fotografei duas pessoas que conversavam no telhado de um edifício que me pareceu ser governamental, pois tinha várias bandeiras oficiais. Descobri depois, ao falar com jornalistas locais, que apanhara a presidente da Câmara de Roma, Virginia Raggi, a conversar no telhado da autarquia, com o seu chefe de Gabinete, Salvatore Romeo.

    A foto foi publicada na primeira página de vários jornais italianos. A imagem levantava a questão de que a autarca suspeitava que havia escutas no seu gabinete e, por isso, preferia tratar dos assuntos importantes no telhado da câmara municipal. Tudo poderia ter corrido bem para eles até eu tirar a foto por ter achado o momento algo insólito. E poético, até).

    Já se tinham passado quase 15 minutos e não havia sinal de Nuno Melo ou Gouveia e Melo. Senti que estava numa caça aos gambuzinos. No momento em que estava a pensar desistir da espera – estava disposto aguardar mais 15 minutos, até às 23h00 – vejo um táxi a chegar ao bar.

    Ao início, não deu para ver quem vinha dentro, mas a lógica dedutiva (leiam Arthur Conan Doyle) pensou que, se alguém se dera ao trabalho de apanhar um táxi para ir a um bar numa noite de terça-feira, é porque essa pessoa estava empenhada em ali chegar. Agora, poderia ser um morador local que chegava a casa? Seria lógico o ministro vir de táxi? O almirante? Faria sentido algum deles vir de táxi? O mais certo seria ser um simples morador a chegar a casa.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    De qualquer modo, o tal instinto jornalístico fez com que jogasse nas hipóteses e apontei discretamente o meu telemóvel para o local onde estava o táxi. Não conseguia ver quem estava no lugar de passageiro, pois a linha de visão passava por uma viatura estacionada ao seu lado. Ainda estive 30 segundos com a câmara ligada, sem nada de importante a acontecer, até que vejo uma cabecinha a sair do táxi. Era o almirante! A “coisa” ia mesmo acontecer. A informação era boa.

    O almirante Gouveia e Melo, assim que saiu do táxi – à civil – e caminhou para o bar, vindo na minha direção, não o fez a olhar para a esplanada onde eu estava. A sua atenção centrava-se na rua atrás de mim. Mal sabia eu – que continuava a segurar o telemóvel num ângulo casual ao mesmo tempo que tentava manter fixo o enquadramento e foco – que Nuno Melo estava também a chegar em viatura oficial.

    Gouveia e Melo ficou parado à minha frente e a olhar para trás de mim. Arrumou os óculos – no vídeo, parece que os seus olhos encontram os da minha câmara.

    (Pergunto-lhe, caro almirante: Viu-me mesmo a filmar e resolveu disfarçar ou isso escapou-lhe de todo?)

    Entra Nuno Melo em campo. De costas. Dá para reconhecer que é ele, mas a foto precisa de o identificar, sem margens para dúvidas. Ouço Gouveia e Melo a comentar que até pareciam que estavam ambos sincronizados.

    Mantenho a câmara fixa e espero que Nuno Melo não se lembre de olhar para trás de si. Ter-me-ia reconhecido (fui candidato do PPM ao Parlamento Europeu em 2009, quando ele e Paulo Rangel, os dois da AD que não foi feita na altura, eram os candidatos dos CDS e PSD. Cobri ainda a comissão de Camarate que Nuno Melo presidiu. A propósito, Nuno, vais pedir os documentos norte-americanos que ainda estão por divulgar ou preferes levar-nos para a III Guerra Mundial?

    Gouveia e Melo, segundo à esquerda. Foto: D.R.

    Acompanho com o telemóvel, discretamente, a entrada de ambos no bar. Num último momento, o ministro fica de lado e é possível identificar ambos. Nuno Melo leva o almirante pelo braço e aponta, ainda à entrada do bar, para o piso de cima. Percebo então que terá sido ele o responsável pela escolha do local. Está a explicar ao almirante onde se vão sentar.

    (Marcar um encontro com um almirante para a Avenida Sacadura Cabral tem o seu quê de interessante: apesar da associação imediata à Aviação, é preciso lembrar que se tratava de um oficial da Marinha e o raid aéreo de 1922 nunca teria sido possível sem o apoio daquele ramo das Forças Armadas. E se juntarmos a isso o facto de ter sido um antepassado de um antigo líder do CDS e também putativo candidato a candidato a Presidente da República, tudo isso aumenta as possíveis especulações em relação à escolha do local para uma cimeira deste nível).

    A esplanada está cheia, mas mais ninguém se parece preocupar. Não vejo ninguém a ligar para jornais ou a fotografar. Parece que fui mesmo único a registar o encontro. E sei que isso vai causar furor. Sem o trabalho jornalístico, sem as imagens que o comprovassem, qualquer informação que viesse a público referindo que ambos tiveram um encontro nocturno num bar, seria apenas um rumor. Nunca uma notícia.

    Assim que reuni as imagens do vídeo de 20 segundos, pensei: “O que farei com esta espada?”.  Liguei então para o Pedro Almeida Vieira, do PÁGINA UM – porquê para ele e não outro jornal? Simples: o PÁGINA UM também é o “meu” jornal e o Pedro é o director de jornal que mais vezes liga para mim do que qualquer outro director do País. Por isso, é dele que me lembro primeiro sempre que tenho uma notícia. A segunda hipótese seria o director do Tal&Qual, mas não o quis incomodar àquela hora tardia, pois a edição da semana já tinha fechado.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    O Pedro percebeu o valor do material que tinha nas mãos e sabia que não se podia guardar a informação para mais tarde. Era preciso agir na hora. Começou a preparar o texto, que foi publicado ainda o encontro não tinha terminado. Pedi para não assinar as fotos. Ainda. Não queria matar o mensageiro antes da mensagem circular.

    Saí da esplanada antes de Nuno Melo e Gouveia e Melo terminarem o encontro. Poderia ter esperado por eles e confrontá-los à saída? Claro que sim, mas como não gosto que me mintam, resolvi deixá-los nas suas conspirações nocturnas.

    Já tinha feito o meu trabalho. Agora, outros que fizessem o seu.

    Frederico Duarte Carvalho, jornalista (CP 1581)


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  • As três regras de vida do Donald

    As três regras de vida do Donald

    O filme ‘The Apprentice – A História de Trump’, é uma ficção sobre os primeiros anos da vida daquele que foi o 45º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) e pretende ser o 47º, caso vença as eleições na primeira terça-feira de Novembro, dia 5. Poderá um filme mudar o sentido de voto do eleitor indeciso?

    Após o visualizar, numa ante-estreia dedicada apenas a jornalistas, vemos que não há propriamente uma novidade face a tudo o que já foi escrito e mostrado em documentários sobre aquele que foi eleito Presidente dos Estados Unidos em 2016, perdeu a reeleição em 2020 e tenta agora a segunda chance.

    Isso, no entanto, não tira o interesse ao filme. A obra tem o condão de nos levar ao ambiente da Nova Iorque dos anos 70 e 80 – é esse o limite temporal representado, sem qualquer referência aos anos mais recentes -, de modo a percebermos a construção e a aprendizagem do homem que quer voltar a sentar-se na Casa Branca. Tem representações notáveis de Sebastian Stan como Trump e, especialmente, de Jeremy Strong, no papel de Ron Cohn, o advogado sem escrúpulos que “constrói” o “aprendiz”. 

    Ali Abbasi, o realizador iraniano nascido em 1981 a viver em Copenhaga, contou com Gabriel Sherman como argumentista e, este, é um jornalista que exibe no seu curriculum a biografia de Roger Ailes, presidente da Fox News, o canal de televisão dito pró-Trump. O livro, publicado em 2014, tem o título “The Loudest Voice in the Room: How the Brilliant, Bombastic Roger Ailes Built Fox News – and Divided a Country”, que se pode traduzir para algo como: “A Voz Mais Alta na Sala: Como o Brilhante e Bombástico Roger Ailes Construiu a Fox News – e Dividiu um País”.  A eleição de Donald Trump, dois anos depois, sabe-se, dividiu ainda mais o País.

    Esperava-se então, dado o material original, que este fosse um filme que contribuísse ainda mais para a destruição da imagem de Trump. Uma produção prejudicial à sua reeleição, sobretudo dada a oportunidade da estreia – menos de um mês antes da ida dos americanos às urnas. Só que o filme é um filme. É uma obra de arte ficcional inspirada em factos verdadeiros e, mesmo com a cena onde Trump viola Ivana – coisa que o verdadeiro sempre negou -, o sentimento que fica é o de um retrato humano.

    O filme é neutro e sujeito a várias interpretações. E isso, com certeza, vai representar um desafio a quem o for assistir. Se com Trump sempre se tratou do “ama ou odeia”, será interessante saber se, quem o odeia, não irá relativizar a sua opinião (se quiser ser honesto consigo próprio), enquanto quem gosta, provavelmente irá ficar a gostar ainda mais – existe sempre uma certa dose de exagero em quem ama. Agora, caso haja na América dividida quem ainda esteja, nesta fase da campanha, a ponderar o seu voto, quiçás esta produção, apesar de ficção e com as devidas cautelas factuais, possa leva a uma decisão em relação às qualidades do homem da “Arte do Negócio”.

    man in black suit standing beside woman in black dress

    A cena inicial do trabalho de Abbasi e Sherman é o célebre discurso de Richard Nixon, a 17 de Novembro de 1973, onde o então presidente norte-americano, no auge do escândalo do Watergate, garantia aos seus cidadãos que não era um vigarista – “I’m not a crook”. A seguir, vemos uma Nova Iorque falida e violenta, onde um jovem Trump tem terreno fértil para cumprir com as suas ambições pessoais.

    E, para o seu sucesso, vai encontrar em Ron Cohn o homem que lhe ensinará três regras de vida:

    1 – Atacar, atacar, atacar;

    2 – Admitir nada, negar tudo;

    3 – Independentemente do que acontecer, reclamar a vitória e nunca admitir a derrota.

    Trump é o político que sabemos que vai cumprir com as regras. Já o demonstrou durante os primeiros quatro anos em que exerceu o poder e, ao contrário de muitos políticos antes de si, nunca enganou ninguém.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Uma revolução nos olhos dos outros

    Uma revolução nos olhos dos outros

    Título

    Por enquanto, o povo unido ainda não foi vencido

    Autor

    MANUEL VÁZQUEZ MONTALBÁN (tradução: Rita Luís)

    Editora

    Tinta da China (Junho de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Muitas vezes, o melhor retrato de um país é aquele visto pelos olhos de um estrangeiro. Esse tem a capacidade de nos olhar à distância, sem estar espartilhado por amizades e conveniências locais. Sem ser contaminado pela cultura local e amarras preconceituosas. E quando acontece esse estrangeiro ser um escritor do calibre do espanhol (catalão, vá lá) Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), então temos de nos sentir bastante sortudos.

    En hora buena a Tinta da China resolveu editar a recolha feita pela investigadora da Universidade Nova, Rita Luís, de 55 crónicas escritas entre 14 de Março de 1974 – dois dias antes da intentona das Caldas da Rainha – e 29 de Dezembro de 1975 – um mês após os acontecimentos de 25 de Novembro. O autor do detetive galego e gastrónomo Pepe Carvalho – sabiam que há planos para, finalmente, serem editadas todas as suas aventuras em português? –, fornece-nos uma visão de um habitante de um país que também esperava pelo seu momento de libertação. A Espanha que estava então ensanduichada entre a França democrática e um Portugal que aprendia essa nova realidade.

    Este Por enquanto, o povo unido ainda não foi vencido (título delicioso, retirado de uma crónica de 30 de Setembro de 1974, logo após a falhada manifestação da “Maioria Silenciosa”), tem o condão de 50 anos depois, trazer-nos detalhes sobre quem nós éramos e no que, entretanto, nos tornámos. E ser um espanhol a dizer-nos isto a uma distância de meio-século, é como olharmo-nos num espelho que nos leva a uma reflexão introspectiva.

    “Durante a minha breve estada em Portugal, no início de Maio, ouvi duas coisas das quais na altura duvidei e atribuí ao subjectivismo emocional dos meus informadores: 1º Costa Gomes é mais inteligente que Spínola; 2º os jovens oficiais estavam dispostos a dispensar Spínola se este colocasse obstáculos ao processo revolucionário”, escreveu Manuel Vázquez Montalbán a 1 de Outubro de 1974. Lido isto assim, como uma novidade que nos é dita 50 anos depois por umn estrangeiro, ajuda mais a explicar-nos hoje como Povo que usa e descarta os seus heróis do que qualquer tese universitária ou livro grosso escrito por um nacional.

    As 55 crónicas leem-se (muito) bem, embora se sinta que também poderia haver alguma contextualização. Como, por exemplo, lembrar que Durão Barroso, o futuro presidente da Comissão Europeia, era então um daqueles jovens do partido conhecido como “Movimento Recreativo dos Pintores de Paredes”, com “células na Faculdade de Direito, para inventar slogans, e outra na Escola de Belas-Artes, para os pintar”.

  • Eu, jornalista e político, me confesso

    Eu, jornalista e político, me confesso

    A jornalista do Público, Bárbara Reis, levantou a suspeita de que não sou um jornalista independente porque tive participação na vida política. Vamos lá então ver isso. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    A mensagem chegou-me como uma provocação. Os meus amigos gostam de me provocar e este dizia assim: “Então afinal é contigo que a Bárbara Reis se mete hoje”? E lá vinha uma cópia do texto da newsletter de 19 de Julho da jornalista do Público, com o título “Tal&Qual e accionistas na política”.

    A newsletter, que se chama genericamente “Livre de Estilo” e versa “sobre o outro lado do jornalismo e dos media”, resolveu ir ver o nome dos accionistas do semanário “Tal&Qual” e fez uma relação entre eles e a vida política. Estou lá, como proprietário de 2,5%, mas também como tendo sido candidato, filiado e dirigente de partidos como PPM e MPT.

    Bárbara Reis é actual redactora principal do Público e foi directora entre 2009 e 2016.

    Devido a isso, fui comparado a ilustres figuras que têm o mesmo percurso de vida, como os magnatas Francisco Pinto Balsemão e Silvio Berlusconi, tendo sido lançada a suspeita de que, tal como eles, também tenho a minha independência jornalística comprometida pelo facto de ter assumido uma posição pública que vai para lá do compromisso profissional como jornalista.

    Tive de sorrir quando reparei como é que a Bárbara fez a sua investigação jornalística aprofundada para descobrir esse segredo sobre a minha pessoa: bastou-lhe googlar o meu nome completo (Frederico Duarte Cavacas Teixeira de Carvalho) para ficar a saber que, por exemplo, fui candidato do PPM à Câmara de Lisboa nas eleições autárquicas de 2007.

    Já nem me lembrava disso. Mas que nostalgia me trouxe essa referência da jornalista do Público. Lembram-se da eleição intercalar para a presidência da câmara de Lisboa, quando Carmona Rodrigues foi afastado e o PSD apresentou Fernando Negrão como candidato, mas quem ganhou foi António Costa, o actual primeiro-ministro, que assim aproveitou para se afastar do governo do José Sócrates?

    A Bárbara acrescenta, entre parentesis, que fui candidato suplente, mas não diz que era o último suplente da lista e ela, como jornalista, poderia ainda ter acrescentado aos seus leitores que o PPM foi o partido menos votado (era só ler). Lembro-me de brincar então com os companheiros no PPM que o meu futuro político estava garantido, pois nas eleições intercalares para a câmara de Lisboa de 2007, o nome mais votado (com 56.751 votos) era o de António Costa, enquanto o último nome da lista do último partido (com 726 votos) era o meu! E, como sabem, os extremos, tocam-se!

    Bárbara descobriu ainda que fui o cabeça-de-lista do PPM ao Parlamento Europeu, dois anos mais tarde, em 2009. Mas isso era apenas o que o Google lhe disse através dos resultados que mostravam a lista do meu nome completo. Um nome que, no início da minha vida profissional, em 1992, como estagiário de “O Primeiro de Janeiro”, no Porto, tive de analisar em detalhe quando me disseram que não podia assinar apenas Frederico Carvalho, pois havia um outro jornalista com a mesma assinatura profissional (no Expresso).

    Pensei num curto e eficaz Frederico Cavacas, em homenagem ao nome materno e ao meu avô, o senhor Cavacas, barbeiro da Rua António Enes. Considerei o Teixeira de Carvalho, da família do meu pai, mas ficaria demasiado comprido na assinatura dos textos. Acabei por usar os nomes próprios, escolhidos pela minha mãe e pelo meu pai, acrescentado pelo Carvalho da família. E as iniciais seriam FDC – ditas com a pronúncia do Norte.

    Se a Bárbara tivesse feito uma pesquisa dentro do arquivo do seu próprio jornal, encontraria uma notícia do Público de 4 de Junho de 2009, onde, na sequência da visita que fiz à Mesquita de Lisboa, como candidato do PPM ao Parlamento Europeu, ficaram registadas coisas politicamente irresponsáveis como: “Ser português é respeitar e integrar as diferentes culturas religiosas” e “o desconhecimento é que leva ao medo”. Devo dizer que isto não é propriamente meu, mas vem no livro “A Utopia”, de Thomas Moore.

    A candidatura do PPM, por mim encabeçada, obteve 14.414 votos, o que correspondeu a 0,40 por cento. O partido perdeu votos, pois alcançara 15.466 em 2004, correspondendo a 0,46 por cento. O actual cronista do diário onde Bárbara trabalha, Miguel Esteves Cardoso, quando também foi candidato ao Parlamento Europeu pelo mesmo PPM, conseguiu muitos mais votos – 155.990, em 1987 (2,77 %) e 84.272 (2,03%) em 1989.

    Está visto que a minha carreira política em partidos como PPM e MPT não seria de sucesso – já agora, Bárbara, não conseguiste descobrir que, em 2013, fui um dos fundadores do Livre, juntamente com o ex-cronista do Público, Rui Tavares? Isso até provocou depois uma polémica interna no partido e há uma notícia sobre o caso no arquivo do teu jornal, quando tive de deixar de ser livre por ter “assumido posições anti-imigração” no tempo do PPM. Sim, quando a minha posição sempre fora por uma imigração com qualidade e direitos. É um texto assinado pela Rita Brandão Guerra, pessoa que nunca falou comigo para fazer aquele artigo, mas que, mais tarde, saiu do Público e foi trabalhar como assessora da ministra da Cultura.

    Enfim, sou eu este perigoso jornalista, que vende a sua independência à porca da política. Na realidade, quem me conhece, sabe que eu já era jornalista e político antes de o ser. A leitura das aventuras do Tintin foram a minha escola cívica. Decidi entrar na política activa por saber que havia demasiada política encapotada no jornalismo e pouca missão jornalística na política.

    Red Check Mark on Box in Close Up View

    Não fui longe, mas sei que continuo a fazer jornalismo e, como cidadão, política. Aliás, já agora, Bárbara, tu que estiveste nos EUA, fazias bem em ler uma crónica sobre Camarate que há uns tempos publiquei no teu Público. É um exemplo de como estou na vida.

    P.S. A Bárbara não sabe (porque não falou comigo), mas o documento que consultou sobre os accionistas do “Tal&Qual” está algo desactualizado: deixei de ter os 2,5 por cento do “Tal&Qual” desde Outubro do ano passado. Actualmente, não sou proprietário de nada e não estou filiado em qualquer partido. Fora isso, continuo a ser o que sempre fui: jornalista e cidadão.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


    N.D. Como habitualmente, os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das minhas análises, pensamentos e avaliações. Em todo o caso, e longe de pretender defender o nosso colaborador Frederico Duarte Carvalho (não desejo nem devo) e muito menos o (estilo do) Tal & Qual, e até concordando em algumas linhas com um primeiro texto de Bárbara Reis (excepto na parte sobre a reduzida ficha técnica, porque nem todos os jornais têm sócios-mecenas que injectam para aí uns dois milhões de euros por ano para aparar contínuos prejuízos, como faz a Sonae no Público), estou particularmente interessados em ler, em próxima oportunidade, a sua opinião sobre um certo jornal em que o director editorial é casado com uma deputada socialista e onde os contratos comerciais envolvendo jornalista são o pão-nosso-de-cada-dia. PAV

  • Costa é um político nato

    Costa é um político nato

    António Costa faz promessas de estabilidade e até acredito que sejam sinceras, mas lá fora vejo movimentações que apontam em sentido contrário. Há meses, mencionei a hipótese do nosso primeiro-ministro poder ser o próximo Secretário-Geral da NATO. Agora, não só a mantenho como a reforço. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    Ele pode dizer que não quer e até o pode repetir, como Pedro, por três vezes. Só que faz sentido e, por isso, permitam-me fazer algo irresponsável do ponto de vista jornalístico – mas autorizado e, podemos dizer, assaz estimulante quando se trata do género de crónica – que é especular. Especulo baseado em factos que vou colhendo aqui e ali e que, depois, interpreto como bem entendo. Não mais que isso.

    Tudo começou com uma crónica a 14 de Março, intitulada “Perguntei à minha bola de cristal”, onde fazia notar que o actual Secretário-Geral da NATO, o ex-primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, iria deixar o cargo em Outubro deste ano. E isso iria provocar mexidas em Bruxelas, pois um dos nomes ventilados para o substituir era o da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

    Se a ex-ministra da Defesa da Alemanha, que ocupa agora um posto que já pertenceu ao português Durão Barroso, aceitasse substituir o norueguês na cadeira da aliança militar entre os EUA e a Europa, então isso iria deixar em aberto o seu lugar um ano antes da conclusão do primeiro mandato de cinco anos e que, em 2024, ainda pode ser renovado por mais cinco.

    Seria um problema Ursula sair em Outubro deste ano. Foi então que, numa segunda crónica, a 4 de Abril, intitulada “Ursula é a maior”, escrevi que havia uma maneira de resolver o assunto e isso passaria por, e agora, cito-me: “que Jens Stoltenberg ficasse mais uns meses no cargo, indo para além de Outubro, dando assim tempo a Von der Leyen de terminar o mandato e poder depois manter-se em Bruxelas, agora na cadeira da NATO”.

    Isto foi escrito um mês antes da reunião do Grupo Bilderberg em Lisboa, onde, entre os dias 18 e 21 de Maio, Jens Stoltenberg foi um dos membros presentes para as discussões políticas, económicas e militares, de algumas das mais influentes personalidades dos países membros da NATO. Nessa altura, António Costa, como primeiro-ministro do país anfitrião, esteve presente num almoço no Hotel Pestana Palace, na Ajuda. E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu depois um jantar no Palácio da Ajuda.

    Não sei até que ponto isso ajudou ao que aconteceu depois do encontro Bilderberg, mas sei que a notícia prevista em Abril, concretizou-se há dias: Jens Stoltenberg aceitou prolongar o seu mandato por mais uns meses até que se chegasse a um acordo para o seu sucessor. Sendo assim, Ursula von der Leyen tem a porta aberta para sair do cargo no fim do primeiro mandato, mas teria de renunciar a um prolongamento de mais cinco anos. Será que a alemã aceita abdicar disso? Talvez. Se o fizer, então vamos ter de escolher um novo presidente para a Comissão Europeia e, nesse caso, duvido que António Costa possa ser escolhido, já que seria o segundo português ao fim de dez anos.

    É difícil, mas não impossível que Costa vá para o lugar de Leyen. Outro cargo que lhe estará apalavrado é o de presidente do Conselho Europeu, actualmente ocupado pelo ex-ministro belga, Charles Michel, e que termina o seu último mandato, de apenas dois anos e meio cada, em finais de 2024.

    Após o anúncio do prolongamento de Jens Stoltenberg como Secretário-Geral da NATO, o calendário político tornou-se óbvio: está tudo à espera das eleições europeias de Junho de 2024 e da distribuição das cadeiras nos meses seguintes. E é isso que cria a instabilidade em Portugal, pois Costa está há muito a olhar para isto.

    Pelo meio, vamos ter as eleições legislativas em Espanha, já no dia 23 deste mês, onde o socialista Pedro Sanchéz, a julgar pelas sondagens mais recentes, poderá não ser eleito. Dizem que ele é que poderia ser o próximo chefe da NATO. Duvido, pois já houve um espanhol, Javier Solana, que esteve à frente da organização entre 1995 e 1999.

    Faz sentido que Portugal, um país que até é membro fundador da NATO – quando até éramos uma potência colonial e fascista (como alguns gostam de dizer, mas que a NATO, pelos vistos, entendeu de forma diferente) –, possa liderar a aliança militar. Sim, como dirão alguns amigos, nós não damos dois por cento do nosso orçamento para Defesa, pelo que seria impossível haver um português no cargo. Mas, agora contraponho, não seria esta a melhor maneira de dar um sinal a Moscovo, com a ideia da Europa unida de Lisboa a Vladivostoque?

    Conclusão desta minha irresponsável especulação: Vamos a eleições em Junho de 2024 e o PS ganha por “poucochinho”. Costa treme, mas diz que não sai e garante a estabilidade. Marcelo não convoca eleições antecipadas. Depois, Ursula não aceita sair da Comissão Europeia e Costa reitera que não vai fazer como Barroso e também não aceita o Conselho Europeu.

    Mas depois, há um apelo. Um apelo internacional e o Secretário-Geral da NATO vem a Portugal e vai a Belém falar com Marcelo, onde lhe explica a necessidade para o mundo de ter um português, em Bruxelas, a liderar a NATO.

    Perante o “desígnio nacional”, Costa sai, mas o País não pode ter eleições antecipadas. Marcelo diz que sim, mas depois convoca eleições para Novembro de 2024. Só vou especular mais quando Costa disser, três vezes, que não é um político nato.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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  • O botão atómico de Belém

    O botão atómico de Belém

    Irá o homem que senta no Palácio de Belém carregar no botão que fará explodir a bomba atómica da política portuguesa? Podem ter a certeza que sim, mas só vai acontecer quando nos convencerem que fomos nós que pedimos. É assim que funciona a República. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    Muitos dos meus amigos ficam intrigados comigo quando lhes digo que sou monárquico. Perguntam-me pelo meu avô, por exemplo, para tentarem perceber até que ponto faz sentido essa minha afeição a um regime do passado.

    Respondo então que não é por saudosismo de um antigo regime, anterior ainda ao da ditadura de Salazar e do seu Estado Novo, mas sim pelo desejo de um futuro melhor.

    E procuro demonstrar que, um País com as características geográficas de Portugal, com a nossa localização, história e papel que ainda podemos ter no futuro da humanidade, seríamos mais prósperos e mais bem geridos se fôssemos uma monarquia.

    É apenas uma opinião e, como tal, espero que a respeitem. Teríamos ainda de trocar umas ideias sobre o assunto, ter uma conversa mais prolongada, mas para já mantemos apenas as coisas por aqui.

    Posso, no entanto, explanar parte do pensamento com pequenos exemplos da nossa vida quotidiana e que merecem uma reflexão a propósito do sistema político em que vivemos.

    Vamos então ao actual momento da nossa III República, aquela que começou há quase 50 anos, após outros quase 50 anos da II República, debaixo da ditadura que tivemos entre 28 de Maio de 1926 e o 25 de Abril de 1974.

    Neste momento, temos um primeiro-ministro do Partido Socialista a governar com maioria absoluta e um Presidente da República que é ex-líder do Partido Social Democrata. Poderíamos dizer que temos o melhor de ambos os mundos e que está tudo equilibrado. Mas não é bem assim.

    O Governo do PS parece cansado e gasto. Em surdina, especula-se que o Presidente da República deverá dissolver o Parlamento, demitindo assim o primeiro-ministro, e convocar eleições antecipadas para que o PSD as vença. E marcam-se já prazos: será depois das eleições europeias, no próximo Verão.

    Prevê-se que o partido do governo sofra uma derrota pesada, já que o eleitorado tende a votar por protesto nas eleições para o Parlamento da Europa.

    A demissão do governo é um dos pouco poderes que o Presidente da República tem em Portugal, já que ele não é um presidente com poderes executivos. É a chamada “bomba atómica”. E o botão é sensível. Demasiado.

    Se Portugal fosse uma monarquia, ninguém iria pedir ao rei para demitir o primeiro-ministro. O que deveria acontecer, isso sim, era o primeiro-ministro ir até Belém e explicar, bem explicadinho ao rei, os motivos pelos quais ele considera não ter condições para continuar sentado em São Bento e apresentar, humildemente, a demissão, reconhecendo o seu fracasso político.

    O rei existe precisamente para evitar que um líder de um partido, seja ele PS ou PSD – ou até um almirante recém-promovido a herói de Nação –, possa fazer jogos e joguinhos políticos, manipular a Comunicação Social e fazer-se de vítima para criar condições que o permitam proteger-se, e até surgir renovado, de um qualquer botão atómico em Belém.

    O rei existe para que nenhum político profissional possa manipular a ordem pública e chegar a Chefe de Estado, ou usar a figura do Chefe de Estado para o desculpar dos seus erros. Sim, sei que o sistema monárquico tem falhas, pois os reis também são humanos e sujeitos a fragilidades ou a acções de carácter dúbio.

    Mas pensem ainda numa outra coisa: um povo pode existir sem um rei, mas vive manipulado pela república e por uns quantos que fazem disso um jogo político. Agora, um rei nunca o poderá ser se não tiver um povo que o apoie.

    E um rei, nunca usará uma bomba atómica contra o seu próprio povo.       

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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  • Reescrever o 25 de Abril

    Reescrever o 25 de Abril

    O golpe militar do 25 de Abril faz hoje 49 anos. O próximo ano vai ser decisivo para a reescrita da sua história, por isso é importante assinalar alguns factos históricos que não podem ser esquecidos. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    A maior tentação dos vencedores é a de reescrever a História. Bem, nem sequer é uma tentação, pois podemos mesmo dizer que é uma inevitabilidade. Os vencedores têm todo o direito a reescrever a História, pois eles são isso mesmo: os vencedores.

    E a História dirá que aquela era a madrugada pela qual muitos esperavam, o tal “dia inicial inteiro e limpo” do poema da Sophia de Mello Breyner, “onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo”. Isso é muito bonito.

    Sim, o 25 de Abril terminou com uma Ditadura e deu-nos uma Democracia. Acabou com uma guerra colonial e permitiu que outros países se tornassem independentes. E Portugal tornou-se num País europeu onde, apesar das dificuldades económicas destes últimos tempos, ainda assim estamos muito melhor do que no tempo em tínhamos uma ditadura.

    O problema é que esta narrativa dos vencedores não nos deixa ver certos factos históricos que, agora, à distância de meio século, deveriam ter sido tidos em consideração para saber o que podemos fazer nos próximos 50 anos. Sobretudo hoje, quando temos uma guerra na Europa e não parecemos perceber porquê.

    Há alguns factos, breves e básicos, que deveremos ter sempre em consideração quando falarmos do que aconteceu a 25 de Abril de 1974. Primeiro de todos, temos de ver que se tratou de um golpe militar num País que era membro da NATO. Mais ainda: era membro fundador da NATO.

    Essa nobre instituição que pugna pela defesa da Democracia, afinal, em 1949, teve uma ditadura fascista como membro fundador. Ou será que Portugal não era uma ditadura fascista? Os Estados Unidos e os outros países na NATO andavam todos enganados?

    Um ano antes do nosso 25 de Abril, a 11 de Setembro de 1973, os militares no Chile fizeram aquilo que os militares normalmente fazem: um golpe militar para instaurar uma ditadura. Em Portugal, foi diferente porque a NATO é diferente.

    No Chile, dizem que os Estados Unidos estiveram por detrás do golpe, mas em Portugal, garantem que não houve qualquer influência de Washington. Aliás, para que isso ficasse bem claro, o próprio embaixador dos Estados Unidos em Lisboa até estava convenientemente ausente no dia do golpe.

    É ainda muito importante dizer aos jovens que o 25 de Abril não “derrubou Salazar”.

    O ditador António de Oliveira Salazar, que ocupou o cargo entre 1932 e 1968, só deixou de ser ditador porque teve um acidente doméstico e ficou incapacitado fisicamente. E morreu pacificamente, na sua cama, em 1970.

    Portanto, isto aconteceu quatro anos antes da revolta dos militares.

    O 25 de Abril derrubou um outro ditador, que se chamava Marcello Caetano. E esse nunca foi julgado por qualquer crime, pois, faz hoje 49 anos, saiu do Quartel do Carmo dentro de um carro militar blindado e foi levado directamente para o aeroporto. Morreria no Brasil, seis anos mais tarde, em Outubro de 1980.

    Isto foi dois meses antes do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro ter sido assassinado com uma bomba a bordo do avião que se despenhou em Camarate.

    Esclarece-se ainda que a descolonização foi feita num período de apenas um ano. Se virmos que 500 anos são apenas umas horas na História do mundo, a nossa saída de África teve lugar há apenas uns segundos.

    A última colónia a ter a independência foi Angola, em Novembro de 1975, apenas uns dias antes do golpe do 25 de Novembro, aquele que, hoje, é apontado por certos sectores políticos como o verdadeiro início da Democracia e não o 25 de Abril.

    A História livre e independente sobre o 25 de Abril ainda está por ser feita. O próximo ano irá servir para esconder muita coisa e criar muitos mitos, mas lembremo-nos que à conta de tanto reescrever a História, corremos não o risco de a repetir, mas sim o de a imitar de forma caricata, mas com efeitos ainda mais trágicos.         

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O que Eça diria sobre Eça

    O que Eça diria sobre Eça

    O Parlamento português decidiu, por unanimidade, trasladar os restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional. A cerimónia está marcada para Julho. Agora, o que diria Eça sobre essa homenagem? Uma opinião livre e pessoal fica registada. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    Certamente que Eça de Queiroz ficaria contente por saber que o seu valor era reconhecido com honras de Panteão. Mas será que lhe agradaria saber que os deputados do Parlamento que, de forma unânime, aprovaram esta decisão são pessoas que ele, muito provavelmente, iria criticar?

    Eça, afinal, escreveu frases como esta: “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos”.

    Uma frase que continua assim: “Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente”.

    E, para terminar: “A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha, a indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro”.

    Isto que citei, consta da colectânea “Uma Campanha Alegre” e diz respeito ao primitivo prólogo das Farpas, Estudo social de Portugal em 1871. São frases do homem cujos ossos vão agora repousar na antiga Igreja de Santa Engrácia. A tal das obras infinitas.

    Realmente, o que diria Eça sobre Eça e a homenagem à sua pessoa? Na minha opinião pessoal – e que deve ser apenas tida como tal –, Eça diria que, apesar de compreender a decisão, ainda assim o deviam recordar como alguém que escreveu sobre um País que existia enquanto ele também existia. Se agora, os descendentes dos homens daquele tempo, decidiram reconhecê-lo como um génio, como um grande do País com honras de Panteão, ao menos que chegassem a essa conclusão por o País não continuar na mesma situação em que ele o deixara!

    Diria ainda Eça que, caso as suas palavras fossem lidas ainda com a mesma luz e clareza na actualidade, ou seja, se houvesse hoje um português que as lesse como óbvias e não as citasse despudoradamente como sendo de um génio que merecia estar no Panteão – sem saberem o que o génio quis dizer na altura –, então a melhor homenagem seria deixarem-no estar tranquilo, no Douro, perto da sua Tormes e do seu Jacinto.

    Teria bem mais valor um visitante que tivesse a maçada de empreender uma viagem de propósito para o visitar e, com a devida demonstração de esforço e dedicação de uma deslocação com intenção de ir desde a cidade às serras, após mais de 120 anos desde a sua morte, essa sim seria a verdadeira homenagem à sua pessoa!

    Agora, vai para um Panteão que nem existia como tal quando ele morreu e que conhecia como a Santa Engrácia das obras inacabadas. Foi terminado em 1966, quando uma ditadura celebrava 40 anos. E vem agora, esta estranha forma de Democracia, que para ali já mandou toda a gente que politicamente lhe convinha, querer juntar o nome de Eça a uma lista de mortos apenas para a perpetuação da glória efémera de uns quantos políticos vivos e que nunca ninguém se lembrará de os visitar depois de mortos. Creio que Eça preferiria querer continuar a ser um génio do povo, sem necessidade de demonstração.

    A 28 de Novembro de 1892, Eça escreveu na Gazeta de Notícias um artigo sobre os grandes homens de França, onde analisava precisamente como aquele País e aquela cultura que tanto o marcara, decidira homenagear os seus grandes. Concluía que a França não deveria continuar a procurar mais nomes grandes e deixar “solitário no seu Panthéon como foi único no século pelo génio e pela universalidade da glória” apenas um escritor: Victor Hugo.  

    Quem souber a diferença entre quem foi Eusebiozinho e Eusébio da Silva Ferreira, poderá perceber melhor do que muitos o que Eça de Queiroz teria a dizer sobre a decisão do Parlamento português em autorizar a trasladação dos seus restos mortais para o Panteão.

    Não resisto ainda a contar aquilo que, certa vez, uma pessoa da família de Eça, partilhou como sendo uma pequena anedota sobre a inauguração da sua estátua no Largo Barão de Quintela – a original, em pedra, do escultor Teixeira Lopes, inaugurada em 1903 e que hoje está no jardim do Museu da Cidade, no Campo Grande e que, por ser constantemente vandalizada, foi substituída por uma réplica em bronze.

    Uma empregada de Eça e da sua mulher, D. Emília de Castro Pamplona, ao ver a estátua onde o escritor está abraçado à figura alegórica da verdade nua, com o escrito “Sobre a nudez forte da Verdade o manto diáphano da fantasia”, comentou depois ao chegar a casa: “O Senhor Eça está muito parecido, mas agora a senhora Dona Emília, ai meu Deus, não deveria estar assim”.

    Eça conhecia-nos melhor do que ninguém. Estamos todos no fundo da sua pena, sobretudo nessa obra magistral que é Os Maias. Sei disso, porque vejo-os todos os dias nas ruas. Somos os seus personagens. E quando sigo pelas Janelas Verdes, sei que não existe o Ramalhete, mas é aí que está a casa que os Maias vieram habitar em Lisboa. E quando corro para o autocarro, penso sempre: “Ainda o apanho! Ainda o apanho!”

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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