Autor: Elisabete Tavares

  • Sindicato dos Jornalistas: o novo incendiário que queima o Jornalismo

    Sindicato dos Jornalistas: o novo incendiário que queima o Jornalismo


    Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No sétimo episódio, analisa-se o estranho fenómeno que levou o Sindicato dos Jornalistas a fazer uma parceria com a farmacêutica Roche em bolsas a atribuir a jornalistas para fazerem trabalhos jornalísticos sobre Saúde. Pior do que isso, é a composição do júri que vai decidir a quem atribuir as bolsas.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • ‘As autarquias podem ser o motor para acelerar a mudança na sustentabilidade’

    ‘As autarquias podem ser o motor para acelerar a mudança na sustentabilidade’

    Pedro Norton de Matos é um dos principais rostos da sustentabilidade em Portugal e um gestor à frente do seu tempo. Há 17 anos, fundou o Greenfest, o maior evento de sustentabilidade do país. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Norton de Matos defende que, mais do que governos ou do que Bruxelas, as autarquias podem ter um papel crucial para acelerar a mudança em termos de uma sociedade mais sustentável. Também falou sobre a crise nos media e sobre a tendência de polarização e divisão da opinião pública, que tem o efeito perverso de criar cidadãos apáticos e passivos. O gestor deixou ainda críticas às três grandes indústrias: a da guerra; a farmacêutica; e a petrolífera. Numa era em que se instalam no Ocidente ideais autocráticos que visam, nomeadamente, condicionar ou eliminar a liberdade de expressão, Norton de Matos defende que democracia e sustentabilidade são compatíveis. Para o gestor e consultor, mudar comportamentos na área ambiental passar por se premiar as boas práticas, acreditando que são as novas gerações que vão fazer a diferença, mas apelando a um compromisso intergeracional.



    Pedro Norton de Matos criou o Greenfest, o maior evento de sustentabilidade em Portugal, há 17 anos. Na altura, o conceito ESG (siga de ‘Environmental, Social and Governance’) ainda não era um fenómeno no mundo empresarial, nem uma prioridade para muitas empresas. Hoje, sustentabilidade é um critério em muitos negócios e está reflectido em políticas e em práticas.

    Mas ainda há um longo caminho a percorrer em matéria de defesa do ambiente e na criação de uma sociedade sustentável. Pedro Norton de Matos não tem dúvidas de que as novas gerações são determinantes para a mudança mas, no imediato, em Portugal, é o poder local que pode trazer uma maior transformação para um país mais ‘amigo’ do ambiente. “As autarquias são e poderão vir a ser cada vez mais os grandes motores de acelerar a mudança”, disse o mentor do Greenfest numa entrevista ao PÁGINA UM.

    Norton de Matos defendeu que, não só os autarcas estão, muitas vezes, mais tempo no poder do que um primeiro-ministro, como as autarquias têm uma visão mais holística na gestão dos recursos e na resolução de problemas. “Mais do que as coisas acontecerem em Bruxelas ou no Terreiro do Paço, acho que é claramente nas comunidades onde a mudança pode acontecer de uma forma mais eficaz, mais consistente e mais rápida”, frisou.

    Pedro Norton de Matos. (Foto: D.R.)

    Um gestor reputado de topo, (foi presidente-executivo da Unisys Portugal, Espanha e Itália e da operadora ONI), Norton de Matos, decidiu mudar as suas prioridades quando sofreu um enfarte aos 50 anos. Hoje, aos 69 anos, reside em Ponte de Lima e, ao longo dos anos, não só criou o Greenfest como promoveu outros projectos a pensar na sustentabilidade, nomeadamente o Bluefest Portugal, mas também na consultoria e formação, através da Academia G.

    Mas é o Greenfest o ‘empreendimento’ mais conhecido, contando já com 24 edições realizadas em diversos municípios. O evento nasceu em parceria com a Câmara Municipal de Cascais, mas acabou por se alargar a outras partes do país e a outras autarquias, nomeadamente aos municípios de Braga, Porto, Torres Vedras e Valongo. A próximo edição do Greenfest está agendada para os dias 27, 28 e 29 de Setembro, em Braga.

    Nesta entrevista realizada na plataforma Zoom, o gestor e consultor falou sobre como ” as três maiores indústrias do mundo” − a da guerra, a petrolífera, a farmacêutica − moldam e influenciam as políticas e as tendências. “Todos os países europeus vendem armas e, sem hipocrisias de reconhecer isso, há negócio para vender armas”, disse, frisando que “não é difícil instigar [o aparecimento de conflitos armados], seja com ódios religiosos, étnicos ou históricos”, e que “o mais fácil é criar uma guerra”.

    (Foto: D.R.)

    No caso da indústria farmacêutica, salientou que ” temos de estar agradecidos à Ciência, à tecnologia, por grandes evoluções das décadas, mas vemos também a perversidade de negócios, em que as fronteiras levantam dúvidas”, estranhando “ver tantos especialistas com tantas certezas, a defender posições, quando seria mais honesto, até intelectualmente, mostrar algumas dúvidas, e não certezas cegas”.

    Também comentou a crise na comunicação social em Portugal, destacando a importância de se “valorizar muito e elogiar projetos independentes, que lutam quase contra tudo e todos, quando estão a fazer um serviço público de primaríssima utilidade”. Para Norton de Matos, “há uma perversa dependência [de grupos de media] e que leva, portanto, a adulterar completamente” a informação. “Os médicos fugiram do ideal do Hipócrates; os Jogos Olímpicos fugiram do ideal de Pierre Coubertain; e os jornalistas têm fugido (…) do jornalismo rigoroso”, lamentou.

    Também criticou o facto de no espaço mediático e público, das redes sociais, haver polarização de temas e observou que “a maioria que não está polarizada, é uma maioria que, em muitos casos, quase que é convidada à inação, porque fica tão dividida”.

    Num mundo cada vez mais polarizado e em que temas de relevo como o da defesa do ambiente são politizados, assiste-se ao regresso de políticas e ideologias em prol da censura e da eliminação da liberdade de expressão. Mas, para Norton de Matos, a democracia “é claramente compatível [com a defesa do ambiente] e é o único modelo” em que se revê, afastando a implementação de ideais autocráticos, os quais estão em ascensão no Ocidente.


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  • ‘A Cultura cria valor, cria um impacto, não é só animação’

    ‘A Cultura cria valor, cria um impacto, não é só animação’

    Marta Silva preside à cooperativa cultural Largo Residências, cuja actividade tem sido marcada pela crise no acesso a habitação na capital, o processo de gentrificação da cidade e a explosão do turismo. Depois de ter tido a sua ‘casa’ no Largo do Intendente durante 11 anos, a cooperativa foi promotora, durante um ano, de um pólo cultural ‘pop up’ no quartel da GNR do Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro cultural e comunitário Jardins do Bombarda. Distinguida como uma das cinco maiores cooperativas do género do país, em 2019, a Largo Residências também se tem destacado em projectos de inclusão social e desenvolvimento local, com programas voltados para a comunidade, mas também para o apoio a artistas, nomeadamente refugiados. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Marta Silva destaca o papel da cultura, enquanto “cola” e função “estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença”, e frisa que é crucial que os decisores políticos percebam que esta actividade não é só animação. A presidente da cooperativa também elabora sobre o programa de actividades nos Jardins do Bombarda, nomeadamente a primeira conferência internacional sobre ‘Terceiros Lugares’, um tipo de espaços colaborativos, que se realiza em Outubro.



    Foi considerada, em 2019, uma das cinco maiores cooperativas culturais do país. Mas essa distinção, entre outras, e o seu papel na área de inclusão social e desenvolvimento local não foram suficientes para tornar a cooperativa Largo Residências imune à forte crise no acesso a habitação que tem assolado o país, nomeadamente na capital, e que afectou as suas actividades nos últimos anos.

    A gentrificação da cidade, a par da explosão do valor dos imóveis e do negócio do alojamento local, deixou a Largo sem casa. Depois de 11 anos a desenvolver a sua actividade no Largo do Intendente, a cooperativa presidida por Marta Silva teve de procurar ‘casa’ nova. Durante um ano, promoveu um pólo cultural ‘pop up‘, temporário portanto, no quartel da GNR no Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro Jardins do Bombarda.

    Marta Silva, presidente da cooperativa Largo Residências, na redacção do PÁGINA UM. (Foto: D.R.)

    Marta Silva, 45 anos, foi co-fundadora da Associação SOU, criada em 2007, com sede em Arroios, um projecto de formação e programação em artes performativas, que deu origem à criação, em 2012, da cooperativa Largo Residências. Para a gestora cultural, “as cidades, para serem sustentáveis, precisam de projectos sem fins lucrativos e que reconhecem o cidadão e o desenvolvimento local como prioritário”.

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, destaca que “a Cultura cria valor, cria um impacto, que não é só activação, não é só animação. Ela é estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença e é uma cola sem a qual a cidade vai desmoronar”. E diz os agentes têm de ser vistos como interventores territoriais estruturantes e “de criação de cidade”.

    Marta Silva também salientou o papel fundamental da participação cívica. “Não podemos encarar o acto de participação com ouvir opiniões”, disse. Para Marta Silva, “infelizmente, ainda estamos todos longe de perceber o que é realmente participar. Hoje em dia, há uma tendência em falar de um processo participativo, quando estamos simplesmente a informar ou a recolher opiniões, e isso não é um processo participativo”.

    A presidente da Largo, além de ser gestora, desenvolveu a sua actividade em torno da dança e do ensino. Este ano recebeu o prémio ‘Melhores Produtores Culturais 2023’ da sexta edição do Prémio Natércia Campos, atribuído pela Academia de Produtores Culturais.

    No leme da Largo Residências, Marta Silva acompanhou, de igual modo,todo o processo de transformação do Intendente e zonas adjacentes causada pelos movimentos de imigração, turismo e valorização imobiliária.

    Agora, nos Jardins do Bombarda, a cooperativa continua com o seu programa de residências de artistas, que tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa. Tem também o programa residências-refúgio, que é apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o qual acolhe, actualmente, cinco artistas em situação de refúgio.

    (Foto: D.R.)

    No espaço encontram-se ainda um restaurante, uma loja, um jardim onde se pode organizar eventos, e diversas zonas para actividades e programas diversos. O espaço é aberto ao público e também acolhe actividades originadas na comunidade.

    Em preparação, está a sala-estúdio Valentim de Barros para acolher espectáculos e que homenageia um dos primeiros bailarinos portugueses com carreira internacional, o qual, sendo homossexual, foi institucionalizado no Miguel Bombarda, tendo lá vivido mais de quatro décadas.

    Também em preparação, está a I Conferência Internacional ‘Terceiros Lugares’ em Portugal, dedicada a esta tipologia de espaços colaborativos. Trata-se de entidades do terceiro sector, ou seja, que não estão ligadas nem ao sector público nem ao privado, que ocupam temporariamente antigos espaços com outros usos, como antigas fábricas ou hospitais, com o objectivo final de ter um impacto mais territorial, de inclusão, desenvolvimento local, social e económico, a dimensão da comunidade e do cidadão. O evento vai decorrer nos dias 11 e 12 de Outubro, sendo que nos dois últimos dias haverá workshops nos Jardins do Bombarda.


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  • O inconformado

    O inconformado

    Título

    Carlos Antunes Memórias de um Revolucionário

    Autor

    ISABEL LINDIM

    Editora

    Oficina do Livro (Abril de 2024)

    Cotação

    13/20

    Recensão

    Um homem pode ser um herói ou um vilão, dependendo de quem relata a sua história. Neste livro de memórias relatadas na primeira pessoa e recolhidas pela sua enteada (Isabel Lindim), Carlos Antunes sai, sobretudo, com a imagem de alguém que nunca se conformou com as coisas.

    Sem dúvida, que Carlos Antunes, que liderou com outra dissidente do PCP, Isabel do Carmo, a criação das Brigadas Revolucionárias (BR), será um vilão para muitos, ou mesmo um terrorista. A organização esteve por detrás de vários atentados e assaltos. Também para a PIDE, a polícia política do Estado Novo, era visto como um delinquente perigoso. 

    Para muitos da extrema-esquerda, Carlos Antunes, será um herói, bem como todos os que participaram nas acções da BR.  As actividades da BR mantiveram-se mesmo após o 25 de Abril e acabaram por ser seguidas e ainda mais radicalizadas pelas FP-25. 

    Carlos Antunes não queria ir para a tropa. A clandestidade salvou-o do serviço militar. O seu caminho ficou traçado. Acreditava ser um pacifista (“e ainda hoje tenho essa mania“, afirmou, citado na obra). 

    Para mim, nascida em Abril de 1974, é surreal (e aterrador) ler os relatos de  quem fez testes a bombas na serra da Arrábida, em preparação para assaltos e atentados. Mas ler este livro é isso: ver, por dentro, como foi que actuaram alguns destes militantes de extrema-esquerda na luta contra a ditadura e mesmo depois da chegada da democracia. O que sentiam, como viviam, com quem falavam e se relacionavam.

    Ler esta obra pode causar indigestão a alguns. Pode deixar outros inspirados. Será útil para investigadores e historiadores. Permite ter um vislumbre, a partir de dentro, de um movimento que se radicalizou na busca de uma sociedade que queria que fosse mais justa e solidária, nomeadamente com os povos das antigas colónias ultramarinas. 

    Numa altura em que políticas e ideologias de raiz totalitária renascem nos governos no poder de países do Ocidente, nomeadamente na Europa, esta pode ser uma obra para se reflectir. Vivemos, actualmente, numa era em que regressam a censura, a eliminação da liberdade de expressão, a perseguição a “dissidentes”. Hoje, os meios de censura e perseguição são as leis e o silenciamento das opiniões no espaço digital. A cultura de cancelamento e ostracização laboral, económica e social. A propaganda nos media está em níveis máximos. Vivemos in loco a obra distópica ‘1984’, de George Orwell. Por isso, o conhecimento da História é cada vez mais relevante. Para que não se caia nos mesmos erros. Nem no lado dos governantes e ditadores, nem do lado de quem combate as ditaduras. Para que o futuro possa ser moldado, não por ditadores nem por extremistas e radicais, mas por inconformados moderados. 

  • Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Foram duas das empresas acusadas pela Autoridade da Concorrência no ‘cartel das cantinas’, há 13 anos. Mas só com o município de Sintra, o consórcio constituído pelas sociedades ICA e Nordigal tem enchido o tabuleiro em contratos por concurso público mas misturados com ajustes directos com vista ao fornecimento de refeições escolares. No município liderado por Basílio Horta já se tornou mesmo um hábito vencer-se um concurso público mas, no mesmo mês, conseguir um ajuste directo milionário para o mesmo tipo de serviço. A autarquia garantiu ao PÁGINA UM que nunca os dois contratos ficam activos em simultâneo. Sem fiscalização, fica sem se saber se há facturação dupla e duplo pagamento. Além disso, a inflação das refeições escolares disparou: comparando com o contrato que vigorou até ao ano lectivo de 2023/2024, o preço de cada lanche cobrado pelo consórcio quase duplicou para os próximos três anos, enquanto cada almoço sofreu um aumento de 30%. Globalmente, desde 2015, a Câmara de Sintra já gastou mais de 87,6 milhões de euros na compra de refeições escolares à ICA/Nordigal.


    Neste mês de Setembro, começa um novo ano lectivo para a generalidade dos níveis de ensino, e recomeça também um dos mais apetecíveis negócios do país que movimentam milhões: o fornecimento de refeições escolares pagas pelas autarquia. Mas Sintra, o concelho do país com mais jovens em idade escolar, destaca-se por uma particularidade, que não se resume apenas ao (elevado) valor do contrato, mas sim ao estranho facto de, em Setembro, ter o fornecimento de refeições ‘suportado’ por dois contratos: um por concurso público com três anos de duração e outro por ajuste directo com a duração de apenas um mês. Ambos beneficiaram a mesmo consórcio, constituído por duas das principais empresas do sector, a ICA e a Nordigal.

    Comecemos pelo concurso público. Num negócio com direito a prato principal e sobremesa, este agrupamento empresarial ganhou, em Agosto passado, o contrato do município de Sintra, com uma duração de três anos por 35.471.520 euros com vista ao fornecimento de refeições nas escolas do primeiro ciclo e pré-escolar. No contrato surge especificamente que a data prevista de início é 1 de Setembro (domingo passado), mas como está dependente de visto para ser válido, a autarquia liderada por Basílio Horta foi a correr fazer um ajuste directo de mais de 921.300 milhões de euros para o mesmo mês. Em teoria, o mês de Setembro pode vir a ter dois contratos em vigor para o mesmo serviço.

    Sintra: um poço sem fundo de recursos financeiros para o pouco transparente negócio das refeições escolares. (Foto: D.R.)

    A duplicação de contratos que se ‘atropelam’ no tempo não é uma novidade em Sintra. O consórcio ICA/Nordigal já em 2021 tinha beneficiado do mesmo menu por parte da autarquia de Basílio Horta: ganhou concurso e teve direito a um ajuste directo extra, mesmo sabendo-se que o município teve ‘todo o tempo do mundo’ (três anos) para preparar um concurso público com adjudicação a tempo de receber visto do Tribunal de Contas. Ignora-se como se processaram os pagamentos.

    No caso dos dois contratos agora adjudicados, o município de Sintra lançou um concurso público para contratação do serviço de fornecimento de refeições escolares nas escolas do primeiro ciclo do ensino básico e pré-escolar da rede pública do concelho. Este contrato de quase 35,5 milhões de euros, sem IVA, adjudicado ao agrupamento constituído pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar e pela Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, foi assinado a 13 de Agosto, sendo válido por 12 meses, mas prorrogável, em condições normais, até 36 meses. Os gastos máximos estipulados são de 4.598.160 euros em 2024, de 11.823.840 euros em 2025, de 11.823.840 euros em 2026 e de 7.225.680 em 2027.

    O preço fixado contratualmente é de 75 cêntimos por cada lanche da manhã e da tarde (0,85 euros, com IVA), de 2,97 euros por cada almoço (3,36 euros com IVA a 13%) e de 3,60 euros por cada refeição fora do período regular (4,07 euros com IVA).

    five red apples on white surface
    (Foto: D.R.)

    Ora, 10 dias depois da assinatura deste contrato, o município assinou um novo contrato com o ICA/Nordigal, mas por ajuste directo. O segundo contrato visa a prestação do serviço nos exactos moldes do contrato por concurso público, mas apenas por um período de quatro semanas, a começar a 1 de Setembro e envolvendo a quantia de até 921.300 euros, o que, com IVA, totaliza 1,o4 milhões de euros. Note-se que em grande parte das escolas a actividade lectiva inicia-se apenas entre os dias 12 e 16 de Setembro.

    Ao PÁGINA UM, o município de Sintra justificou o ajuste directo com um dos expedientes mais recorrentes: “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, […] e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. No entanto, é difícil compreender como não se possa imputar à entidade adjudicante (autarquia de Sintra) a responsabilidade por inexistência de visto do Tribunal de Contas para um contrato que saiu de um concurso público que teve três anos para ser preparado.

    Mas o município garantiu que “em situação alguma os dois contratos estão ativos em simultâneo, pelo que está garantida a impossibilidade de poder haver duplicação de faturação”. Segundo a autarquia, “o contrato relativo ao ajuste direto contém uma cláusula que o faz cessar assim que é obtido o visto do Tribunal de Contas relativo ao contrato resultante do concurso público internacional”. Assim que “o contrato de ajuste direto cessa, procede-se ao pagamento das faturas relativas aos consumos realizados no seu âmbito, seguindo-se o seu encerramento e o descabimento do saldo remanescente”. Adiantou que “o contrato resultante do concurso público internacional só se torna eficaz após o encerramento do contrato do ajuste direto, pelo que nunca poderá haver duplicação de faturação” e que “o contrato resultante do concurso público internacional se torna eficaz o seu cabimento é reduzido, sendo-lhe deduzido o valor gasto com o ajuste direto”.

    food, sandwich, sardine
    (Foto: D.R.)

    Na verdade, em termos práticos, além de ter garantido que vai fornecer uma boa fatia do mercado de refeições escolares na rede pública de escolas em Sintra por mais 1095 dias, o consórcio ICA/Nordigal ainda contabiliza uma ‘borla’: a possibilidade de ‘engolir’ mais 1,04 milhões de euros de dinheiro dos contribuintes sem enfrentar concorrência.

    Para justificar este ajuste directo, o município adiantou ao PÁGINA UM que “o contrato no valor de 35,471 milhões de euros, publicado a 16 de agosto, diz respeito à abertura de concurso público internacional lançado pela segunda vez”, na sequência de um primeiro ter ficado deserto por “ausência de propostas”. E acrescenta que “tal facto levou o município de Sintra a lançar um segundo concurso, cujo contrato foi publicado no dia 16 de Agosto, mas que ainda não se encontra eficaz, uma vez que ainda decorre a apreciação do mesmo por parte do Tribunal de Contas para atribuição do respetivo visto”.

    Por esse motivo, o município diz que para garantir o fornecimento de refeições escolares neste mês de Setembro, “e numa situação em tudo similar com a ocorrida em 2021, tornou-se necessário proceder ao ajuste direto, conforme previsto na lei, também remetido ao Tribunal de Contas, e que permite assegurar a resposta em tempo até à emissão do referido visto por parte do Tribunal de Contas ao concurso público”. 

    girl holding two eggs while putting it on her eyes
    (Foto: D.R.)

    Em 2021, o município de Sintra adjudicou a este consórcio, em 13 de Outubro, um contrato para “fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do concelho de Sintra, em regime de fornecimento contínuo”, através de concurso público, no valor de 21.526.230 euros, sem IVA. Mas acompanhou o ‘prato principal’ com uma ‘entrada’: um ajuste directo firmado a 6 de Outubro de 2021 com a empresa ICA para o mesmo serviço, no valor de 923.616 euros, sem IVA, para o prazo de 40 dias.  Também na altura, a “urgência imperiosa” explicou a entrega de mais de um milhão de euros de mão beijada a uma empresa.

    Em ambos os contratos, o valor do lanche era então de quase metade do praticado agora: 40 cêntimos, sem IVA. Já cada almoço registou um aumento de 30%. Em 2021, o consórcio cobrou ao município de Sintra 2,28 euros por almoço, menos 69 cêntimos do preço cobrado praticado agora. A inflação destas refeições subiu muito mais do que o índice de preços ao consumidor (IPC).

    Certo é que em dois contratos por concurso, e mais dois ajustes directos, o ICA/Nordigal facturou 58,9 milhões de euros com o município de Sintra, garantindo negócios por 2.190 dias à conta de dinheiros públicos.

    Mas não fica por aqui a facturação deste consórcio com a Câmara de Sintra. Ainda em 2021, a ICA garantiu o recebimento de 1.231.520,4 euros, sem IVA, por seis contratos firmados com o município, cinco dos quais por ajuste directo e um por consulta prévia.

    (Foto: D.R.)

    Já a Nordigal tinha facturado, três anos antes, quase 14,2 milhões de euros por via de um contrato assinado em 9 de Julho de 2018, válido por um período de um ano e prorrogável até três anos. Este contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, visou a “aquisição de serviços para fornecimento de refeições escolares para o ano lectivo 2018/2019”, além do “fornecimento diário de refeições em estabelecimentos escolares do 1º ciclo de ensino básico e pré-escolar da rede pública no Concelho de Sintra, assim como da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Tudo somado, desde 2018, no global, a Câmara de Sintra entregou a farta quantia de 74,3 milhões de euros em contratos às duas empresas que agora voltaram a ser contratadas pelo município. Se forem contabilizados contratos anteriores, feitos por ajuste directo ou ao abrigo de acordo-quadro, a soma eleva-se para cima dos 87,6 milhões de euros.

    De resto, segundo os dados constantes do Portal Base, o município de Sintra tem entregue contratos de fornecimento de refeições escolares a outras empresas, mas os valores estão aquém dos montantes entregues ao ICA/Nordigal.

    red apple fruit on four pyle books
    Foto: D.R.)

    Por exemplo, em Julho deste ano, o município firmou um contrato com a espanhola Mediterranea de Catering, envolvendo 12.879.972 euros, neste caso para “aquisição de serviços de fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do Concelho de Sintra e na Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    O contrato assinado em 12 de Julho foi depois ‘acrescentado’, no mês seguinte, a 29 de Agosto, de um ajuste directo no valor de 921.580 euros para prestar, durante dois meses, o serviço de… “fornecimento e distribuição de refeições escolares em estabelecimentos escolares do 2.º, 3.º ciclo e secundária da rede pública do Concelho de Sintra e Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Por coincidência, o primeiro contrato adjudicado pelo município de Sintra a este consórcio foi por ajuste directo em 15 de Julho de 2015, quatro meses depois do Tribunal da Relação ter decretado a prescrição da acusação da Autoridade da Concorrência contra o ‘cartel das cantinas’, que tinha entre os acusados o agrupamento ICA/Nordigal, o qual foi condenado pelo Tribunal da Concorrência a pagar 600 mil euros por ter trocado informação comercial com concorrentes.

    Saliente-se que um dos nomes mencionados na acusação do ‘cartel das cantinas’ surge, ‘preto no branco’, nos dois contratos agora assinados entre o ICA/Nordigal e a Câmara Municipal de Sintra: Nuno Perdigão, em representação do agrupamento empresarial. Na altura do ‘cartel das cantinas, entre a documentação, foi ‘apanhado’ um e-mail recebido por Perdigão, na qualidade de inspector de vendas da ICA, que comprovou a existência de troca de informação comercial entre as empresas do cartel.


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  • Também vamos bloquear o acesso aos jornais e às TVs?

    Também vamos bloquear o acesso aos jornais e às TVs?


    Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No sexto episódio, analisa-se o estranho fenómeno que afectou a cobertura jornalística de um anúncio da supermodelo Elle MacPherson e as notícias sobre a decisão do Brasil de aderir ao grupo de países que proíbe a liberdade de expressão e persegue opositores reais ou potenciais.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • ‘Os últimos oito anos foram desastrosos para o mercado de arrendamento’

    ‘Os últimos oito anos foram desastrosos para o mercado de arrendamento’

    Luís Menezes Leitão, 60 anos, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, não tem dúvidas de que o que mais contribuiu para a actual crise no acesso a habitação em Portugal foram as medidas “hostis” impostas pelos governos socialistas de António Costa, que lesaram proprietários e inquilinos. Frisou que muitos proprietários desistiram de arrendar e desmente informações divulgadas nos media de que existe uma grande fatia de arrendamentos sem contrato e não declarados ao Fisco. Militante do PSD, o advogado também se mostrou muito desiludido com a forte viragem à esquerda do partido e pela ausência de políticas diferentes das dos socialistas. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados também alertou que está a haver uma tentativa de interferência do poder político no poder judicial, o que considera preocupante. Também receia que, no futuro, se possa repetir a violação dos direitos fundamentais dos portugueses e o desrespeito pela Constituição que se observou durante a pandemia de covid-19. Sobre o sector da Justiça, apontou que a situação calamitosa em que se encontram os tribunais administrativos e fiscais favorece a impunidade de políticos e constitui uma ameaça à democracia.



    Luís Menezes Leitão não tem dúvidas: o principal responsável pela crise no sector da habitação, nomeadamente do mercado de arrendamento, é António Costa. O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) reconhece que a tendência internacional de crescimento do alojamento local ajudou à crise, mas culpa os dois últimos governos socialistas pelo que considera ser um retrocesso das políticas relativas ao sector, com medidas que lesaram tanto proprietários, como inquilinos.

    Para o advogado, “grande parte do que se está a passar na elevação dos valores das rendas resultou de o governo anterior ter adoptado uma política de tal forma hostil aos proprietários que levou que grande parte deles desistissem de se manter no mercado de arrendamento”. Apontou que “a cereja no topo do bolo foi quando se decidiu o travão à subida das rendas”.

    Segundo Luís Menezes Leitão, “estes últimos 8 anos foram desastrosos”, o anterior primeiro-ministro, António Costa, a conseguir destruir em semanas o que tinha levado décadas a conseguir.

    Luís Menezes Leitão. (Foto: D.R./Ordem dos Advogados)

    Com cerca de 10.000 associados, a ALP é a mais antiga estrutura representativa de proprietários urbanos a nível nacional. Fundada em Fevereiro de 1888, preside à Confederação Portuguesa de Proprietários e ocupa actualmente a vice-presidência da União Internacional da Propriedade Imobiliária (UIPI). Apesar de centenária, a associação ainda luta, no século XXI, por eliminar medidas já muito antigas, como o congelamento de rendas que, segundo o presidente da ALP, provoca uma distorção no mercado, obrigando proprietários a ter rendas mais elevadas para compensar rendas congeladas. Aliás, a ALP tem promovido uma petição pública Pelo Fim Imediato do Congelamento de Rendas em Portugal, que conta com mais de 2.500 assinaturas.

    Apesar de esperar que o actual governo suportado pela AD (PSD/CDS-PP) possa avançar com soluções para os problemas do sector, tem pouco esperança. Um militante do PSD, o advogado lamenta que, “nos últimos anos, o partido tenha virado muito à esquerda”. Afirmou que se nota, “infelizmente, uma política muito próxima do que defende o PS”. E defendeu que “essa viragem do partido à esquerda e tem contribuído para terem surgido outros partidos à direita”, como o Chega.

    Para o presidente da ALP, não “parece que seja muito correcto um partido do governo que aspira ser alternativa e que defende exactamente as mesmas políticas que o partido do anterior governo, apenas com algumas nuances”. Frisou que “era esperado que houvesse uma postura mais reformista e uma viragem no que se tinha passado”, mas “o que se tem visto é praticamente uma evolução na continuidade” porque “não vimos nenhuma reforma e nenhuma viragem digna desse nome como muitos esperavam” e ele próprio esperava.

    Comentando a actual situação da Justiça, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados considera que podemos estar “perante um ataque concertado ao Ministério Público”, já que existem inúmeros comentários e movimentos de políticos com vista a que haja uma interferência do poder político no poder judicial.

    (Foto: D.R./ALP)

    “Não podemos cair na questão de tentar um controlo do Ministério Público por parte do poder político. É isso que está em curso. Está em curso com o Manifesto dos 50, que é um manifesto de políticos para defender que os políticos controlem o Ministério Público”, afirmou.

    Reconheceu que “é preciso voltar a credibilizar a nossa justiça”. “Mas também estamos a ter simultaneamente uma tentativa de intervenção do poder político na Justiça que me parece bastante preocupante”, avisou.

    O ex-bastonário também alertou para a situação calamitosa em que se encontra a Justiça administrativa e fiscal. Mas apontou que os políticos beneficiam com a situação, pois se houver cidadãos que os queiram responsabilizar, só haverá decisões em 10 anos, quando já ninguém se interessar pelo tema. Para o advogado, esta situação põe em causa a responsabilização efectiva do poder político e constitui um problema para a nossa democracia.

    Luís Menezes Leitão, que foi um dos críticos das medidas inconstitucionais impostas em Portugal durante a pandemia de covid-19, teme que os direitos fundamentais dos portugueses voltem a ser violados no futuro.  “Fiquei bastante chocado com o que se passou, na altura. Surgiram uma série de medidas inconstitucionais que o Parlamento, praticamente, aprovava ‘de cruz’”, disse. Por outro lado, defendeu que “devia ter havido imensas entidades que tinham competência para fazer a fiscalização da constitucionalidade, mas nada fizeram”, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República e a Provedora de Justiça. Acresce que “não se viu uma oposição eficaz dos partidos da oposição”. Ou seja, “o nosso sistema constitucional foi colocado à prova” e mostrou ser “frágil”, o que “é preocupante”.

    “Tenho algum receio que a situação se volte a repetir. Infelizmente, nós não temos visto, quer da parte de alguma opinião pública, quer especialmente por parte do poder político, o facto de se tomar consciência do que se podia ter feito e o que se devia fazer”, lamentou. E concluiu: “só num país como Portugal, se pode ouvir um primeiro-ministro dizer que um confinamento é para manter, diga o que disser a Constituição”.


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  • Do belo e do prazer

    Do belo e do prazer

    Título

    Receitas & Estórias

    Autor

    OCTÁVIO VIANA 

    Editora

    Thorn Publishers (2023)

    Cotação

    19/20

    Recensão

    Começo esta recensão com uma declaração de interesses: conheço o autor e tenho acompanhado, ao largo, a sua caminhada no mundo da escrita e da publicação das suas obras e também as suas partilhas de experiências gastronómicas. Conhecemo-nos de uma ‘outra vida’ minha, quando escrevia a tempo inteiro sobre mercados financeiros e economia. De vez em quando, lá o questionava, fosse para tirar dúvidas ou para lhe pedir comentários sobre acontecimentos da actualidade.

    Feita a declaração, também sentia que tinha de fazer esta recensão. Este livro, por acaso, é do Octávio. Mas, a partir do momento que o abri e li, passou também a ser um bocadinho meu.

    Depois, reúne dois temas que muito aprecio: ‘comida’ e ‘estórias’. Sim, gosto de receitas. Mas gosto mais da ‘comida’. É que as receitas, dependendo de quem as executa, resultam em experiências sensoriais únicas. Cada pessoa tem a sua assinatura na cozinha (nem sempre para o saboroso). E, no meu caso, até posso (com muito esforço) seguir a receita a preceito. Mas, é certo e sabido, que da segunda vez já será feita ‘a olho’ e, com azar, levando uma pitada extra disto ou daquilo.

    Assim, depois de deixar o Octávio (e muitos leitores) aterrorizados com esta minha confissão, passo a partilhar um olhar mais detalhado sobre as ‘receitas’ e as complementares ‘estórias’.

    Para começar, as receitas já ganham um aroma específico só pelo facto de serem acompanhadas pelas mais diversas situações e personagens. Acredite: quando experimentar executar uma das receitas do livro na cozinha, se tiver lido a estória que a acompanha, vai lembrar-se dos personagens e imaginá-los ali, ao pé de si (e, até, a fazer comentários).

    Por mim, agradeço ao Octávio por ter escrito e publicado este livro (já andava para escrever sobre ele desde que foi publicado). Só pela página 35 já valeu a pena ler o livro.  Melhor: pelas páginas 33, 34 e 35. Trata-se de uma receita de torta di ricotta e pistacchio (descrita na página 35). A breve estória em torno desta receita inclui uma noite fria de Inverno, em plena pandemia de covid-19, que em Itália, como em Portugal, infelizmente, envolveu um radical e irracional fecho de actividades, que afectou também o sector da restauração.

    Também recomendo que espreite o capítulo 23 sobre “os gnocchi da Simona, Roma, Itália”.

    O livro de receitas (e as suas estórias) são de uma riqueza sensorial imensa e remetem para um mundo de prazer, beleza e paz. Um retiro. Gourmet e delicioso. Bellissimo.

  • Ir de vela

    Ir de vela

    Título

    Como construir um barco

    Autora

    ELAINE FEENEY 

    Editora

    D. Quixote (Julho de 2024)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Peguei no livro e saí a correr. Só mais tarde, quando me sentei para o ler, me dei conta do equívoco. Pensava que era um livro sobre como construir um barco. Literalmente. Daqueles livros práticos sobre ‘como fazer sozinho’. Não era. Não sei porque me equivoquei. Afinal, bastava olhar para a capa com reduzida atenção para perceber que se trata de uma obra de ficção. A etiqueta que diz que a obra foi nomeada para o The Booker Prize de 2023 era outra pista esclarecedora. Não estou a ver um livro que ensine a construir um barco a ser nomeado para um prémio do género (por muito que adore livros práticos sobre como fazer coisas). Adiante, ultrapassado o meu espanto (parvo) causado pela desatenção, aceito a situação: tinha um romance pela frente para ler.

    A capa era auspiciosa. Além da etiqueta de nomeação para o tal prémio, tinha uma recomendação de um vencedor do The Booker Prize, Douglas Stuart. Diz que se trata de “um romance cheio de esperança e de humanidade”. Na contracapa, prossegue: diz que é uma “daqueles raros livros que nos fazem sentir menos sós” e que se trata de “uma história inspiradora sobre uma comunidade e as pequenas coisas que podem mudar uma vida.”

    Não consegui ler o livro sentada, sossegada. Mexi-me muitas vezes no meu lugar no sofá. Para alguns, será talvez menos fácil de ler. (Percebi, depois, que a autora publicou também obras de poesia e teatro, o que explica alguns dos caminhos que percorreu para contar esta história.) Alguns parágrafos ganham vida e as palavras escorregam para as linhas seguintes, em sequência, exigindo atenção e abertura mental. Reli algumas partes para ver se tinha compreendido bem (mas admito que possa ser, também, feitio meu e da minha ocasional parca concentração). Acredito que cada um, seja neurodivergente ou neurotípico, ‘ouve’ as palavras que lê de forma única e compreende (ou não) e vivencia de modo próprio cada história, cada linha. 

    Posto isto, acabei a marcar várias páginas para as mencionar ao leitor desta recensão. Só tinha o marcador que vem com o livro e uma caneta. Acabei por marcar as restantes páginas com as caixinhas compridas de incenso que tinha comprado e que ainda aguardavam na almofada do sofá para ir para o armário. O resultado foi um livro gordo (mas sem páginas dobradas) e com as páginas devidamente seleccionadas.

    A obra tem como personagem central um rapaz, Jamie O’Neill, com 13 anos, que tem dois desejos ou sonhos. Mas seria muito redutor dizer que é disto que o livro trata. Entre histórias de personagens paralelas e o percurso do rapaz, há muitas enseadas, ondas, mergulhos, marés baixas e altas e redemoinhos.  O leitor é confrontado consigo próprio e com a sua vida (eu, pelo menos, fui). Simples frases levam-nos em viagens por novos mares, que não os do enredo do livro. Como no parágrafo que fala que a construção de um barco não é um processo aleatório, “tem muitas fases, vamos eliminar todas as irregularidades” e, “se alguma coisa estiver mal feita, a camada seguinte vai revelá-lo”. Como a vida? Ou o parágrafo que diz que “tudo o que é bom começa com um bom impulso”. Ou aquele que garante que “para criar é preciso sentir-se e estar desconfortável, e por vezes sentir-te-ás desacompanhado”. (Fico por aqui e, afinal, não precisava usar todas as caixinhas de incenso como marcador.) 

    Concluindo, tirando-se os inúmeros “foda-se” e “merda”, que detesto (distraem-me na leitura como uma mosca a ziguezaguear junto aos olhos), é um livro a ler. Com calma e paciência, devagar. O ‘slow reading‘, que é avesso ao consumo de papa-livros de Verão para mostrar, depois, nas redes sociais, a foto da pilha de obras lidas). Mas também esses leitores o lerão bem. Com asneiras e tudo (ou, sobretudo, porque as asneiras talvez ainda estejam na moda, não só na capa de livros, como no seu interior).   

  • Kamala & Calor & Marta Temido

    Kamala & Calor & Marta Temido


    Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No quinto episódio, analisa-se a cobertura que a imprensa portuguesa faz da corrida à Casa Branca. Em análise, também as notícias sobre o calor e o fenómeno do novo “Marcelo” a banhos no Verão em que se transformou a eurodeputada Marta Temido.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.