Autor: Elisabete Tavares

  • Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    São já mais de 16 anos de ‘ligações fortes’, mas um processo em tribunal ameaça quebrar um vínculo negocial aparentemente perpétuo. Em Portugal, todos os arguidos e condenados em prisão domiciliária ou sob vigilância electrónica têm algo em comum: usam pulseiras electrónicas fornecidas pela SVEP – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas. A empresa portuguesa, com sede em Lisboa, tem sido a escolhida pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde pelo menos 2009, sobretudo através de ajustes directos, para fornecer instrumentos de controlo, monitorização e vigilância de quem, por ordem judicial, não pode sair de casa. E já recebeu 57,6 milhões de euros pelos serviços.

    O domínio da SVEP nos contratos de vigilância com pulseira electrónica está agora em causa porque uma empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça, travando o início da execução do contrato valioso entregue pela DGRSP à SVEP, válido até 2029. A consequência deste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 9 de Dezembro, não teve, para já efeitos no negócio da SVEP. A empresa portuguesa obteve entretanto três ajustes directos e já arrecadou perto de dois milhões de euros.

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    Foto: D.R.

    A SPEV — uma antiga empresa do Grupo Efacec, agora controlada por uma empresa familiar denominada JKGC Ventures, com uma pequena participação da israelita Elmotech — tem vencido os concursos públicos lançados desde 2009, que constam no Portal Base. Mas em 16 anos só houve três concursos públicos: em 2017, em 2021 e em 2024. Mas a empresa foi beneficiando também de sucessivas adjudicações por ajuste directo. Segundo os dados disponíveis no Portal Base contam-se 20.

    No concurso público mais recente, a empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça para contestar o contrato ganho pela SPEV. Convém referir que a SuperCom não consta da lista do Portal Base onde surgem as empresas que se candidataram ao procedimento concursal, que inclui, além da SPEV, a portuguesa Contactus, a polaca Enigma Systemy Informacji e a brasileira Synergye Tecnologia da Informação.

    Independentemente do processo em tribunal, os serviços prisionais decidiram celebrar o contrato com a SPEV no passado dia 28 de Fevereiro , prevendo-se o fornecimento anual de serviços de vigilância electrónica até 2029. Se for renovado todos os anos, a empresa receberá quase 20,6 milhões de euros, com IVA incluído, ao longo de cinco anos.

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    Foto: D.R.

    Este valor está abaixo do máximo previsto no concurso, que era de 24.319.737 euros, acrescido de IVA. Num anterior concurso, a SPEV também foi a escolhida para ficar com aquele negócio chorudo entre 2021 e 2025. E em meados de 2017 também ganhou um outro concurso para prestar serviços por dois anos e meio.

    Com o concurso mais recente a ir parar aos tribunais, a SVEP acabou por beneficiar de três contratos por ajuste directo, no valor global próximo dos dois milhões de euros, para garantir o funcionamento das pulseiras electrónicas por cinco meses, sempre com a fundamentação de que se tratava de uma “urgência imperiosa”.

    O primeiro ajuste directo, no valor de 582.171 euros (com IVA) foi assinado no passado dia 27 de Dezembro para a “aquisição de serviços de vigilância eletrónica, para execução de decisões judiciais, para o período de 01 de janeiro de 2025 a 14 de fevereiro de 2025”.

    Seguiu-se novo ajuste directo de igual valor, que foi assinado a 14 de Fevereiro, para abranger o período até 31 de Março. Mais recentemente, a 28 de Março, foi adjudicado novo contrato por ajuste directo, no valor 789.165 euros, para serviços a prestar até 31 de Maio.

    O serviço de pulseiras electrónicas prevê a monitorização de 1.100 indivíduos, vigiados por radiofrequência, e ainda 1.900 pessoas monitorizadas por geo-localização.

    Contactada pelo PÁGINA UM, os serviços de relações externas da DGRSP justifica os recentes ajustes directos por “o motivo de ‘urgência imperiosa’ [que] decorreu, e tem decorrido, da necessidade de assegurar a continuidade do serviço/fornecimento sem interrupções” em virtude da acção de “contencioso pré-contratual intentada após a realização de um concurso público com publicidade internacional”. A mesma fonte diz ainda que “as vicissitudes decorrentes da impugnação judicial impuseram a adopção de outros procedimentos, sem recurso à concorrência”, ou seja, o ajuste directo, mesmo se por valores bastante elevados.

    Segundo a DGRSP, “o motivo da escolha da SVEP para prestar este serviço prendeu-se com o facto de ser o actual fornecedor e, por esse motivo, o único habilitado a prestar o serviço de forma ininterrupta, ou seja, sem colocar em causa a missão da DGRSP”. Esta entidade destacou ainda a necessidade de manter o serviço em funcionamento, “em especial na parte que diz respeito às medidas de proibição de contactos resultante da violência doméstica, que representa mais de 60% da atividade relativa à vigilância eletrónica”.

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    O PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos da empresa israelita SuperCom, a qual esteve envolvida em alguma polémica, por questões de respeito de privacidade, uma vez que durante a pandemia de covid-19 reconverteu os seus equipamentos e tecnologias para vender serviços de vigilância de pessoas em quarentena.

    Seja como for, até estar resolvido o conflito em torno do concurso público, a SPEV deverá continuar a facturar com os contribuintes, através de ajustes directos assinados de dois em dois meses.

  • Bolsas: ‘Trump crash’ na era da normalização do mal

    Bolsas: ‘Trump crash’ na era da normalização do mal


    O colapso das Bolsas mundiais nos últimos dias ficará na História, junto a outros como o da crise financeira de 2008 e o pânico causado pelas medidas da pandemia de covid-19. Começou no dia 2 de Abril, com a imposição de novas tarifas aduaneiras pelos Estados Unidos, o receio de uma guerra comercial e de uma recessão económica.

    Os jornais e TVs dedicam espaço e tempo a este tema com a fome de um tubarão que sente o ‘cheiro’ o sangue a pairar na água. Nas redes sociais somam-se os gráficos e publicações que tentam adivinhar o que vem a seguir, conquistando ‘likes‘ e partilhas.

    Afinal, é uma hecatombe digna de ter o seu próprio nome: ‘crise das tarifas’ ou ‘Trump crash‘, talvez. É só observar os gráficos (disponíveis no final deste texto) e percebe-se que a onda de vendas que atinge sobretudo activos de alto risco, como as acções, é forte e muito real. Isto apesar de, no médio e longo prazo, os principais índices bolsistas acumularem ganhos gigantescos.

    Os ‘pobres’ dos grandes fundos e bancos de investimento vendem activos de maior risco, desfazem posições e, ‘coitados’, somam mais-valias chorudas. Os que vivem da aposta na queda de títulos, enriquecem e celebram com os lucros obscenos. Os ‘desgraçados’ detentores de Bitcoin choram o tombo da rainha das criptomoedas, que ‘apenas’ valorizou 1000% nos últimos cinco anos.

    Começa a falar-se na eventual descida de taxas de juro pela Reserva Federal nos Estados Unidos e põe-se alguma água na fervura. A ver se o ‘sell-off‘ acalma. É provável que surjam acordos nas tarifas, incluindo com a União Europeia. E que se evite a guerra comercial.

    Olho com pasmo para as notícias e análises sobre este ‘crash‘. Olho com o mesmo pasmo para o ‘choque’ que muitos dizem ter sentido após assistirem a uma série televisiva que está na moda, sobre um adolescente assassino.

    Vivemos na era em que partes do nosso mundo se tornaram num grande jogo desumanizado. A vida de muitos adolescentes e jovens apenas espelha esse fenómeno. (Veja-se o caso da violação de uma menor em Loures, por três jovens ‘influencers’ que publicaram vídeos do crime na Internet e ninguém os denunciou, apesar de terem milhares de visualizações).

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    Afinal, vivemos num mundo em que a pornografia está disseminada e é aceite como normal, mesmo a que brutaliza e subjuga, reforçando o conceito da mulher-objecto. Vivemos num mundo em que o jogo online é publicitado em larga escala, viciando milhões. O lucro vale tudo.

    O que isto tem a ver com o actual ‘crash‘ dos mercados?

    Quer se queira quer não, este colapso é uma profunda correcção num sistema inflaccionado artificialmente e depois de anos de máximos históricos em grandes índices bolsistas. Máximos alcançados graças a políticas que criaram uma economia artificial e sem substância, assente em dinheiro impresso por bancos centrais. E assente num mundo de zeros e uns. Em que os bens alimentares e a dívida de países inteiros são meros ‘activos’ num jogo a ser jogado por grandes ‘players‘ (e, cada vez mais, por máquinas, computadores, em busca de lucro).

    Vivemos num mundo em que é aceite que homens e mulheres, adultos, que grandes grupos e fundos financeiros apostem e lucrem com a queda de activos, incluindo acções de empresas em bolsa. Vivemos num mundo em que é considerado normal haver nos mercados de capitais produtos derivados, derivados de derivados. Tudo autorizado e regulado por governos, supervisores e reguladores.

    Vivemos num mundo em que a habitação é sobretudo um ‘activo’ para trazer lucro a carteiras de grandes fundos de investimento. Vivemos num mundo em que governos, incluindo em Portugal, criaram políticas que transformam casas onde deviam viver famílias em objectos valiosos a ser jogados em ‘jogos de imobiliário’. Tudo legal.

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    Vivemos num mundo em que se normalizou a ideia de que tudo isto é normal. Que é legal. E pelo meio criam-se ‘selos’ como o de ‘sustentável’ e ‘ético’ que são publicitados no LinkedIn e usados pelos fundos e bancos para vender produtos de investimento a aforradores e especuladores.

    A economia e os mercados de capitais formam hoje uma tapeçaria que inclui reguladores e governos, que legalizam as práticas e impõem esta forma de vida obscena e desumana. E inclui investidores que se prestam a trocar a alma por dinheiro, mesmo sem saberem em que estão a colocar as suas poupanças.

    Onde colocamos o nosso dinheiro, a nossa atenção, o nosso amor, diz muito de cada um de nós e dos nossos valores e prioridades.

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    Dir-me-ão que esta é uma visão puritana e utópica do mundo, da Economia e das finanças. Mas que sentido faz um mundo, em que a Economia e as finanças são desumanas e cujo principal objectivo é o lucro puro, a ganância? Um mundo em que a notícia é o ‘crash‘ após anos de recordes e lucros sucessivos e não a ausência de políticas para regrar o que já não serve a Humanidade.

    O que é, para mim, mais curioso, por estes dias de ‘crash‘ das Bolsas, é ver liberais, libertários, pessoas de esquerda e de direita, todos muito irritados com as quedas nos mercados. Uns porque aproveitam para partilhar o ódio por Trump e outros porque perdem dinheiro, incluindo nas criptomoedas (perdem, se venderem; até venderem não perdem nem ganham nada, na realidade).

    Por estes dias, penso no empresário que decidiu, um dia, há muito tempo, abrir o capital da sua empresa a investidores porque precisava de capital para investir. Penso nesses investidores que decidiram tornar-se accionistas de uma empresa a passar a ser um bocadinho donos de um negócio que poderia criar mais postos de trabalho e trazer sustento às famílias dos trabalhadores.

    E compreendo porque empresários retiraram as suas empresas de Bolsa.

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    As notícias hoje serão sobre o colapso dos mercados nos últimos dias. E sobre a culpa de Trump e das tarifas que impõe a importações, à sua política proteccionista. Os posts nas redes sociais serão sobre o ódio a Trump e a culpa de Trump.

    Não haverá notícias sobre a ganância. Nem sobre como os índices bolsistas conseguiram chegar aos níveis a que estão. Nem como pouco de humano já têm muitas das práticas financeiras e de investimento consideradas legais em muitos países ocidentais.

    Não haverá nas notícias nada sobre como vivemos na era dos vampiros modernos. Vivem e prosperam, não na sombra, mas debaixo das luzes da ribalta, respaldados por leis, governantes e reguladores que um dia trabalharão nos seus bancos e holdings como ‘chairman‘ ou apenas como ‘consultores’.

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    De crise financeira, em crise financeira. De ‘crash‘ em ‘crash‘. De série em série na Netflix. Assim a Humanidade vai caminhando. Com os pés a pisar o tapete manchado de fome e do sangue das vítimas da desumanização do Mundo, de guerras e da pobreza.

    As tarifas de Trump, este ‘crash‘ bolsista, são apenas os sintomas da doença que atinge o mundo. E a cura todos sabemos qual é. E está em cada um de nós, que também somos consumidores, investidores, eleitores, pais.

    Pode começar por se perceber que este ‘crash‘ não foi o primeiro e não será o último. E que as notícias do dia, fugazes, que cobrem os assuntos pela rama, pelo seu mediatismo, escondem a origem do mal. Dos males do mundo. E enquanto se fingir que não se vê a crescente desumanização do mundo — seja nos mercados, nas finanças, na Economia, na política que persegue o migrante, na indústria da pornografia, no vício do jogo — a cura não chegará.

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    Porque não vivemos num mundo virtual. Nem somos feitos de bits e bytes e pixels. De zeros e uns. Não somos um número. Um código de barras. Um avatar. As empresas também não. Nem as casas onde moram pessoas. Por muito que se normalize isso, há um mundo real onde vivemos e existimos.

    Que este mundo seja dominado por agentes e políticas assentes na ganância, no lucro, na vaidade e no sofrimento de muitos é algo que não podemos continuar a permitir. Que os preços dos alimentos e das casas seja influenciado por especuladores, é algo que não podemos permitir. Porque pode ter-se normalizado isso. Mas não é normal. É desumano. E inaceitável.

    Elisabete Tavares é jornalista

    Gráficos com a evolução dos principais índices bolsistas norte-americanos, europeu e português:

    Nos últimos cinco dias, o Dow Jones, o Nasdaq 100 e o europeu Stoxx 600 desceram mais de 10% e o português PSI-20 recuou quase 10%. Apesar do actual colapso, os principais índices bolsistas acumulam fortes ganhos no médio e no longo prazo. / Fonte: Google/Morningstar

    Gráfico com a cotação do ouro (em libras/onça):

    Fonte: Gold.co.uk

    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lusa e as ‘cerca de 10 pessoas’ anti-Musk

    Lusa e as ‘cerca de 10 pessoas’ anti-Musk


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 19º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que afectou a cobertura dos media de um protesto contra Musk em Lisboa. Também se analisa uma ‘fake news‘ sobre o traçado do TGV, a hipocrisia de um jornalista do Polígrafo e ainda a decisão do Expresso de fazer duas primeiras páginas nesta edição.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Edifício-sede da Impresa vai servir pela terceira vez como ‘activo especulativo’

    Edifício-sede da Impresa vai servir pela terceira vez como ‘activo especulativo’

    Lá diz o ditado que não há duas sem três. Em 2018, em ano de aperto, a Impresa vendeu a sua sede, em Paço de Arcos, e ficou como inquilino. Em 2022, recomprou ao banco a quem vendeu. E depois destes dois negócios o grupo de media anunciou hoje que admite vender de novo as suas instalações, naquela que será a terceira operação envolvendo o mesmo imóvel.

    Esta possibilidade surge em dia de ‘más notícias’: a Impresa, que detém a SIC e o Expresso, revelou prejuízos recorde no ano passado de 66,2 milhões, quando em 2023 tinham sido de 2,0 milhões. Com as receitas praticamente estagnadas, o grupo de media atribuiu a descida nos resultados líquidos sobretudo a uma revisão em baixa do valor do segmento televisivo (SIC), que gerou uma imparidade de 60 milhões de euros. Ou seja, o seu activo encolheu. Com a dívida líquida a aumentar de 115 milhões de euros para 131 milhões de euros, o grupo anunciou que admite “a possibilidade de realizar uma operação de venda e subsequente arrendamento das suas instalações em Paço de Arcos”.

    Interior do edifício-sede da Impresa em Paço de Arcos. / Foto: D.R.

    Este anúncio mostra que o edifício-sede do grupo de media fundado por Pinto Balsemão tem servido, nos últimos anos, como um ‘activo especulativo’, cuja posse ou venda serve para buscar dinheiro fácil. A primeira vez que a Impresa vendeu o edifício foi em Junho de 2018, depois de o ano anterior ter sido catastrófico em termos de resultados económicos. Com essa operação encaixou uma receita de 24,2 milhões de euros, em ‘dinheiro vivo’, através de uma operação de  ‘sale e leaseback’, ficando como arrendatário do edifício. Este negócio foi comunicado aos investidores, com a publicação de uma informação no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e foi amplamente divulgada nos media.

    A solução de venda do edifício em 2018 foi também a escapatória depois de a Impresa ter falhado, no ano anterior, uma emissão de obrigações. Com BPI, o banco com ligação histórica ao grupo de Balsemão, a preferir não embarcar em novos financiamentos, e com a Caixa Geral de Depósitos a receber ajudas estatais, o grupo de Balsemão encontrou então no Novo Banco um novo amigo, apesar de a instituição bancária que sucedeu ao BES estar a receber injecções de capital dos contribuintes.

    Este negócio foi feito no mesmo ano em que a Impresa fez outra operação para tentar ‘salvar-se’ numa altura de crise, vendendo os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa escrita – nomeadamente as revistas Visão e Exame – à empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, que entretanto declarou insolvência e está em vias de implementar um plano de recuperação. Recorde-se que a compra das revistas à Impresa também foi financiada pelo Novo Banco, que arrisca ‘ficar a ver navios’ em relação aos 3,5 milhões de euros que emprestou a Delgado.

    Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa / Foto: D.R.

    Contudo, como o PÁGINA UM noticiou, a Imprensa recompraria o edifício ao Novo Banco em 2022, através de um negócio secreto. Apesar de ser uma empresa cotada em Bolsa, a Impresa também não informou os investidores, através de um comunicado formal, sobre a alteração da propriedade do seu edifício-sede, nem sobre o novo empréstimo de longo prazo contratado com o Novo Banco. O negócio também foi estranho.

    Como a Impresa não dispunha de recursos financeiros próprios, comprou o edifício com recurso a um empréstimo do Novo Banco. Ou seja, a instituição bancária emprestou o dinheiro para lhe ser comprado um activo, assumindo, ainda por cima, menos-valias pela transacção do imóvel. O Novo Banco nunca explicou as vantagens deste negócio.

    Segundo a Certidão Permanente da matriz do edifício-sede da Impresa, a venda do imóvel pelo Novo Banco à Impresa Office & Service Share – Gestão de Imóveis e Serviços foi efectuada em 23 de Dezembro de 2022. Simultaneamente, foi registada uma hipoteca sobre o edifício em nome do Novo Banco.

    Registo predial do edifício da Impresa. Em quatro ano, a Impresa recuperou a sua sede com um empréstimo do vendedor, que ainda fez um ‘desconto’ (ou uma assumida menos-valia) de 4,6 milhões de euros.

    Os detalhes do negócio não foram divulgados publicamente, mas o valor da hipoteca foi de 19.607.540,03 euros de capital – ou seja, bem abaixo dos 24,2 milhões de euros da transacção de 2018. No registo surge ainda que o Novo Banco garantiu um financiamento máximo de até 27.450.556,04 euros, o que pode indiciar que houve outros compromissos assumidos entre as duas partes. Mas, apesar de ter ‘recuperado’ a posse efectiva da sede, a Impresa submeteu-se à taxa de juro anual aplicada ao empréstimo de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades.

    Mas houve outro episódio em torno das instalações da Impresa em Paço de Arcos. Em Setembro de 2020, a Impresa tentou persuadir a Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente às suas instalações, em Paço de Arcos. Mas a autarquia indicou que preferia vender o terreno em causa ao efectivo dono da sede da Impresa, que era o Novo Banco.

    Assim, Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou negociar a compra do imóvel em nome do banco, para posterior transferência de propriedade para o grupo de media. Na proposta da Impresa, o Novo Banco compraria o terreno, com uma área de aproximadamente 2.000 metros quadrados e potencial construtivo de 800 metros quadrados, ficando garantido que a Impresa iria acabar por ficar dona do imóvel posteriormente. Segundo a Câmara de Oeiras, “o terreno em questão não foi alienado ao Novo Banco nem à Impresa”, tendo sido integrado numa venda em hasta pública.

    Em 2018, a Imprensa emitiu uma informação ao mercado, informando os investidores da venda do seu edifício-sede. Mas, em 2022, nenhum comunicado foi feito ao mercado. Para a CMVM, o mercado não precisava saber deste negócio e do novo empréstimo da Impresa através de um comunicado. A Impresa remeteu informações para os seus Relatórios e Contas, mas não se encontra nenhuma referência ou nota a explicar a operação de compra do seu edifício ao Novo Banco.

    Agora, com a Impresa a anunciar um prejuízo recorde e já sem activos tóxicos para despachar para uma nova empresa unipessoal como a que foi criada por Luís Delgado, o grupo põe na mesa fazer numa jogada de ‘engenharia financeira’, vendendo o edifício, possivelmente a um comprador que garantirá entrada de dinheiro ‘fresco’ nos cofres da empresa.

    Mas será mais um ‘remendo’ num grupo que opera num sector em crise sem fim à vista e com cada vez maiores fragilidades, como a submissão às exigências de contratos de parcerias comerciais que ‘ferem de morte’ a credibilidade jornalística e a confiança do público.

  • Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Os dois locais em Lisboa distam, entre si, apenas 3,9 quilómetros, mas não será por isso que a mudança de instalações dos serviços do Banco de Portugal da Avenida Almirante Reis para novas instalações, junto a Entrecampos, se prevê fácil. E nem será barata. Apesar de a mudança de cerca de mil funcionários do chamado Edifício Portugal para o Edifício Marconi ser temporária, porque está a ser projectada uma nova sede nos antigos terrenos da Feira Popular, a instituição liderada por Mário Centeno vai contratar serviços de transporte, com um preço base de 369 mil euros.

    De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM, o Banco de Portugal tem a decorrer um concurso para a contratação desta despesa, estabelecendo o caderno de encargos que “os serviços serão executados de forma faseada, em data a combinar entre as Partes, previsivelmente entre Abril de 2025 e Setembro de 2025”.

    Na lista de bens a transportar constam, além de equipamentos e material de 950 postos de trabalho com o respectivo mobiliário e computadores, um “piano, televisores, equipamentos de segurança e equipamento médico do Centro de Saúde e Medicina no Trabalho, a movimentar com os devidos cuidados”.

    O Banco de Portugal vai transferir temporariamente os seus serviços do seu edifício emblemático na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, para o edifício Marconi, junto a Entrecampos. / Foto: PÁGINA UM

    Nos equipamentos de segurança, estão incluídos três cofres e uma máquina de raio-x. Do equipamento de saúde, fazem parte cinco marquesas e até duas cadeiras de rodas.

    Também irão nas carrinhas de transportes e mudanças toda a documentação de arquivo e biblioteca que estão actualmente no Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, e um milhar de caixas de cartão com os pertences pessoais dos trabalhadores

    Um dos requisitos do Banco de Portugal perante a empresa de transportes a contratar é que se realize uma “reunião de kickoff“, a qual “será realizada 2 (dois) dias após a outorga do contrato” para, designadamente, “alinhar os objetivos e expectativas da prestação de serviços”.

    O edifício do Banco de Portugal na Avenida Almirante Reis encontra-se com andaimes e lonas desde 2021, após a queda de pequenas partes da fachada. / Foto: PÁGINA UM

    Recorde-se que esta mudança será temporária, visto que o Banco de Portugal firmou um acordo com a Fidelidade para adquirir um terreno no local da antiga Feira Popular de Lisboa, onde vai construir um edifício e ali concentrar diversos serviços.

    Esta verba para o transporte dos bens nas mudanças vem juntar-se a outras despesas já assumidas pelo Banco de Portugal na transferência para o edifício Marconi, que vão desde a compra de ‘cápsulas telefónicas’ por quase meio milhão de euros, a serviços de consultadoria no valor de 158 mil euros para, designadamente, ajudar os trabalhadores a mentalizarem-se a trabalhar num open space.

    Este contrato não será o único em vigor este ano referente a serviços de transportes e mudanças. Em Janeiro do ano passado, o Banco de Portugal adjudicou um contrato no valor de 568 mil euros à empresa Flamingo Mistério Unipessoal para prestar “serviços de transportes, mudanças, gestão de depósitos de património móvel, inventário e outros suportes logísticos”. No caso deste contrato, vai vigorar durante um prazo de 36 meses, mas é um mistério aquilo que vai abranger, porque o Banco de Portugal não incluiu o caderno de encargos no Portal Base, apesar dessa documentação fazer parte do contrato.

    Assim, no total, em serviços de transportes e mudanças, Mário Centeno vai gastar 937.260 euros apenas no espaço de três meses. Depois, quando o Banco de Portugal construir o seu novo edifício onde irá concentrar em definitivo os seus serviços, terá, de novo, de efectuar novas despesas milionárias com transportes e mudanças para o novo local.

  • Os jornalistas soldados de Ursula

    Os jornalistas soldados de Ursula


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 18º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que afectou os media na cobertura do anúncio de que a Comissão Europeia quer que União Europeia leve a cabo uma despesa recorde na compra de armamento. Também se analisa um caso de ‘cegueira’ do jornal Sol que publicou um artigo de opinião sobre a pandemia de covid-19 disfarçado de notícia.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Quercus: Ministério Público arquiva inquérito contra ex-presidente expulso

    Quercus: Ministério Público arquiva inquérito contra ex-presidente expulso

    A luta pelo poder na associação ambientalista Quercus parecia ter-se ‘extinguido’ com a expulsão recente de quatro antigos dirigentes, mas a guerra prossegue, agora na Justiça. E ganhou novo fôlego com ‘vitórias’ judiciais obtidas por dois dos ex-dirigentes expulsos, João Branco e Paulo Mendes, na recente assembleia-geral da associação nascida em 1995 e que já foi uma das mais dinâmicas.

    Para a actual presidente da Quercus, Alexandra Azevedo, a polémica em torno das expulsões dos quatro antigos dirigentes ficou encerrada com a assembleia-geral. E, entretanto, já está agendada para 29 de Março a assembleia-geral eleitoral que vai eleger os órgãos sociais da Quercus para o mandato de 2025-2026. Porém, apesar de terem sido expulsos os quatro ex-dirigentes, ficando impedidos de concorrer a eleições, nem tudo são ‘favas contadas’.

    Numa das decisões judiciais recentes, o Ministério Público decidiu arquivar o inquérito que investigava João Branco, ex-presidente da Quercus, que foi acusado de cometer irregularidades e de má-gestão da organização não-governamental do ambiente (ONGA), através de uma denúncia anónima feita a 15 de Dezembro de 2017.

    As lutas da Quercus têm sido externas, em defesa do ambiente, mas também internas, com acusações cruzadas entre actuais e antigos dirigentes . A luta pelo poder deverá continuar, agora na Justiça.
    / Foto: D.R.

    A decisão de arquivamento, a que o PÁGINA UM teve acesso, foi assinada no passado dia 11 de Fevereiro pelo magistrado Joaquim Morgado, com o fundamento de que não foi possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.

    No despacho de arquivamento, com 138 páginas, o procurador concluiu que “da apreciação crítica, conjunta e objetiva das provas indiciárias recolhidas em sede de inquérito, não nos foi possível formar a convicção de que, com os elementos de prova juntos aos autos, é mais provável que os arguidos venham a ser condenados pela prática dos imputados crimes, em sede de julgamento, do que o não venham a ser, razão pela qual entendemos que não se mostra reunida a indiciação exigida pelo artigo 283.º do Código de Processo Penal”.

    João Branco afirmou ao PÁGINA UM que avançou, entretanto, com uma providência cautelar para que seja anulada a sua expulsão da ONGA. O engenheiro florestal está confiante de que vai voltar a fazer parte da associação e quer mesmo concorrer à liderança da associação ambientalista..

    “A providência cautelar serve para defender a minha reputação, mas também o faço com a intenção de me candidatar à liderança a nível nacional”, disse o antigo presidente da Quercus. “Ninguém duvida que a decisão de me expulsarem foi tomada para me impedirem de me candidatar”, acusou.

    João Branco, ex-presidente da Quercus, foi um dos quatro sócios e antigos dirigentes da associação ambientalista que foram expulsos por deliberação da recente assembleia-geral extraordinária da ONG. / Foto: D.R.

    João Branco lamentou, de resto, que a sua expulsão já o tenha impedido de ser candidato à liderança do núcleo regional de Vila Real, cujas eleições decorreram no passado mês de Fevereiro. As eleições para a liderança nacional da Quercus deverão ocorrer nos próximos meses.

    Numa outra acção, segundo João Branco, a Quercus sofreu um outro revés. No passado, a ONG já tinha suspendido João Branco como sócio da organização, o que levou o engenheiro florestal a avançar com uma providência cautelar, a qual evoluiu para uma acção principal na Justiça. Numa audiência recente no âmbito deste processo, a Quercus procurou que a acção ficasse sem efeito, argumentando que o ex-presidente já foi expulso na recente assembleia-geral. Mas o juiz decidiu prosseguir com o caso, visto que a providência cautelar em curso pode resultar na anulação da expulsão do antigo dirigente da ONG.

    Num outro processo, um ex-dirigente que foi expulso, Paulo Mendes, antigo dirigente do núcleo regional de Braga da associação, obteve uma vitória judicial. O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa decidiu “anular a deliberação da direção nacional da associação ré [Quercus], tomada em 18/05/2023, que destituiu a direção do seu núcleo regional de Braga, eleito em 19/11/2022”.

    Foto: D.R.

    Segundo a sentença, assinada no passado dia 7 de Fevereiro, a decisão da destituição da direcção do núcleo regional de Braga foi “arbitrária, porque aleatória e fortuita”. O Tribunal indicou até que a destituição com base num dos fundamentos invocados — a alegada de falta de indicação do associado para iria presidir à assembleia de núcleo — “é contrária aos próprios estatutos [da Quercus] e, consequentemente, aos interesses da associação ré”.

    O Tribunal considerou ainda que a destituição efectuada com base num outro fundamento — o alegado não envio de actas de reuniões da assembleia de núcleo e da direção de núcleo e o relatório de atividades e de gestão, o orçamento e o plano de atividades — “é arbitrária e, até, desproporcional”.

    Paulo Mendes afirmou ao PÁGINA UM que ficou satisfeito com a decisão judicial, mas garantiu que não pretende voltar para a associação ambientalista. Até porque diz que foi ele próprio quem pediu à Quercus para deixar de ser sócio, tendo recebido da ONG a confirmação da sua exclusão enquanto associado antes da assembleia-geral que deliberou a sua expulsão.

    Alexandra Azevedo, presidente da Quercus. / Foto: D.R.

    Contactada, a presidente da direcção nacional da Quercus escusou-se a comentar os últimos desenvolvimentos que surgiram após a assembleia-geral. Alexandra Azevedo indicou ao PÁGINA UM que o caso relativo aos quatro antigos dirigentes ficou encerrado com a deliberação da assembleia-geral e prefere concentrar-se nas comemorações do 40º aniversário da ONG, que se celebra este ano.

    Resta saber se os últimos desenvolvimentos, a que se somam outras acções a correr na Justiça em torno da associação ambientalista, não trarão prendas indesejadas para a histórica organização que há precisamente 10 anos ficou ‘amputada’ após a saída de membros para fundarem a ‘rival’ Zero.

    Notícia actualizada às 16H00 para acrescentar o anúncio do agendamento da assembleia-geral eleitoral que vai elegar os órgãos sociais da Quercus para o mandato de 2025-2026.

    N.D.: Como é referido na Declaração de Transparência do PÁGINA UM, o director do jornal, Pedro Almeida Vieira, foi dirigente da Quercus, tendo desempenhado funções de vogal na direcção nacional no período de 1993-1995. Actualmente, não é sócio da Quercus. Também foi sócio-fundador da Zero (sem qualquer actividade).

  • Câmara de Sesimbra ‘chuta’ 240 mil euros para empresa de antigo jogador do Benfica

    Câmara de Sesimbra ‘chuta’ 240 mil euros para empresa de antigo jogador do Benfica

    Carnaval é sinónimo de folia e diversão. Mas também é um negócio lucrativo para quem ‘fornece’ os municípios do país com eventos e desfiles. Sesimbra é um dos pontos do país que, mesmo no Inverno lusitano, atrai visitantes em busca de desfiles e mascarados, e, segundo a autarquia, recebe anualmente milhares de visitantes por esta altura do ano, em busca de diversão.

    E este ano, o município liderado pelo comunista Francisco de Jesus abriu os cordões à bolsa e, só a organização logística da ‘festa’, custará 240.000 euros (sem IVA). A empresa escolhida para prestar o serviço foi a SigmaConstellation, fundada em 2014 pelo antigo futebolista Paulo Jorge, que, entre outros clubes, jogou no Benfica na época de 2006/2007, tendo passado também por Espanha e pela Arábia Saudita (no Al-Ittihad, que lidera esta época o campeonato saudita) e terminado a carreira no Belenenses em 2014.

    A empresa de Paulo Jorge tem tido um assinalável sucesso sobretudo no mundo autárquico. Começou por ser uma sociedade unipessoal com um objecto social bastante lato: “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, comunicação empresarial, marketing, prospecção e estudos de mercado, económicos e financeiros, gestão de empresas, organização e gestão dee ventos, prestação de serviços de consultoria para os negócios, administração e gestão de imóveis, restauração e hotelaria”.

    Porém, tem sido na organização de provas e eventos desportivos, sob a marca Sigma Stars, e operando ainda a marca Sigma Academy, que se tem destacado, pelo menos na parte da contratação pública.

    Carnaval de Sesimbra 2025. / Foto: D.R.

    Mas, em 2019, passou a sociedade por quotas, detida em partes iguais pelo antigo futebolista do Benfica – de seu nome completo Paulo Jorge Vieira Alves – e por Paulo Gomes Faria, que, entre 2009 e 2014. Este sócio da empresa foi director de marketing e comunicação de eventos da João Lagos Sports, do empresário que criou o Estoril Open.

    A autarquia sesimbrense justificou esta contratação por ajuste directo com um argumento muito sui generis: “dada a relevância cultural, turística e económica do ‘Carnaval de Sesimbra‘ foi necessário mudar o paradigma da organização, assegurando uma estrutura de organização com experiência na logística de eventos de grande escala e com condições de segurança e comodidade para acolher milhares de visitantes”.

    A inexistência de concurso público, mesmo considerando estar-se perante um montante bastante elevado, foi justificado por uma excepção no Código dos Contratos Públicos, pese embora a interpretação lata feita pela autarquia comunista coloque sérias dúvidas. Isto porque o Carnaval de Sesimbra passou a ser considerado como “serviços de eventos” para justificar a exclusão do concurso público. Porém, na descrição do Portal Base em vez de a autarquia identificar o serviço contratado pelo código CPV [Common Procurement Vocabulary] 79952000-2, relativo a serviços de eventos na área da cultura, indica o CPV 79000000-4, que diz respeito a “serviço a empresas: direito, comercialização, consultoria, recrutamento, impressão e segurança”, Ou seja, ‘gato escondido com rabo de fora”.

    De acordo com o contrato, a SigmaConstellation ficou mesmo só com a logística do evento. Isto porque a decisão de contratar só surgiu nas vésperas do Carnaval, uma vez que a decisão de contratar a empresa de Paulo Jorge ocorrer apenas no passado dia 11 de Fevereiro, e o contrato foi assinado no dia 19, tendo um prazo de execução de 22 dias.

    Carnaval de Sesimbra 2025 / Foto: D.R.

    Assim, segundo explica a autarquia no contrato, “para o efeito foram consultadas empresas especializadas na organização deste tipo de eventos”, tendo a SigmaConstellation “apresentado proposta que vai ao encontro do figurino organizativo atualmente mais adequado à dimensão atingida pelo Carnaval de Sesimbra”. Mas essa informação não configura uma factualidade, de contrário teriam de ser cumpridas as formalidades da consulta prévia.

    De resto, não se compreende a urgência pela opção de um ajuste directo, porque a Câmara Municipal de Sesimbra revela que está “a trabalhar há vários meses” com escolas de samba e grupos de afro-axé “para que esta edição supere as anteriores, tanto em termos de espetáculo, como das condições para receber os milhares de visitantes”.

    No Portal Base não está disponível, apesar de ser parte integrante do contrato, qualquer caderno de encargos, como deveria estar por uma questão de cumprimento das melhores práticas de transparência. Mas fica patente no contrato que a empresa fica encarregue da parte operacional do evento, incluindo a organização da “logística dos desfiles dos estabelecimentos de ensino”.

    Paulo Jorge (à esquerda) fundou a SigmaConstellation em 2014 como sociedade unipessoal e tem organizado, sobretudo, eventos de cariz desportivo. Desde 2019, a empresa passou a ser uma sociedade por quotas detidas em partes iguais pelo ex-jogador de futebol e Carlos Gomes Faria (à direita) que passou a assumir a gerência da empresa.

    A autarquia reforça, no contrato, que “a contratação destes serviços garante um aumento de qualidade, divulgação e segurança de todo o evento e vai ao encontro das atribuições e competências municipais constantes do anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, nomeadamente no domínio da cultura”.

    Esta não é a primeira vez que a SigmaConstellation é escolhida para organizar e gerir a logística de um evento de natureza lúdica. Dos 16 contratos públicos adjudicados a esta empresa, nove foram relativos a eventos não desportivos. O contrato de maior valor, de 250.000 euros, foi feito pelo município de Portimão e envolveu a “aquisição do projeto Portimão a Magia do Natal 2019”.

    De resto, a empresa também foi contratada cinco vezes por entidades públicas para prestar serviços no âmbito de eventos relacionados com o Natal. Também foi contratada pelo município de Portimão para prestar serviços no âmbito do evento de celebração da ‘Passagem de Ano 2020/2021’.

    Dos contratos, feitos com oito autarquias, 14 foram por ajuste directo. Entre os municípios com mais de dois contratos adjudicados à SigmaConstellation constam o de Tomar, com cinco contratos, Portimão, com três, Odivelas e Maia, com dois contratos. No total, a empresa facturou quase 1,6 milhões de euros (sem IVA) em contratos com autarquias.

    Assim, de folia em folia, de Natal em Natal, a empresa especializada na organização de eventos desportivos vai somando receita com a ajuda do erário público. Resta aos contribuintes aproveitar bem as festas e as máscaras, porque, como diz o ditado, no Carnaval ninguém leva a mal. Nem mesmo se forem contratos chorudos para gerir a logística de desfiles neste Entrudo.

  • Expresso e a ‘manchete-panfleto político’

    Expresso e a ‘manchete-panfleto político’


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 17º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que levou o Expresso a fazer manchete com um manifesto de campanha política de um eventual candidato às presidenciais. Também se analisa uma deliberação recente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista sobre uma queixa de um pivot da CNN/TVI.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    “Do nada, disseram-nos que temos de arranjar 380 euros para pagar ao colégio na próxima semana ou temos de retirar a nossa filha da escola”. O relato é de Ana, mãe de uma criança com três anos, que, como outros pais foi informada pela escola, situada em Mafra, de que a filha deixa de beneficiar do apoio estatal para frequentar a creche a partir de Março. “Não esperávamos nada disto. Ficou toda a gente em pânico. A situação é dramática. Há pais endividados, outros terão de retirar os filhos da escola”, disse esta mãe ao PÁGINA UM.

    Também João foi informado pela escola que a filha de três anos frequenta, nos arredores de Lisboa, de que a menina não tem apoio estatal. A mensalidade em Março passa a ser de quase 300 euros. Além disso, João e outros pais foram informados de que terão também de pagar, retroactivamente, as mensalidades relativas aos meses entre Setembro e Fevereiro. Ou seja, João tem agora uma dívida de 1800 euros junto da escola da filha. “Não sabemos como vamos fazer. Estamos a analisar. Mas não podemos tirar a nossa filha da escola porque precisamos de trabalhar”, disse.

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    Os casos repetem-se por todo o país: famílias com crianças de três anos de idade em creches do ensino privado são informadas que o apoio anunciado pelo Governo, em Junho, afinal ainda não se concretizou e terão de pagar as mensalidades na íntegra para manter os filhos na escola, no ensino pré-escolar.

    O PÁGINA UM encontrou casos similares a afectar dezenas de pais com crianças em escolas privadas em diferentes zonas do país, mas sabe que há mais colégios a viver a mesma situação e o número de famílias que está a viver este dilema será muito superior.

    Na origem desta situação está a forte expectativa criada pelo anúncio do Governo, em Junho de 2024, de que iria garantir o acesso universal de crianças ao ensino pré-escolar e apoiar a sua transição gratuita após a creche, que tem sido apoiada pelo programa denominado ‘Creche Feliz’. Em comunicado, o Governo revelou quer iria criar um grupo de trabalho para realizar, até ao final de desse mês, um diagnóstico detalhado da rede existente de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, com vista à
    apresentação de um plano de ação que garanta a gratuidade na educação pré-escolar em 2024/2025. E prometia também, até ao final de Novembro do ano passado, uma estratégia para dar continuidade na transição da creche para a educação pré-escolar e a qualidade pedagógica em crianças entre os 0 e os
    6 anos.

    Dois meses depois, em Agosto, o Executivo emitiu novo comunicado com o título: “Governo garante resposta para crianças a partir dos três anos”. Neste comunicado, o Executivo de Luís Montenegro indicava que “respondeu à necessidade das crianças beneficiárias da ‘Creche Feliz’ que fazem três anos em 2024, na sequência do levantamento da rede de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, feito pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo Executivo”.

    Segundo o Governo, mais de 12.000 crianças continuavam sem acesso à educação pré-escolar. Na sua maioria, são crianças com três anos, mas também com quatro e cinco anos que não têm vaga, sobretudo nos grandes centros urbanos.

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    As crianças mais afectadas são as chamadas de ‘condicionais’, nascidas entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro de 2021. Nas escolas, a escassez de vagas, leva a que transitem para o ensino pré-escolar, o qual não tem apoio estatal e a promessa do Governo tarda em chegar. O problema é que, neste ano lectivo, tanto pais como escolas ficaram a contar com a concretização da promessas. Agora, a factura ‘rebentou’ nas mãos dos pais’.

    “Disseram-nos que esta medida ia ser válida. Mas nada aconteceu. Agora, a escola fez-nos um preço ‘especial’ e em vez de 380 euros teremos de pagar 350 euros se quisermos manter as crianças na escola”, disse Ana.

    Segundo Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), o cenário é aflitivo e urgente tanto para as muitas famílias que estão a ser afectadas pelo problema, como para as escolas. “Após o anúncio do Governo, ficou criada a expectativa de que iria haver apoio ao pré-escolar. Entretanto, muitas crianças saíram das escolas porque os pais não podiam suportar pagar mais tempo as mensalidades”, afirmou.

    A ACPEEP já tinha denunciado que o facto de o Governo não ter ainda concretizado as promessas feitas às famílias está a causar muitos constrangimentos, deixando crianças em situação vulnerável, sem acesso ao pré-escolar. Já os pais, procuram, em desespero, quem cuide dos filhos enquanto vão trabalhar. “As famílias estão desiludidas com as promessas que foram feitas antes do início do ano letivo 2024/2025, em como o Governo iria garantir a continuidade pedagógica às crianças que completaram 3 anos e saíram do programa ‘Creche Feliz’. Muitas voltaram para casa”, lê-se num comunicado que a associação emitiu no final de Janeiro.

    Segundo a ACPEEP, actualmente, os colégios privados conseguem assegurar quase metade das vagas em falta, podendo garantir o acesso ao ensino pré-escolar a 5.800 crianças.

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    Avisou que, “no desespero, para poderem ir trabalhar, há pais a deixar os filhos com amas ilegais, sem formação”.

    Já começam a chegar à ACPEEP mais casos de pais em situação de desespero. A associação pediu uma reunião urgente ao Governo, até porque daqui a poucas semanas começa a época de matrículas para o próximo ano lectivo. Mas, até ao momento, a associação não obteve qualquer resposta do Executivo.

    Para as escolas, o problema está mesmo na falta de cumprimento da promessa pelo Governo. “O maior problema é para os pais, porque são eles que têm de decidir se conseguem pagar”, disse Elsa Rodrigues, directora do infantário ‘Planeta dos Traquinas’, na Póvoa de Santa Iria. “Os pais ficaram esperançosos, visto que o Estado deu garantias de que iria apoiar, mas o apoio não chegou”, disse.

    Neste caso, como em outros colégios, as escolas alegam não poder manter as crianças de três anos nas salas de creche por falta de vagas.

    Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação. /Foto: D.R.

    Paulo Cardoso, da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), afirmou ao PÁGINA UM que a organização vai contactar o Governo e aguardar uma resposta sobre a actual situação que afecta famílias em todo o país. “Vamos fazer chegar aos Ministérios e esperar uma resposta”, disse. Lamentou que parte do problema seja também o da falta de informação por parte dos pais, que nem sempre compreendem bem os procedimentos para ter acesso aos apoios, como por exemplo, terem de matricular os filhos no ensino público, mesmo que não existam vagas.

    Adiantou que a situação mais premente, em termos de escassez de apoios e vagas, envolve as famílias migrantes. “Há migrantes sempre a chegar e a situação com a falta de vagas já é complicada, ainda fica mais difícil”, afirmou.

    Wagner é brasileiro e reside em Portugal com a esposa e a filha há mais de três anos. Foi uma das famílias afectadas pelo não cumprimento da expectativa de garantir a transição gratuita das crianças que perdem o direito ao apoio para frequentar a creche. “Foi um choque. De repente, em Novembro, disseram-nos na escola que a mensalidade passava a ser de 330 euros. Não podemos pagar. Tirámos a menina da escola”, contou. A mãe da criança tinha acabado de ficar desempregada e procurava novo emprego, mas teve de ficar em casa com a filha. A menina não reagiu bem ao afastamento da sua rotina e dos amigos do colégio que frequentava em Vila Nova de Gaia. “Foi muito difícil. Teve de ficar em casa com a minha esposa. Ela colocava a mochila às costas e pedia para a levarmos para a escola, tinha saudades das educadoras e dos coleguinhas”. No caso de Wagner, houve um desfecho feliz. Após dois meses de angústia, teve resposta positiva de uma IPSS-Instituições Particulares de Solidariedade Social e conseguiu vaga na creche para a filha.

    Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. / Foto: D.R.

    Mas muitas crianças não estão a ter a mesma sorte e os pais sentem que estão num beco sem saída. “Vamos organizar uma petição para pedir ao Governo que resolva este problema que foi criado pela promessa que fez e que ainda não cumpriu”, garantiu Ana, que já contactou também a ACPEEP e assegura que vai mobilizar mais pais. “Num outro colégio, na Amadora, que é do mesmo grupo do que é frequentado pela minha filha, há ainda mais crianças na mesma situação”, apontou.

    Para já, do Governo, há apenas o silêncio em torno deste problema que a sua promessa de Junho criou. Nem o gabinete do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, nem o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho estiveram disponíveis para responder às questões do PÁGINA UM. Também a coordenadora nacional do programa Garantia para a Infância, Sónia Almeida, não se mostrou disponível para falar sobre este tema.

    Para muitos pais, a aflição vai continuar este ano lectivo, mas ameaça prolongar-se para o próximo, já que não se vislumbra um calendário de implementação do apoio prometido pelo Governo de Luís Montenegro para as crianças em transição para o pré-escolar.