Autor: Elisabete Tavares

  • A democracia hoje e as bases de dados escondidas pela DGS

    A democracia hoje e as bases de dados escondidas pela DGS


    O perigo é real. Uma democracia está doente quando as autoridades responsáveis pela política de Saúde Pública escondem dados, e até divulgam “pareceres” enviesados e fraquíssimos do ponto de vista médico-científico, como recentemente apontou o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias, em declarações ao Nascer do Sol.

    É tão importante votar como exigir transparências às autoridades e a abertura imediata do acesso a bases de dados sobre saúde em Portugal. É um dever cívico de cada português.

    O que esconde a Direção-Geral da Saúde (DGS)? O que esconde o Ministério da Saúde? Quais os motivos que levam a que os portugueses sejam impedidos de aceder a dados e estatísticas sobre saúde? Quais os motivos que levam a que os portugueses não tenham acesso a dados que são disponibilizados por outros países aos seus cidadãos? Por que motivo são divulgados “pareceres” com pouca – ou nenhuma – fundamentação séria e credível (como foi o caso do “parecer” mais recente sobre a incidência de miocardites em crianças divulgado pela DGS)?

    Se não fossem as investigações que o PÁGINA UM tem levado a cabo, o obscurantismo seria muito maior, nomeadamente sobre a realidade dos internamentos e óbitos nos hospitais em matéria de covid-19. Mas também sobre o tema da realidade da covid-19 e a sua incidência nas crianças e nos jovens.

    Mas o facto de haver um meio de comunicação social a conseguir destapar alguma da informação que as autoridades têm tentado esconder não elimina a urgente necessidade de forçar a DGS e o Ministério da Saúde a divulgarem mais dados cruciais a que todos temos direito em aceder.

    Desde o início da pandemia que vários portugueses têm alertado para a forma descontextualizada de comunicação dos dados em Portugal em torno de covid-19.

    A doença é grave, e pode ser fatal para doentes dos grupos de risco. Não é a gravidade da doença que está em causa. Mas sim o facto de os (poucos) dados divulgados exigirem rigor e transparência. Contexto. Tem faltado disso desde Março de 2020.

    A baixa literacia matemática e científica nos media clássicos portugueses ajudou à opacidade na divulgação de dados sobre saúde junto da população. Também os interesses comerciais falaram alto. Além de haver jornalistas que defendem que a população deve estar em pânico para “obedecer” – e este ponto merece um artigo por si só.

    A situação é hoje muito grave. Em 2022 continua vedado o acesso a diferentes bases de dados sobre saúde em Portugal. O que se pretende esconder ao impedir o acesso a dados sobre saúde em Portugal? O que se pretende branquear ou omitir? Estarão as bases de dados a serem “limpas” e expurgadas de informação? Quer-se esconder o aumento de óbitos em determinadas faixas etárias em 2021? Ou quer-se esconder que o número de suicídios em jovens disparou desde 2020? O que se quer esconder?

    Não sabemos. Mas quando a DGS esconde informação, cria-se também o espaço para que se levante a especulação. Ninguém ganha neste cenário de opacidade, muito menos o jornalismo e a população.

    Mais recentemente, tivemos o tema da vacinação e dos doentes com vacina e sem vacina contra a covid-19. Foi escandalosa a comunicação falsa, divulgada recentemente sobre o número de internados com e sem vacina. Depois, este aspecto foi corrigido, mas já tinha sido divulgada amplamente essa desinformação fomentada pelos media em geral. Este tema dos dados em torno da população com e sem vacina é sensível e merece todo o rigor e transparência.

    O PÁGINA UM tem tentado obter acesso a várias bases de dados sobre saúde em Portugal. É uma batalha que foi iniciada de forma solitária, e dura há meses. Esta não é a batalha de um jornal apenas.

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    As autoridades de saúde devem ser impedidas de continuar a esconder dados. Ponto final. Devem ser obrigadas a ser transparentes junto dos cidadãos, daqueles que lhes pagam os salários.

    Esta é uma batalha de todos nós, portugueses. Não deve ser apenas uma batalha de jornalistas em busca de informação para esclarecer a população, e divulgar factos de relevo para todos. Esta é uma batalha pela defesa do Estado de Direito. Esta é uma batalha pela defesa da democracia.

    Falar em democracia quando há dados fundamentais escondidos da população, sem exigir que sejam tornados públicos, é incoerente. É perfeitamente aceitável, perante os acontecimentos, que a atual situação suscite a dúvida sobre se a DGS estará a ser instrumentalizada politicamente, ou se há interesses que estão a tirar partido da sonegação de dados sobre saúde em Portugal.

    Nota-se agora que, graças aos trabalhos pioneiros do PÁGINA UM, até os órgãos de comunicação social clássicos começaram a pedir a divulgação de dados por parte da DGS. É um começo. Mas não chega. O acesso às bases de dados que estão a ser escondidas é uma emergência.

    Aquilo que se passou nos últimos dois anos em matéria de política de Saúde em Portugal vai ter de ser escrutinado. Em nome das vítimas de covid-19, das vítimas de SIDA, de cancro, de AVC, de ataques cardíacos, de tudo. Em nome de todas as vítimas que morreram sozinhas em casa ou em lares. De todas as vítimas que foram alvo de negligência ou de omissão de auxílio. De todas as vítimas de suicídio. Em nome das famílias. Em nome da democracia e do direito à informação que lhe é inerente.

    É inaceitável, repito, que em 2022 haja autoridades de saúde de um país como Portugal a esconder bases de dados dos cidadãos. Mas está a acontecer. Cabe-nos a todos garantir que a saúde da nossa democracia e do Estado de Direito. Exigir a divulgação de dados sobre saúde é uma obrigação de todos nós.

    A opacidade só tem lugar em países onde a democracia não tem lugar. Garantir a democracia é muito mais do que votar. É escrutinar, vigiar, exigir. E exercer o dever cívico de questionar e confrontar as autoridades sempre que se desviem do caminho e escolham a censura e a opacidade. E esse é um dever individual. Uma responsabilidade de cada um.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Media: um pedido de desculpas que se exige

    Media: um pedido de desculpas que se exige


    Bem-vindos à primeira vaga de branqueamento da (ir)responsabilidade dos media portugueses na pandemia.

    À primeira vista, a imprensa nacional, com destaque para a televisão e certos pivots, parece estar a dar sinais de querer virar o bico ao prego, como se costuma dizer. Ou seja, finalmente, contrariando a postura acrítica e subserviente desde Março de 2020 – basta relembrar as conferências de imprensa da Direcção-Geral da Saúde (DGS) –, começamos a ver agora, nos últimos dias, jornalistas a cumprir o seu dever na cobertura da pandemia: informar e investigar.

    De repente, por milagre, surgem notícias – incluindo no Público e no Observador, por exemplo – sobre a realidade dos internados ‘covid’. Começa a parecer – repito, a parecer – que alguns media estão no caminho de tentarem fazer o seu trabalho. Cumprir o seu dever de informar. De forma isenta e séria. Alheia a poderes, governo e interesses.

    Nada mais falso.

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    Senhoras e senhores leitores: declaro que estamos, oficialmente, no fim não da pandemia – que essa vai depender da Organização Mundial da Saúde –, mas no início da primeira vaga de branqueamento da imagem dos media portugueses sobre o tema covid.

    Como sabemos, os media, em geral, assumiram-se como meros porta-vozes do Governo e da DGS.

    Nós, os que alertámos desde cedo para os dados descontextualizados da DGS, fomos apelidados de negacionistas. Nós, os que questionámos a falta de transparência nos dados divulgados, fomos ostracizados.

    Questionar os dados e os comunicados de imprensa foi, durante dois anos, um pecado capital com direito a seguir para a fogueira dos indigentes.

    Agora, até o bastonário da Ordem dos Médicos, logo ele, pede agora transparência à DGS.

    Só podem estar a gozar. E gozar-nos.

    Não vamos permitir este branqueamento de responsabilidades.

    Graças aos media – e a muitos “especialistas” e “peritos”, e a muitas entidades, incluindo a DGS –, há crianças e jovens que acreditam que podem morrer se saírem à rua sem máscara. O novo coronavírus pode ser de facto fatal para os mais idosos e pessoas com comorbilidades. Mas para crianças e jovens não, o risco é virtualmente zero. Mas, no entanto, graças à imprensa, as campanhas de terror marcaram (para sempre) os mais jovens.

    O terror espalhado pelos media foi deplorável, inaceitável e uma grave violação do Código Deontológico. Nunca ouvimos um ai das entidades que regulam os aspectos éticos e deontológicos da profissão.
    Vir agora passar a ideia de que alguns órgãos de comunicação social, de repente, estão interessados em dados corretos, rigorosos e fiáveis da DGS é um insulto. Ponto.

    O que alguns media perceberam agora – e o bastonário da Ordem dos Médicos também – é que os ventos estão a mudar. E só por isso eles querem mudar. E querem navegar e aproveitar esses ventos de ‘verdade’, fim da pandemia, exigindo agora, e só agora, ‘transparência nos dados’.

    O trabalho do PÁGINA UM, mesmo com apenas um mês de existência, pela sua independência e coragem na divulgação de informação escondida e na pressão sobre as autoridades, tem tido consequências. Os media não podiam ficar indiferentes à extensa divulgação de dados que este novo órgão de comunicação social tem feito.

    Mas deixo um aviso, caros leitores. A operação “branqueamento de responsabilidades” está em curso, sim. Mas a ‘verdade’ está longe de vir ao de cima.

    girl covering her face with both hands

    A nova “cobertura” da comunicação social à pandemia trata-se, porém, de uma operação cosmética. Nada mais. Continuamos sem ter dados cruciais. E acreditem, não serão os media tradicionais, dependentes da publicidade de organismos públicos e de apoios de farmacêuticas, que enfrentarão a DGS para lhes exigir dados que nos permitam saber a verdade. E a Ordem dos Médicos, apesar de agora, “ladrar”, não vai “morder” a DGS e muito menos o Ministério da Saúde. Esteve e está comprometida.

    Nem vai morder as farmacêuticas. Sim, muito menos as farmacêuticas.

    Depois do fim da pandemia, faltará saber muita coisa. Falta agora investigar as mortes súbitas de pessoas saudáveis e vacinadas. As mortes por problemas cardíacos. As mortes por derrames cerebrais. Etc., etc., etc..

    Até porque se antes quem queria dados da DGS era negacionista, no futuro quem quiser dados sobre efeitos adversos de vacinas será anti-vacinas.

    Por isso, caros leitores, se pensam que a batalha pela ‘verdade’ está a caminho de ser ganha, estão muito enganados. A guerra pela verdade, sobre tudo o que se tem passado em torno do tema covid, ainda nem começou.

    E precisamos de uma comunicação social limpa. No estrangeiro já vemos órgãos de comunicação social a pedir desculpa aos leitores, como o jornal dinamarquês Ekstra Bladet e o alemão Bild. Exijamos também um pedido desculpa feito pelo media portugueses. Se ela não vier, tudo é mero e sujo branqueamento.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.