Autor: Elisabete Tavares

  • ‘O país está a saque’

    ‘O país está a saque’

    Em Portugal, não há uma separação de poderes tal como exige a Constituição. Assim, vivemos num Estado totalitário, sempre em função do chefe do partido que está no poder. Para Paulo de Morais, não existe em Portugal uma verdadeira democracia mas antes uma partidocracia. Nem a justiça nem os media escapam ao controlo político e económico, segundo o presidente da Frente Cívica, que alerta que há uma tentativa de controlo dos media por parte de António Costa. Paulo de Morais não duvida que a maior parte dos órgãos de comunicação social do país estão condicionados e operam sob o controlo de grandes grupos económicos e interesses políticos E avisa que o objetivo é que exista uma sociedade desinformada, para que seja mais facilmente manipulada, o que tem gerado um pensamento único e uma narrativa única de comunicação junto da população. Paulo de Morais garante que a corrupção está mais sofisticada e faz parte do ADN do regime em Portugal. E assegura que os portugueses “estão reféns de pagar rendas a grandes grupos económicos que lhes são garantidas pelo Estado” em diversos sectores, incluindo o da energia.


    Começo por lhe colocar uma pergunta um pouco desafiante: vivemos num Estado totalitário, em Portugal?

    Vivemos, mas não é de agora. A democracia portuguesa já não tem desculpas. Porque, antigamente, dizia-se que era uma democracia jovem. Só que, neste momento, a jovem democracia portuguesa tem mais tempo do que a velha ditadura. Portanto, a desculpa de que é jovem já não serve. Mas o que é facto é que nós, neste momento – embora reforçado por haver maior absoluta… Tem sido sempre assim: em Portugal, não há verdadeiramente separação de poderes. É um problema crónico. Isto porquê? Porque o poder executivo é liderado normalmente por um primeiro-ministro, que é simultaneamente o chefe do partido. E, enquanto tal, como chefe de Governo, manda no Executivo, o que está correcto, não tem problema nenhum. Mas, sendo chefe de partido, e pela lógica que nós temos – que é uma partidocracia, não é verdadeiramente uma democracia – o chefe de partido manda também no Parlamento.

    Neste momento, deveria ser o Parlamento a fiscalizar o Governo, mas não é assim que acontece. O que acontece é que é o Governo que manda no Parlamento. Porque o primeiro-ministro, pelo facto de ser secretário-geral do Partido Socialista, controla a maioria parlamentar e controla absolutamente o Parlamento. Portanto, o Parlamento é um instrumento da acção executiva, não existe verdadeiramente um poder legislativo independente em Portugal. Não bastasse isso, em Portugal – e este é um problema que não é só deste primeiro-ministro nem só deste Governo – o poder judicial depende muito do poder executivo. Porque os meios que a justiça tem são disponibilizados por quem? Quem é que paga o orçamento do Ministério da Justiça? É o Parlamento, através de uma proposta do Governo. Isto não é um problema só de António Costa, mas também de Pedro Passos Coelho, de António Guterres, de Cavaco Silva, de Durão Barroso, de todos… Nunca houve coragem de dar capacidade financeira ao poder judicial para ser autónomo.

    Portanto, o poder judicial não é autónomo nos tribunais, o procurador-geral da República é nomeado simultaneamente pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República que, infelizmente neste caso, e noutro, tem sido também instrumentalizado pelo primeiro-ministro. Além disso, a própria polícia de investigação criminal, está uma parte na judiciária, que é relativamente mais independente, mas também há investigação criminal na GNR ou na PSP, que dependem do ministro da Administração Interna. Então, resumindo e concluindo, o chefe do Governo manda no poder executivo, até aí muito bem. O chefe do Governo manda no poder parlamentar, péssimo. E o chefe do Governo manda parcialmente no poder judicial.

    Depois, um quarto poder que seria a comunicação social, os media e o espaço público, que poderia servir como escrutinador dos outros três poderes. Esse também está maioritariamente debilitado e dependente de um conjunto de interesses económicos, que por via da corrupção estão muito ligados ao poder executivo; e também por uma prepotência que tem havido nos últimos tempos, nomeadamente deste primeiro-ministro, de tentativa de controlo dos media. Não foi só ele que o fez. Aliás, temos em democracia uma triste história de primeiros-ministros que foram tentando controlar a comunicação social, e digamos que António Costa é mais um dessa triste lista. E, portanto, há uma tentativa grande de controlo dos media. Não de censura formal, mas tentativa de controle do alinhamento da comunicação social, a generalista, enfim, a que nós sabemos…

    A clássica…

    A clássica. E os canais de informação também estão muito condicionados. Não queria estar aqui a particularizar para não ser indelicado, mas o que é facto é que a comunicação social maioritariamente – não totalmente – está controlada pelos grandes grupos económicos e pelos grandes interesses políticos, que estão ligados aos grandes grupos económicos.

    Portanto, resumindo e concluindo, a separação e interdependência de poderes de que fala a nossa Constituição, não se verifica. Havendo toda esta concentração de poder no líder do poder executivo, de facto, nós temos um estado totalitário, sempre em função do chefe do partido que está no poder. Mas isto não acontece apenas com o Partido Socialista, aconteceu com o Partido Social Democrata. Acontece mais, obviamente, com quem está no poder mas, de alguma maneira, os partidos que estão na oposição e que alternam no poder, também têm a sua quota de responsabilidade nisto, como é evidente.

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    No seu entender, esse cenário que descreve e este problema que já é estrutural, favorece que haja esta corrente de pensamento único a que assistimos hoje em Portugal, e este maior controlo daquilo a que se chama uma narrativa que assenta na ideia de que o Governo não é responsável por quase nada do que tem acontecido, por exemplo, nos últimos dois anos?

    O pensamento único, ou quase único, para ser mais rigoroso, tem sido também uma característica da sociedade portuguesa dos últimos vinte e tal anos. Porque como os interesses económicos capturaram a política, naturalmente tem que haver uma narrativa de comunicação que desvie a atenção dos portugueses dos verdadeiros problemas. Ou seja, no momento em que se discute o Orçamento de Estado, por exemplo, para falar de um instrumento importante da governação e da vida económica de um país, nunca se discutem os verdadeiros problemas que decorrerão daquele tipo de Orçamento de Estado. Em todas as discussões de Orçamento de Estado a que eu assisti nos últimos 15 anos, tudo o que se discute no espaço público é da ordem dos 3% ou 4% do valor do orçamento. Ou seja, só se discutem as questões laterais e marginais. Aquilo que é o essencial, que é onde é que o Estado português gasta o seu dinheiro, em esquemas de corrupção que favorecem determinados grupos económicos, nunca é discutido no âmbito da discussão parlamentar do Orçamento de Estado.

    Para que não se discuta o essencial, para que de uma forma secreta se ande a roubar sistematicamente os portugueses, é evidente que tem de se arranjar uma narrativa comunicacional que distraia as pessoas. Eu excluo daqui a questão da pandemia, que esse efectivamente foi um momento em que se discutiram assuntos que eram importantes para a sociedade. Mas, tirando a questão da pandemia, na maioria dos casos, o que se discute é aquilo que verdadeiramente não interessa aos cidadãos, e é isso que convém a quem governa, porque quanto mais desinformada for a sociedade, mais manipulável é e naturalmente mais se consegue criar uma sociedade acrítica, que leve as pessoas todas no caminho do que interessa àqueles que verdadeiramente têm o poder, ao serviço de um conjunto de interesses económicos e até feudais.

    E esses interesses, diria que hoje estão mais aprofundados e ganharam mais raízes, ou é igual ao que já havia em anos anteriores?

    Sofisticaram-se, e, portanto, agravaram-se. Ou seja, nós passámos de uma fase, há 15 ou 20 anos, em que a grande corrupção se fazia através de favores, de tráfico de notas e de financiamento partidário, enfim, que hoje se continua a fazer. Mas hoje há uma fase seguinte, que é a fase em que o Estado português submeteu toda a sua política económica à criação de rendas para grandes grupos económicos. Hoje, através de mecanismos da mais diversa ordem, o que acontece é que os cidadãos estão reféns de pagar rendas a grandes grupos económicos que lhes são garantidas pelo Estado. Ou seja, quando nós abrimos a água na maioria destes concelhos do país, estamos eventualmente a pagar uma renda garantida a empresas como a DST, a Indaqua, a Aquapor, enfim, uma série delas, que são já hoje detidas por fundos financeiros internacionais e até pagam pensões a holandeses ou a suecos. Ou seja, verdadeiramente, na maioria dos concelhos do país, cada vez que uma pessoa, um cidadão, abre a água, que é um direito essencial – é entendido a nível das Nações Unidas como um direito humano e a nível da União Europeia como um serviço público essencial –, esse serviço público essencial serve para que os cidadãos, através da factura da água, paguem uma renda garantida através de esquemas de parcerias público-privadas a uma determinada empresa, como estas que referi e outras. Ou seja, um cidadão pobre em Matosinhos, abre a água e uma parte do que está a pagar do consumo daquela água, é para garantir pensões ricas a holandeses.

    Pensa que os portugueses têm noção de que as coisas funcionam assim?

    Não têm noção de nada disto. Enfim, dei-lhe o exemplo da água, mas quando ligamos a electricidade estamos a pagar também uma taxa a um conjunto de empresas que criaram sistemas de energia na área das eólicas e das fotovoltaicas, que garantem pagamentos de energia garantida da ordem de três e quatro vezes o mercado ibérico de electricidade… Quando passamos numa autoestrada, estamos a pagar uma portagem a uma parceria público-privada rodoviária que garante rentabilidades de taxas internas de contabilidade de 14% a quem as detém… Ou seja, um português, de cada vez que se mexe, hoje, está a pagar, através destes esquemas – que foram esquemas muito bem arquitectados no plano técnico, muito bem urdidos por grandes sociedades de advogados -, os portugueses estão a pagar rendas sistematicamente a todos estes conglomerados económicos. Ora bem, isto é a Restauração no século XXI em Portugal, do feudalismo pré-revolução francesa, no Antigo Regime. Verdadeiramente, o que acontece é que antigamente havia os servos da gleba, a agricultura era a grande actividade económica. Obviamente, hoje já não há servos da gleba, tanto quanto eu saiba, mas são os servos destes chamados serviços públicos essenciais, que fazem com que nós, os cidadãos além de pagar impostos ao Estado português, o que é legítimo e correcto, pagam no fundo um tributo a estas empresas que condicionaram todo o país.

    Mas sem terem noção disso…

    Não têm noção nenhuma de que estão a pagar rendas. É claro que isto é válido para água, para a electricidade, para as estradas, para os aeroportos. Ou seja, os portugueses, sempre que consomem seja o que for quase, nomeadamente ao nível destes serviços públicos, estão a pagar um tributo para viver em Portugal. E nos outros países não é assim, atenção. Há alguns em que é assim, mas há países em que não é, porque normalmente o Estado defende o interesse dos cidadãos, e quando, por exemplo, um esquema de uma parceria público-privada (PPP) ferroviária, como aconteceu nos caminhos-de-ferro de Londres, se torna penosa e nociva para os cidadãos, quem defende o interesse público, neste caso em Londres, resolveu a PPP e acabou com ela. Portanto, a primeira PPP da era moderna são os caminhos-de-ferro de Londres e também foi a primeira a ser resolvida. Portanto, neste momento os caminhos-de-ferro voltaram ao erário público. Respondendo à sua pergunta, a corrupção sofisticou-se. Hoje, a corrupção está no ADN do próprio regime. Razão pela qual, e volto ao Orçamento de Estado, de cada vez que um é aprovado, cerca de 10, 11 mil milhões de euros, mais de 10% do Orçamento, destina-se a pagar todos estes desmandos de PPP, de subsídios à banca para o Fundo de Resolução. Enfim, é todo um conjunto de dinheiro dos contribuintes que é canalizado para este tipo de negócios perniciosos para a sociedade, para além daquilo que nós depois pagamos no dia-a-dia. Ou seja, os cidadãos pagam rendas a um conjunto de empresas e pagam impostos para depois o Estado canalizar para essas mesmas empresas. O país está a saque.

    Em todo o caso, o Governo anunciou com grande pompa e circunstância uma nova estratégia nacional de combate à corrupção.

    Anunciou, isso é verdade. A estratégia nacional de combate à corrupção, que foi anunciada e publicada noDiário da República em Dezembro e que entrou em vigor em Junho, desde logo não é uma estratégia, não há estratégia nenhuma. No âmbito dessa estratégia, aparece um novo mecanismo que é o mecanismo nacional anti-corrupção, que por sua vez, ao fim deste tempo todo… Repare, a estratégia era muito urgente. A lei foi publicada em Dezembro, entraria em vigor em Junho. Neste momento, o mecanismo anti-corrupção nem sequer existe. Foi nomeada uma pessoa, ainda por cima, que é um juiz já jubilado. Enfim, com todo o respeito pelas pessoas de toda a idade, mas não terá certamente a grande energia e a dinâmica para implementar uma estratégia anti-corrupção, porque não há vontade de combater a corrupção. É claro que tem que haver uma estratégia nacional anti-corrupção, mas não é isso que nós temos. Primeiro, sob o ponto de vista formal, aquele documento não é uma estratégia. Enfim, não vou entrar aqui em questões académicas, mas uma estratégia pressupõe desde logo um conjunto de objectivos, de meios, e a avaliação subsequente. E aqui, não há estratégia, é apenas um documento de boas intenções. Mas documentos de boas intenções, enfim, com todo o respeito, mas estou farto de ver desde sempre. Nós precisávamos de facto era de uma estratégia, que não existe e este documento também não o é. E depois precisamos dos executores dessa estratégia.

    Portanto, não está muito confiante de que as coisas irão melhorar no combate à corrupção?

    Este mecanismo vem substituir o Conselho de Prevenção da Corrupção que, ao fim de 14 anos, não fez nada. Portanto, é difícil piorar, digamos que piorar é difícil. Mas também não acredito que vá melhorar porque não há, efectivamente, vontade. Vamos lá ver: primeiro, o que é corrupção? A Transparency International define-a de forma simples, e é nessa perspectiva social que eu entendo a corrupção, sem entrarmos aqui em pormenores jurídicos ou técnicos. Mas, a corrupção é a utilização de um poder delegado para benefício particular. Estou a traduzir o inglês livremente, mas é a minha tradução. Sempre que alguém tem um poder de delegado público e o utiliza para benefício particular, da família ou da empresa dos amigos, está a incorrer num acto de corrupção. Quem gere a coisa pública, no Governo, no Parlamento ou nas autarquias, tem que pensar sempre que tem um mandato que não lhe pertence, mas que pertence ao povo e lhe é atribuído por um determinado período.

    Em teoria…

    Claro. E tem que representar os seus eleitores, o seu eleitorado, e tem que ser na defesa desses que tem que actuar. Tudo o que saia disto é um acto de corrupção, de maior ou menor dimensão, de menor ou maior gravidade. Portanto, tem que haver da parte de quem dirige e de quem é eleito, vontade de em primeiro lugar defender o interesse do povo que deve servir. Sempre que isto não acontecer, a corrupção instala-se. Portanto, sem vontade, tudo o que se diga que se vai fazer para combater a corrupção são apenas formalismos e panaceias pontuais que não resolvem efectivamente o problema. Enquanto não houver, da parte da classe política, vontade efectiva de combater a corrupção, não é possível combatê-la.

    Mas acredita que com o estado de coisas, digamos assim, que descreveu, é possível algum dia chegar ao poder uma pessoa independente que de facto queira fazer alguma mudança?

    Neste momento é muito difícil.

    Visto que Portugal está refém dos partidos e de toda essa rede de interesses…

    E o problema é que, e isto acontece a nível autarca mas também a nível nacional, os eleitos que vão para o Parlamento, deveriam de ir fundamentalmente com dois objectivos, que são fiscalizar o Governo e criar legislação que favorecesse a população que os elegeu. Estes são os objetivos para os quais eles deveriam lá estar, mas na prática, o que é que eles vão para lá fazer? Apoiar acriticamente o Governo, neste momento, ou combater se estiverem na oposição, mas digamos que não vão fiscalizar a actividade governativa, vão fazer de claque. O Parlamento é um conjunto de claques. E vão garantir negócios e empregos para quem lhes financia as campanhas e quem os apoia com votos. Isto é válido no Parlamento e também em qualquer Câmara. É claro que nas câmaras os objectivos seriam diferentes. O objectivo do autarca deve ser garantir a qualidade de vida e uma boa gestão do espaço público. Mas o que é que faz um autarca-tipo em Portugal? Garante negócios para quem lhe paga as campanhas eleitorais, e lugares para os seus apaniguados do partido que lhe vão garantir a eleição seguinte. A democracia está capturada por todos estes interesses.

    Então, neste cenário desolador que descreve, está explicado também o caos a que nós temos assistido, seja no Serviço Nacional de Saúde, seja na gestão de recursos.

    Claro. Nós comemorámos há poucos dias o 24 de Agosto [Revolução Liberal de 1820]. Quem fez o 24 de Agosto não foi o povo da rua. Foram pessoas como Fernandes Tomás, Ferreira Borges, digamos, o sinédrio no Porto. Mas, cria-se uma junta governativa, e essa junta governativa em 1820, que é o início do nosso regime constitucional, apresenta-se ao povo português com o objectivo de desinstalar uma administração incompetente, cheia de vícios e erros. Portanto, vícios de corrupção e erros de incompetência. E, dizia também esse documento da junta governativa, [uma administração] que nos tira de todos os nossos foros e direitos. Passados 202 anos, estamos nós aqui a conversar e, de facto, o problema mantém-se. Os sucessivos Governos e Parlamentos têm estado reféns de dois factores que dão cabo de qualquer país, que é a incompetência e a corrupção. A corrupção, que nos tira toda a possibilidade de termos um futuro decente e que é, no fundo, a utilização dos recursos de todos para benefício particular, ou seja, quando se utilizam bens que são comuns. Depois, em termos jurídicos, pode-se chamar de tráfico de influências, prevaricação, há muitos crimes.

    Já é um pormenor jurídico…

    Sim, isso são pormenores jurídicos, mas o fenómeno social da corrupção é isto. E, depois, como há que dar lugar aos apaniguados dos partidos, bom, há muitos lugares da administração que não deveriam sequer de existir. Portanto, esses não era nem competência nem incompetência, há uma colisão de competências por existirem lugares que não servem para nada. Mas nos lugares que servem para alguma coisa, que também são muitos, normalmente nomeiam-se os incompetentes do partido que, inevitavelmente, acabam por gerar muitos problemas porque sendo incompetentes, tomam más decisões. Aliás, isso vê-se nomeadamente a nível local, quando se escolhe um boy partidário em detrimento de um competente, isso tem três problemas. O primeiro, é a injustiça que se sente, porque as pessoas ficam revoltadas. Mas esse é o menor dos problemas. O maior problema é que depois um incompetente colocado num lugar vai tomar decisões durante 20 anos, e provavelmente vão ser más decisões, porque só por milagre é que um chefe de um grupo partidário que está habituado a gerir comícios, também é bom a gerir finanças de um município, ou a perceber de condutas de águas pluviais de uma rua. Só por milagre é que percebe disso tudo. Aliás, as partes que normalmente não falham a nível local são as que têm a ver com festas. Porquê? Porque a malta que vem dos partidos sabe organizar festas. Não sabem fazer mais nada! Mas festas, comícios…

    É uma especialidade…

    É. Mas normalmente as romarias não falham, porque isso eles sabem fazer. Agora, gerir saneamento, as finanças da Câmara… isso não sabem. Portanto, a incompetência tem resultados catastróficos. Não bastasse isso, cria-se a ideia, nomeadamente nos concelhos mais pequenos, e depois generaliza-se ao país, de que competência para obter bons empregos ou para fazer uma carreira, não conta nada. Porque verdadeiramente, uma pessoa que tenha um doutoramento no Instituto Superior Técnico, que vá querer ser engenheiro para uma Câmara de um concelho que tem 15 ou 16 mil eleitores, vai perder o concurso para alguém que é do PS ou do PSD, ou da JS [Juventude Socialista], ou tanto faz. E, portanto, obviamente, perdem-se oportunidades de colocar pessoas competentes a fazer aquilo que a população necessita. Portanto, entre esta incompetência que resulta também de um acto de corrupção, e a corrupção propriamente dita, que é gestão de uma forma, aí já competente, mas tendo em vista interesses que não são os do povo, dá-se cabo do património todo de um país.

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    Daí, pode explicar-se porque é que Portugal, por exemplo, está tão bem colocado em termos das universidades no mundo, de termos bons quadros, há sempre esse elogio. Mas depois, na prática, não há lugar para eles na gestão do bem público e dos recursos públicos, devido a essa questão do peso dos partidos.

    Em todas as actividades em que há alguma interconexão entre aquilo que é um mercado e o que é o Estado, não há possibilidade de fazer uma boa carreira em Portugal. Eu estou a dizer isto para dizer que há excepções. Há empresas que vão buscar grandes quadros às universidades, como de engenharia informática, sistemas de informação, engenharia de gestão industrial… Estou a falar destas áreas mais tecnológicas. Põem-nos a trabalhar em empresas em Portugal, mas a prestar serviços para o estrangeiro ou para todo o mundo. E aí a intervenção do Estado, digamos que é cobrar bem ou mal impostos. Portanto, o dano não é muito grande. Agora, sempre que haja uma intervenção do Estado, como seja contratar pessoas para a administração pública, seja de uma Câmara ou de escolas e hospitais, entram factores de perversão, que de facto, não aproveitam devidamente as competências que nós cá temos. Portanto, verdadeiramente, aqueles que conseguem exercer convenientemente a sua profissão e a vocação para a qual estudaram, são aqueles que, ou emigram, ou que trabalham em Portugal para o mercado estrangeiro. Esses estão relativamente libertos destas perversões. Quem trabalha, directa ou indirectamente, para algo que venha a depender do Estado, está sempre dependente destes mecanismos e de facto, não consegue concretizar, que é a maioria. Portanto, tirando aquela excepção, que são aqueles que trabalham em áreas de ponta muito específica, os cidadãos não conseguem concretizar as suas vocações, porque não há uma procura conveniente de qualidade ao nível dos recursos humanos.

    Por exemplo, considera aceitável que Portugal esteja a viver a crise que está a viver em termos de serviços de atendimento de obstetrícia nos hospitais?

    Não faz sentido nenhum. Mas deixe-me ainda voltar ao ponto anterior. Todos os anos, a Transparency International publica o indicador de percepção da corrupção. A percepção não é a da população em geral, é de peritos, do Banco Mundial, do Economist, e outros, sobre a corrupção dos países. E Portugal, em 2000, ocupava, em termos de transparência, o 23º lugar. De 2000 para 2010, passou de 23º para 32º, portanto, foi o país que mais se degradou no mundo nessa década, e é claro que não foi o efeito só dessa década, mas em termos desse indicador. Portugal foi o país que mais se depreciou e, desde 2010, não saiu dessa posição. É sempre 32º, 31º. Quando Portugal estava em 23º, os seus parceiros a nível europeu eram, por exemplo, a Irlanda. Quando está em 32º, os seus parceiros são a Itália e Espanha, cujos níveis de corrupção tão bem conhece. Por outro lado, também todos os anos, a ONU publica os indicadores de desenvolvimento, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é um indicador agregado de saúde, educação e riqueza. E, já há estudos feitos nesse sentido, alguns nos quais, modéstia à parte, participei, que dizem que há uma forte correlação negativa entre desenvolvimento e corrupção. Dentro da Europa nota-se esse feito até com maior discriminação. Então, dentro da Europa, está provado, através dos números, que quanto maior é a corrupção, menor é o desenvolvimento, e vice-versa. E onde isso se sente ainda mais, é na saúde. Portanto, a saúde é tanto melhor quanto menos corrupção há.

    Portanto, isto é um sinal de que há muita corrupção em Portugal. É uma consequência…

    Exactamente. É uma consequência.

    Hoje em dia, temos sistemas informáticos, inteligência artificial, mecanismos para fazer gestão e operações logísticas sofisticadíssimas, e rapidamente. Portanto, o que é que explica tudo isto?

    Nós, com a evolução do que se chama inteligência artificial, business analitics, entre outros, temos hoje mecanismos, quer de sistemas de informação para a gestão, quer de informática que lhe dá suporte, que permitem melhorar muitos serviços aos cidadãos. Bastará nós pensarmos, por exemplo, que… Se um hipermercado em Portugal fosse gerido como são geridos os hospitais, havia um dia qualquer em que fechava a carne, noutros dias fechava o peixe, e noutros dias não havia ninguém nas caixas. Porque é que isto não acontece nos hipermercados? Porque os hipermercados são geridos profissionalmente por directores, por gestores, que garantem que os turnos são capazes para as necessidades da procura. Porque é que isto não acontece num hospital? Aliás, estamos aqui, há estes problemas na saúde que martirizam as pessoas, e tanto penalizam a comunidade, e curiosamente, nós temos um Serviço Nacional de Saúde (SNS), que está bem colocado a nível mundial. Nós estamos em 25º ou 24º quarto lugar no mundo – agora não sei de cor – no indicador do SNS, à frente do Canadá!

    Portanto, é um problema de organização ou de gestão logística…

    Absolutamente. O que é que acontece? É que ao mesmo tempo que um dos nossos hospitais centrais aqui em Lisboa, numa sala de operações temos a melhor tecnologia do mundo, as melhores técnicas do mundo, os melhores médicos do mundo, os melhores enfermeiros do mundo, e a melhor organização dentro da sala de operações do mundo… Portanto, estamos ao nível dos padrões de top…

    Ao nível técnico de medicina?

    Exactamente, ao nível de organização daquela competência. Só que depois, chegamos à porta, e em alguns hospitais parece que estamos num hospital africano. Porquê? Porque não há organização. Não há uma organização de atendimento, de acolhimento, de recepção. O que tem de se fazer é tirar dos hospitais e das administrações regionais de saúde os boys incompetentes, e colocar lá pessoas competentes que saibam como é que isto se faz. É claro que isto acontece, infelizmente, em quase todos os serviços públicos. Eu viajo muito de comboio, Porto-Lisboa e Lisboa-Porto e, independentemente do número de pessoas, da data do ano, de ser dia de Natal ou o 10 de Agosto, de haver uma catástrofe ou seja lá o que for, as pessoas que estão na bilheteira são sempre as mesmas. Portanto, que modelos de gestão pública são estes? São modelos de gestão pública do final do século XX. Portanto, há todo um conjunto de áreas da administração pública, em que o que há a fazer é dotar as organizações de pessoas competentes.

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    E como é que se pode fazer isso?

    Bem, primeiro tem de se tirar de lá os boys incompetentes. E, depois, em alguns dos casos, há lugares a mais, que têm que ser pura e simplesmente extintos. E depois há um conjunto de lugares que têm de ser ocupados por pessoas que tenham capacidade e competência. Ainda por cima, poder-se-á dizer, como é que vamos avaliar a competência? Pelos resultados. Desde logo, pelos resultados dos utentes. Porque sempre que nós tenhamos um hospital central ou um centro de saúde a receber mal, com um acolhimento desagradável, nem é receber mal porque as pessoas não são mal tratadas. Mas se alguém chega a uma triagem a um hospital e só na triagem demora uma hora, para a consulta vai esperar mais três. E, portanto, se os sistemas que nós temos de acolhimento nas entidades de serviços de saúde portuguesas são maus, têm que passar a ser bons. Mas são maus porque isso também beneficia, e canaliza pessoas para os privados. Ou seja, quem gere assim o Serviço Nacional de Saúde está a destruí-lo em benefício dos privados.

    Mais uma vez, os grupos económicos a serem beneficiados.

    Eu julgo que são beneficiados e há dolo nesta atitude. Ou seja, se os serviços públicos de saúde recebem as pessoas de uma forma pouco amigável, é evidente que as pessoas têm tendência a ir para os privados. Bastará ver que hoje, quem tenha ADSE, que é sistema público de saúde, provavelmente numa consulta para uma gripe num hospital privado, paga menos do que a taxa moderadora que pagaria num serviço público. E isto é um exemplo claro. E isto é uma forma de canalizar os cidadãos para os serviços privados de saúde.

    Aumenta as desigualdades, porque há população que não tem acesso ao privado.

    Como é evidente. Mas independentemente disso, há muita gente no Serviço Nacional de Saúde, que de forma voluntária ou não, mas muitas vezes até inconsciente, com as suas atitudes, está a canalizar as pessoas para os privados. Eu dou este exemplo, e poderia dar muitos mais. Obviamente, há aspectos em que isto tem outra relevância, nomeadamente nos casos em que morrem pessoas. Mas no quotidiano, quem lê esta entrevista e qualquer cidadão sabe que se tiver uma dor no pé, uma coisa que não seja muito grave, tem que fugir do Serviço Nacional de Saúde. Quem está no SNS, porque é que não trata disso? Porque muitas das pessoas que são nomeadas são boys partidários. Portanto, eu acho que tem que haver uma luta militante para tirar os boys incompetentes da administração pública.

    Militante de quem, da sociedade civil?

    Da sociedade civil. E tem que obviamente haver da parte de alguns responsáveis, pelo menos, mecanismos de controle da qualidade e de satisfação das pessoas.

    Mas como é que é que se pode mobilizar a sociedade civil num ambiente tão bafiento e opressor como este que descreve, em que há um domínio dos partidos e esta ligação entre partidos, interesses políticos e económicos?

    Eu acho que a solução virá de fora da política. Agora, por que via, não sei, mas tem que vir da forma, vem da opinião pública. Há bocado falávamos dos media que estão muito condicionados, mas tem que haver aqui umas correntes de ar fresco que arejem esta sociedade e comecem também até pelo exemplo a mostrar que há efectivamente coisas que funcionam. Porque, obviamente, que há muitas entidades públicas que funcionam bem, e nós tivemos, apesar de tudo, o exemplo da pandemia enfim isso é uma outra conversa, mas o esquema de vacinação foi um esquema em que o plano logístico funcionou.

    Parecido com o que se faz nos supermercados, na distribuição, levar um produto de A para B, transportá-lo, armazená-lo…

    Há mecanismos, matemáticos nomeadamente, de previsão, que permitem saber quantas pessoas vão chegar ao Hospital de Santa Maria no dia 10 de Dezembro de 2022. Portanto, com esses mecanismos de previsão, há que organizar toda aquela logística por forma a que naquele dia, haja porteiros, enfermeiros, médicos, pessoal da limpeza, para garantir aquele tipo de procura. Os serviços públicos têm que perceber que têm que ser os serviços públicos a condicionarem-se à procura, e não a procura a condicionar-se à oferta. Quando é a procura a condicionar-se à oferta, chega uma grávida a mais e o bebé morre. Porquê? Porque não há oferta. E tudo isto hoje é previsível. Seria imprevisível se houver uma catástrofe, mas no quotidiano, saber quantas grávidas vão aparecer no hospital no dia X, isso consegue-se prever com um ano de antecedência, hoje há técnicas para isso. Agora, é preciso que os gestores destes equipamentos tenham no mínimo esta preocupação. E quem diz destes equipamentos diz os gestores das policias para a rua, e tudo o resto. Não se pode pedir polícias na rua no momento em que há problemas na rua. Tem que se prever quando é que vai haver, obviamente que uma sociedade tem sempre problemas, vai haver sempre conflitualidade. Mas hoje há mecanismos que permitem prever, com uma grande precisão, com uma margem de erro relativamente pequena, qual vai ser a conflitualidade. Isto está mais do que estudado, está estudado até se são dias de lua cheia, ou dias mais escuros que são de lua nova, tudo isto está estudado em toda a parte do mundo. E a transposição dessa tecnologia para Portugal é fácil, porque não é preciso trazer máquinas, basta trazer o software e as pessoas que percebam disso. Portanto, é preciso é usar estes mecanismos, prever quantos policias são precisos na cidade do Porto ou na baixa de Lisboa daqui a seis meses.

    Já que fala nessa questão, como é que vê – e não resisto a perguntar-lhe – o desaparecimento de bases de dados, a mutilação de bases de dados relativos à saúde por parte do Ministério da Saúde? É um caso concreto, específico neste sector, mas mostra que não há transparência e há dados que são escondidos relativamente ao que se passa hoje em Portugal.

    Nós temos sempre dois valores que têm que ser devidamente ponderados, que é a protecção de dados pessoais e a utilização de informação colectiva.

    person holding white and red card

    Claro, estamos a falar de dados anonimizados.

    Portanto, é perfeitamente possível transmitir toda a informação, e quanto mais informação a sociedade tiver, obviamente mais habilitada está para tomar decisões. E convém transmitir toda a informação, e naturalmente defender as componentes mais intimas e privadas das pessoas. Isto também é completamente fácil de fazer. O problema é que não há, mais uma vez, opinião pública devidamente informada para defender este tipo de transparência. E, por outro lado, os grupos económicos que andam metidos em esquemas, têm grandes sociedades de advogados que andam a defender a falta de transparência. Como acontece por exemplo agora, há uma discussão europeia, nem é nacional, sobre o acesso às contas bancárias no sentido de conseguir identificar branqueamento de capitais, fuga ao fisco, etc. Se deixar de haver esse acesso, é evidente que a maior parte da investigação deixa de fazer sentido. Mas obviamente, tem que haver esse acesso e não pode ser com o argumento de que há um casal que se vai divorciar e que o marido não quer que a mulher saiba quanto tem no banco, que se vai permitir que depois haja grandes entidades bancárias a fazer lavagem de dinheiro. Vamos ver qual é a ponderação e o interesse social em cada caso. Mas infelizmente o que acontece é que o tal marido que não quer mostrar a conta à mulher não tem um grande advogado, e o banco X americano e o banco Y francês têm todas as grandes sociedades de advogados que tentam criar mecanismos de combate à transparência. Mas isto inevitavelmente ía acontecer. Antes do 11 de Setembro, não havia acesso às contas bancárias como há hoje, isso foi apenas porque os americanos quiseram combater o terrorismo e ter acesso quer às transferências que têm a ver com o tráfico de armas ou de drogas, quer também com o financiamento das armas, só isso é que permitiu que começasse a haver um maior acesso às contas no Luxemburgo, na Suíça, etc. Inevitavelmente, os grandes consórcios de corrupção internacionais, também iriam tentar combater isso. Portanto, esta legislação que a Europa está a tentar implementar, resulta da acção de lobby muito forte por parte daqueles que não querem que haja transparência, temos de ser claros.

    E acredita que vão conseguir?

    Eu espero que não, espero que as sociedades civis, nomeadamente aquelas com maior dinâmica, a alemã, sueca, se revoltem contra este tipo de situação. Porque seria muito mau que, com o argumento da protecção de dados pessoais íntimos das pessoas, os polícias judiciários dos vários países deixassem de ter acesso às grandes transferências que vêm do Cazaquistão para as Maldivas e depois para Inglaterra e por aí fora.

    Há a percepção de que esse tipo de operações só existe com criptomoedas, mas não. Já existiam antes todo o tipo de operações financeiras ilegais. O Paulo tem falado de várias coisas e fazer estas denúncias também lhe tem trazido alguns dissabores. Como é que está a sua situação, com os processos de que tem sido alvo?

    [risos] Eu tenho dedicado uma parte da minha vida a lutar contra a corrupção, porque entendo que a corrupção é claramente o maior mal dos país. Se Portugal, não é se acabasse a corrupção porque não acabará, mas se começar a baixar os seus níveis de corrupção, começa a aparecer o desenvolvimento, por razões que já disse atrás. Mas para além disso, a sociedade fica muito fresca, ainda por cima Portugal é um país com 10 milhões de pessoas, que têm todo um conjunto de recursos naturais, sociais, humanos, históricos e culturais, que permitia que todos vivêssemos bem. Tirem daqui a corrupção e deixará de haver gastos permanentes em corrupção, e todos esses recursos serão utilizados no desenvolvimento. Portanto, o combate à corrupção é fundamental. É evidente que todos aqueles que vivem da corrupção, não querem que se combata a corrupção. E tentam de forma sistemática calar quem denuncia este tipo de situações. Em Portugal, sempre que alguém denuncia casos de corrupção ,aqueles que são mais poderosos e que têm acesso, nomeadamente, a recursos financeiros vultuosos, recorrem a sociedades de advogados para tentar censurar quem fala.

    Às vezes, recursos públicos…

    Pois, quem utiliza recursos públicos para tentar calar quem os critica, está a fazer exactamente o que se fazia no tempo da ditadura, que é usar recursos públicos para mecanismos de censura. Mas eu, nos últimos anos, de facto tenho tido um conjunto de processos de persecução e de bullying, quase jurídico, e que normalmente tem a ver com tentativas de me fazer calar.

    Para ver se desiste?

    Para ver se me calam. Não tem resultado nem resultará, mas o facto é que eu já tive processos que me foram colocados por difamação, denúncia caluniosa, ofensa à pessoa colectiva, enfim, várias modalidades jurídicas de entidades tão diferentes como o antigo presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, ou o Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara de Gaia, ou a Porto Editora, ou o grupo Leya, ou o vice-presidente de Angola, enfim, tem sido uma série deles. Estamos neste momento em 12 processos que eu já tive em tribunal. É claro que 12 processos com sentenças e recursos, debates instrutórios… Estive dezenas de vezes em tribunal nos últimos 12 anos.

    Portanto, 12 processos. Neste momento não se encontram muitos ainda activos?

    Exacto. Até aqui, felizmente, eu tenho ganho os processos todos. O que é bom para mim, naturalmente, tenho menos incómodos pessoais, mas sobretudo acho que ajuda no caminho da liberdade de expressão. Eu, além da luta contra a corrupção, tenho tido uma luta igualmente resistente na defesa da liberdade de expressão, que é fundamental. Porque os factos que eu vou revelando, alguns são públicos e notórios, portanto nem os estou a revelar, outros estão devidamente documentados. E quando eu emito a minha opinião sobre esses factos, faço-o sempre na defesa do interesse público, sempre revoltando-me contra o mau uso de recursos públicos, e faço-o no uso de um direito constitucional, que é a liberdade de expressão. Portanto, se os factos são verdadeiros e estou a exercer um direito, não posso ser penalizado por isso. É claro que isto não é uma luta fácil porque leva muito tempo, também algum dinheiro… E hoje talvez o que mais me incomoda, nem é tanto a minha luta pessoal e dos que têm meios para se defender, mas sim a luta dos que não têm meios para se defender. Porque de facto, uma pessoa que ganhe o salário médio ou baixo em Portugal e se lembre de criticar alguém poderoso na política ou na economia, corre o risco de levar uma queixa e ver-se a braços com um processo que não vai ter meios para suportar, nem no plano económico, nem às vezes psicológico.

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    Portanto, estou sempre preocupado comigo, e não me podem levar isso a mal, mas preocupa-me mais aqueles que não têm capacidade para se defender e que sabem que, se numa pequena terra do interior criticarem, no Facebook, o presidente da Câmara, correm o risco de, na autarquia, serem encostados ou até perseguidos. Por isso é que eu acho muito importante que haja uma transposição rápida para a Lei portuguesa, quer da legislação de protecção de denunciantes, que está feito, foi feito também em dezembro do ano passado, e é importante que todos aqueles que detectem situações irregulares percebam que têm mais do que o direito, a obrigação de denunciar, e não podem sofrer qualquer tipo de represálias. E é importante que quem reconheça situações em que há represálias, as denuncie, que é o que tenciono doravante fazer, desde o momento em que a legislação entrou em vigor. Mas, para além da protecção de denunciantes – que são os que têm que estar envolvidos no caso que leva à denúncia, os players – também dos activistas, pessoas como eu e outros, que fazem denuncias publicas. E hoje há uma directiva europeia anti SLAP, que é Stategic Litigation Against Public Participation, e essa directiva deve ser transposta rapidamente para Portugal, para que quem denuncia publicamente um conjunto de situações, seja protegido, nomeadamente por entidades públicas.

    Quanto aos meus processos, para concluir, neste momento, os que estão em curso são duas queixas que me foram colocadas pelo vice-presidente de Angola, Bornito de Sousa, que têm a ver com o facto de ele ter gasto nos vestidos de casamento da filha, 200 mil dólares, e, naturalmente eu indignei-me com isso, fiz bastantes críticas públicas a esse facto… E apresentaram-me uma queixa crime, em que houve uma decisão de não pronúncia, mas ele recorreu – ilegitimamente, do nosso ponto de vista. E um segundo processo que está ainda bem activo, é da viúva do Américo Amorim e da filha, pelo facto de eu ter criticado a especulação imobiliária a que vamos assistir no local onde está neste momento a refinaria de Matosinhos, que acabou de ser fechada, há cerca de um ano. Esses são os que estão no activo. Os restantes, já terão sido concluídos, mas estamos aqui a falar e não sei se, a qualquer momento, não estará a sair do tribunal uma carta para minha casa. Mas, enfim, eu escolhi este caminho, não estou nada arrependido, e sempre escolherei, com os meios que tenho, a capacidade de poder dizer, em Portugal, aquilo que penso.

    Entrevista transcrita por Maria Afonso Peixoto

  • A SIÊNSIA, ou a Nova Ordem Ignorante de regresso a Portugal

    A SIÊNSIA, ou a Nova Ordem Ignorante de regresso a Portugal


    Ouço diversas vezes: “Mas como é que não és covideira?” E ouço isto porque, aparentemente, sou insistente com a lavagem das mãos, o descalçar de sapatos em casa, a troca de roupa…

    Não sou, porém, adepta do álcool-gel; não uso. Aprecio o sabão azul e branco. Gosto de meter as mãos na terra e andar descalça na praia e na relva. Nunca consegui andar no metro ou autocarro sem bilhete válido. Gosto de cumprir regras, tenho os impostos em dia.

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    Mas se me pedem para seguir regras irracionais, e sem fundamentação, obviamente exijo saber em que bases se decidiu adoptar tais regras. E, na inexistência de resposta ou de fundamentação válida, irei naturalmente optar por não seguir essas “regras” disparatadas.

    (Na minha juventude, cheguei a sair de uma sala de aula em protesto por um professor expulsar injustamente dois alunos.)

    Não sigo palermices nem normas absurdas só porque alguém se lembrou de as adoptar na base do “porque sim”. Viver numa democracia permite-me ser racional e exigir respostas dos decisores e governantes. Em países com regimes totalitários, não é assim. Prevalece o obscurantismo e o irracional. Prevalece o “porque sim”.

    Em geral, o português tem um problema com a lógica, a razão e exigência de transparência e de justificações, normais numa democracia. Demasiados anos de pobreza, fome e ditadura, fizeram erodir a réstia de auto-estima e a sobriedade cívica que teriam sido úteis em 2020.

    O combate à epidemia de covid-19, tanto ou mais do que a doença, foi uma catástrofe em Portugal. Os números provam-no. O excesso de mortalidade recorde também o comprova.

    Ainda assim, é ver portugueses ainda hoje a confiar nas mesmas autoridades e personalidades que conduziram a população para tamanha catástrofe.

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    Mas isso pode ter explicação parcial nos milhões distribuídos pelos media convencionais, bloggers, actores, artistas, cantores e micro a médio influencers. Tudo para que passassem propaganda.

    Assim, sem qualquer surpresa, a sempre mal fundamentada Direção-Geral da Saúde (DGS) prepara a chegada do Outono a Portugal. Com ciência, desta vez? Não. Nada disso. A era da SIÊNSIA prossegue, porque floresceu, amadureceu e está pronta nova colheita.

    Neste Outono, a DGS sinaliza o regresso dos mitos, das mistificações, dos amuletos… e da desinformação veiculada com a ajuda (dos sempre prestáveis à vassalagem) media convencionais e dos milhares de mini e médios influencers e bloggers (que se prestam a passar propaganda a troco de uns trocos). A população estará, de novo, entregue aos pobres de espírito, incluindo de espírito científico, para mal dos nossos pecados.

    Pobres tempos de baixo nível (ou nenhum) de literacia em Ciência, em Medicina, em bom senso, em pensamento racional e lógico. Tempos altos para a “ciência” comercial – manipulada e financiada por indústrias e fundos estatais (e dos contribuintes europeus) a soldo de interesses políticos obscuros.

    O facto de as autoridades de saúde, nomeadamente em Portugal, continuarem a esconder dados estatísticos é prova mais do que suficiente da podridão que se vive em termos de Política de Saúde.

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    Assim, vejamos os mitos que se prepararam para regressar este Outono. O primeiro, e um dos queridos à DGS: as máscaras, esse amuleto que para a DGS significa “protecção contra esse mal que é a covid-19 e tudo o mais que ande no ar”.

    A Suécia, esse país fervoroso seguidor da “Ciência”, desde logo enterrou esse mito aberrante, perigoso, atroz e bafiento. Por afastar em geral esse e outros mitos amados pela SIÊNSIA seguida pela DGS, a Suécia conseguiu combater eficazmente o vírus SARS-CoV-2, e ficar, de longe, com as melhores estatísticas em matéria de covid-19 e sobretudo de Saúde Pública.

    Outro mito é o dos confinamentos – essa medida perigosa para a saúde que, em geral, a Suécia também recusou adoptar, e bem. Já Portugal, por via da “condução” da DGS – fervorosa seguidora da SIÊNSIA –, está agora nos lugares cimeiros desse trágico pódio em que nenhum país decente quereria estar. Portugal está entre os líderes em mortes em excesso, em casos covid-19 e outras estatísticas não-covid.

    E, como se isso já não fosse péssimo e agoirento, a DGS continua a teimar em conduzir os portugueses, e o país, para as catacumbas da escuridão científica e da Saúde Pública.

    Não lhe bastou publicitar, durante o Verão, esse mito de “a indigestão ser causada por banhos após o almoço”. Não lhe chegou. Também tem de continuar a arrastar o país, e os portugueses, pelos caminhos da sua SIÊNSIA.

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    Outro objetivo, já anunciado em parangonas pela DGS para este Outono, é vacinar em força as crianças e jovens. Não morrem de covid-19, mas vacina-se à mesma, mesmo se se mostra por demais evidente que a imunidade de grupo foi uma falácia, uma mentira impingida durante meses a fio.

    E os efeitos adversos em crianças e jovens? Não lhes importa o rácio risco/benefício, que cada vez mais aponta para o afastamento dos mais jovens destas vacinas?

    Nada disso interessa a quem segue a religião da SIÊNSIA. O dinheiro a rodos para pagar campanhas nos media convencionais e para pagar a artistas, actores, cantores e todo o tipo de personalidades nas redes sociais e fora delas está garantido, para escoar o produto armazenado e mostrar estatísticas sobre vacinação que colocarão Portugal no topo da percentagem de população vacinada. Se com tudo isto, ou apesar disto, Portugal se mantém no topo das piores estatísticas de Saúde Pública na Europa, já pouco importa.

    E dinheiro para fazer o que a Ciência diz, para se fazerem, por exemplo, testes serológicos na população (para aferir da imunidade natural e da necessidade ou não de vacinação); para isso há? Na realidade, não se sabe, até porque seria preciso que a DGS seguisse a Ciência, e que quisesse estudar e agir com prudência e exactidão.

    Aliás, Ciência é coisa que não importa à DGS – por muito que seja invocada – nem, na verdade, à maior rede social com sistema de créditos, o Facebook. Desde 2020, o Facebook tem sido um dos principais instrumentos para cortar com um dos princípios basilares da Ciência – o debate –, impondo o unanimismo da SIÊNSIA.

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    Assim, nada de escrever sobre estudos sérios e credíveis não financiados por farmacêuticas, sobre imunidade natural, sobre a inutilidade do uso de máscaras na transmissão do vírus, e muito menos autorizar vozes de cientistas que pedem com urgência a divulgação integral dos dados sobre as vacinas e os seus efeitos adversos.

    Desde 2020, quem tentar efetivamente abordar temas científicos no Facebook, será castigado – como seria na China se falasse sobre violações de direitos humanos e o direito humano à liberdade de expressão e sérias investigações científicas.

    No Facebook, como nos media, continuará a haver espaço apenas para os promotores – a soldo da DGS ou da Comissão Europeia – da SIÊNSIA.

    A SIÊNSIA é hoje o garante de um crescente controlo sobre uma população (à nora e amedrontada); é hoje o garante do aumento das vendas de produtos fármacos (pouco ou nada transparentes quanto à sua eficácia, segurança e necessidade); é o garante da criação de investidores multimilionários; é o garante de mais estados de emergência e de calamidade ilegais (que permitem a governantes alargarem o seu poder de ação e aprovar legislação outrora apenas sonhada e concretizada por ditadores).

    Infelizmente, Portugal não é o único país seguidor da SIÊNSIA. Até mesmo o Brasil de Bolsonaro, veja-se, acompanha já também essa religião. E não é por causa da questão da hidroxicloroquina, ou sequer por o ainda presidente brasileiro ter dito que a covid-19 era uma gripezinha.

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    Na verdade, poucos sabem, mas, actualmente, um brasileiro ou estrangeiro adulto não-residente só pode entrar no Brasil se tiver tomado as doses exigidas de vacina contra a covid-19. Teste negativo ou certificado de recuperação não valem. Mas se for um brasileiro ou estrangeiro residente no país a entrar, estejam à vontade. Podem entrar no Brasil aviões cheios de pessoas com covid-19, e assim espalhar o vírus no Brasil? Sim, mas esses infectados têm é de estar vacinados! Podem entrar no Brasil aviões cheios de brasileiros e estrangeiros residentes no país sem todas as doses da vacina e sem covid-19? Sim. E sem todas as doses da vacina e com covid-19? Também podem.

    Tudo isto é SIÊNSIA. Aceite e propagada como se fosse Ciência.

    O objectivo não tem já nada a ver com travar uma epidemia e um vírus. O objetivo é já só educar “o povo” sobre quem manda, e sobre o que acontece ao “povo” que não obedece a ordens, independentemente de serem irracionais e de até acarretarem potenciais problemas graves do ponto de vista da Saúde Pública, da Economia e do bem-estar.

    Restará aos portugueses racionais e agnósticos, que resistem a esta religião dita SIÊNSIA – que só na aparência ecoa como a (antiga) Ciência –, prosseguirem com as suas vidas, mas também lutarem contra o avanço desta Nova Ordem Ignorante.

  • Instituto Superior Técnico com processo no Tribunal Administrativo por recusar mostrar relatório alarmista sobre covid-19

    Instituto Superior Técnico com processo no Tribunal Administrativo por recusar mostrar relatório alarmista sobre covid-19

    É a 12ª recusa que o PÁGINA UM recebe de entidades públicas ou equiparadas quando solicita documentos administrativos sensíveis; e é o 12º processo de intimação que o PÁGINA UM faz entrar no Tribunal Administrativo de Lisboa. Desta vez, uma entidade universitária e científica decidiu que um (suposto) relatório alarmista fosse divulgado pela Lusa sem que ninguém mais o pudesse ver nem analisar. Além do processo por falta de transparência, este caso revela sobretudo o estado da Ciência nos tempos modernos.


    O PÁGINA UM avançou esta quinta-feira com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o presidente do Instituto Superior Técnico (IST), Rogério Colaço, a dar acesso ao relatório revelado pela Lusa em 28 de Julho passado sobre o alegado forte impacte negativo dos Santos Populares na transmissão da covid-19, bem como a todos os dados numéricos e informação metodológica que levaram à sua elaboração.

    Mas não só. O PÁGINA UM também pede o acesso a documentos e informação para escalpelizar a relação existente entre o IST e a Ordem dos Médicos, por via de um protocolo anunciado em Julho de 2021.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusa divulgar os estudos e os dados.

    Em causa está um suposto relatório – a que apenas a Lusa teve acesso, apesar do seu take ter sido difundido pela generalidade da comunicação social – com estimativas da transmissão causada pelo aglomerado de pessoas durante o mês de Junho nos Santos Populares (sobretudo Lisboa e Porto) e em festivais como o Rock in Rio.

    Recorde-se que as conclusões do alegado relatório do IST apontaram, segundo a Lusa – que nunca quis apresentar provas ao PÁGINA UM da existência do documento científico – que “houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio”. A notícia da Lusa salientava ainda, citando o alegado relatório, que “se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”. E apontava ainda, expressamente, para as consequências: 790 óbitos devido ao levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho.

    Mas, apesar da gravidade das conclusões do alegado relatório, o documento nunca foi tornado público e não foram divulgadas as bases em que os investigadores se fundamentaram para elaborar as estimativas noticiadas.

    Resposta de recusa do presidente do Instituto Superior Técnico ao PÁGINA UM, via e-mail, no passado dia 30 de Julho.

    As conclusões alarmistas do alegado estudo do IST não encontram respaldo nas evidências observadas durante o mês de Junho. Com efeito, enquanto decorreram as festas de Santo António, São João, Rock in Rio e outros festivais ao de Junho, os casos positivos de covid-19 foram sempre descendo.

    Por exemplo, para todo o país, no dia 1 de Junho a média móvel de sete dias estava nos 24.602 casos positivos para todo o país, no dia 8 tinha descido para 20.575 casos, no dia 15 já estava nos 15.368 casos positivos, no dia 22 baixou para os 12.939 casos positivos e no final do mês estava mesmo abaixo dos 10 mil casos.

    Durante o mês de Junho, os casos positivos de covid-19 aceleraram sempre mas na direcção da redução. Em Julho sucedeu o mesmo. De acordo com os dados do Worldometer para Portugal, no final de Julho contabilizavam-se 3.258 casos positivos (média móvel de sete dias). Em Agosto, os casos mantiveram-se sempre estáveis em redor dos 2.500 casos positivos.

    Esta acção em Tribunal surge depois de o PÁGINA UM ter solicitado o acesso ao relatório, tanto junto do IST, através do seu presidente e da assessoria de imprensa, como a um dos autores do dito relatório. O acesso ao documento e aos dados que supostamente serviram de base ao suposto relatório, foi sempre recusado. No dia 30 de Julho, um sábado, o próprio presidente do IST, Rogério Colaço,enviou mesmo, através do seu Galaxy, um e-mail reforçando a recusa: “O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.”

    Festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos regrediram face a Maio.

    Saliente-se que em outros relatórios, as análises do IST são sempre assumidas pelos investigadores Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, mas sempre sob supervisão do presidente daquela instituição, Rogério Colaço, engenheiro de materiais e professor catedrático na área da nanotecnologia.

    Na sua ação junto do Tribunal Administrativo – o 12º processo desde Abril, sempre por recusa de acesso a documentos administrativos – solicita-se que o IST seja mesmo obrigado a disponibilizar “o acesso, para eventual obtenção de cópia, de todo e qualquer documento considerado como administrativo na posse do Instituto Superior Técnico – por publicamente ter sido elaborado e/ou utilizado por investigadores desta instituição universitária – relacionados com a avaliação epidemiológica da covid-19 (ou do seu agente infeccioso, o SARS-CoV-2)”.

    Nesse lote, pede ao Tribunal o PÁGINA UM, deve constar, obrigatoriamente, os dois relatórios sobre estimativas de transmissão da covid-19 durante as festas populares e festivais de música, cujas conclusões foram divulgadas por órgãos de comunicação social em 8 de Junho e em 28 de Julho, bem como os ficheiros informáticos contendo os dados usados para a sua elaboração”, bem como documentos científicos sobre a metodologia usada.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de justificar ao Tribunal Administrativo as razões para esconder relatórios e dados científicos, ou então terá de optar por os disponibilizar ao PÁGINA UM.

    Solicita-se ainda a “cópia do protocolo ou outro qualquer documento assinado entre o Instituto Superior Técnico e a Ordem dos Médicos para a realização das análises / estudos iniciados em 14 de Julho de 2021, bem como documentos que atestem a eventual (ou não) contratualização com efeitos patrimoniais dos envolvidos, quer seja pagamento ao Instituto Superior Técnico quer aos seus investigadores”.

    O processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões – já identificado com o número 2683/22.1BELSB – foi intentado pelo PÁGINA UM no último dia do prazo, porque se aguardou, até ao limite, uma resposta voluntária do IST, como instituição científica (ainda por cima pública) com especiais responsabilidade na transparência e debate científico.

    Como nunca houve manifestação de abertura, o Tribunal acabou por ser o derradeiro recurso. O IST terá agora 10 dias úteis para obrigatoriamente justificar ao Tribunal Administrativo a causa da recusa, havendo depois uma decisão teoricamente urgente.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso 12 processos administrativos, além de uma providência cautelar. Dois dos processos foram ganhos pelo PÁGINA UM em primeira instância, mas as duas entidades (Ordem dos Médicos e Conselho Superior da Magistratura) recorreram.

  • Tribunal Administrativo avalia legalidade da conduta do Banco de Portugal

    Tribunal Administrativo avalia legalidade da conduta do Banco de Portugal

    Desde o início de 2021 até ao fim de Junho deste ano, o Banco de Portugal aplicou coimas de 16,2 milhões de euros a diversos bancos que cometeram infracções. Mas o supervisor liderado por Mário Centeno “esconde” os nomes dos infractores. O supervisor negou ceder ao PÁGINA UM os nomes dos bancos visados pelas coimas. O jornal avançou ontem com uma ação em Tribunal para aceder aos nomes.


    O Banco de Portugal saberá, em breve, se tem ou não de ser obrigado a divulgar os nomes dos bancos que cometeram infrações desde o início de 2021 até Junho deste ano. Até agora, o supervisor apenas divulgava relatórios com o número de infrações cometidas e a sua natureza.

    Instado pelo PÁGINA UM a identificar os bancos incumpridores, através de um requerimento feito ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), o regulador respondeu com uma recusa.

    Banco de Portugal impede cidadãos de conhecer bancos infractores

    O PÁGINA UM avançou então esta semana com uma acção junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, o qual vai agora avaliar se a decisão do Banco de Portugal de “esconder” os nomes dos bancos infractores é ou não legal, bem como as infracções cometidas. A intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões já recebeu o número 2607/22.6BELSB, deu entrada ontem, 25 de Agosto.

    Está agora nas mãos do juíz João Cristóvão a decisão de obrigar ou não o Banco de Portugal a revelar os nomes dos bancos infractores. Este tipo de processos tem carácter urgente e Mário Centeno terá de apresentar alegações escritas no prazo de 10 dias úteis.

    Desde o início de 2021 até ao final de junho deste ano, o Banco de Portugal instaurou, sem identificar as instituições financeiras, 566 processos de contra-ordenação e proferiu decisões em 552 processos. No total, o supervisor aplicou coimas no montante de 16,246 milhões de euros, dos quais metade (8,195 milhões de euros) foram aplicados no segundo trimestre de 2022.

    Mário Centeno, actual governador do Banco de Portugal

    Mas, do montante global de coimas aplicadas, 2,086 milhões de euros “ficaram suspensos na sua execução”, ou seja, os bancos visados não os terão de pagar, por enquanto. Estes dados constam das Sínteses de Atividade Sancionatória que o Banco de Portugal divulga a cada trimestre. Contudo, o supervisor subtrai os nomes das entidades financeiras que cometeram as infrações.

    No dia 21 de Julho, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, o PÁGINA UM requereu à entidade liderada por Mário Centeno que fornecesse os documentos administrativos onde constasse a identificação das entidades financeiras alvo de processos de contra-ordenação.

    Em concreto, o PÁGINA UM solicitou “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os processos decididos (concluídos) no primeiro semestre do presente ano de 2022 e da totalidade do ano de 2021, no âmbito da supervisão bancária, designadamente por infrações de natureza comportamental, por infrações às regras em matéria de recirculação de numerário, por infrações de natureza prudencial”.

    O requerimento do jornal abrangeu ainda o pedido de informação sobre infrações “a deveres relativos à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, por infrações às regras relativas ao funcionamento da Central de Responsabilidades de Crédito e por infracções relacionadas com atividade financeira ilícita, ou por infrações de outro tipo”.

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    O pedido estendia-se ainda a “qualquer relatório ou outro tipo de documento administrativo que sintetiza o constante nos processos, pode-se colocar a possibilidade de o acesso acima solicitado ser substituído por cópia desse documento administrativo”.

    No pedido ao supervisor bancário colocava-se a hipótese de ser disponibilizado, caso existisse, um relatório (ou documento similar) onde constasse “a identificação da instituição bancária / financeira, as datas mais relevantes do processo, a coima aplicada e a indicação das normas violadas”.

    Na sua resposta ao pedido do PÁGINA UM, no início deste mês, através do Departamento de Averiguação e Ação Sancionária, o Banco de Portugal indeferiu o pedido. Na carta, assinada pelo coordenador da área do referido departamento, João Mena Novais, e pelo diretor-adjunto Ricardo Sousa, o supervisor justifica a recusa do pedido com base em diversas disposições legais.

    Para o supervisor financeiro, a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) “não prejudica a aplicação em legislação específica” relativa à “responsabilidade contraordenacional” e ao “segredo profissional”, que tem, segundo diz o Banco de Portugal “segundo a própria LADA, preferência aplicativa”.

    O Banco de Portugal justifica ainda que a divulgação de decisões do foro sancionatório é consagrada como “uma sanção acessória a aplicar no processo de contraordenação” pelo artigo 212º, número 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).

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    Na sua resposta ao PÁGINA UM, o supervisor acrescenta que, para as “infracções especialmente graves”, o Banco de Portugal pode “decidir divulgar em regime de anonimato, diferir a divulgação ou não divulgar” os nomes dos bancos infractores. Para tal, o supervisor cita diversos artigos do RGICSF, incluindo uma norma sobre “o dever legal de segredo que vincula este Banco”. Saliente-se, contudo, que essa norma (artigo 80º) aplica-se aos funcionários e não ao regulador como instituição.

    A acção avançada pelo PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo de Lisboa sustenta, aliás, que a invocação de artigos do RGICSF pelo Banco de Portugal “não belisca um milímetro que seja o direito de qualquer um, incluindo o requerente, de aceder à informação solicitada” nem “o direito de informar, consagrado” na Constituição da República e na Lei da Imprensa.

    O PÁGINA UM sustenta ainda que “os normativos invocados pelo Banco de Portugal na resposta que enviou ao requerente não se confundem com a aplicação de ‘legislação específica’ a 18 que alude o n.º 4 do artigo 1.º da LADA”. E conclui que “nos normativos invocados pelo requerido Banco de Portugal, não há qualquer restrição ao direito de acesso por parte do requerente”.

  • Jornalismo ‘zombie’: o grande drama

    Jornalismo ‘zombie’: o grande drama


    Em tempos, os jornalistas eram temidos pela sua tenacidade em investigar e expor os corruptos. Hoje, são os jornalistas, em geral, que têm medo. Estão reféns do medo e manietados por um corporativismo tóxico e por uma cultura bafienta do “só se critica em privado”. E assim não se investiga nada, e evita-se também resolver os problemas, limpar o sector dos media dos interesses e personagens que o tolhem.

    O medo é um dos fatores que hoje em dia mais reduz jornalistas a meros agentes de comunicação ao serviço de governantes e empresa. Há vários medos.

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    Houve e há jornalistas com medo (pânico mesmo) de apanhar covid-19. Então, por causa disso, esquecem o que é ser jornalista. Noticiavam e noticiam apenas e somente o que diz a Direcção-Geral da Saúde (DGS), a Organização Mundial de Saúde (OMS), Graça de Freitas, Marta Temido e os “especialistas autorizados” (na maioria, consultores a lucrar com serviços a farmacêuticas e entidades públicas do sector da saúde).

    Reduzem a sua atividade a espalharem a linha de comunicação das farmacêuticas, ávidas de vender produtos aos Estados e à população, e de quem tem ligações a esta indústria. Recusam investigar. Recusam fazer perguntas inteligentes e de interesse para a população.

    Uma colega jornalista em pânico de apanhar covid-19 chegou mesmo a dizer-me que “nós precisamos praticar um Jornalismo responsável”, que, na visão dela, corresponde a espalhar propaganda de entidades públicas e farmacêuticas. A espalhar também desinformação que tem sido veiculada sob o disfarce de “política de saúde”, “combate à pandemia” e medidas que visam “o bem comum”.

    Jornalistas dominados pelas emoções, pelo medo, deveriam ter suspendido a carteira profissional enquanto não voltassem a ser jornalistas de verdade, com domínio das emoções e usando a lógica, o raciocínio como ferramentas. Sem usar a lógica, o raciocínio, aquilo que resulta é um Jornalismo zombie que se alimenta de sucessivos atropelos ao Código Deontológico e ao Estatuto do Jornalista.

    Destes jornalistas dominados pelo pânico, houve mesmo alguns que, sempre que podiam, espalharam o ódio e defenderam a perseguição criminosa de todos os portugueses e famílias que compreenderam melhor do que eles a real situação em que temos vivido. Uma realidade dominada por medidas sem qualquer fundamentação científica, medidas absurdas, irracionais, ilegais, inconstitucionais. E medidas que provocaram o caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e levaram à deterioração da saúde, não só dos mais vulneráveis, como também das crianças e jovens.

    Os resultados estão à vista no número elevadíssimo de casos positivos em Portugal (apesar da campanha agressiva de vacinação) e nas mortes em excesso por todas as causas, sem explicação até hoje e sem uma investigação independente no horizonte.

    A cultura de censura e pensamento único que se instalou nas redações contribuiu para deixar o Jornalismo moribundo, em coma, durante dois anos. Naturalmente, houve jornalistas que ficaram em silêncio e pactuaram com a legião de fanáticos e zombies da propaganda sobre covid/vacinação, com medo de serem chamados de negacionistas e serem alvo de segregação. Ficaram calados, mesmo quando os meios onde trabalham publicaram disparates, notícias falsas e de incentivo ao ódio.

    Estes jornalistas ficaram com medo de perderem o emprego, se falassem, se fizessem Jornalismo. Ficaram com medo de serem mal vistos, de ficarem à parte. De não serem promovidos. De deixarem de ser convidados para almoços, jantares. Para ir tomar café. Para ir fumar o cigarro.

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    Estes jornalistas ficaram com medo de não terem como pagar a renovação da cozinha. De pagar as prestações da casa. De não conseguir cumprir com a pensão de alimentos. De não conseguirem manter os filhos em colégios/universidades caros. De não conseguirem construir a piscina na casa de campo.  De perderem “o respeito” nas redações e os amigos jornalistas que viraram zombies na pandemia.

    Ter medo é normal. Mas, ser jornalista é conseguir viver e trabalhar tendo medo de todas essas coisas. Ter medo de apanhar covid-19. Ter medo de ser posto de lado. Ter medo de ser enxovalhado por colegas ignorantes, incompetentes e que viraram fanáticos da propaganda de “especialistas” (e de “estudos” pagos por empresas que lucraram como nunca desde 2020) e também da propaganda de governantes – que viram na pandemia uma oportunidade para fazerem novas leis e reforçarem o seu poder de forma inadmissível em democracia (como tentar eliminar o direito à liberdade de expressão e de manifestação).

    Ser jornalista é poder ter medo – e, ainda assim, fazer perguntas. É investigar, mesmo quando estamos perante uma epidemia. Quem diz uma epidemia, diz uma guerra. Uma crise financeira. Uma crise energética. Uma crise climática.

    Portugal tem excelentes jornalistas, como tem outros menos bons. Mas tem hoje, sobretudo, jornalistas desmoralizados. Tem jornalistas com medo. Medo de falar nas redações. Medo de falar em público. Medo de questionar, de criticar, de “levantar ondas”.

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    Nos últimos dois anos, procurei expor a desinformação e as campanhas anti-jornalismo e anti-democracia que vários media passaram para o público em geral. “És a ovelha negra do Jornalismo em Portugal”, disse-me um dia um profissional de comunicação. Pois, talvez. Certo é que recebi também mensagens de incentivo de colegas jornalistas e ex-jornalistas. Recebi telefonemas de alguns que estavam (e estão) simplesmente em choque com tudo o que se passou desde 2020. O clima de medo que se instalou. O clima de censura que se instalou.

    O problema do Jornalismo não é a sua morte. É o seu suicídio. Está a ser morto por dentro. Pelo corporativismo. Pelos jornalistas fanáticos e zombies. Pela cultura portuguesa do “fala, mas só entre amigos”. Pelo facto de o sector viver numa bolha e de braços dados com políticos e empresas. Pelo baixo nível de literacia sobre Saúde, Ciência e análise de dados – que ficou evidente desde 2020 nas notícias pavorosas e falsas que foram divulgadas.

    Também pelas chamadas “parcerias comerciais” entre empresas, Governo e grupos de media.  Há uns anos, ouvi numa redacção um colega a queixar-se do facto de os conteúdos “patrocinados” estarem a roubar cada vez mais espaço aos trabalhos dos jornalistas. Prontamente, o diretor respondeu: “Podem não gostar desses conteúdos, mas são eles que pagam os salários”.

    Pois, mas estão também a contribuir para matar o Jornalismo.

    Não seria preferível deixar as empresas de media fecharem do que matar o Jornalismo e ter jornalistas a viver desanimados dia após dia? Além disso, convém dizer que este discurso de “poupança” não engloba as avenças chorudas pagas a amigos comentadores e os salários e condições principescas de alguns dirigentes.

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    Assisti a jornalistas a ganhar perto do salário mínimo, a recibos verdes, a dividirem minúsculos apartamentos com os amigos. Enquanto isso, eram contratados novos quadros e comentadores, pagos a peso de ouro, e que, no final, nada acrescentaram, nem trouxeram mais leitores nem mais qualidade ao meio.

    E, sim, mesmo no sector dos media há “tachos” para amigos do partido A ou B. Do amigo C ou D.

    É assim.

    Os jornalistas perderam o seu poder.

    Em parte, porque se renderam aos medos.

    Em parte, porque esqueceram o que é ser jornalista.

    Em parte, porque se calam perante as desigualdades salariais e os gastos excessivos com alguns quadros e comentadores.

    Em parte, porque alguns se venderam ao poder e ao dinheiro.

    E, em parte, porque alguns se tornaram fanáticos defensores de uma religião anti-ciência que nasceu em 2020, que se baseia em premissas falsas, sem qualquer fundamentação na ciência verdadeira – a que não obedece a interesses políticos ou de empresas. 

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    E devido a tudo isto junto, no global, na soma, está-se a matar o Jornalismo.

    Junta-se a este cenário, o silêncio e inacção da Comissão Profissional da Carteira de Jornalista (CCPJ), sobretudo perante a atitude indigna daqueles que promoveram e incentivaram o ódio e fizeram manchetes /aberturas falsas de telejornais e jornais.

    Nem mesmo quando a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) enviou à CCPJ casos de jornalistas da CNN que divulgaram uma notícia falsa e difamatória para eventual abertura de um processo pela Comissão, a CCPJ quis logo actuar. Ficou, de forma cobarde, em silêncio e recusou, por agora, abrir processos.

    Esta atitude integra-se no corporativismo tóxico e nefasto existente no sector. Entidades como a CCPJ integram a “bolha” em que muitos jornalistas vivem – alheios ao dever de informar, noticiar a verdade, de forma objetiva e rigorosa. A CCPJ partilha da cultura dos “bons costumes”, da cultura que confunde crítica fundamentada com o acto de “falar mal” de alguém ou de uma entidade. A cultura do “todos precisam proteger-se uns aos outros”, mesmo que isso esteja a matar o Jornalismo. Porque tudo isto é veneno para o Jornalismo e os jornalistas.

    Sobra o Sindicato de Jornalistas, que tem procurado actuar para a melhoria das condições no sector e para recomendar boas práticas. Mas tem muito a fazer, nomeadamente no escândalo que envolve as chamadas “parcerias comerciais” – em que jornalistas lucram para participar em eventos de natureza comercial.

    Foto do encontro entre Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República, e membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista em 14 de Julho de 2022.

    Também poderia ter-se manifestado de forma mais assertiva perante as notícias falsas e incentivo ao ódio que foi promovido por diversos jornalistas e vários órgãos de comunicação social desde 2020, nomeadamente através do tempo antena que deram a personalidades apresentadas como médicos ou especialistas, mas que na prática escondiam interesses pessoais e profissionais.

    O seu silêncio quanto à praga das notícias recicladas – sobretudo com origem na agência Lusa – é preocupante. Quando o jornalismo está a afundar, a CCPJ pode até dormir, mas o Sindicato, estando mais desperto, não pode deixar de defender o bom jornalismo. Mesmo que doa a muita gente no sector.

    Sobre a ERC, o seu actual Conselho Regulador tomou posições favoráveis ao bom jornalismo. Mas falhou rotundamente – e soube que falhou – quando tomou, recentemente, uma decisão baseada em premissas falsas, numa denúncia que visou apenas condicionar as investigações de um jornalista. A ERC tomou a decisão a favor da vingança do denunciante sem ouvir de forma justa e isenta o jornalista cujas notícias levaram à abertura de um processo de contra-ordenação contra o visado pelas notícias, e que foi afastado da função de consultor pelo Infarmed.

    Contribui ainda para o estado vegetativo em que se encontra o jornalismo, os sucessivos “congressos de jornalistas”, que debatem os desafios do sector. Porém, com poucas ou nenhumas consequências práticas para uma maior justiça salarial, igualdade do género, boas práticas e o fim das contratações de amigos comentadores com remunerações chorudas completamente desadequadas para um sector “em crise” eterna. 

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    Se há uma crise no Jornalismo em Portugal, como a que atravessamos hoje, deve-se falar dela, sim. E em público. Para que se possam resolver os problemas e permitir que os jornalistas ganhem autoestima e tenham consciência do seu verdadeiro poder para noticiar a verdade e investigar os que lucram à custa do bem-estar da população. À custa de enganar a população.

    Os jornalistas devem manifestar-se nas redações, e publicamente, e baterem-se por melhores condições de trabalho e maior investimento em jornalismo verdadeiro, que investiga.

    Voltar a ganhar paixão pela profissão.

    Os jornalistas não precisam ser temidos por fazerem o seu trabalho. Mas precisam voltar a ser respeitados.  Para isso, terão de ajudar os media a limparem-se e a livrarem-se dos hábitos e das más práticas que se infiltraram de forma nefasta no sector – no sector onde quem manda hoje são interesses políticos e os “clientes” das “parcerias comerciais”. E os medos.

  • Viva a nova ERC: Entidade Repressora e da Censura da Comunicação Social

    Viva a nova ERC: Entidade Repressora e da Censura da Comunicação Social


    Com uma simples deliberação, cheia de nulidades, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fez o impensável num país democrático, em 2022: condenou o jornalismo de investigação.

    O Conselho Regulador assumiu, numa recente deliberação irregular, as dores de quem, apresentando conflitos de interesse, tentou por várias vias silenciar o jornalista que o investigava.

    Na sua deliberação, adoptada de forma opaca e irregular, o Conselho Regulador da ERC fez mais ainda. Deixou, com a sua decisão, um sério e forte aviso aos jornalistas em Portugal: podem escrever notícias, sim senhor, desde que não investiguem a fundo e não se metam com pessoas e entidades com bolsos largos, financiados por indústrias poderosas.

    Esta decisão do Conselho Regulador da ERC seria triste – e até cómica – se não fosse tão grave e perigosa.
    O resumo do caso é simples.

    O jornal PÁGINA UM investigou a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e o seu presidente. Detectou conflitos de interesse e contabilizou dinheiros que entraram em caixa naquela sociedade médica.

    As notícias, fruto dessa investigação, estão solidamente fundamentadas em dados e factos, que podem ser facilmente verificados por qualquer jornalista, jurista da ERC, membro do Conselho Regulador da ERC, ou cidadão.

    O PÁGINA UM deu sempre a oportunidade aos visados para darem as suas versões dos acontecimentos e responderem aos factos encontrados pelo jornal.

    António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019. Investigação do PÁGINA UM levou à sua saída de consultor do Infarmed e à abertura de um processo de contra-ordenação, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social aprestou-se a dar-lhe “apoio”.

    A solidificar ainda mais o rigor, objectividade, imparcialidade e seriedade da investigação do PÁGINA UM, houve consequências materiais da divulgação das notícias sobre a SPP e o seu presidente. António Morais acabou por ser alvo de um processo de contra-ordenação e foi ainda afastado do Infarmed, onde era consultor.

    Mas nem estes factos chegam para o Conselho Regulador da ERC aferir do “rigor” e precisão da investigação do PÁGINA UM e da óbvia, duplamente comprovada, veracidade dos factos e dados noticiados pelo jornal.

    Não. O Conselho Regulador da ERC defende os visados pela investigação jornalística. O que o Conselho Regulador da ERC condena com a sua decisão ilegal é claro: como se atreveu um jornalista a investigar a SPP e o seu presidente?

    Como se atreveu a publicar notícias rigorosas, imparciais, independentes, isentas e factuais sobre a SPP e o seu presidente?

    Mas por que é que o jornal não faz como outros media e dá apenas o que vem nos press releases? Porque não disponibiliza apenas um microfone à SPP (ou outras entidades e personalidades) e passa, durante 15 a 30 minutos, a opinião da SPP, sem perguntas incómodas nem hipóteses de contraditório?

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    Apanhado “com as calças na mão”, por ter sido descoberto que tinha deliberado antes de o PÁGINA UM poder juntar dados e testemunhos ao processo, como está previsto no Código do Procedimento Administrativo, o Conselho Regulador da ERC entrou em pânico.

    Impediu na terça-feira o jornalista e director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, de consultar livremente documentos relativos a processos de interesse jornalístico, na sua sede. O director e jornalista teve de, naturalmente, chamar a polícia para apresentar queixa da ERC e fazer valer a Lei.

    Os dirigentes da ERC fizeram o que é habitual em Portugal, quando se quer passar mensagens para os media e espalhar factos (verdadeiros ou falsos) e dados sem qualquer contraditório: emitiu, na própria terça-feira, um comunicado que foi instantaneamente divulgado pela agência Lusa.

    Isto apesar de não se tratar sequer de uma notícia urgente.

    A Lusa, infelizmente, escreveu e publicou a notícia como simples papagaio da ERC.

    Não ouviu sequer o jornalista visado pelas informações falsas e difamatórias emitidas pelo Conselho Regulador da ERC. Mais. Escreveu na notícia que se trata de “um cidadão”, fazendo “corta e cola” do conteúdo do comunicado.

    Só que não. Não se trata apenas de um cidadão, mas de um jornalista com carteira profissional, no exercício da sua função e a interagir de forma legítima com a entidade reguladora.

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    Só por isto, a Lusa merece censura e reprovação, por ir atrás do tom difamatório veiculado pelo Conselho Regulador da ERC, e difundi-lo sem a menor objetividade, imparcialidade e respeito pelo jornalista.

    Não cabe à Lusa, nem aos media em geral, difundirem conteúdos ofensivos e que denigrem a imagem e reputação de alguém sem sequer ouvir o visado pelo comunicado. Mas isto é tão óbvio que não pensei que teria de o escrever aqui.

    Sou jornalista há 25 anos, 11 deles na Reuters.

    Jamais imaginei vir a assistir ao ataque que o Conselho Regulador da ERC está a fazer contra todos os jornalistas em Portugal.

    Sim, porque este ataque não é contra um jornalista ou um jornal. É contra mim. É contra todos os jornalistas que são dignos de usar a carteira profissional.

    Este ataque do Conselho Regulador da ERC à Imprensa, ao Jornalismo e, em particular ao jornalismo de investigação, só se encontra em países de má fama para a liberdade de Imprensa e para a “saúde” dos jornalistas.

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    Apelo, contudo, a que não se confunda os funcionários da ERC e a própria instituição com o seu Conselho Regulador. Sempre presenciei um atendimento de excelência por parte dos funcionários e técnicos da ERC. Mantenho a opinião positiva que tenho da ERC. Condeno veementemente – como jornalista e como cidadã portuguesa – a actuação do seu actual Conselho Regulador.

    Perante a deliberação ilegal contra o PÁGINA UM, e o jornalismo e os jornalistas, só resta à Assembleia da República cumprir o seu dever: dissolver o atual Conselho Regulador da ERC, por se estar perante um “caso de graves irregularidades no funcionamento do órgão”.

    Aprovar uma deliberação com esta gravidade, contra a liberdade de Imprensa, actuando de forma, no mínimo, irregular. Adotar a deliberação sem permitir obrigatoriamente que o PÁGINA UM juntasse dados e testemunhos ao processo, demonstrando com isso a sua incompetência e má-fé. Fazendo-se de “vítima” após ser apanhado nestas irregularidades. Difamando, de seguida, o jornalista através de um comunicado de imprensa.

    Por tudo isto, só resta a dissolução urgente do Conselho Regulador.

    Não tem quaisquer condições para se manter em funcionamento com os seus atuais membros. Perdeu toda a credibilidade. Constitui uma ameaça aos jornalistas e à Imprensa. Constitui uma ameaça à própria ERC, à sua reputação e bom nome.

    Não o fazendo, os partidos e os deputados com assento parlamentar consentem que seja destruído o jornalismo de investigação, e que os jornalistas fiquem sob a ameaça de serem um dia processados por fazerem o seu trabalho. Só isso. Simplesmente por isso. Por terem a “ousadia” de fazerem jornalismo.

  • Governo chamado a travar boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas

    Governo chamado a travar boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas

    Banca aparenta estar a concertar medidas para fechar contas ou não permitir a sua abertura por empresas de criptomoedas. Banco de Portugal diz não poder fazer nada, apesar de ter papel de licenciamento e supervisão. Empresas de criptomoedas pedem agora intervenção do Governo, queixando-se de não poderem operar com normalidade, apesar de cumprirem todas as leis e normas.


    A Criptoloja – a primeira corretora de criptomoedas portuguesa – pediu hoje uma reunião de urgência com o ministro das Finanças, Fernando Medina. O objetivo é que haja uma intervenção do Governo no sentido de travar o boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas, apesar de se encontrarem licenciadas pelo Banco de Portugal para operar em Portugal.

    O pedido urgente de uma audiência com o ministro surge num contexto dramático para as empresas de criptomoedas, que se vêem agora impedidas pelos bancos de abrirem ou manterem abertas contas bancárias em Portugal, essenciais para que possam operar.

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    Como noticiou o PÁGINA UM em primeira mão no dia 25 de Julho, diversos bancos têm vindo a encerrar contas de corretoras de criptomoedas em Portugal. Outros bancos proíbem expressamente a abertura de conta a este tipo de empresas, como é o caso da estatal Caixa Geral de Depósitos, que equipara mesmo as corretoras de moedas virtuais a dealers de droga.

    São, ao todo, cinco as empresas autorizadas pelo Banco de Portugal a operar em Portugal: a Luso Digital Assets, a Criptoloja, a Mind the Coin, a Bison Digital Assets e a UTrust. Uma delas, a Bison Digital Assets, pertence a uma entidade que detém uma licença bancária, o Bison Bank. As restantes estão dependentes dos bancos para terem contas bancárias para fazer normalmente os seus negócios, pagar a trabalhadores, a fornecedores e cumprir com as obrigações fiscais e junto da Segurança Social.

    “As empresas com registo no Banco de Portugal estão a sofrer um forte revés reputacional, ao não servirem os seus clientes através de contas bancárias em instituições nacionais”, refere a Criptoloja no seu pedido de audiência, a que o PÁGINA UM teve acesso.

    Fernando Medina, ministro das Finanças, chamado a intervir para dirimir “estrangulamento” da banca às empresas de criptomoeda licenciadas pelo Banco de Portugal

    Frisa ainda a empresa – que foi recentemente adquirida pela brasileira 2TM, a maior plataforma de criptomoedas da America Latina – que “para além de menor actividade, em resultado do impacto negativo na sua reputação, a operação tornou-se mais onerosa e complexa, obrigando a recorrer a instituições bancárias internacionais que aplicam comissões expressivamente mais elevadas”. E acrescenta, por fim, que com a manutenção desta situação, “a relação com fornecedores é seriamente afetada, ao não existir a possibilidade de recorrer a débitos directos em conta ou a pagamentos através de referências multibanco”.

    A decisão de avançar com o pedido urgente junto do Governo prende-se também com o silêncio e paralisação do Banco de Portugal, que diz não ter competências para obrigar os bancos a abrir contas a corretoras de criptomoedas. Isto apesar de ser o supervisor da banca e também supervisionar as corretoras de activos virtuais no que concerne a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BCFT).

    O processo de licenciamento destas empresas junto da instituição liderada por Mário Centeno é longo e meticuloso – pode demorar cerca de um ano a ser concedida uma licença – e ainda muito dispendioso. As corretoras têm de gastar milhares de euros para conseguir cumprir com todos os requisitos exigidos legalmente para poderem obter uma licença em Portugal.

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    Este boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas foi mal recebido na indústria, que vê sinais de um enorme recuo de Portugal em matéria de desenvolvimento do setor de activos virtuais e das finanças descentralizadas.

    “A liderança de Portugal no setor das finanças digitais fica seriamente afetada por estas práticas; fortes reservas à entrada de novos operadores internacionais em Portugal já existem e serão reforçadas caso a situação se mantenha”, aponta a Criptoloja.

    A “batata quente” ficará agora nas mãos de Medina, e do Governo que integra, para resolverem o caso caricato de terem empresas autorizadas em Portugal que, na prática, são impedidas de o fazer pela banca.


    N.D. A jornalista não detém atualmente quaisquer activos virtuais. O director do PÁGINA UM controla uma carteira em Bitcoin e Monero (donativos destinados para o PÁGINA UM) num valor, à data de hoje, de apenas 122,05 euros. A empresa que detém o jornal PÁGINA UM tem como sócio (Luís Gomes) um dos co-fundadores da Criptoloja. Luís Gomes, que também é colunista (pro bono) do PÁGINA UM, detém uma quota de 5% do capital do Página Um, Lda., no valor de 500 euros. O PÁGINA UM tomou a decisão editorial de publicar esta notícia por ser manifesto o interesse público.

  • Nós?! Somos mesmo nós os responsáveis?

    Nós?! Somos mesmo nós os responsáveis?


    Durante dois anos, António Costa e Marta Temido implementaram em Portugal medidas sem base científica, moralmente inaceitáveis e irresponsáveis, constitucionalmente reprováveis e censuráveis, mas que estão, ainda assim e mesmo assim, a dar gordos lucros a empresas, indústrias, e a consultores, médicos, académicos e “especialistas”.

    Fizeram-no na função de cúmplices de uma Comissão Europeia que traiu os europeus e a Europa. Os resultados das medidas estão à vista nos óbitos e nas doenças, sobretudo dos mais vulneráveis, e na Economia e poder de compra dos portugueses.

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    Agora, com a ajuda de alguns órgãos de comunicação social, está em curso nova “lavagem cerebral” aos portugueses: convencê-los de que a crise na Saúde é um “falhanço” da sociedade. De todos nós. Como se fôssemos TODOS responsáveis pelas mortes. Pois. Não e não! Não somos!

    Nos meses mais recentes, os media andaram, em geral, a assobiar para o lado enquanto o PÁGINA UM denunciava problemas e deficiências no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e no excesso de mortalidade por todas as causas. Mais de 10.000 mortos meses e meses seguidos. Nove, para ser mais precisa. Três recordes absolutos nos últimos três meses: Maio, Junho e Julho.

    Sem nunca citar o PÁGINA UM, lá alguns media começaram a pegar no tema, mas procurando seguir as explicações “oficiais”, falando em “ondas de calor” e dando a palavra a “especialistas”, que nunca falavam em números com base científica para justificar as suas “teses”, e fingindo que não sabiam do desaparecimento de dados públicos, denunciados pelo PÁGINA UM.

    Os óbitos em excesso exigem uma investigação imediata e urgente do Ministério Público. E não. Não foram apenas as ondas de calor, a covid e a “long covid” a explicar tudo. E se tiverem sido, que fique provado. Com dados e factos apurados de forma independente. A investigação é inadiável e necessária para se saber como travar esta onda de mortes e para apurar responsáveis pela situação.

    [Aliás, sobre a “long covid”, chamo a atenção à campanha institucional a nível europeu que está em curso e que se vai intensificar nos próximos meses. Existe o grave risco de a “long covid” ser usada pelos gabinetes de comunicação para justificar muitos problemas de saúde dos europeus e crise na saúde em Portugal. Convém ter a abertura para estudar todas as hipóteses. E não meter culpas logo na hipótese mais “conveniente”. Há que exigir provas e estudos independentes.]

    Esta tendência, para “a culpa é de todos”, não é nova. Tem sido aliás uma linha ideológica em voga baseada na “culpa” e no “pecado”, muito da cultura católica, para exigir expiação, submissão e punição. Uma ideologia assente, por outro lado, na desresponsabilização daqueles que são os verdadeiros responsáveis, porque se assumem como sentenciadores e repressores de todos, de todos nós, os “culpados”.

    Aconteceu na pandemia, com a culpa sobre as crianças, jovens, pessoas sem vacina… por serem os grandes “transmissores” do vírus. Mentiras constantemente transmitidas, que se inculcaram na mente das pessoas como verdades.

    Mitos, como demonstrou a Ciência – a verdadeira, não a “nova ciência” feita religião, baseada na crença da sapiência da “nova trindade” formada por farmacêuticas, governos e media.

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    Está em vias de acontecer com as alterações climáticas, com a dupla Governos e indústrias a espalharem a mensagem de que, mais uma vez, a culpa é sobretudo de todos nós e do nosso modo de vida.

    Como se as alterações climáticas não tivessem nada a ver com as políticas e o conluio de governos e empresas poluentes, ao longo de décadas e décadas, em detrimento do ambiente, da saúde e do bem-estar das populações.

    Também acontece com os aumentos dos preços dos bens e da energia – e a consequente redução dramática do poder de compra dos portugueses (dos europeus) – que são hoje vendidos como sendo sobretudo “culpa do Putin”.

    Putin é como as ondas de calor, a “long covid” e as alterações climáticas: todos são parte do problema, mas estão também todos a servir para branquear os verdadeiros responsáveis pelas graves crises sanitária, energética e económica que atravessamos. E assim se escapam os decisores políticos, os que implementam medidas e fazem leis, e agem.

    No caso da crise na saúde dos portugueses e nos aumentos dos preços, dois anos de medidas absurdas e irresponsáveis para “combater” a pandemia estão a mostrar os seus reais efeitos.

    E não. Não tiveram efeito a diminuir a epidemia. Aliás, os países com mais confinamentos e violações dos direitos humanos e civis – como a Austrália e a Nova Zelândia – estão agora a sentir os efeitos das suas políticas desastrosas. Tal como Portugal.

    woman inside laboratory

    Na crise da energia, quem decidiu aplicar medidas – como sanções à Rússia – que, obviamente, prejudicam gravemente os cidadãos europeus?

    Que haja campanhas de lavagem de imagem por políticos – e seus gabinetes de comunicação, de propaganda e “gestão de crise” pagos pelos contribuintes –, sabemos que é normal. E até expectável, embora seja uma prática própria de uma política doentia e tóxica.

    Agora, que haja órgãos de comunicação social a ajudar nesta “lavagem de imagem” e no branqueamento de responsabilidades, é simplesmente inaceitável. Inconcebível. Inadmissível. E também, por tudo isso, uma grave violação dos deveres de qualquer jornalista.

    Querem convencer-nos agora que “somos todos” – que é “A SOCIEDADE” – os responsáveis pelos que morrem. Que temos de ser TODOS a pagar pela crise energética. Sermos “agentes de poupança energética”, até metermo-nos na vida dos vizinhos – sermos “bufos” – como se fez durante a pandemia para sermos todos “agentes de saúde pública”.

    Querem convencer-nos agora que teremos TODOS (mais uma vez) de “obedecer” a medidas “excecionais” e de emergência, sob a ameaça de pagarmos multas. Onde já vimos isto?

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    Mas o que acontece a quem decidiu medidas e exigiu seguir caminhos irresponsáveis, e agora lava as mãos? A quem colaborou, apoiou, aplaudiu as medidas, quem aceitou ser “agente de saúde pública”? A quem apoiou medidas de segregação e discriminação? A quem entrou na propaganda infantil de que “tudo e mais um par de botas” é culpa da guerra na Ucrânia e de Putin?

    Cabe-nos a todos estar atentos e exigir que a verdade seja apurada e os verdadeiros responsáveis sejam responsabilizados. Tanto pela crise na saúde, pelos mortos, pela crise energética, pela crise económica e o aumento dos preços. Cabe-nos exigir que se apure a verdade para se conseguirem adotar medidas para travar mais mortes. Para impedir que governos e (ir)responsáveis políticos arrastem os europeus e a Europa para uma crise profunda.

    Para isso, sim, é nossa a responsabilidade. Não fiquemos à espera que os media em geral – cativos de interesses e reféns de ‘parcerias comerciais’ – o façam por todos nós. Não. Não o irão fazer. Não irão pedir investigações independentes às mortes, nem clamar pelo Ministério Público.

    Temos de ser nós, os cidadãos. A pedir responsabilidades comprovadas e baseadas em factos. A garantir que a História dos últimos dois anos não será branqueada. A assegurar que o que tem acontecido desde 2020 não será alvo de esquecimento. A exigir justiça para os que têm morrido. A impedir que, sob o pretexto de uma crise energética e económica, se eliminem ainda mais direitos civis, se rasgue mais uma ou duas páginas da Constituição e se coloque mais uma pá de terra sobre a Democracia.

    Cabe-nos a todos rejeitar mais ameaças, mais multas, mais leis de “exceção”, mais medidas “temporárias”, que, a pretexto de uma crise energética, visam enfraquecer a Democracia e subjugar a população ao poder político e económico, enquanto as grandes empresas e o Estado lucram como nunca.

    Todos devemos procurar gerir bem os recursos de que dispomos – da água à energia. Todos devemos atuar na prevenção da transmissão de todo o tipo de doenças contagiosas. Mas não é isso que está em causa, mais uma vez.

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    No próximo Outono/Inverno, ao regresso eventual de medidas ineficazes sob o pretexto de “combate” à pandemia, vai somar-se um novo condicionamento psicológico e social em torno da poupança energética. Abriu-se a caixa de Pandora e – entre vírus e crises variadas – a sede por subjugar a população e instalar uma ditadura apresenta hoje ventos favoráveis.

    Temos um caminho pela frente, até porque foram implementadas, desde 2020, leis e tratados internacionais perigosos e que, obviamente, terão de ser revertidos por atentarem contra a Constituição, a Democracia e a soberania do país.

    E o caminho começa já.

    Por exigir que estes 10.000 óbitos mensais não fiquem sem responsáveis verdadeiros.

    Por garantir que não haverá mais atropelos à verdade dos factos nem manipulação da opinião pública. Não no nosso “turno”. Não na nossa vez de “escrever a História”.

    Por isso, sim, por garantir isto, somos todos responsáveis. Todos mesmo. Mesmo os que foram colaboradores da ditadura sanitária insana que nos trouxe até aqui.

  • A reciclagem de notícias: como pôr um fim ao “churnalism”

    A reciclagem de notícias: como pôr um fim ao “churnalism”


    A divulgação em massa de notícias recicladas, baseadas em agências noticiosas ou em comunicados de imprensa, é uma das chagas do jornalismo e um dos entraves a uma sociedade bem informada.  

    É como uma erva daninha que cobre todo o terreno dos media em Portugal.

    A massificação das notícias é uma realidade. As mesmas notícias aparecem invariavelmente em todos os media. É o famoso corta-e-cola.

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    Uma notícia que surja na agência Lusa, por exemplo, é de imediato replicada e divulgada por todos os media. Um comunicado de imprensa – seja do Governo ou de uma empresa influente – é disseminado de imediato. Todos os órgãos de comunicação o replicam. Assim. Sem pensar. Sem verificar o rigor da mensagem que divulgam, na maior parte dos casos. Sem verificar dados. Nada. Sem fazer uma pergunta que seja. Sem questionar se está correta a informação, se é sequer… relevante para os leitores.

    Aquilo que interessa é aumentar o número de conteúdos disponíveis e atrair o maior número de cliques para o site. Mas o caso alarga-se a televisões, a rádios, a jornais. Como uma praga.  

    O jornalismo do corta-e-cola – ou churnalism, como ficou conhecido no termo em inglês – é uma realidade e nem sempre os leitores se apercebem do que se passa. De onde surgem notícias, como surgem, como se disseminam tão rapidamente. O problema não é de hoje nem se cinge a Portugal. 

    O caso da agência Lusa é o mais paradigmático em Portugal: todas as notícias que são publicadas pela agência são automaticamente replicadas em minutos por todos os media. Mas não é caso único. Se um jornal publica uma notícia, os restantes media encarregam-se de a disseminar rapidamente. Porquê? Porque têm de ter as notícias que todos têm. Porquê? Para terem cliques, ou seja, mais audiência. 

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    E nenhum órgão de comunicação social quer ficar de fora de toda a notícia que é massificada. Uma espécie de floresta de eucalipto sem qualquer biodiversidade. A pobreza daí resultante para o jornalismo e para a sociedade é evidente.

    Os perigos deste tipo de prática são evidentes, a começar pela possível disseminação rápida e acelerada de eventuais notícias falsas, incorretas, imprecisas ou parciais. Quem esfrega as mãos de contente com esta praga são as agências de comunicação, empresas, o Governo e todos os que querem pôr alguma “mensagem” a circular.  Hoje em dia, uma notícia rapidamente se espalha como sendo verdadeira em todos os órgãos de comunicação social. Sem perguntas incómodas nem “comos ou porquês”.   

    Os media “lavam as suas mãos” de eventuais incorreções ou disseminação de falsas notícias, falsas estimativas, falsas conclusões. Se a notícia é da Lusa, então a culpa é da Lusa. Se foi de um jornal, é desse jornal. Isto, quando se admite sequer publicamente o erro na notícia, na estimativa, no anúncio.

    Esta desresponsabilização é grave e errada e incentiva a que qualquer notícia reciclada se instale como verdadeira, mesmo que o não seja. A pressa é uma das desculpas utilizadas pelos media para não verificarem as notícias que reciclam. As magras redações será outro dos argumentos. Mas não chega. 

    Os órgãos de comunicação social devem ser responsáveis por verificarem todas as notícias que divulgam junto dos seus leitores. Devem fazer perguntas e questionar. 

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    Publicar notícias da Lusa atrás de notícias da Lusa, intervaladas por anúncios de empresas e comunicados do Governo, não é o objetivo no Jornalismo. Não pode ser. 

    Se todos os media tivessem de identificar a amarelo, por exemplo, todas as notícias que reciclam e todas as de que são meros papagaios, então o público, os seus leitores, teriam uma ideia da dimensão do problema. E da dimensão do perigo.

    Imaginem que todos os media tinham de colocar um aviso em todas as notícias em que não verificaram as fontes, o rigor da informação, etc… O panorama seria bem diferente. E os leitores leriam aquelas notícias com outros olhos. Mas os media não o fazem. Não querem fazer. Têm horror a fazer.

    Pergunta o leitor: então, mas e os diretores dos jornais, das televisões, das rádios? Onde estão? Não querem eles melhores notícias? Grandes cachas? Claro que querem.

    O problema é que há diretores concentrados em ajudar a executar produtos comerciais e não editoriais. Há muitos anos, seria normal uma secretária de um diretor de jornal estar coberta de pilhas e pilhas de papéis, documentos e jornais. Agora, há diretores que nas suas secretárias têm, a par de jornais, um ou mais dossiers e conjuntos de pastinhas coloridas com micas, cada uma contendo um “contrato de parceria” a executar pelo jornal.

    Antes, o diretor estava focado em ter o jornal com as melhores cachas e entrevistas. Agora, há diretores trans: têm carteira profissional, mas são também marketeers. Trabalham para os “clientes” do Grupo de media onde trabalham.

    O objetivo confunde-se e já não é sempre o de fazer notícias, mas vender “oportunidades” aos clientes para divulgarem as suas mensagens, serviços e produtos aos leitores.

    Assim, se a este “jornalismo” de clientela juntarmos o igualmente instalado churnalism, conseguimos perceber como os media chegaram ao ponto em que se encontram, com notícias invariavelmente iguais, sejam elas verdadeiras ou não, rigorosas ou não, imparciais ou parciais. Desde que não incomodem “clientes”.

    Melhorar a literacia dos cidadãos em matéria do que são as boas e as más práticas em Jornalismo é crucial. Educar sobre Jornalismo (e o que não é Jornalismo) torna-se imperativo num mundo mediático cada vez mais ocupado por notícias recicladas – “eucaliptos” – e “notícias” com interesses comerciais envolvidos.

    A solução passa também pelos próprios jornalistas e a oposição que devem demonstrar a esta prática persistente. Mais notícias próprias – em vez de recicladas – valorizam o trabalho dos jornalistas, bem como a sua imagem perante o público. Uma classe valorizada mais rapidamente vai exigir melhores condições de trabalho para um exercício da profissão com mais dignidade. Com mais dignidade e qualidade.

  • Bancos “estrangulam” empresas de criptomoeda

    Bancos “estrangulam” empresas de criptomoeda

    Intensifica-se o boicote da banca às empresas de criptomoedas, mesmo se estas têm licença do Banco de Portugal para actuar no mercado nacional. As contas bancárias são encerradas sem justificação plausível e algumas empresas de activos virtuais já ficaram impedidas de trabalhar por não conseguir fazer movimentos bancários. A instituição liderada por Mário Centeno diz que, “sem prejuízo do acompanhamento que está a fazer ao assunto”, nada pode fazer, porque a decisão de abrir ou manter contas bancárias cabe aos bancos. A Caixa Geral de Depósitos coloca as empresas de criptomoedas ao nível dos dealers.


    Têm licença do Banco de Portugal para operar, mas os bancos ‘cortam-lhe as pernas’: recusam abrir contas bancárias ou, permitindo a sua abertura, acabam por as encerrar. O problema não é de hoje e atinge as empresas relacionadas com a atividade de criptoativos, mas o “boicote” de bancos tem-se vindo a intensificar este ano, de forma inaudita, segundo as sociedades registadas em Portugal.

    No geral, já todas as empresas licenciadas tiveram que lidar com a rejeição de bancos, mas insistem em prosseguir. Atualmente, são cinco as sociedades que detêm licença para operar em Portugal: a Luso Digital Assets; a Criptoloja, a Mind the Coin, A Bison Digital Assets e a UTrust.

    gold and silver round coins

    Desde setembro de 2020, este tipo de empresas tem de se registar junto do Banco de Portugal, que, tal como sucede com a banca tradicional, tem a responsabilidade de supervisionar as sociedades gestoras de ativos virtuais na prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BC/FT).

    Aqui estão abrangidas empresas que operem nas áreas de “serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias ou entre um ou mais ativos virtuais”. Na prática, passaram a estar sob supervisão da instituição liderada por Mário Centeno as empresas que prestem “serviços de transferência de ativos virtuais e serviços de guarda ou guarda e administração de ativos virtuais ou de instrumentos que permitam controlar, deter, armazenar ou transferir esses ativos, incluindo chaves criptográficas privadas”.

    Uma das empresas já registadas, a Mind The Coin, sedeada em Braga, foi forçada a parar a sua atividade durante dois meses, entre Abril e Maio deste ano, por não conseguir ter uma conta bancária em Portugal. O facto de ter licença e de ser supervisionada em termos de BC/FT não convenceu os bancos. “Ter o selo do Banco de Portugal vale zero para os bancos”, disse Pedro Guimarães, co-fundador da empresa, ao PÁGINA UM.

    Apesar do mito de ser um mundo anónimo, em Portugal para deter conta e comprar criptomoedas mostra-se necessário registos complexos que obrigam à introdução de elementos identificativos controláveis pelo Estado.

    Esta sociedade conseguiu voltar ao ativo após ter conseguido abrir conta num banco no Reino Unido, depois de “correr todos os bancos” em Portugal. “Falámos com o Banco de Portugal várias vezes e respondem com a linguagem legal específica, e a nossa posição não é protegida”, frisa o gestor.

    Nesta matéria, a posição do Banco de Portugal mostra-se clara. Em resposta a questões do PÁGINA UM, o supervisor financeiro indicou que “sem prejuízo do acompanhamento que o Banco de Portugal está a fazer ao assunto, importa ter em conta que as suas competências em matéria de exercício de atividades com criptoativos se circunscrevem à Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (e regulamentação que a concretiza), não se alargando, por isso, a domínios que extravasem a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.

    A instituição liderada por Mário Centeno lembra que “a proteção referente ao acesso a contas detidas junto de uma instituição de crédito, (…) não se aplica às entidades que exerçam atividades com ativos virtuais, pelo que a decisão de abrir ou manter contas bancárias depende, nestes casos, das políticas de gestão do risco que cada instituição bancária entenda empreender”. Na prática, o que o supervisor diz é que não pode obrigar bancos a abrir portas a empresas de ativos virtuais legalmente licenciadas e supervisionadas pelo Banco de Portugal.

    Mesmo assim, algumas das empresas de criptomoedas com licença para operar em Portugal ainda têm contas abertas em bancos no país, mas com mudanças de estratégia. “Já tivemos contas a serem fechadas em quase todos os bancos. Agora temos parceiros bancários em Portugal”, afiançou Ricardo Felipe, co-fundador da Luso Digital Assets e vice-presidente da Associação de Blockchain e Criptomoedas. Mas o risco de poderem ver as suas contas encerradas está omnipresente.

    Banco estatal é o mais radical

    Apesar de se estar, na verdade, perante empresas registadas e supervisionadas pelo Banco de Portugal, os bancos continuam a usar como principal argumento o alegado “perigo” de branqueamento de capitais para recusar a abertura ou manutenção de contas daquelas empresas. 

    Em alguns casos, os bancos nem sequer explicam por que recusam a abertura de conta ou por que motivo a encerram. “Não lhes compensa o tempo e os recursos que teriam de gastar para reforçar as medidas de diligência. Pensam que iríamos dar-lhes muito trabalho”, salienta Pedro Guimarães.

    Responsáveis das empresas apontam que já falaram com todos os bancos no país. As que conseguem ter conta aberta, anseiam pelo futuro. O caso mais estranho é o da Caixa Geral de Depósitos que colocou nos seus “Princípios de Aceitação de Clientes”, a proibição da abertura de contas a empresas de ativos virtuais. No documento do banco, estas empresas – mesmo estando licenciadas pelo Banco de Portugal, e sob sua supervisão – estão incluídas numa lista que inclui empresas com “atividades ligadas ao entretenimento de adultos” e entidades “ligadas à produção e comércio de drogas”.

    Postura da Caixa Geral de Depósitos, um banco público, é irredutível, por agora: empresas de criptomoedas não entram.

    Em declarações ao PÁGINA UM, um porta-voz do banco público respondeu que “a atividade de emissão e comercialização de moedas virtuais não é ilegal ou proibida, mas estes ativos virtuais não são garantidos por qualquer autoridade nacional ou europeia”.

    Ou seja, a sua aceitação pelo valor nominal não é obrigatória e, por isso, “as respetivas transações podem ser utilizadas indevidamente, em atividades criminosas, incluindo de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo (BC/FT)”, acrescenta a mesma fonte.

    “Por outro lado, a competência exercida pelo Banco de Portugal relativamente às entidades que exerçam as atividades com ativos virtuais acima referidas se circunscreve à prevenção do BC/FT, não se alargando a outros domínios, de natureza prudencial, comportamental ou outra”, adiantou.

    Não sendo tão “radical” como a CGD, o Santander tem sido um dos bancos que está a recusar abrir ou manter contas de empresas de criptomoedas. Ao PÁGINA UM, uma fonte oficial desta instituição financeira indicou que “relativamente à abertura e manutenção de contas, o banco age de acordo com a sua perceção de risco, aplicando as medidas e os procedimentos necessários para dar cumprimento ao regime legal vigente, no estabelecimento de novas relações de negócio e na manutenção das atuais”. “Nessa medida, na decisão de abrir ou manter uma conta são devidamente considerados diversos factores directa e indirectamente relacionados com cada potencial cliente”, frisou.

    A situação tem-se tornado assim paradoxalmente caricata.

    As empresas do sector das criptomoedas com licença do Banco de Portugal podem operar em Portugal? Sim.

    São supervisionadas em matéria de prevenção de BC/FT? Sim.

    Então conseguem operar normalmente em Portugal? Não.

    “O Estado obriga-nos a ter uma licença e a pagar uma auditoria caríssima. Aquilo que se está a passar é um escândalo”, sintetiza Pedro Borges, fundador e CEO da Criptoloja.

    “Sem conta bancária, como pago a fornecedores, como contrato pessoas, como pago impostos?” questiona, por sua vez, Filipe Castro, co-fundador da Utrust, uma plataforma de pagamentos em criptomoedas. O empreendedor relembra que o Banco de Portugal leva quase um ano para atribuir licenças a empresas de criptomoedas, num processo moroso que custa milhares de euros. “O processo não serve, afinal, para nada”, lamentou.

    pink and green plastic container

    Para Ricardo Felipe, na prática, “a lei não prevê a garantia de viabilidade” das empresas de criptomoedas que se registam em Portugal face à atitude da banca tradicional.

    No busílis desta questão está sempre o tema do branqueamento de capitais, em parte devido ao mito da “facilidade” em esconder “dinheiro” das autoridades, embora acabe por se revelar se (e quando) houver conversão para uma moeda fiat, por exemplo, euros ou dólares.

    De facto, as moedas digitais podem ser atractivas para criminosos. O uso de criptomoedas para práticas ilícitas atingiu um novo recorde histórico em 2021, com endereços ilícitos a receber 14 mil milhões de dólares (13,7 mil milhões de euros) naquele ano. O valor é quase o dobro dos 7,8 milhões de dólares (7,6 mil milhões de euros) observados em 2020, ano em que o crime baseado em criptomoedas afundou, segundo o mais recente relatório anual sobre crime envolvendo criptomoedas, elaborado pela consultora Chainalysis.

    No entanto, o sector da banca também tem sido um veículo privilegiado no branqueamento de capitais. Por exemplo, uma análise da agência Moody’s concluiu que grandes bancos europeus foram alvo de multas de 16 mil milhões de dólares (actualmente, o equivalente a 15,7 mil milhões de euros), entre 2012 e 2018, por estarem envolvidos em lavagem de dinheiro e quebra de sanções.

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    Mais bancos foram multados desde então acusados de lavagem de dinheiro. Recentemente, foi a vez do Credit Suisse de receber uma sentença da Justiça e ter de pagar uma multa de dois milhões de francos suíços por ter ajudado uma rede de tráfico de droga búlgara a lavar dinheiro. Outra forma utilizada para branquear capitais pode ser o imobiliário, cujos preços em Portugal beneficiaram ao longo de anos do boom do programa de Vistos Gold e do turismo local.

    Recorde-se, aliás, que o Banco de Portugal divulgou recentemente que abriu no último semestre 28 processos contra instituições bancárias por infracções a deveres relativos à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

    Também as off-shores, em articulação com instituições financeiras, são veículos com gigantescas dimensões e tentáculos no mundo da lavagem de dinheiro, como ficou bem patente num extenso relatório da União Europeia concluído em 2017, no decurso dos Panama Papers, um escândalo que envolveu mesmo líderes e ex-líderes internacionais.


    N.D. A jornalista não detém atualmente quaisquer activos virtuais. O director do PÁGINA UM controla uma carteira em Bitcoin e Monero (donativos destinados para o PÁGINA UM) num valor, à data de hoje, de apenas 115,84 euros. A empresa que detém o jornal PÁGINA UM tem como sócio (Luís Gomes) um dos co-fundadores da Criptoloja. Luís Gomes, que também é colunista (pro bono) do PÁGINA UM, detém uma quota de 5% do capital do Página Um, Lda., no valor de 500 euros.