Autor: Elisabete Tavares

  • Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.


    “De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.

    As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.

    A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.

    Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.

    A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.

    A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).

    Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.

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    A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.

    Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.

    Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.

    Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.

    Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.

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    Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.

    Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.

    Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.

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    O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.

    Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.

    Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.

    “Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.

    Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.

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    Para a Repórteres sem Fronteiras (RSF), a iniciativa é bem-vinda mas precisa de uns “retoques”.

    “A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.

    Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.

    Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.

  • Pobres: ai agora é que os media se preocupam?!

    Pobres: ai agora é que os media se preocupam?!


    Os governantes de diversos países, incluindo Portugal, e os bancos centrais só conseguiram destruir a Economia e fazer disparar os níveis de pobreza graças à ajuda preciosa dos principais órgãos de comunicação social. Sem a sua submissão, em geral, jamais se teria feito a destruição que se fez em termos económicos, sociais e de saúde e bem-estar da população.

    Muitos, além de submissos, ainda assumiram o papel de cheerleaders das muitas políticas e medidas impostas desde 2020, na pandemia e não só. Aplaudiram (e aplaudem), promoveram, publicitaram e encorajaram. Com os seus “especialistas” em coro, queriam mais. Pior. Perseguiram quem a elas se opôs. Querem hoje, de novo, mais medidas. Com os seus “especialistas”. Com os seus editoriais. Pedem mais, sempre mais. Mais medidas. Mais doses de vacina. “Mais” guerra. Mesmo que tudo isso implique menos saúde, menos liberdade, menos democracia, menos jornalismo. Menos Europa. Menos comida.

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    Os media ajudaram, desde 2020, a amassar o pão que hoje não chega às mesas de muitas famílias. O pão que não sobra para alimentar os mais pobres e frágeis.

    Tudo o que os governos têm feito nos últimos dois anos, tem sido acompanhado pela aprovação e até sonoros aplausos por parte dos principais media. Contraditório? Zero ou quase nenhum. Os media, em geral, escolheram o seu lado em 2020, pisando o Jornalismo e os deveres dos jornalistas. Os media escolheram o seu lado em 2021 e em 2022, ajudando a destruir a economia e a saúde dos portugueses (e dos europeus). Agora, é que se lembram dos pobres?

    Durante dois anos, a maioria dos principais órgãos de comunicação colocaram-se do lado de medidas extremas que tiveram como base o “combate à pandemia de covid-19”. Agora, aparecem como “denunciantes” da fome e do aumento da pobreza. Começam a “denunciar” e a tomar “as dores” dos que sofrem devido à crise económica.

    Na sua maioria, defenderam todas as medidas, colocaram zero questões a todas as ilegalidades cometidas. Os que levantaram a voz contra as medidas foram insultados pelos media (ou através deles), que não deram qualquer hipótese ao contraditório, em geral.

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    Mas agora, em 2022, os media preocupam-se com os “pobrezinhos”, com os que passam fome. Com os desempregados. Agora? Depois de terem apoiado todas as medidas que provocaram a crise e dado a mão aos governantes que as decidiram? Agora vêm tarde.

    Sabe-se hoje o que já se sabia em 2020: confinar era um erro colossal. Todas as restrições que países como Portugal decidiram adotar – alinhado, em geral, com os restantes países europeus – causaram uma catástrofe económica. Já se sabia que isso iria acontecer, desde 2020. Na altura, era moda dizer “primeiro, salvar vidas; a Economia vê-se depois”.

    Não. A Economia não se vê depois. Porque a Economia somos todos nós. E, além disso, não se salvaram vidas a confinar e a impor medidas grotescas e ilegais. Pelo contrário, pelo que se vê da comparação entre a gestão da pandemia na Suécia e em países como Portugal. E vê-se agora também nas mortes em excesso.

    Em 2020 e em 2021, analistas alertaram para o enorme risco de uma crise alimentar. Economistas alertaram para o perigo da inflação. De nada valeu. Estamos, de novo, perante uma grave crise que está sobretudo a afetar as famílias e os mais frágeis da sociedade.

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    Nesta crise, os media são cúmplices. São responsáveis por ela. Os media são co-responsáveis pela pobreza causada por políticas nefastas e irracionais. Os media são responsáveis pelo desemprego criado. Pela fome. Não foi a covid-19. Não foi a guerra na Ucrânia.

    Foram os governos ajudados pelos media e todo o seu arsenal de “especialistas/ consultores”. Com as suas manchetes amigas dos governos e as aberturas de noticiários alinhados com “as autoridades”, os media foram um braço importante dos que criaram a atual crise que vivemos. Uma crise que está a ser uma oportunidade para retirar direitos e eliminar a democracia.

    Virem agora sacudir a água do capote e fingir que estão muito preocupados com os “pobres” e que querem denunciar que há fome, é mais do que hipócrita. É um insulto. É um insulto para quem perdeu o seu emprego. Para quem não tem o que pôr na mesa ao jantar.

    É um insulto para os economistas que há muito alertavam para o perigo da inflação. Para os analistas que avisaram sobre a crise alimentar. É um insulto para os que têm processos disciplinares por defenderem os mais frágeis. Para os que têm levantado a voz e dado a cara, arriscando a carreira, contra as medidas irresponsáveis e até criminosas que têm sido adotadas.

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    E não me refiro apenas à gestão da pandemia mas também às decisões irresponsáveis e anti-europeias que Bruxelas tomou em 2022. Mais uma vez, tentam vender a ideia de que todas as decisões são “para o bem”, que querem defender “a liberdade” e “a democracia”. “A democracia, a liberdade e os valores europeus que têm sido amputados e espezinhados desde 2020?

    E Bruxelas ainda tem o desplante de dizer que está a “defender a democracia”. Tudo isto com os media sempre prontos para, com submissão perante os governantes, massificarem as frases e palavras-chave do marketing político. Um coro. Afinados. A tocar a mesma música.

    Mas, apesar de terem já começado a “tomar as dores” dos “pobrezinhos” e dos que passam fome, os media ainda não tomaram as dores dos que estão doentes. Dos jovens apanhados por uma pandemia de doenças mentais devido às medidas que lhes foram impostas.

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    Não tomaram as dores dos que sofrem com reações adversas graves devido a doses de vacinas que foram, muitos deles, forçados a tomar para manterem o emprego.

    Os media não pensam ainda nos milhares de famílias dos europeus que têm morrido sem grande explicação ou investigação. Lá foram começando, a custo, a noticiar as mortes em excesso, mas sem grande acompanhamento do tema.

    Os media ainda não tomaram as dores dos mortos e dos que ficaram doentes devido ou na sequência de medidas impostas. Talvez porque, no fundo, bem lá no fundo, os media sabem. Que são eles também responsáveis por estas mortes e estes doentes. No fundo, eles sabem que ajudaram a destruir vidas e famílias, além de empregos, além da economia. Eles sabem. E nós também.

  • Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Depois da Provedora de Justiça Europeia e do Tribunal de Contas Europeu, foi a vez da Procuradoria Europeia se pôr em campo para investigar a compra das vacinas contra a covid-19 pela Comissão Europeia. Mensagens e telefonemas feitos por telemóvel com o presidente-executivo da Pfizer colocaram Ursula von der Leyen no centro da polémica, que recusa divulgar as SMS trocadas com Albert Bourla. Não é a primeira vez que a alemã se vê no centro de uma polémica envolvendo um contrato milionário. Quando era ministra da Defesa da Alemanha também surgiram suspeitas, mas von der Leyen seria ilibada de responsabilidades em Junho de 2020.


    Here I go again! Aqui vou eu outra vez!. Deve ter sido isto, ou coisa parecida, que a presidente da Comissão Europeia pensou quando, na semana passada, a Procuradoria Europeia anunciou que está a investigar os contratos secretos celebrados com a farmacêutica Pfizer.

    A investigação em curso anunciada por aquela instituição europeia não nomeia as pessoas cujas ações serão escrutinadas. Contudo, o nome de Ursula von Der Leyen não deve escapar; tem sido ela a aparecer no centro da polémica, por dúvidas sobre se esteve directamente envolvida nas negociações de um contrato multimilionário com a Pfizer. Ao todo, sabe-se, a Comissão Europeia comprou 4,6 mil milhões de doses de vacinas contras a covid-19, gastando já 71 mil milhões de euros.

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    O cerco em torno da Comissão Europeia começa agora a apertar para apurar como foram negociados os contratos, e porque são os países-membro da Europa obrigados a comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades.

    Mas a polémica em torno da compra das vacinas à Pfizer já vem de longe, com vários desenvolvimentos de relevo.

    Em Abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou, numa entrevista ao New York Times, que trocou mensagens de texto (SMS) e telefonemas com o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante um mês, numa altura em que estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica.

    O contrato efetuado naquela altura tornou a União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Em causa estava a compra de 1,8 mil milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech.

    O jornalista Alexander Fanta, do jornal digital alemão Netzpolitik.org, pediu o acesso às SMS ao abrigo da lei de acesso a informação. Mas a Comissão Europeia indicou que já não tinha as mensagens.

    Emily O’Reilly, provedora da Justiça Europeia

    Contudo, em Janeiro deste ano, a provedora de Justiça da União Europeia (UE), Emily O’Reilly, acusou a Comissão Europeia de má administração por falhar em entregar as mensagens de texto trocadas entre Ursula Von der Leyen e o CEO da Pfizer. E exigiu à Comissão que procurasse melhor as SMS. Em todo o caso, o inquérito foi encerrado em Julho passado, sem a Comissão ter entregado as mensagens, não apagando assim as suspeitas, pelo contrário.

    Num duro comunicado, a Provedora de Justiça Europeia considerou que o inquérito “sobre a forma como a Comissão (Europeia) tratou um pedido de mensagens de texto entre a sua presidente e o CEO de uma empresa farmacêutica é um alerta para todas as instituições da União Europeia no sentido de garantir a responsabilização numa era de mensagens instantâneas”.

    Salientou que “um ano após o pedido inicial de um jornalista, a Comissão (Europeia) ainda não esclareceu se existem mensagens relatadas que dizem respeito a grandes acordos de aquisição de vacinas e se o público tem direito a vê-las”.

    O’Reilly foi bastante assertiva sobre a actuação da Comissão Europeia, censurando o mau exemplo que foi dado ao longo do processo. “A resposta da Comissão às minhas perguntas não esclareceu a questão básica de saber se as mensagens de texto existem, nem clarificou como a Comissão responderia a um pedido específico de outras mensagens de texto”, disse a provedora, citada no mesmo comunicado.

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    E aproveitou para dar mais raspanetes: “O tratamento deste pedido de acesso a documentos deixa a lamentável impressão de uma instituição da União Europeia que não está disponível em assuntos de interesse público significativo”.

    Outro desenvolvimento importante no caso da compra das vacinas à Pfizer ocorreu no mês passado. O Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer.

    O Tribunal de Contas descobriu que o contrato gigantesco com a Pfizer, assinado em Maio de 2021, foi feito à revelia dos procedimentos habituais. Para os restantes contratos de compras de vacinas com as outras farmacêuticas, o procedimento foi seguido.

    Segundo informação oficial, é a Comissão que, “a par de uma equipa de negociação conjunta, conduz as negociações com os fornecedores de vacinas”, acrescentando que “os membros da equipa de negociação conjunta — em representação de sete Estados-Membros — são nomeados por um Comité Diretor”. É este Comité que “discute e analisa todos os aspetos dos contratos ao abrigo do acordo prévio de aquisição (APA) antes da assinatura”. E todos os Estados-Membros da União Europeia “estão representados neste comité, que se reúne semanalmente”. 

    Tony Murphy, presidente do Tribunal de Contas Europeu

    Estranhamente, no caso do grande contrato feito com a Pfizer, foi a própria Ursula von der Leyen que levou a cabo as negociações iniciais, em Março de 2021. No mês seguinte, ela levou os resultados das negociações ao Conselho Director. Uma reunião planeada para 2022, que iria reunir assessores científicos para debater a estratégia de vacinas da União Europeia, nunca aconteceu, segundo o relatório do Tribunal de Contas.

    Também contrariando os procedimentos habituais, a Comissão Europeia recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como actas de reuniões e condições negociadas. Um auditor que ajudou a liderar a investigação admitiu ao jornal Politico que a recusa da Comissão em divulgar informações era altamente incomum. “Isso quase nunca acontece. Não é uma situação que normalmente enfrentamos no tribunal”, disse o auditor, que pediu anonimato.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados com a Pfizer.

    Na semana passada, as suspeitas em torno dos contratos com esta farmacêutica alemã – que tem ultrapassado a Moderna, a Janssen e a AstraZeneca no chorudo negócio das vacinas contra a covid-19 – aumentaram com a entrada em cena da Procuradoria Europeia. Na sequência deste anúncio, a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu, Kathleen van Brempt, surpreendeu os seus colegas com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar disso, a farmacêutica norte-americana nega qualquer irregularidade nas negociações. No passado dia 10, a presidente da International Development Markets da Pfizer, Janine Small, afirmou que o contrato para a venda de 1,8 mil milhões de doses não foi acordado através de SMS. “Posso dizer categoricamente que não foi o caso”, afirmou este alto quadro da farmacêutica norte-americana numa inquirição no Parlamento Europeu da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19, citada pela Reuters. Recorde-se que Janine Small admitiu também, nesse dia, que não tinham sido testados, nos ensaios clínicos antes da aprovação das vacinas, qualquer alegado efeito de redução da transmissibilidade nos vacinados, algo que esteve na base da introdução do certificado digital.

    Certo é que, mais do que a Comissão Europeia, a própria presidente da instituição tem sido o rosto das políticas drásticas que a União Europeia adoptou na gestão da pandemia, incluindo a maior operação de segregação registada desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o certificado digital serviu como “arma” para pressionar os europeus a tomarem várias doses de vacinas contra a covid-19.

    Ursula von der Leyen foi uma das muitas responsáveis da Comissão Europeia, sendo acompanhada pelos líderes dos diferentes países europeus, a falar em “pandemia de não-vacinados”, instigando as pessoas a vacinarem-se. Como se foi confirmando ao longo de 2021, e sobretudo depois do surgimento da variante Ómicron, a transmissão da infecção ocorre tanto entre vacinados como não-vacinados. Mesmo assim, a Comissão Europeia prolongou a validade do certificado digital até Junho de 2023, embora actualmente o seu uso esteja virtualmente suspenso.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer

    Não é a primeira vez que Ursula von de Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A actual presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    Os partidos então no Governo na Alemanha acabaram por absolver a agora presidente da Comissão Europeia no escândalo sobre a contratação milionária de consultores externos, sem a devida fiscalização e escrutínio. A absolvição surgiu num relatório que resultou de uma Comissão Especial parlamentar que investigou o caso. Em todo o caso, Ursula von der Leyen admitiu, naquela Comissão, que “erros foram cometidos” na contratação de consultores, segundo o Politico.

    As principais críticas não se dirigiram à contratação de consultadoria externa, mas ao método. Durante a investigação, Ursula von der Leyen foi criticada porque os dados de dois telemóveis oficiais, que utilizou durante o tempo em que foi ministra da Defesa, foram apagados. Esses dados poderiam ser prova na investigação.

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    Sobre o assunto, von der Leyen disse, numa entrevista ao Spiegel que terá entregado os dois telemóveis e acrescentou que não foi responsável por qualquer acto de eliminação de dados. “Terá de perguntar o que lhes aconteceu. Os equipamentos pertencem ao Ministério e tinham de ser devolvidos”, afirmou.

    Mas a procissão para esclarecer as dúvidas em torno dos contratos assinados com a Pfizer ainda estará agora no adro, somando-se ainda a gestão política da Comissão von der Leyen na guerra da Ucrânia e o método para suprir a crise energética e a subida vertiginosa da inflação no espaço comunitário. Do sucesso desta estratégia depende o seu futuro político, até porque tem colocado “todas as fichas” na derrota da Rússia.

    No seu recente discurso anual, no dia 14 de setembro, Ursula von der Leyen frisou que a Europa tem estado do lado da Ucrânia desde o primeiro dia “com armas”, “com fundos” e com “as sanções mais duras [aplicadas à Rússia] que o Mundo já viu”. Disse que a Europa ficará do lado da Ucrânia “o tempo que for preciso”, sinalizando um Inverno duro para os europeus.

  • Fact-checkers inflamam ânimos em tentativa de minimização do #pfizergate

    Fact-checkers inflamam ânimos em tentativa de minimização do #pfizergate

    Os certificados digitais ainda estão tecnicamente activos, e durante mais de um ano constituíram uma segregação nunca vista depois da II Guerra Mundial. Na base dessa imposição, esteve sempre a ideia de que os vacinados protegiam os outros de serem por eles infectados, mesmo se os surtos da Ómicron confirmaram o que há muito se sabia: a imunidade de grupo era uma quimera. Um alto quadro da Pfizer veio agora alegar que não foi estudado inicialmente se a vacina evitava a transmissão, mas a posição desta farmacêutica norte-americana sempre foi dúbia, nunca negando a base com que os governantes impuseram o certificado digital. A celeuma aumentou nos últimos dias quando fact-checkers como os da Associated Press e da Reuters vieram tentar ilibar a Pfizer.


    Afinal, a Pfizer mentiu ou não sobre a sua vacina?

    Grandes empresas de media, como a Reuters e a Associated Press (AP), tentaram, nos últimos dias, pôr água na fervura na polémica sobre a real eficácia da vacina da Pfizer contra a covid-19 em impedir a transmissão do vírus. Mas o resultado não foi o esperado, pois conseguiram inflamar ainda mais a revolta, visível em comentários e artigos dentro e fora das redes sociais.

    Numa análise feita pelo PÁGINA UM, nos últimos dois anos, tanto a Pfizer, como governantes, políticos, jornalistas e “especialistas” induziram a população a acreditar que a vacina contra a covid-19 impedia a transmissão. Foi com base nessa ideia, que foi amplamente espalhada, que foi criada a maior operação de discriminação e segregação da história moderna, governos violaram a Lei e houve graves atropelos aos direitos humanos e civis em diversas regiões do globo, incluindo na Europa.

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    Dose da vacina da Pfizer/BioNTech.

    Se foi por acaso ou não, o que é certo é que se alguém quiser processar a Pfizer por ter “mentido” sobre a sua vacina proteger contra a transmissão do SARS-CoV-2, não vai encontrar apoio na declaração de aprovação preliminar da vacina.

    Ou seja, tecnicamente, aquando da autorização de emergência concedida à vacina, em dezembro de 2020, pelo regulador norte-americano, a Food and Drug Administration (FDA), foi referido explicitamente que não havia provas de que a vacina conseguia impedir a transmissão do vírus. Mas isso significa que a Pfizer não mentiu?

    Tecnicamente, olhando apenas para essa comunicação do regulador norte-americano, não mentiu. Mas a verdade é que, poucos dias depois, o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, foi muito claro ao afirmar em entrevista à estação de televisão norte-americana CNBC que a vacina deve ser tomada para “proteger os outros”, sugerindo que os vacinados não iriam contagiar outras pessoas. E ainda afirmou: “confie na Ciência”.

    Janine Small substituiu o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, na audição na Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu.

    Ora, não foi apenas Bourla a semear a ideia de que a vacina impedia o contágio. Governantes, autoridades de saúde, “especialistas”, médicos, jornalistas, figuras públicas, todos afirmaram que a vacina parava o vírus e que os não vacinados é que iriam transmitir o vírus a outros.

    Mas comecemos pelo início. Vários órgãos de comunicação social, incluindo agências noticiosas como a Reuters e a Associated Press (AP), apressaram-se, nos últimos dias, a classificar como erróneo (misleading, em inglês) afirmar que a Pfizer mentiu sobre a sua vacina proteger contra a transmissão do vírus SARS-CoV-2.

    As empresas de media referiam-se à polémica que estalou na semana passada, depois de uma responsável da farmacêutica, Janine Small, ter respondido a um eurodeputado, numa audição no Parlamento Europeu, que a Pfizer não testou a sua vacina para ver se impedia a transmissão antes de submeter o pedido de autorização para uso de emergência do fármaco junto do regulador americano.

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    As ondas de choque geradas pela afirmação propagaram-se rapidamente como tsunamis, incluindo nas redes sociais. A rapidez com que as empresas de media ou “verificadores de factos” – que se articulam com as empresas que operam redes sociais – vieram tentar pôr água na fervura, não parece estar a funcionar. A Reuters noticiou mesmo que a vacina da Pfizer realmente “diminuía a transmissão nas primeiras variantes” do SARS-CoV-2.

    Mas a tentativa de empresas como a Reuters e a AP em diminuírem a importância da afirmação de Janine Small, acabou por enfurecer ainda mais os que já estavam zangados e provocou uma onda maior de revolta, visível na inundação das redes sociais nos muitos posts e vídeos. Entre os comentários, há acusações de que empresas de media estão a querer branquear o tema e ajudar a Pfizer.

    Nos vídeos partilhados encontram-se excertos de entrevistas do presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla, onde este afirma que os dados apontavam que a vacina é eficaz a travar a transmissão do vírus e que a vacina deve ser tomada porque “protege os outros”, indicando que quem se vacina não passa o vírus a outras pessoas.

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    Afinal, quem tem razão: empresas como a Reuters e a AP e restantes “verificadores de factos” ou as pessoas que em todo mundo se sentem traídas pela Pfizer e por governantes e autoridades de saúde e especialistas?

    Certo é que muitas pessoas que se vacinaram, fizeram-no com a convicção de que estavam a proteger-se, mas também contribuíam para evitar transmitir o vírus às restantes pessoas. Era um acto de cidadania, de responsabilidade social. Um dever cívico. E quem assim não agisse seria malvisto do ponto de vista social. Outras pessoas vacinaram-se porque foram forçadas, de modo a poderem trabalhar livremente, ir à universidade, a entrar em espectáculos ou restaurantes, a viajar. Em diversos países, quem não estava vacinado nem sequer podia entrar em transportes públicos.

    Na Europa e outras regiões do globo foi-se instalando um “apartheid”, que retirou (e ainda retira) direitos a quem não tomava as doses da vacina. Em países como a Austrália, Canadá e Nova Zelândia a violação de direitos humanos e civis foi (ainda é) extremamente severa, só ultrapassados pela gestão da pandemia na China – uma ditadura.

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    Na Europa, foi criado o polémico “passaporte covid” ou “certificado digital” (nome adotado em Portugal), inicialmente apenas para controlo em aeroportos, mas que começou a ser abusivamente usado como um “cartão de acesso” dos cidadãos no próprio país.

    O certificado digital, aprovado em 14 de Junho de 2021 pela Comissão Europeia, foi a maior operação de segregação e discriminação da história moderna. Na sua base, estava a “crença” de que as vacinas impediam a transmissão do SARS-CoV-2. E assim se criaram mitos, como aquele de que existia “uma pandemia de não vacinados”, o que era falso, dado que os vacinados também propagavam o vírus.

    Voltando à pergunta, afinal a Pfizer mentiu ou não? Comecemos pelo anúncio da FDA sobre a concessão de autorização para uso de emergência da vacina da Pfizer/BioNTech. Foi a 11 de Dezembro de 2020 e no comunicado podia ler-se: “Nesta altura, não há dados disponíveis para determinar sobre quanto tempo a vacina vai oferecer protecção, nem existem provas de que a vacina previne a transmissão do SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa”. Se quisermos ser incorrectos e dar informação parcial, então pegamos apenas neste comunicado e assim os “verificadores de factos” estão certos: a Pfizer não mentiu.

    Notícia de 11 de Março de 2021 da Reuters, referindo que a vacina da Pfizer prevenia a transmissão por assintomáticos.

    Mas, a verdade está nos detalhes. Se se quiser ser correto e fornecer a informação de modo imparcial e completa, então há que pegar também em declarações do CEO da Pfizer, de autoridades, de governantes, de “especialistas”, de jornalistas que incutiram na população a ideia de que a vacina da Pfizer parava a transmissão do vírus.

    Porque, na realidade, as pessoas não leem habitualmente comunicados da Pfizer ou da FDA. As pessoas leem e ouvem as declarações de “figuras da autoridade” na televisão, nas rádios, na Internet e na imprensa.

    Começando então pela própria Reuters, e pelo dia 11 de Março de 2021. Nesse dia, a agência publicou uma notícia que foi massificada para todos os media. O título da notícia é o seguinte: “Pfizer/BioNTech dizem que dados sugerem que a vacina é 94% eficaz a prevenir infeção em assintomáticos”. No primeiro parágrafo da notícia pode ler-se: “A Pfizer Inc e a BioNTech SE disseram na quinta-feira que dados reais de Israel sugerem que a sua vacina contra o covid-19 é 94% eficaz na prevenção de infeções em assintomáticos, o que significa que pode reduzir significativamente a transmissão (do SARS-CoV-2)”.

    Ou seja, a mesma Reuters que agora diz que a Pfizer não disse que a sua vacina impedia a transmissão do vírus publicou uma notícia pouco depois da aprovação preliminar do fármaco pela FDA a dizer que … a Pfizer sugere que a sua vacina impede a transmissão.

    Esta notícia é relevante mas não é a única prova de que foi disseminada a ideia pela população de que a vacina da Pfizer contra a covid-19 impedia a infecção e a transmissão do vírus a outras pessoas. O próprio presidente-executivo da farmacêutica, Albert Bourla, afirmou em diversas entrevistas, nos últimos dois anos, que a vacina servia para proteger “os outros”, ou seja, que os vacinados não iriam passar o vírus a outras pessoas.

    No dia 14 de dezembro de 2020, poucos dias após a aprovação preliminar da vacina, Bourla afirmou numa entrevista à CNBC: “Repito, mais uma vez, que esta escolha de não se vacinar não vai afectar apenas a sua saúde e a sua vida; vai afectar as vidas de outros e provavelmente as vidas das pessoas que mais ama, que são as pessoas que normalmente está mais em contacto”. E adiantou: “por isso, confie na ciência”.

    A 25 de fevereiro de 2021, Bourla disse à NBC: “Tenho quase a certeza – mas os dados terão de confirmar – que vamos ter também um alto grau de proteção contra a transmissão”. E remeteu para os estudos que estavam a realizar, incluindo o que foi feito em Israel e noticiado, nomeadamente pela Reuters.

    As declarações de Bourla no sentido que quem se vacinasse iria proteger “os outros” (sugerindo que não iria ser passado o vírus a outros) sucederam-se nos últimos dois anos. Ainda em maio deste ano, o CEO da Pfizer sentou-se para uma entrevista a Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Económico Mundial, em Davos.

    Questionado sobre o que diria às pessoas que não se quiserem vacinar porque existem já alguns fármacos para alegadamente ajudar a diminuir os sintomas de covid-19, Bourla foi claro. “O objetivo não é que fique doente e se trate. O objetivo é prevenir que não adoeça e isso vai maximizar as hipóteses de ficar bem e vai maximizar as hipóteses de as pessoas que você ama não ficarem infectadas.” E prosseguiu: “você não se vacina apenas por você, vacina-se para proteger a sociedade e sobretudo para proteger aqueles que mais ama”.

    Em 8 de Março de 2021, Graça Freitas falava da importância da vacinação para não permitir a transmissão do SARS-CoV-2 entre pessoas.

    Não foi apenas o CEO da Pfizer a induzir a população em erro. Em Portugal há muitos exemplos. No dia 8 de Março de 2021, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas protagonizou um vídeo para promover a vacinação contra a covid. O vídeo foi amplamente divulgado, incluindo na Internet e redes sociais. Graça Freitas afirmava que a vacina tinha duas vantagens: uma para “o próprio”, porque a vacina “protege contra a doença e complicações”; e a segunda vantagem era “para todos, para a comunidade”, uma vez que “esta protecção que uns dão aos outros chama-se imunidade de grupo”.

    E a directora-geral da Saúde explicava o seu raciocínio: “Quanto mais pessoas estiverem vacinadas, menos pessoas o vírus tem para infectar, menos velocidade tem de propagação”. Mais uma vez, a ideia que ficou é que quem se vacinasse não seria infectado com o vírus e também ficariam protegidos os outros, que não apanhariam a doença de vacinados.

    O neurologista e investidor Michael Burry insurgiu-se contra a Associated Press por “proteger” a Pfizer.

    Em Portugal, jornalistas, médicos e “especialistas” espalharam a ideia de que as vacinas impediam a transmissão, incluindo o conhecido Filipe Froes, consultor da Direcção-Geral da Saúde e da Pfizer, bem como de outras farmacêuticas.

    Mas, lamentavelmente, o rol de personalidades que induziram em erro a população inclui: o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; Bill Gates; Anthony Fauci (epidemiologista-chefe nos Estados Unidos), Rochelle Walensky, diretora do regulador norte-americano da saúde, a Centers for Disease Control and Prevention (CDC), entre muitos outros.

    Em todo mundo instalou-se um clima de segregação e perseguição de pessoas que optaram por não se vacinar. Foi divulgada informação falsa sobre os não vacinados.

    Compreende-se a revolta que existe hoje na população. Talvez a melhor análise da situação foi feita por Michael Burry, investidor e médico, famoso pela fortuna que conseguiu por prever a crise financeira de 2008, retratada no filme “The Big Short“.

    Comentando um tweet da AP, que afirmava que a Pfizer não mentiu sobre a sua vacina, Burry escreveu: “A AP a dar cobertura, como de costume”. “Mas o problema não é a Pfizer. Todos os cientistas sabiam desde o início que a vacina não impedia a transmissão. Era de senso comum. E ainda assim o Governo mentiu, os vossos médicos mentiram, a vossa escola mentiu. E colocaram-vos sob o seu controlo”. E incitava por fim: “Da próxima vez, lutem”.

  • Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Em apenas uma semana, a Europa acordou para a necessidade de saber, afinal, o que se passou com a compra de vacinas contra a covid-19. A Procuradoria Europeia anunciou que tem em curso uma investigação à compra das vacinas. O anúncio surgiu numa semana polémica na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19, no Parlamento Europeu. Hoje, a presidente desta Comissão surpreendeu muitos eurodeputados com declarações no Twitter a defender a investigação à compra das vacinas e a questionar o secretismo em torno dos contratos com a Pfizer.


    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, está debaixo de fogo devido a suspeitas relativamente aos contratos secretos de compra de vacinas contra a Covid-19 à farmacêutica norte-americana Pfizer.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados por Ursula von der Leyen com o presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla.

    Ursula von der Leyen entregou o prémio de liderança do Atlantic Council a Albert Bourla, CEO da Pfizer, em Novembro de 2021.

    Os últimos dias representaram um ponto de viragem que pode trazer dissabores a von der Leyen mas maior transparência ao processo de compra das vacinas. A Procuradoria Europeia anunciou ontem estar a investigar a compra de vacinas pela União Europeia.

    E, hoje, Kathleen van Brempt, presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, surpreendeu com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Estes desenvolvimentos dos últimos dois dias surgem após uma semana explosiva no que toca ao tema das vacinas contra a covid-19, e sobretudo em relação aos contornos das compras lideradas pela Comissão Europeia, que já atingiram os 4,6 mil milhões de doses por 71 mil milhões de euros, mais de um terço do produto interno bruto português em 2021.

    Primeiro, foi uma responsável da gigante farmacêutica norte-americana Pfizer que admitiu, perante deputados do Parlamento Europeu, que a sua vacina não foi testada para se saber se impedia a transmissão do SARS-COV-2.

    As ondas de choque que as declarações desta responsável da Pfizer geraram foram gigantescas e a revolta, tanto de vacinados como de não vacinados, inundou as redes sociais.

    Entretanto, vários media tradicionais, incluindo a Reuters e a Associated Press, apressaram-se a garantir que a Pfizer nunca tinha prometido que a sua vacina impedia a infecção e o contágio, apesar de existirem ensaios clínicos pagos pela Pfizer que garantem que a vacina prevenia a transmissão do vírus.

    Em Portugal, o pneumologista Filipe Froes, um dos mais destacados consultores da Direcção-Geral da Saúde e também da Pfizer (entre outras farmacêuticas), sempre defendeu que a vacina contra a covid-19 reduzia a transmissibilidade em caso de infecção. Em Janeiro deste ano, em declarações à TSF, Froes garantiu que “quem tem o esquema vacinal completo e com dose de reforço, tem um risco de infeção e de transmissão praticamente nulo. Não se pode dizer que seja zero, mas o risco é praticamente nulo.”

    Recorde-se que, com base na garantia de que as vacinas impediam a infecção e o contágio, foi imposto o chamado “certificado digital” ou “passaporte sanitário”, criando-se a maior operação de segregação da população da História moderna. Além disso, foi por uma suposta maior transmissibilidade dos não-vacinados que responsáveis políticos contribuíram para espalhar a estigmatização sobre quem voluntariamente optava por não se vacinar. Em 29 de Julho do ano passado, o presidente norte-americano Joe Biden falava de uma “pandemia de não-vacinados“. E Ursula von der Leyen veio apelar, em 23 de Novembro passado, para que os cidadãos se vacinassem ou recebessem um reforço por se estar perante uma “pandemia de não-vacinados“.

    Após a audição da responsável da Pfizer nesta semana, eurodeputados sugeriram, numa conferência de imprensa, que fosse constituída uma comissão de inquérito sobre a covid-19, acusando a Comissão Especial sobre o tema, que decorre no Parlamento Europeu, de ser uma espécie de farsa. Os eurodeputados denunciariam ainda que continuam a ser secretos os dados sobre a negociação da compra de vacinas por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

    Janine Small, presidente da divisão de mercados internacionais desenvolvidos, da Pfizer, na audição na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, no dia 10 de Outubro.

    Por coincidência, seguiu-se um outro anúncio de relevo: a Procuradoria Europeia anunciou ontem que está a investigar a compra de vacinas contra a Covid-19 pela União Europeia. Esta entidade independente da União Europeia anunciou, numa “rara confirmação”, segundo as suas palavras, que a investigação “surge na sequência da existência de um interesse público elevado”. O comunicado da Procuradoria Europeia adianta que “não serão tornados públicos mais detalhes nesta fase”.

    Foi no seguimento deste comunicado da Procuradoria Europeia, que a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, a belga Kathleen van Brempt, publicou uma declaração no Twitter, o que surpreendeu muitos dos seus colegas eurodeputados. Brempt escreveu a propósito do anúncio da Procuradoria Europeia que “a Comissão COVI vai acompanhar este caso com grande atenção”.

    “Vários aspectos do terceiro contrato com a Pfizer, merecem ser escrutinados, as mensagens de texto entre a presidente da Comissão Europeia [e o CEO da Pfizer, Albert Bourla] e o facto de não haver nenhum documento sobre as negociações preliminares [entre os dois]”, escreveu ainda.

    E defendeu ainda que “precisamos saber a razão de o maior contrato ser o menos transparente; Precisamos compreender a razão para a União Europeia ser obrigada a comprar 1,8 mil milhões de vacinas da Pfizer/BioNTech, independentemente das necessidades, independente de haver novos e melhores players a entrar no mercado”.

    Conferência de imprensa de 11 de Outubro de eurodeputados que contestam a falta de transparência dos contratos de compra de vacinas contra a covid-19.

    No seu tweet, Kathleen van Brempt lembrou que, “muitos dos contratos feitos pela União Europeia reservam o ‘direito’ a comprar mas no contrato com a Pfizer temos a ‘obrigação’ de comprar”. “Porque nos desviámos do procedimento normal para um contrato que cobre muitas vezes as nossas necessidades, durante um período em que todos deveriam estar já vacinados (2022 e 2023)”, questionou.

    Cristian Terhes, o eurodeputado que desde há cerca de um ano tem lutado, junto com outros eurodeputados, por maior transparência sobre os contratos de compra de vacinas, comentou entretanto as declarações de van Brempt. “O que é dito pela presidente da Comissão COVI representa uma mudança de paradigma da Comissão (Especial sobre covid), porque, até agora, a Comissão comportou-se como se o seu objetivo fosse pedir desculpas a Ursula von der Leyen pela forma fraudulenta como assinou contratos com as empresas de vacinas”, salientou o eurodeputado romeno. “Agora, a presidente admite que existe um problema com a falta de transparência dos contratos, bem como com a forma e finalidade de compra das vacinas”, frisou na sua conta na rede social Facebook.

    O eurodeputado não tem sido, aliás, brando com a presidente da Comissão Europeia e, desta vez, pediu a sua demissão imediata. “Quando, há um ano atrás, comecei a falar com os meus colegas sobre a não transparência dos contratos e outros abusos cometidos por Ursula von der Leyen, muitos me disseram que não poderíamos fazer muito, porque era só conversa, porque estávamos a lidar com o melhor da União Europeia e assim por diante, desculpas atrás de desculpas para não fazer nada”, relembrou.

    Sede da Procuradoria Europeia no Luxemburgo.

    O eurodeputado prosseguiu indicando que “hoje, todos reconhecem que existe um problema com a não-publicação integral dos contratos”, e destacou uma grande mundança: “de segunda-feira, 10.10.2022, até hoje, 15.10.2022, tudo o que foi afirmado sobre estas vacinas mudou drasticamente”.

    Isto porque, recordou Cristian Tehres, “a Pfizer admitiu oficialmente, quando questionada pelo colega Rob Ross, que não testou realmente a vacina para ver se ela impede a transmissão do vírus”, acrescentando que, “mais tarde, isto foi também reconhecido por um representante da Comissão Europeia numa pergunta que lhe fiz”.

    O eurodeputado garantiu que vai continuar a pressão: “obviamente, não vamos parar até descobrirmos a verdade, toda a verdade! Até lá, Ursula von der Leyen deve demitir-se e colocar-se à disposição dos organismos europeus de investigação criminal”. E terminou o seu post com os hashtags #UrsulaMustResign #UrsulaMustGo.

    O romeno Cristian Terhes e o croata Mislav Kolakusic são os eurodeputados responsáveis pela criação da Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental.

    Este eurodeputado está a preparar, juntamente com o eurodeputado croata Mislav Kolakusic, a Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental (CONT), na qual será analisado o relatório do Tribunal de Contas da UE sobre como as vacinas foram compradas.

    Segundo este relatório, até Novembro de 2021 a Comissão Europeia comprou, em nome dos Estados, 4,6 mil milhões de doses de vacina por 71 mil milhões de euros. Tehers comentou que “a quantidade é enorme, assim como o valor comprado”. Com efeito, sendo a população da União Europeia de 447 milhões de habitantes, a Comissão Europeia comprou vacinas suficientes para nove doses por pessoa, incluindo crianças.

  • Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    É ilegal, mas nenhum regulador consegue multar ou aplicar sanções aos estabelecimentos comerciais que recusarem aceitar dinheiro físico como meio de pagamento. Só uma mudança na lei pode travar a discriminação dos consumidores e travar os infractores. Banco de Portugal diz que vai esperar por mudanças a nível europeu.


    O caso é insólito. Os reguladores confirmam que recusar aceitar dinheiro como meio de pagamento é ilegal. Mas nem a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nem o Banco de Portugal dispõem de base legal para multar os comerciantes que cometem esta ilegalidade. Também não podem levantar processos de contraordenação. Isto porque a lei não impõe quaisquer coimas ou outro tipo de sanções sempre que uma entidade não aceita notas e moedas para pagamentos de bens e serviços.

    Numa altura em que já há (embora poucos) estabelecimentos que recusam aceitar numerário como é o caso do Time Out Market Lisboa , os reguladores estão de mãos atadas e não podem actuar para proteger os consumidores. Só uma alteração da legislação pode acabar com a discriminação em relação aos consumidores mais vulneráveis e sem acesso a meios de pagamento digitais.

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    A “moda” ainda muito recente de se recusar notas e moedas de euro, além de ser ilegal, constitui um acto discriminatório, já que os consumidores sem acesso a meios de pagamento digitais são excluídos.

    A ASAE confirma a ilegalidade da prática. Mas não tem como agir. Em resposta a questões do PÁGINA UM, a ASAE afirmou que, salvo as excepções previstas na lei, “o operador económico não poderá recusar aceitar o pagamento em numerário, porque, em boa verdade, tais situações carecem de cobertura legal que a justifique e fundamente”.

    “Todavia, e não obstante a obrigação que recaiu sobre os operadores económicos, caso estes recusem aceitar pagamentos em numerário, o legislador não previu norma punitiva, pelo que se entende que tal prática não configura uma contraordenação, em virtude de falta de disposição legal que a tipifique enquanto tal”, adiantou.

    Segundo o Banco de Portugal, a tendência adoptada por alguns lojistas é proibida, sendo obrigatória a aceitação de notas e moedas de euro para pagamentos. De acordo com o regulador, “as moedas correntes têm curso legal em toda a área do euro, ou seja, têm de ser aceites como meio de pagamento, pelo seu valor nominal (isto é, pelo valor inscrito na moeda), em todos os países que fazem parte desta área, independentemente de onde tenham sido emitidas”.

    O Time Out Market Lisboa recusa aceitar dinheiro físico

    Contudo, os reguladores apontam existir uma lacuna na lei, a qual não prevê punições para os infractores. O legislador não ponderou que um dia haveria o caso de alguém recusar numerário.

    A situação é crítica para muitos consumidores. O numerário (notas e moedas) continua a ser o meio de pagamento mais usado em Portugal.

    A ASAE lembrou, citando a lei, que, em Portugal, pode ser recusado dinheiro como meio de pagamento apenas se as recusas forem “fundadas na boa-fé”, por exemplo, “em caso de desproporcionalidade entre o valor da nota apresentada pelo devedor relativamente ao montante devido ao credor do pagamento ou mediante acordo das partes em usar outro meio de pagamento” .

    Também “ninguém é obrigado a aceitar, num único pagamento, mais de 50 moedas de euro correntes, com excepção do Estado”. A lei também estipula “uma punição para a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos”.

    person holding brown leather card wallet

    A ASAE frisou que, por outro lado, segundo a Lei de Defesa dos Consumidores, “não existe qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, nos casos de não aceitação de pagamentos em cartão ou que só aceitam esta forma de pagamento quando estão em causa determinados valores, desde que se encontre publicitado no estabelecimento, de forma clara, objetiva e adequada”.

    Questionado sobre se o Banco de Portugal admite corrigir a situação para fazer prevalecer a lei, a instituição liderada por Mário Centeno afirmou que vai aguardar que sejam tomadas decisões a nível da União Europeia, numa altura em que avançam os esforços para o lançamento do euro digital.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, o Banco de Portugal esclareceu que “tal como referido no Relatório sobre Emissão Monetária de 2021, estão em curso trabalhos a nível europeu que permitam endereçar esta questão da forma mais harmonizada possível entre os vários bancos centrais da área do euro”.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Disse ainda que “para além disso, a Comissão Europeia, através de um grupo de trabalho dedicado ao curso legal do numerário integrando representantes dos vários Estados Membros, encontra-se a avaliar a necessidade de introduzir alterações no atual regime legal”.

    No mesmo Relatório, o banco central destaca que “o numerário constitui a única forma de dinheiro público a que todos, mesmo os que não utilizam serviços bancários, podem aceder diretamente” pelo que “é, por conseguinte, determinante para a inclusão financeira”.

    Deste modo, “as notas e moedas continuam a desempenhar um papel crucial na área do euro: embora a sua utilização como meio de pagamento tenha diminuído durante a pandemia, a procura por numerário tem aumentado”.

    No final de 2021, as notas e moedas de euro em circulação somavam 1.576 mil milhões de euros, segundo o supervisor financeiro. No final de 2019, antes da pandemia, esse valor era de 1.323 mil milhões de euros, “ou seja, em dois anos registou-se um aumento de 19%”.

    woman holding magnetic card

    O banco central diz ainda que “esta evolução constitui um indício inquestionável de que, apesar da crescente digitalização da atividade económica, o dinheiro físico continuará a desempenhar um papel importante no futuro, pelo que se impõe continuar a garantir o acesso e a aceitação generalizada do numerário, a par do desenvolvimento de notas inovadoras e sustentáveis”.

    O PÁGINA UM questionou também o Ministério das Finanças sobre se Governo admite adoptar medidas, nomeadamente de proteção ao consumidor, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.

    Segundo uma recomendação divulgada pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, “é essencial garantir que numa economia cada vez mais digital, os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam excluídos e que o direito de escolha sobre o meio de pagamento a utilizar seja uma decisão individual, baseada em informação clara e adequado à sua realidade”.

  • O fantástico Euromilhões dos bancos: tudo legal, tudo imoral

    O fantástico Euromilhões dos bancos: tudo legal, tudo imoral


    “Mas que bronca!” A frase proferida por um banqueiro resume o seu sentimento em relação ao lucro extra que os bancos europeus estão a arrecadar graças a um “erro” do Banco Central Europeu. “O BCE cometeu um erro gigantesco. Agora quer resolver isto, mas não é fácil”. Apesar de considerar-se um “escândalo”, o que certo é que nenhum banco irá deixar de aproveitar esta oportunidade caída do céu (ou melhor, do BCE).

    Os bancos estão sentados numa almofada de milhões e milhões de euros em fundos públicos. Agora, estão a usar esses fundos para ter um lucro extra. Estão a depositar os dinheiros públicos junto do banco central. Com a subida das taxas de juro, é só ouvir o “tlim, tlim” dos juros a entrar nos seus cofres.

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    Os bancos europeus conseguiram ter essa mala de dinheiro porque o BCE decidiu, em 2020, pagar à banca para ficarem com os fundos públicos. Isso mesmo. O objectivo do BCE era incentivar os bancos a emprestar dinheiro e a minimizar os impactos da crise económica provocada pelas medidas drásticas e polémicas adoptadas por governos europeus na pandemia – que incluíram devastadores confinamentos.

    No total, os bancos europeus estão sentados em cima de 2,1 biliões de euros em fundos públicos provenientes da terceira operação de empréstimos direccionados de longo prazo (TLTRO), segundo dados citados pela Reuters. É um valor astronómico que o BCE tem de pagar aos bancos em juros.

    Segundo analistas do banco ING, o total de excesso de liquidez nas mãos da banca europeia ascende a 4,6 biliões de euros. Com a actual taxa de juro, o BCE teria de pagar 34,5 mil milhões de euros em juros por ano, aos bancos. Se a taxa de juro subir para 2,5% em 2023, o valor a cair no colo dos bancos subiriam para 115 mil milhões de euros.

    Agora, a factura bateu à porta do BCE. Com uma inflação galopante, começou a subir as taxas de juro mais cedo do que tinha previsto quando começou a pagar aos bancos para se endividarem.

    Mas agora dava jeito ao BCE livrar-se de tanta liquidez. Analistas do banco ING apontam que o BCE pode decidir mexer no múltiplo de reservas mínimas exigidas aos bancos pela liquidez que detêm ou remunerar parte do excesso de liquidez dos bancos a uma taxa de 0%, para os levar a reduzir o montante de fundos detidos.

    Claro que os bancos agora não entregam a mala do dinheiro. Não, quando podem ficar sentados a contar os euros garantidos pelos juros que os depósitos dos fundos públicos garantem.

    Esse dinheiro está a agora de lado, a render e a trazer lucros chorudos para os bancos.

    Tudo isto é perfeitamente legal. Tudo isto é perfeitamente legítimo. Mas é também igualmente altamente imoral.

    Os bancos receberam dinheiro para pedirem emprestado ao banco central para ajudar a economia em tempos de crise. Usar os fundos públicos que lhes foram disponibilizados devido à crise para lucrarem com o seu depósito junto do banco central é lamentável.

    Agora, esta gigantesca onda de dinheiro público nas mãos dos bancos é um problema para o BCE que se vê a braços com aumentos da inflação.

    Mas é também um escândalo. É aberrante que bancos possam estar sentados em cima de tanto dinheiro público e, sem mexerem uma palha, lucrarem com ele.

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    O BCE analisa como vai tentar travar estes lucros para a banca. Mas descalçar a bota não é fácil.

    Seja como for, fica sempre no ar aquela ideia de que, nas crises, o ‘banqueiro capitalista’ sai sempre a ganhar.

    Neste caso, mesmo achando que é um escândalo, banqueiros esfregam as mãos de contentes. E vão continuar agarrados à mala, só devolvendo o dinheiro no fim do prazo do empréstimo especial (TLTRO), em Junho de 2023. Até lá, é facturar. Aos milhões.

    No fim de contas, o BCE não sai bem na fotografia. Afinal, falhou os seus cálculos relativos ao calendário de subida das taxas de juro e deu de mão beijada uma dupla prenda aos bancos: primeiro, pagou-lhes para receberem dinheiro emprestado; agora paga os juros dos depósitos que os bancos fizeram com o dinheiro emprestado. Para os bancos é um Euromilhões. Para os europeus, a braços com menor poder de compra e preços a disparar, esta situação é, no mínimo surreal. Surreal e imoral.

    Afinal, a crise quando bate à porta, não é para todos.

  • A Europa de von der Leyen não é só dela; é também a minha (e a tua) Europa

    A Europa de von der Leyen não é só dela; é também a minha (e a tua) Europa


    Muitos foram os discursos de políticos e burocratas de Bruxelas que ouvi ao longo de mais de duas décadas como jornalista. Invariavelmente, têm pontos semelhantes. Vamos ficar “mais fortes”, “mais unidos”, sendo sempre “solidários”. A Europa vai conceder “ajudas” e “apoios” para investimentos e “desenvolvimento” deste ou daquele setor, desta ou daquela indústria, consoante o tema popular da época. E a Europa vai prevalecer.  

    É comum haver referências nos discursos a “direitos humanos”, “democracia”. E, de novo, “solidariedade”. A moda do “temos de cuidar uns dos outros” ganha forma nos últimos discursos. Sendo que ainda não percebi se é só aplicável à “plebe” ou se também se aplicará essa máxima aos poderosos e aos seus amigos em multinacionais e bancos, aqueles que andam em jactos privados e a quem nunca faltará água nem luz.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Vladimir Putin na Conferência de Berlim, em 19 de Janeiro de 2020

    Em todo o caso, a expressão “cuidarmos uns dos outros” e pelo “bem comum” ditas por políticos e burocratas europeus faz-me hoje lembrar mais – e de forma arrepiante – o regime totalitário Chinês, devido ao comportamento de Bruxelas na pandemia. 

    O discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falhou em trazer algo de novo. Cumpriu o esquema habitual dos discursos escritos pelas equipas de comunicação: mostrar força, identificar inimigos a combater (“nós, os heróis e bons, contra os vilões e maus) e, claro, esperança, solidariedade. Muita esperança e solidariedade. E paz no Mundo, como nos concursos das “Misses”. 

    Estes discursos fazem-me lembrar os guiões já escritos e repetidos pelos vendedores de call centers. A pessoa do lado de lá do telefone muda. Mas o guião para vender o seguro ou ou serviço de TV e Internet é sempre o mesmo. 

    Gostaria de estar aqui a escrever algo diferente. A aplaudir o discurso de um líder europeu, que mostrasse um caminho claro de prosperidade e bem-estar para a Europa e os seus cidadãos, com a promoção da diversidade e inclusão, e com reformas urgentes e políticas e decisões de investimento estudadas e a pensar no longo prazo.   

    Xi Jinping, presidente da República Popular da China

    Mas, no discurso de von der Leyen, vi o habitual. Dinheiro que será transferido para o desenvolvimento de certos negócios e setores de atividade para encher os bolsos de alguns a pretexto de uma “necessidade” e uma crise que, por acaso, foi criada por decisões políticas irresponsáveis.

    A distração gerada em torno do “inimigo a combater” – da China à Rússia. Como se a Europa não tivesse os seus próprios inimigos cá dentro, bem no coração do Velho Continente. Os “inimigos” de hoje são os “amigos” de ontem e serão, de novo, os “amigos” de amanhã, consoante as conveniências políticas, económicas e financeiras. Mas servem bem como distração dos verdadeiros inimigos e problemas dos europeus. Um inimigo exterior distrai o “povo”. Resulta sempre.

    Nos últimos dois anos, tudo o que a Europa representava no Mundo foi reduzido a pó pela Comissão Europeia. E von der Leyen tem sido o rosto dessa destruição e dessa traição à Europa. 

    Foram enterrados direitos humanos. Foram eliminados direitos civis. Foi implementado um regime de segregação, com cidadãos de classe A e de classe B. Responsáveis da Comissão Europeia proferiram discursos de incentivo ao ódio contra europeus que optaram por se manter sem vacinas contra a covid. Chegaram a falar em pandemia de não vacinados – o que era totalmente falso.  

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    Foram introduzidas leis e normas que limitam o direito à informação por parte da população e reprimem a liberdade de expressão. Foram promovidas barreiras à transparência, o que tanto favorece a corrupção e negócios opacos e lesivos para os cidadãos – veja-se o caso dos contratos com farmacêuticas. A Ciência foi substituída por uma religião ligada às farmacêuticas e interesses políticos, com cientistas de renome a serem ignorados e as suas opiniões e avisos a serem postos de lado.  

    Destruíram-se pequenos e médios negócios enquanto bancos e grandes grupos reforçam lucros. Criou-se pobreza, aprofundou-se a desigualdade e retirou-se ainda mais dignidade a trabalhadores. O estado da economia, o disparar dos preços dos bens e serviços, a diminuição do poder de compra, são um espelho de políticas irresponsáveis levadas a cabo na Europa, nos últimos dois anos. 

    Mas, o pior de tudo, foi a destruição causada ao nível de vidas. O número de vítimas covid é um pavor em comparação com países que aplicaram medidas fundamentadas cientificamente e com bom senso (com a Suécia a sobressair nesta matéria).

    O número de mortes em excesso em países europeus é hoje um pavor. Portugal está no topo. Estão a morrer mais adolescentes e jovens, incluindo em Portugal. Não há investigações independentes ao que se está a passar. Não se quer investigar nem perceber. Mas sabe-se que os confinamentos foram destrutivos e sabe-se que faltou o bom senso e a verdadeira Ciência em medidas aplicadas em países europeus, incluindo Portugal.

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    (Basta lembrar a promoção da concentração de consumidores nos supermercados, aos sábados de manhã, em plena pandemia, entre muitos outros exemplos.)  

    O apoio à guerra na Ucrânia e a solidariedade para com os ucranianos – esta, naturalmente necessária – foi o motivo usado para, de forma consciente e intencional, os líderes europeus atirarem a Europa para um possível Inverno gelado e sabe-se lá quais os direitos civis e humanos que serão pisados com o pretexto de “crise energética” e das alterações climáticas. 

    Este é o Estado da Nação na Europa.

    Mas, algo de muito positivo tem acontecido nos últimos dois anos. Cidadãos têm-se levantado e expressado a sua voz em defesa dos valores europeus e do modo de vida europeu. Cidadãos têm-se unido em comunidades, em projetos ecológicos, têm criado movimentos, empresas, projetos. Cidadãos têm-se conectado, têm debatido. Têm-se manifestado.

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    Além dos burocratas e políticos de Bruxelas, com os seus discursos preparados e amigos em multinacionais, existe toda uma Europa vibrante, viva e poderosa, livre, solidária, constituída pelos seus cidadãos, famílias, empresas. Eles são a alma deste Continente e, com as suas culturas, semelhanças e diferenças, fazem, no seu dia-a-dia, esta Europa em que vivemos, com o que tem de bom e o que tem a melhorar. 

    Honestamente, é nesses que tenho esperança. Nos europeus e nos que, não sendo europeus, encontraram na Europa a sua casa. Esperança que se unam cada vez mais em comunidades e projetos em comum. Que criem negócios e empregos. Que criem famílias.

    No entanto, numa coisa concordo com Ursula von der Leyen: a democracia está em risco. E, no caso da Europa, a presidente da Comissão Europeia é uma das responsáveis por ter colocado a democracia em perigo, com as políticas seguidas desde 2020.

    Se nada fizermos para promovermos o debate e para se implementarem políticas alternativas às que têm sido seguidas por Bruxelas, a Luz que a Europa foi outrora para o Mundo extinguir-se-á.  

  • Banco de Portugal paga 580 milhões de euros para emprestar dinheiro: saiba como

    Banco de Portugal paga 580 milhões de euros para emprestar dinheiro: saiba como

    Os bancos receberam um “incentivo” extra desde meados de 2020 para pedirem dinheiro emprestado ao Banco Central. Agora, os bancos estão a usar esses empréstimos para os depositarem e arrecadarem lucros sem risco, aproveitando a subida das taxas de juro. No total, somando o “incentivo” dado pelo BCE e os juros que ganharão com o depósito do dinheiro, os bancos em Portugal deverão ter nos cofres um lucro extra estimado de mais de 830 milhões de euros em três anos. Em contrapartida, e por causa deste modelo desenhado pelo BCE, os lucros do Banco de Portugal e os dividendos recebidos pelo Estado levaram um tombo.


    O Banco de Portugal pagou um total de 580 milhões de euros de juros aos bancos para pedirem dinheiro emprestado ao Banco Central Europeu (BCE), através de um programa de financiamento de prazo alargado conhecido por TLTRO III, em 2020 e 2021. O “incentivo” extra, concedido aos bancos para se financiarem a partir de Junho de 2020, durou até Junho deste ano, e consistia na aplicação de uma taxa de juro negativa de 1% aos empréstimos.

    Antes deste período, a taxa aplicável era igual à taxa de depósito (- 0,5%). Com a crise provocada pelos confinamentos e fecho de atividades em 2020 – medidas drásticas adoptadas por governos na Europa –, o BCE decidiu acenar com esse “brinde” aos bancos na condição destes emprestarem dinheiro às empresas.

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    O valor total de juros pagos pelo Banco de Portugal aos bancos será, contudo, ainda superior, já que falta incorporar os juros pagos na primeira metade deste ano. Só o Millennium bcp já recebeu, no primeiro semestre, 40 milhões de euros em juros relativos àquelas operações. No final de Junho, este banco detinha 8,1 mil milhões de euros de financiamento deste programa do BCE.

    Por sua vez, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) arrecadou já 29 milhões de euros em juros do BCE via Banco de Portugal entre Janeiro e Junho deste ano, detendo 5,8 mil milhões deste tipo de financiamento no final do primeiro semestre.

    Para já, sabe-se que os juros pagos aos bancos em território nacional, através deste programa do BCE, entre 2020 e o final de 2021 tiveram um impacto total de 359 milhões de euros na margem de juros do Banco de Portugal. Em consequência, o banco central português lucrou menos nos últimos dois anos, diminuindo assim o montante que entregou ao Estado na forma de dividendos. A entidade liderada por Mário Centeno lucrou 535 milhões de euros em 2020, face a 759 milhões de euros no ano anterior, ou seja, uma diminuição de 224 milhões (menos 40%).

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    Em 2021, o lucro voltou a descer, encolhendo para 508 milhões de euros, isto é, menos 5% do que em 2020. Assim, sob a forma de dividendo, Centeno entregou ao Estado 428 milhões de euros referentes a 2020 e 406 milhões de euros relativos a 2021. O Banco de Portugal tinha entregado ao Estado 607 milhões de euros de dividendos no exercício de 2019.

    Em linguagem extremamente hermética, o Banco de Portugal acaba por admitir o peso bastante negativo nos seus lucros pelas condições do programa desenhado pelo BCE com as operações TLTRO. No seu Relatório de Actividade e Contas de 2020 diz apenas que “a redução da margem de juros em 2020 é principalmente justificada pelo aumento dos juros a pagar associados a operações de refinanciamento de prazo alargado (em 153 milhões de euros), os quais se referem, em grande parte, a operações TLTRO III (com um total de 194 milhões de euros de juros em 2020)”. E acrescenta ainda que “o aumento dos juros destas operações (em 175 milhões de euros) deveu-se ao acréscimo significativo do seu volume, aliado à bonificação da respetiva taxa de juro no segundo semestre de 2020 decidida pelo BCE”.

    No exercício seguinte, relativo a 2021, reforçou-se a tendência negativa com a mesma linguagem tecnocrata. “A redução da margem de juros em 2021 foi principalmente justificada pelo aumento dos juros a pagar associados a operações de refinanciamento de prazo alargado (+184 milhões de euros), maioritariamente explicado pelo aumento dos juros associados a operações TLTRO III (+210 milhões de euros)”, indicou o Banco de Portugal no Relatório e Contas de 2021.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    E justificava os elevados juros pagos por estas operações, num total de 385 milhões de euros em 2021, “pelo acréscimo significativo do seu volume e pela manutenção, ao longo de todo o ano de 2021, da bonificação da taxa de juro (em -50 pontos base) (iniciada no segundo semestre de 2020), em resultado da extensão desta bonificação até junho de 2022”.

    As condições já inicialmente bastante favoráveis para a banca levaram a uma “corrida” a este tipo de empréstimos. Em 2020, em Portugal, os bancos pediram emprestado 29,5 mil milhões de euros via TLTRO III, aumentando para 32 mil milhões de euros o montante de financiamento de prazo alargado registado no balanço do Banco de Portugal. No final de 2021, o recurso às TLTRO III totalizava já 41,6 mil milhões de euros.

    Este programa programa teve, aliás, uma grande adesão de toda a banca da Zona Euro. No total do Eurossistema, os montantes relativos às TLTRO III ascenderam a 2.198 mil milhões de euros no final do ano passado, mais 550 mil milhões de euros do que em Dezembro de 2020.

    Em Junho passado, os bancos europeus acabaram por apenas reembolsar 74 mil milhões de euros de TLTRO III, menos do que o esperado, confirmando que estão a aproveitar a subida das taxas de juro para lucrarem com o depósito das verbas emprestadas pelos contribuintes europeus via BCE.

    Com efeito, os bancos poderiam ter começado a reembolsar os empréstimos em Junho deste ano, logo após o término do “incentivo”. Porém, como o BCE decidiu começar a subir as taxas de juro antes do previsto, os bancos viram aqui uma oportunidade para um lucro fácil, depositando junto do BCE o dinheiro que tinham pedido emprestado, e arrecadando assim os juros.

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    Esta “falha” nas previsões do BCE em relação ao calendário de subida das taxas de juro na Zona Euro tem estado assim a ser aproveitada, segundo analistas, para lucros sem esforço por parte da banca.

    Assim, se confirmar a previsão do Morgan Stanley, os bancos em Portugal terão previsivelmente um lucro extra de até 250 milhões de euros só com a arbitragem entre a taxa de depósito e a taxa aplicada aos empréstimos que obtiveram via TLTRO III.

    Este banco de investimento norte-americano estimou, recentemente, que se o BCE subisse a sua taxa de depósito para 0,75% até ao final de 2022 – o que fez agressivamente na passada quinta-feira –, uma instituição bancária que tivesse subscrito um financiamento via TLTRO em Junho de 2020 registaria uma margem de lucro de 0,6% sobre o dinheiro que detivesse até Junho de 2023, mês em que terá de reembolsar todo o empréstimo.

    O Morgan Stanley estima, segundo o Financial Times, que o lucro extra máximo que os bancos europeus vão ter apenas com este “esquema” – arbitragem entre taxa das TLTRO III e taxa de juro de depósito – será de 24 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 12% da riqueza anual produzida em Portugal.

  • Falha do Banco Central Europeu dá cheque milionário à banca portuguesa

    Falha do Banco Central Europeu dá cheque milionário à banca portuguesa

    Um erro do Banco Central Europeu, no desenho de uma operação de financiamento aos bancos, resultará numa “prenda” estimada de até 250 milhões de euros de lucro extra para a banca em Portugal. O valor deste lucro que vai cair no colo dos bancos dependerá da evolução das taxas de juro e das condições de financiamento aos bancos. Estima-se que só os cinco maiores bancos em Portugal encaixem até 206 milhões de euros de lucro fácil obtido com o depósito de dinheiro dos contribuintes junto do banco central.


    O objetivo era, em plena epidemia, convencer os bancos a emprestar dinheiro às empresas e injetar dinheiro na economia. O Banco Central Europeu (BCE) decidiu passar a pagar aos bancos para se financiarem junto da instituição liderada por Christine Lagarde, com a condição de continuarem a emprestar dinheiro durante a crise.

    A taxa de 1% negativa garantia, na visão do BCE, que os bancos teriam um incentivo para aceitarem financiar-se na denominada terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direccionadas – ou TLTRO III (Targeted Longer-Term Refinancing Operations). O BCE lançou a operação de TLTRO em setembro de 2019 e, inicialmente, a taxa da operação era igual à de depósito, de -0,5%.

    Em junho passado, o BCE retirou o incentivo e repôs a taxa de financiamento igual à da taxa de depósito. Em junho, os bancos poderiam iniciar o reembolso do financiamento, até porque tinha desaparecido o incentivo. Mas os bancos travaram a fundo.

    É que o BCE errou. Previu uma subida das taxas de juro apenas em 2023. Mas as medidas polémicas e drásticas adotadas por governos europeus, incluindo o português, para lidarem com a epidemia – nomeadamente confinamentos e fecho de atividades – levaram a um desastre económico, que foi agravado pelas consequências provocadas pela guerra na Ucrânia. A inflação disparou, como previam já economistas em 2020. Em resultado, o BCE decidiu começar a subir as taxas de juro mais cedo.

    Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu

    Os bancos perceberam que conseguem lucrar com esta ‘falha’ do BCE. Com a subida da taxa de depósito, calcularam que podem usar os fundos de contribuintes europeus (TLTRO) para os depositar junto do BCE. Isto porque a taxa dos financiamentos é calculada como uma média ao longo de vida útil de três anos dos empréstimos.

    A arbitragem que os bancos fazem entre a taxa de juro média da TLTRO III e a taxa de depósito no BCE, gera um lucro chorudo, sem espinhas.

    Os bancos podem devolver o dinheiro antecipadamente a cada três meses. Em junho, foram reembolsados antecipadamente 74 mil milhões de euros, muito abaixo do previsto, a espelhar o facto de as taxas de juro estarem a subir, noticiou o Financial Times.

    O banco de investimento Morgan Stanley prevê que os bancos europeus podem lucrar entre 4,0 mil milhões de euros e 24,0 mil milhões de euros de lucro extra ao depositar os empréstimos baratos do BCE junto do banco central, desde o mês de junho de 2022 até ao final da operação de refinanciamento em dezembro de 2024.

    A estimativa depende da velocidade a que o BCE suba as taxas de juro nos próximos meses, segundo o Morgan Stanley, citado pelo Financial Times. 

    Mas uma fonte conhecedora do assunto, garantiu ao FT que o valor a lucrar pelos bancos deverá ser inferior ao valor máximo estimado pelo Morgan Stanley.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Banca em Portugal com 41,5 mil milhões nas mãos

    No balanço do Banco de Portugal, “as TLTRO III apresentaram um crescimento significativo (em 2021) face a 2020, passando a 41 587 milhões de euros a 31 de dezembro de 2021”, refere a entidade liderada por Mário Centeno, no seu Relatório de Atividade e Contas relativo ao ano passado.

    Tratou-se de “aumento de 9523 milhões de euros”, que corresponde a um crescimento de 30%, “corroborando a trajetória de crescimento do ano anterior”, adianta o Relatório. E recorda que “estas operações iniciaram-se em 2019 e têm a maturidade a 3 anos com opção de reembolso antecipado ao fim de dois anos”.

    O Morgan Stanley calcula que, se o BCE subir a sua taxa de depósito para 0,75% até ao final de 2022 – o que já o fez ontem -, um banco que tenha subscrito um financiamento via TLTRO em junho de 2020 deverá registar uma margem de lucro de 0,6% sobre o dinheiro que detém até à altura em que o terá de reembolsar, em junho de 2023. Ora, o BCE anunciou ontem a subida da taxa de depósito para 0,75%.

    No limite, os bancos em Portugal terão um lucro extra de até 250 milhões de euros, tendo por base o montante de financiamentos via TLTRO registados no balanço do Banco de Portugal no final de 2021. Mas só os bancos saberão, ao certo, quanto irão ter de lucro fácil. É que depende das datas de recurso ao financiamento e dos montantes obtidos.

    O Millennium bcp é o banco que tem o maior lucro extra estimado com o financiamento via TLTRO III

    Partindo da estimativa do Morgan Stanley, ao Millennium bcp, o maior banco privado em Portugal, no máximo, caberá ao banco um lucro de 48,9 milhões de euros. O banco afirmou no seu Relatório e Contas do primeiro semestre deste ano, que reforçou o financiamento via TLTRO III, o que lhe permitiu aumentar a margem financeira na primeira metade deste ano.

    Segundo o mesmo Relatório, registou-se na margem financeira do banco “um  impacto marginalmente positivo resultante do financiamento adicional obtido junto do BCE, na sequência da decisão do Banco de elevar a sua participação na nova operação de  refinanciamento de prazo alargado direcionada (TLTRO III) para 8.150 milhões de euros, em março de 2021, beneficiando de uma remuneração baseada numa taxa de juro negativa mais favorável”.

    No caso do Banco BPI, “tem atualmente cerca de 4,9 mil milhões de euros de TLTRO”, disse fonte oficial do banco detido pelo espanhol Caixabank. Calcula-se que os ganhos estimados do banco chegarão até aos 29,4 milhões de euros.

    A Caixa Geral de Depósitos (CGD) adiantou ao Página Um que “os montantes de financiamento da CGD via TLTRO-III foram de 1000 milhões de euros em junho de 2020, 2.500 milhões de euros em março de 2021 e 2.300 milhões de euros em junho de 2021”. O cálculo de possíveis ganhos resulta num lucro extra de até 34,8 milhões de euros para o banco estatal.

    “Os impactos da manutenção do TLTRO-III dependerão da evolução das condições aplicáveis, pelo que só serão determinados com o reembolso do financiamento”, afirmou a mesma fonte oficial da Caixa.

    O Novo Banco detinha no final de junho deste ano 7,954 mil milhões de euros em TLTRO. O ganho possível ascende no máximo a 47,7 milhões de euros.

    Quanto ao Santander, “o financiamento obtido junto do BCE, no montante de 7,5 mil milhões de euros, manteve-se exclusivamente em operações de longo prazo e integralmente através do TLTRO III”, segundo o comunicado de imprensa do banco com as contas do primeiro semestre deste ano. Este montante corresponde a um ganho estimado de até 45 milhões de euros.

    Não foi possível obter comentários do BCP e Santander Portugal.

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    Um programa de financiamento para a economia?

    Para Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, “a manutenção do programa TLTRO III, pode ser vista como, ao mesmo tempo, uma ajuda à economia e aos bancos”. Isto porque, a seu ver, “pode auxiliar a economia porque cria condições para que sejam concedidos empréstimos a taxas mais baixas, ainda que esteja do lado dos bancos essa decisão”.

    Para os bancos, apontou que “o facto de se endividarem a uma taxa abaixo da que podem aplicar sem risco junto do BCE (ou a taxas mais altas junto de outras contrapartes), permite remunerar a liquidez excedentária”.

    Filipe Garcia, economista da IMF

    Lembrou que o BCE em Maio “tinha dado a entender que iria subir taxas a uma velocidade mais lenta, creio que para ancorar as expectativas numa fase em que ainda não era certo que a inflação continuasse a subir”.

    Agora, “o BCE parece estar a agir de outra forma, aproveitando a janela de oportunidade da inflação alta e abertura do público e governos para subir as taxas para níveis mais ‘normais’, enquanto a economia não desacelera de forma séria”.

    “Só assim se compreende que o BCE tenha ontem subido as taxas numa magnitude recorde, mas ao mesmo tempo tenha reconhecido que o PIB até poderá contrair em 2023”, frisou Filipe Garcia.

    Maria Vinuela, analista sénior da Moody’s e responsável pela avaliação dos bancos portugueses, espera que “os bancos europeus mantenham a maior parte de seus empréstimos sob TLTRO do BCE até junho de 2023, como resultado da decisão do BCE de aumentar as taxas de juros em julho e setembro de 2022”.

    Maria Vinuela, analista da Moody’s

    “Esta decisão mantém uma diferença positiva entre a taxa de empréstimo TLTRO e a taxa média de depósito do BCE, mantendo as oportunidades de arbitragem abertas e, assim, adiando o reembolso significativo de empréstimos TLTRO”, afirmou ao PÁGINA UM. “Como resultado, esperamos que o TLTRO continue a apoiar o NII (margem financeira estrita) dos bancos em 2022 e no primeiro semestre de 2023”, salientou.

    Em relação à banca em Portugal, Maria Vinuela frisou que “não existe informação pública sobre os ganhos obtidos pelos bancos portugueses com a arbitragem entre as taxas TLTRO e a taxa de depósito do BCE”.

    Recordou que “os bancos portugueses receberam cerca de 41 mil milhões de euros de financiamento das TLTROs no final de julho de 2021, excedendo o total de 32 mil milhões de euros um ano antes, e mais do dobro dos 19 mil milhões de euros reportados em 2018”, um aumento que “reflete principalmente as condições atractivas do programa TLTRO”. “O financiamento TLTRO dos bancos diminuiu consideravelmente em relação ao pico de 61 mil milhões de euros em 2012, quando os bancos portugueses enfrentaram graves restrições de liquidez, e agora representa cerca de 9,4% dos seus ativos”, disse.

    Nicola de Caro, analista da DBRS Morningstar

    Sobre a banca portuguesa, Nicola de Caro, vice-presidente sénior do departamento de ‘Global Financial Institutions’ da DBRS Morningstar, disse que “no primeiro semestre de 2022, o lucro líquido total quase duplicou em comparação com o mesmo período de 2021, com base nos dados agregados dos maiores bancos em Portugal”. Isto deveu-se “sobretudo a receitas mais elevadas e custos de provisões mais baixos, bem como menores imparidades”.

    A margem financeira aumentou 14% em termos homólogos, ajudada “por diversos factores mas não limitada ao impacto da TLTRO III”. “Em alguns casos, o efeito positivo da TLTRO representou cerca de 30% do crescimento da margem financeira em termos homólogos”, notou.

    Em termos de perspetivas futuras, o analista da DBRS espera que “a margem financeira dos bancos portugueses beneficie da subida das taxas de juro”. “Isto leva em conta a maior exposição dos bancos portugueses a empréstimos com taxa variável”, explicou.

    Por outro lado, a DBRS espera “um aumento nos custos de financiamento no mercado grossista”, a que se soma “a persistente pressão da inflação e custos de energia mais altos que podem afetar negativamente as empresas e colocar pressão sobre a qualidade dos ativos” dos bancos em Portugal.

    BCE alerta para revisão das condições da operação de financiamento dos bancos

    Na passada quinta-feira, 8 de setembro, o BCE anunciou a subida da sua taxa de depósito para 0,75%. Os analistas esperam que aumente mais em 2022 e em 2023. Conclusão: estima-se que os bancos mantenham os fundos TLTRO III até à sua maturidade, em junho de 2023.

    O BCE anunciou ontem que o seu Conselho “continuará a acompanhar as condições de financiamento dos bancos e a assegurar que o vencimento das operações da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionado (TLTRO III) não prejudica a transmissão harmoniosa da sua política monetária).

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    “As mudanças de condições do TLTRO que foram introduzidas durante a pandemia foram projetadas, projetadas e destinadas a incentivar os bancos a emprestar à economia, que é o que todos queríamos e foi o que foi feito predominantemente”, disse Christine Lagarde na conferência de imprensa após o anúncio de novo aumento de taxas de juro pelo BCE. Lembrou que “o preço TLTRO que foi então projetado foi destinado a esse efeito”.

    “É óbvio que, à medida que estamos a mudar para um território positivo em termos de taxas de juro, há múltiplas dimensões dos nossos quadros operacionais, dos nossos mecanismos de remuneração que precisam de ser revistas e isso é uma questão que vamos abordar, que verá alguma resolução ainda não foi debatida por ocasião desta reunião de política monetária em particular, mas é uma revisão geral que obviamente conduziremos no devido tempo”, avisou.

    Fontes da banca apontam que uma das soluções a que o BCE poderá recorrer é a alteração do múltiplo referente ao cálculo das reservas mínimas obrigatórias, forçando os bancos a ter mais dinheiro de lado para cobrir a liquidez que detêm. Os bancos teriam assim um incentivo para deter menos fundos e reembolsar o financiamento obtido via TLTRO.