Autor: Elisabete Tavares

  • Touro mecânico foi contratado pela Agência Nacional de Inovação para acção de ‘team building’

    Touro mecânico foi contratado pela Agência Nacional de Inovação para acção de ‘team building’

    Inovar tem sido o lema da Agência Nacional de Inovação (ANI) – que vai ser extinta junto com a Fundação para Ciência e a Tecnologia para dar lugar à nova Agência para a Investigação e Inovação (AII). E esse lema tem sido levado tão a sério pelo seu presidente, António Grilo, que até tem sido aplicado em alguns dos gastos que aquela entidade pública tem feito.

    O PÁGINA UM analisou alguns dos contratos públicos adjudicados por esta Agência este ano e, além da contratação de serviços de “saúde e bem-estar” a uma empresa de massagens com sede em Odivelas, a ANI fez outros contratos inovadores, incluindo, um contrato relativo a uma acção de ‘team building‘ que levou ao extremo o lema da casa.

    Foto: D.R.

    Nesta acção de ‘team building‘ realizada há três meses, no dia 28 de Maio, a ANI pagou 22.890 euros, com IVA incluído, à BV Eventos, a mesma empresa que faz massagens no Banco de Portugal. O contrato foi adjudicado por ajuste directo no dia 16 de Maio, e a actividade incluiu, segundo o caderno de encargos, a disponibilização de diversos tipos de actividades.

    Uma das actividades encomendadas pela ANi foi uma prova de vinhos “dinamizada por enólogo ou profissional certificado com formação específica em enologia” e tinha de incluir, pelo menos, “duas variedades de vinhos portugueses, com explicações sobre características e harmonizações”. Esta actividade contemplava ainda “jogos didáticos”, designadamente “um quizz de cultura vínica, jogo dos aromas e desafio sensorial”.

    Mas a ANI queria mais ‘acção e resolveu inovar. Assim, o evento contou com jogos e animação, incluindo um touro mecânico “com operador especializado e medidas de segurança”, porventura relacionado com a área científica do seu presidente, embora numa componente mais lúdica. António Grilo é professor de Gestão da Universidade Nova de Lisboa e liderou entre 2018 e 2023 a Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica e Industrial (UNIDEMI) integrada nesta institução universitária pública.

    António Grilo, presidente da Agência Nacional de Inovação. O gestor público foi quadro já teve a seu cargo a gestão académica na NOVA School of Science and Technology como presidente do Departamento de Engenharia Mecânica e Industrial, diretor do centro de investigação UNIDEMI, e membro do Conselho de Administração da NOVA.ID/ Foto: ANI/ D.R.

    Além do ‘rodeo‘, os quadros da ANI foram ainda presenteados com “Roda Viva” e, “pelo menos, mais dois jogos adicionais de tipo recreativo (ex.: jogos tradicionais)”, de acordo com o caderno de encargos consultado pelo PÁGINA UM.

    Mas não chegava. O evento contou também com música e um DJ só para a ocasião, sendo exigido que houvesse “interacção com os participantes para dinamização de actividades”.

    Este programa de ‘team building‘ foi acompanhado de um serviço de catering de luxo que incluiu tábua de queijos. Em resumo, o ‘manjar’ começou com um “Welcome Coffee” composto de bebidas (café, chás e água); miniaturas de sandes; bolos individuais e/ou miniaturas; fruta fresca. Seguiu-se um “almoço no estilo piquenique” com: “mini rissóis, chamuças e coxinhas de frango; croquetes, pastel de bacalhau e bola de carne; saladas variadas, designadamente, salada de atum e salada de polvo”.

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    A ANI contratou a BV Eventos para uma acção de ‘team building’ dedicada aos trabalhadores que incluiu uma prova de vinho e jogos e animação, designadamente um touro mecânico e um DJ, além de um serviço de catering com direito a tábua de queijos, sangria, vinho e cerveja. / Foto: D.R.

    O evento, que acomodou 120 pessoas, contou ainda com três pratos principais com “opção de carne”, “opção vegetariana” e saladas variadas. Por fim, a ANI pediu “pelo menos três sobremesas, sendo uma delas fruta”. A refeição foi ‘regada’ com cerveja, vinhos, sangria, sumos, água e café. Como extras, houve sopa, bolachas, tábuas de queijo e gressinos. Houve ainda direito a “bar aberto depois do almoço”, estando à disposição vinhos, cerveja, sumos e água.

    A ANI também adjudicou, este ano, um outro contrato à mesma empresa, a BV Eventos. O contrato, assinado a 22 de Abril, envolveu uma despesa de 15.847 euros, sem IVA, para prestação de serviços de bem-estar até ao final de 2025. Neste caso, não está disponível caderno de encargos para consulta, pelo que não são públicos quais os ‘mimos’ distribuídos pelos quadros da ANI.

    De resto, a ANI já é cliente regular da empresa de Odivelas que, entre tem entre seus serviços a realização de massagens. Este é já o terceiro ano consecutivo em que a ANI contrata serviços de “saúde e bem-estar” à BV Eventos. Em Abril de 2023 e de 2024, a ANI também contratou, por ajuste directo, este tipo de serviços para períodos de cerca de 8 meses. Nesses serviços, a Agência gastou, no total, 16.938 euros, sem IVA.

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    Foto: D.R.

    No total, em dois anos e meio, a BV Eventos facturou 145.523,80 euros em 10 contratos angariados junto de entidades públicas, dos quais sete por ajuste directo. Além da ANI, também o Banco de Portugal é cliente habitual da empresa.

    No caso da ANI, estes não são os únicos ‘mimos’ dados aos seus quadros. Já em Dezembro de 2024 dispendeu 5.678 euros, sem IVA, na “aquisição de 136 cabazes de Natal para os colaboradores e estagiários”. O ajuste directo foi feito à organização de cariz social, Movimento ao Serviço da Vida.

    Analisando os vários contratos adjudicados pela ANI este ano, salienta-se ainda a “solidariedade” da Agência que se estendeu a algumas sociedades de advogados, as quais beneficiaram de contratos sem concurso por parte desta entidade.

    Foto: D.R.

    No final de Março, a ANI adjudicou dois contratos à Vieira de Almeida & Associados e à Rebelo de Sousa & Advogados, respectivamente nos montantes de 45 mil euros e 20 mil euros. No início de Junho, entregou 10 mil euros à PricewaterhouseCoopers Legal. Em meados de Julho, pagou 19.900 euros à Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva.

    Entre os gastos que tem tido, nota ainda para as despesas com a nova sede, designadamente custos com sinalética e iluminação. Resta agora saber se estes gastos vão ser reaproveitados pela nova Agência para Investigação e Inovação (AII) ou se esta vai também significar: aii… que vêm aí mais gastos públicos.

  • Lisboa: PSP nem sequer sabe quantas casas foram assaltadas com famílias a dormir

    Lisboa: PSP nem sequer sabe quantas casas foram assaltadas com famílias a dormir

    Os assaltos a apartamentos durante a noite, enquanto as famílias dormem, começam a ser um flagelo cada vez mais relatado e que deixa marcas e traumas nas vítimas. Umas acordam e deparam-se com os ladrões em casa. Outras só dão conta do assalto quando acordam, de manhã.

    Mas tanto num como noutro caso, ficam com marcas e durante algum tempo algumas das vítimas têm dificuldade em adormecer. Nos casos em que havia bebés ou crianças pequenas em casa, na altura do assalto, os pais ficam sobressaltados.

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    Foto: D.R.

    Desde que o PÁGINA UM noticiou este tipo de assaltos, têm-nos chegado mais casos. Em algumas situações, as vítimas acordaram e os assaltantes fugiram. Noutros, as vítimas só de manhã, quando acordaram, é que descobriram que tinham sido assaltadas.

    Procurámos saber, afinal, quantas famílias residentes na capital foram assaltadas enquanto dormiam, desde o início do ano. A resposta que obtivemos é que não se sabe.

    A Polícia de Segurança Pública (PSP) não consegue indicar quantos assaltos com as famílias a dormir ocorreram este ano em Lisboa. Questionada pelo PÁGINA UM sobre o número de ocorrências deste tipo que foram registadas desde Janeiro, o gabinete de comunicação da PSP foi lacónico: “não nos será possível facultar-lhe uma resposta, tendo em conta a especificidade dos dados que pretende”.

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    Foto: D.R.

    Nos casos que relatámos recentemente, as famílias vítimas de assalto não apresentaram queixa formal, mas as que chamaram a PSP não viram nenhuma prova a ser recolhida nem esperam que sejam investigados os assaltos e detidos os assaltantes. Isto porque, para as autoridades policiais, se não existir sinais de arrombamento nem ameaças ou agressões, então os casos são, de certa forma, desvalorizados.

    Esta prática arrisca dar um sinal forte aos assaltantes: podem continuar a invadir casas durante a noite que não serão procurados nem importunados.

    Para as famílias, fica uma sensação de impotência perante a invasão do seu lar. Para os assaltantes, fica o sentimento de impunidade. E os assaltos sucedem-se, tanto a residências como a estabelecimentos comerciais. Entrando por janelas abertas ou mal fechadas, trepando varandas, passando por cima de estendais.

    Ainda esta semana nos chegaram mais relatos, desta vez de apartamentos assaltados com recurso a arrombamento. Só na Rua Leite Vasconcelos, em Lisboa, no mesmo prédio, dois apartamentos foram assaltados na mesma noite. Neste caso, não estava ninguém em casa.

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    Foto: D.R.

    Certo é que, por haver arrombamento, estes assaltos são vistos com mais seriedade, aos olhos da lei – e da PSP. Seria de repensar se, o facto de haver assaltos a ocorrer com famílias a dormir não seriam de ser levados mais a sério. Porque, ao bens que são roubados, somam-se as marcas psicológicas que ficam nas vítimas. E essa quebra de confiança na segurança que fica não se pode reportar à seguradora.

    Em alguns casos, mesmo pondo trancas às portas e alarmes nas janelas, o sentimento de insegurança permanece. Não se saber qual o número de famílias que são vítimas deste tipo de assalto não ajuda a restaurar o sentimento de que é seguro estar em casa.

  • Banco de Portugal paga massagens aos trabalhadores

    Banco de Portugal paga massagens aos trabalhadores

    Ser funcionário público ou trabalhar para uma entidade pública em Portugal não tem de ser sinónimo de frugalidade ou austeridade. Pelo contrário, em alguns casos, há tratamento VIP. Num país que ainda ostenta mais de 1,6 milhões de habitantes sem médico de família, o PÁGINA UM detectou entidades públicas que contratam serviços de massagens para garantir a saúde física e mental dos seus funcionários.

    Ainda este mês, o Banco de Portugal contratou, por ajuste directo, os serviços de uma empresa de massagens pelo valor de 12.240 euros por dois meses. A empresa escolhida foi a BV Eventos – Animação Turística, com sede num apartamento em Odivelas. A empresa opera com a marca BeWell e, no seu site, publicita algumas das suas clientes, designadamente duas das maiores do país: Sonae e Galp Energia.

    Foto: D.R.

    Mas, pelos vistos, também o Banco de Portugal tem bolsos fundos. No mais recente contrato, adjudicado à BV Eventos no passado dia 7 de Agosto ficaram garantidos 58 dias de massagens a decorrer nas 14 instalações detidas pela instituição financeira, incluindo a sua sede, segundo o caderno de encargos do procedimento consultado pelo PÁGINA UM. A ausência de concurso foi justificada com o facto de se tratar de um contrato de valor inferior a 20 mil euros.

    Este contrato iniciar-se-á no próximo dia 1 de Outubro, fazendo parte do “Programa de Bem-Estar 2025 do Banco de Portugal”, cujo objectivo é proporcionar aos trabalhadores “um conjunto de benefícios e actividades com o objetivo de promover o seu bem-estar através da iniciativa Momentos Anti-Stress”.

    A iniciativa Momentos Anti-Stress “tem como objetivo oferecer aos trabalhadores do Banco de Portugal, sessões individuais (com uma duração mínimo de 15 minutos por sessão) para combater o stress e a ansiedade e atenuar dores posturais localizadas”.

    Imagem de tabela incluída no caderno de encargos do contrato.

    O preço máximo contratado, de 12.240 euros, contempla um valor a cobrar de 240 euros por cada dia completo, abrangendo 30 sessões, e 135 euros para meio dia, com 15 sessões de massagens.

    Nas instalações temporárias arrendadas pelo Banco em Lisboa, no Edifício Marconi, irá haver massagens disponíveis dois dias por semana, num total de 24 dias. No Edifício Castilho irá haver dois dias de massagens por mês, num total de seis dias. Já na sede, situada na Baixa lisboeta, irá haver um dia de massagens por mês, num total de três dias, tal como no Complexo do Carregado, Edifício Filial e Edifício Avenida da República.

    Nas restantes instalações do Banco, espalhadas pelo Continente e Regiões Autónomas da Madeira e Açores, os trabalhadores vão beneficiar de dois meios dias de massagens.

    Foto: D.R.

    A empresa tem de levar “os equipamentos e meios necessários à realização das sessões (cadeiras, materiais de higiene)”, enquanto o Banco de Portugal “assegurará os locais apropriados e confortáveis que garantam a privacidade dos trabalhadores”.

    Mas está não é a primeira vez que o Banco de Portugal contrata esta empresa de massagens. Já em 8 de Agosto de 2024 adjudicou um contrato no montante de 35 mil euros à mesma empresa para prestar serviços de massagens, mas ao longo de nove meses. Neste caso, o procedimento foi feito por consulta prévia.

    Outro cliente regular da BV Eventos é a Agência Nacional de Inovação (ANI) que já adjudicou quatro contratos a esta empresa nos últimos dois anos e meio. Dos quatro contratos, três foram relativos à “aquisição de serviços de saúde e bem-estar” no valor global de 32.785 euros.

    António Grilo, presidente da Agência Nacional de Inovação. / Foto: ANI/ D.R.

    Outra entidade pública que é cliente habitual da BV Eventos é a MPH – DomusSocial – Empresa de Habitação e Manutenção do Município do Porto, que já adjudicou à empresa dois contratos, em Janeiro deste ano e no início de 2023, para a realização de massagens, num total de 5.260,8 euros.

    Mais compreensível, dada a natureza por vezes difícil das funções desempenhadas pelos trabalhadores, é o serviço contratado à BV Eventos pelo Centro de Emprego e Formação Profissional de Vila Franca de Xira. Num contrato adjudicado no dia 29 de Julho deste ano, no valor de 24.598 euros, foi feita a aquisição de um “programa de saúde e bem-estar”. Este programa foi destinado aos trabalhadores do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a nível nacional, abrangendo os trabalhadores “nos Serviços Centrais e nas Delegações Regionais”.

    Também o município de Braga recorreu aos serviços da empresa, num contrato assinado no final de Julho de 2023 para a “prestação de serviços para a realização de atividades no âmbito da saúde e bem estar do Programa Equilíbrio”, não existindo mais detalhes disponíveis, a não ser o custo para os contribuintes: 17.030 euros.

    Serviços contratados pelo IEFP à BV Eventos.

    No total, em dois anos e meio, a BV Eventos facturou 145.523,80 euros em 10 contratos angariados junto de entidades públicas, dos quais sete por ajuste directo.

    É certo que a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores públicos são importantes, sobretudo quando as tarefas desempenhadas são exigentes do ponto de vista psicológico e emocional. Contudo, com tantas despesas que saem do bolso do contribuinte, pouco ou nada sobra para massagens e, tanto o seu bem-estar como a sua saúde mental podem ficar comprometidos com os ‘mimos’ extravagantes que algumas entidades públicas distribuem pelos seus quadros.

  • Limpeza camarária não resolve decadência social do Jardim da Cerca da Graça

    Limpeza camarária não resolve decadência social do Jardim da Cerca da Graça

    No dia 25 de Julho, o PÁGINA UM publicou uma reportagem sobre o estado de degradação em que se encontrava o Jardim da Cerca da Graça, em pleno centro da capital. Na última semana, uma equipa de limpeza esteve a executar uma acção de limpeza do espaço, mas também numa colina próxima do Jardim, junto à Calçada do Monte. A acção durou vários dias e resultou em dezenas de sacos de lixo que acabaram por ser retirados da zona

    O PÁGINA UM regressou esta quinta-feira ao local e comparou o que vimos na reportagem anterior com a situação presente.

    Durante vários dias, uma equipa esteve a fazer uma acção de limpeza no Jardim da Cerca da Graça e na Calçada do Monte. Na foto, é visível uma carrinha com vários sacos de lixo e um funcionário a subir a escadaria da entrada principal do Jardim carregando sacos.

    Encontrámos um jardim significativamente mais limpo. Também as tendas de sem-abrigo que se encontravam no parque infantil já não estavam lá. E também não vimos nenhuma seringa, nem cartões bancários e carteiras roubadas, ao contrário do que aconteceu na primeira reportagem.

    Contudo, apesar dos esforços da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para melhorar e limpar o espaço, já começam a ser visíveis focos de lixo e latas espalhadas pelo chão. No parque dos cães, mantêm-se cobertores e edredons pendurados. Numa das “ruas” do parque, onde se encontravam tendas, estão agora alguns pertences de sem-abrigo que se voltaram a instalar no mesmo local.

    Por outro lado, apesar de a CML ter efectuado uma limpeza no parque infantil, o mesmo não parece estar em condições para ser frequentado por crianças. No escorrega dos mais pequenos, encontrámos um pedaço de papel absorvente sujo e sinais de que o espaço é usado por adultos. Ao lado do escorrega, era visível uma base de cartão no chão.

    Na zona do parque infantil já não há tendas de sem-abrigo.
    No parque dos cães, permanecem cobertores e edredons, num abrigo improvisado que serve da “casa” a sem-abrigo que se instalaram naquele Jardim.
    No escorrega dos mais pequenos, encontrámos um pedaço de papel absorvente sujo, havendo sinais de que o pequeno abrigo de madeira é usado por adultos. Ao lado, um pedaço de cartão jazia no chão.

    No escorrega das crianças mais crescidas, o “abrigo” de madeira com escadas que dão acesso ao escorrega já não tinha seringas nem cartões bancários ou carteiras roubadas. Mas encontrava-se com algum lixo, incluindo muitas beatas.

    Na zona reservada a brincadeiras com “areia”, o que resta de uma porta de correr jazia no chão, onde também eram visíveis beatas e outros lixos.

    As colinas mais acessíveis do jardim também foram limpas na recente acção de limpeza. Mas a colina de mais difícil acesso — cuja entrada era a que dava acesso ao antigo parque de estacionamento da EMEL — tem ainda mais lixo, incluindo malas de viagem velhas e sujas. O tipo de objectos que se encontram no local aparentam ser de tendas de sem-abrigo que residiam na parte de cima do parque e que terão sido retiradas recentemente.

    Quando os turistas descem a Calçada do Monte, é esta a primeira imagem do Jardim da Cerca da Graça que levam consigo: uma colina cheia de lixo. Perto, também vislumbram sem-abrigo a dormir rodeados de caixas de cartão.

    As escadas por onde as crianças sobrem para andar no escorrega maior ainda apresentam lixo variado. Mas já não havia lá seringas nem carteiras roubadas.
    Nesta nossa segunda visita ao Jardim, observámos que uma antiga porta de correr ocupava uma parte do chão do parque destinado a brincadeiras com areia. Havia beatas espalhadas pelo recinto dedicado aos mais novos.
    A primeira imagem que os turistas encontram do Jardim da Cerca da Graça é esta: lixo diverso, incluindo malas de viagem sujas, “descem” colina abaixo e já fazem parte da paisagem, ao lado de figueiras e outras árvores e arbustos.

    Ao descer a Calçada, continuam no mesmo sítio as garrafas e latas colocadas nos diversos orifícios que se encontram no muro que desce aquela via. E são visíveis, no chão, vidros de viaturas, que terão sido assaltadas recentemente.

    O que se torna evidente, é que todo o esforço da CML em limpar a zona esbarra num problema: a toxicodependência e os sem-abrigo que ali buscam o ‘produto’ e lá acabam por ficar a residir. Acresce a pressão turística e o número elevado de pessoas que se deslocam àquela zona, e por ali ficam a consumir bebidas, a ver a vista da cidade.

    As tendas foram retiradas do Jardim da Cerca. Mas os sem-abrigo e os toxicodependentes permanecem por ali. Bem como o risco de roubos e assaltos.

    Logo em frente à entrada principal do Jardim da Cerca, do outro lado da estrada, uma “tenda” improvisada com cartão ocupou o espaço onde até hoje existiam abrigos para uma colónia de gatos. São visíveis malas de viagem e outros objectos no local. As tigelas de comida e água dos gatos, aparentemente, desapareceram. Mas os gatos continuam a deambular pela Calçada, agora que perderam a sua “casa”.

    Na Calçada do Monte, havia vestígios de assaltos recentes a viaturas que estiveram estacionadas naquela via que é abrangida pela EMEL.
    Alguns sem-abrigo transferiram-se do Jardim da Cerca para o outro lado da estrada, na Calçada do Monte. Ocupam agora o espaço que até agora era o local onde estavam os abrigos da colónia de gatos residente no local.
    Na colina da Calçada do Monte, a CML levou a cabo uma grande acção de limpeza há poucos dias. Mas já são visíveis garrafas e latas. Um sem-abrigo também dormiu no local algumas noites.

    O que observámos levanta a questão sobre a viabilidade de a CML conseguir resolver sozinha o problema da degradação da zona. A conclusão é que não.

    Por mais equipas que a CML desloque para o local, para efectuar acções de limpeza, rapidamente, o lixo começa a aparecer. As tendas são substituídas por abrigos improvisados pela zona.

    Há seres humanos ali, a consumir droga, a viver uma vida sem dignidade. E se estão ali é porque há ali quem venda droga. Sem resolver o problema da venda e consumo de droga e álcool no local, não será possível travar a espiral de degradação da zona, que tem sido afectada por criminalidade contra pessoas e estabelecimentos.

    Esperar que a CML resolva isto sozinha é ingénuo. O Jardim da Cerca da Graça e a colina junto à Calçada do Monte estão agora mais limpos. Mas até quando?

    Lisboa merece um tratamento melhor. Os lisboeta merecem melhor. E, sobretudo, aqueles seres-humanos que ali estão a viver sem dignidade e condições, merecem melhor. E o problema de fundo, da toxicodependência que leva à criminalidade e gera sem-abrigo, não se resolve sem que haja uma intervenção concertada e eficaz.

    Sem isso, resta à CML ir enviando equipas de limpeza para, temporariamente, melhorar o aspecto e salubridade da zona.

    A colina da Calçada do Monte está visivelmente mais limpa, após a acção de limpeza da CML.
    Esta foi uma das zonas do Jardim da Cerca onde o PÁGINA UM encontrou seringas no chão. Hoje estava visivelmente mais limpa, sem lixos no chão nem na colina que desce para o relvado do Jardim.

    Pelo menos hoje, já se sentia um ambiente melhor no Jardim. Mais leve. Ouvia-se música. Um cão corria pelo relvado destinado a lazer e piqueniques. O quiosque estava vazio, mas o calor também era intenso.

    Resta esperar para ver qual o caminho que, daqui em diante, aquele espaço central da capital vai seguir. Se vai voltar a ser um Jardim com festas de aniversário de crianças e brincadeiras entre família e amigos. Ou se vai manter-se na espiral de tráfico e consumo de droga e álcool, crime e decadência. Esperemos que siga pelo primeiro.

  • Agora, a Mafalda já se lembra da Alemanha de 1930

    Agora, a Mafalda já se lembra da Alemanha de 1930

    Mafalda Anjos publicou, no dia 8 de Agosto, na revista Visão um artigo com o título “Ainda estamos aqui, apesar de vivermos tempos que nos lembram a Alemanha de 1930”. No artigo, a jornalista e ex-directora da Visão elabora sobre a ameaça de fecho que paira sobre a revista, devido à insolvência da empresa a que pertence, a Trust in News.

    No artigo, aproveita para lavar as mãos e branquear o seu efectivo contributo para a crise da empresa de media e o risco de fecho da revista. E atribui as culpas da crise à extrema-direita e ao regresso de “vibes” que fazem lembrar a ascensão dos nazis ao poder na Alemanha dos anos 30.

    Por um lado, é surpreendente. Afinal, Mafalda Anjos recorda-se desse episódio negro na História que levou à Segunda Guerra Mundial — e ao Holocausto. Ninguém diria que a jornalista se lembrava que tinha existido esse período na História.

    E é surpreendente por um simples motivo: Mafalda Anjos foi um dos activistas em Portugal que mais incentivou nos media a segregação da população, a perseguição e o incentivo ao ódio de uma parte dos portugueses. Foi há pouco tempo. E vale a pena recordar. Mafalda foi um dos rostos da intolerância e perseguição ao “diferente”.

    Como directora da Visão protagonizou um dos mais tristes e lamentáveis eventos na História da imprensa em Portugal: a sistemática perseguição e difamação de uma parte da população portuguesa. Não por causa da sua cor de pele ou etnia. Não por causa da sua religião. Não por causa do seu género ou sexualidade. Mas apenas por isto: optaram por não tomar as novas vacinas contra a covid-19. Muitos tinham já imunidade natural (um tema que foi alvo de censura). Outros tomaram a opção por prevenção, dados os escassos dados sobre os eventuais efeitos a longo prazo das vacinas. Outros por não estarem nos grupos de risco. Outros por considerarem que os riscos da toma da vacina superavam os seus eventuais benefícios. Se Mafalda Anjos tivesse feito jornalismo, na altura, em vez de seguir a propaganda, saberia isto.

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    No seu artigo publicado este mês diz o seguinte:

    “Há líderes populistas e carismáticos de direita radical que sabem tirar partido do ressentimento, oferecendo respostas simplistas para problemas complexos, tal como na Alemanha dos anos 30”.

    Foi o que se passou na pandemia. Líderes políticos, usando o medo e o ressentimento, usando a propaganda, tiraram partido da crise de saúde pública para, servindo interesses económicos, abrir caminho ao reforço de poderes e supressão de direitos diversos, incluindo a liberdade de imprensa e de expressão.

    “Atribuem-se culpas coletivas e escolhem-se bodes expiatórios para apontar o dedo, tal como na Alemanha dos anos 30.”

    Foi que aconteceu na pandemia e Mafalda ajudou à perseguição.

    “Temos novas tecnologias disruptivas que catapultam a propaganda, tal como na Alemanha dos anos 30.”

    Tal como na pandemia. Mas, Mafalda, é mais do que isso. Com estas tecnologias impõe-se a censura, impõem-se uma narrativa. Difama-se insulta-se. Como fez Mafalda na pandemia.

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    Os confinamentos aplicados em Portugal e outros países na pandemia deixaram um rasto de destruição na economia e na saúde física e mental. A medida foi contestada e questionada com base em evidências e estudos científicos. Quem o fez foi chamado de “negacionista”.

    “E tenta-se descredibilizar os média tradicionais que denunciam as mentiras, os engodos e os perigos destes, tal como na Alemanha dos anos 30.”

    Aqui Mafalda está errada. Porque houve uma evolução. Não foi preciso destruir os media tradicionais. Ao aliarem-se a propaganda, autodestruíram-se. Aliás, continuam a autodestruir-se ao publicar artigos como o de Mafalda, este mês, na Visão.   

    Porque Mafalda Anjos, e outros jornalistas em Portugal, meteram o Jornalismo debaixo do tapete na pandemia e em torno de outros temas — das polémicas em torno da ideologia do género, à guerra na Ucrânia, etc. Fecharam-no, numa masmorra, a sete chaves. Condenaram o Jornalismo à obscuridade. Em vez de investigarem os vários temas da pandemia, aliaram-se aos governantes para impor narrativas. Para impor censura aos “desalinhados”. Para perseguir, denegrir, difamar, segregar os que questionavam medidas ou optavam por não tomar as vacinas ou usar as máscaras faciais.

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    Sim, Mafalda, houve jornalistas a ser censurados na pandemia. Houve órgãos de comunicação social a serem alvo de censura. Ainda hoje há censura.

    Foi um período negro na História de Portugal. Não apenas pela pandemia, mas pela censura, a segregação. Nasci em Abril de 1974. Assisti em choque a comentários de pessoas como Mafalda Anjos. A textos publicados na revista Visão, no Público, no Diário de Notícias, no Expresso, … Os apelos e apoios às políticas de segregação, sem qualquer base científica, mas com uma gigantesca base desumana.

    Foi um período de retrocesso nos mais basilares valores europeus, do respeito pela Democracia, pelo Estado de Direito, pelos direitos humanos e direitos civis. O ‘my body my choice’ deixou de ser defendido por pessoas como Mafalda. Foi trocado pela mais pura e odiosa segregação populacional.

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    Lembro-me de ver algumas publicações de Mafalda na rede X e de ter percebido, finalmente, como é que famílias de bem na Alemanha de 1930 alinharam com os nazis na perseguição a judeus. Era algo que eu nunca tinha percebido bem. Como é que “boas” pessoas se transformam em monstros, ficando possuídas pelo mais puro mal.

    Sempre considerei a Mafalda uma “boa” pessoa. Nada me dizia o contrário. Até assistir ao seu comportamento na pandemia. Como jornalista e directora de um órgão de comunicação social o seu desempenho desde 2020 foi desastroso. Trocou o jornalismo, a isenção, a investigação pela ideologia, a propaganda, a censura, a perseguição e a segregação. Usou termos para denegrir e difamar, como ‘chalupa’, ‘negacionista’, ‘anti-vacinas’. Outros foram atrás e chamar nomes e insultar passou a ser normal na pandemia.

    Durante a pandemia, percebi, finalmente, como “boas” pessoas na Alemanha de 1930 se tornaram apoiantes de Hitler e da ideologia e políticas nazis. Como caíram na propaganda nazi. Como se tornaram “agentes” nazis que perseguiam e denunciavam. Mafalda trocou a caneta de jornalista pela farda de “agente de saúde pública” do batalhão da propaganda da ditadura sanitária insana e anti-científica e anti-humana que se instalou nos anos da pandemia.

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    Mafalda deveria ter feito o que fez Pedro Almeida Vieira. Em 2020, viajou pela Europa e testemunhou ao vivo como estava a ser gerida a pandemia, inclusive na Suécia, um dos países com a maior taxa de sucesso na gestão da pandemia. Na Suécia, não houve máscaras, em geral. Não houve perseguição pública de parte da população. Não houve medo e terror imposto por jornalistas, ao contrário do que aconteceu em Portugal.

    Mafalda devia ter promovido a investigação jornalística, não a disseminação de propaganda. Devia ter investigado os números fornecidos pela Direcção-Geral de Saúde. Ou a censura e desinformação que circulavam sobre a origem da pandemia e a eficácia real do uso de máscaras. Ou o “perigo” que representavam as crianças para os avós…

    Mafalda devia ter investigado, como fez Pedro Almeida Vieira, o que se passava na Ordem dos Médicos. Se o tivesse feito, teria descoberto que o então bastonário, Miguel Guimarães, escondeu numa gaveta dois cruciais pareceres do Colégio de Pediatria que não recomendavam a administração das novas vacinas contra a covid-19 a crianças e jovens saudáveis.

    Estocolmo, Suécia, 2020 (Foto: PAV)

    Mesmo, agora, há muito para investigar e noticiar. Ainda esta semana, o PÁGINA UM publicou uma notícia sobre um estudo científico liderado pelo maior epidemiologista do mundo, John Ioannidis. Sim, o reputado professor da Universidade de Stanford que foi perseguido e ameaçado na pandemia por fanáticos da censura sanitária que se instalou.

    O estudo  revela um retrato bem diferente do proclamado durante a pandemia: 2,5 milhões de vidas salvas em três anos, quase todas em idosos, expondo o exagero e a fragilidade da narrativa oficial. E deixa em aberto a hipótese de que a vacinação de menores de 30 anos pode ter causado um impacte líquido negativo.

    Ou seja, o estudo dá razão ao Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos e aos pareceres que foram escondidos dos portugueses. Os pareceres que Mafalda e a Visão nunca noticiaram por seguirem a propaganda da época.

    Anders Tegnell, reputado epidemiologista sueco, liderou a resposta da Suécia à pandemia de covid-19 com um grande sucesso. O país, ao contrário de outros, como Portugal, praticamente não regista excesso de mortalidade. A Suécia recusou aplicar, em geral, confinamentos e o uso generalizado de máscara facial. / Foto: D.R.

    Na altura, perseguiram-se pais que tinham dúvidas. Segregaram-se crianças e jovens. Aterrorizou-se a população.

    Tantas notícias teria Mafalda conseguido se tivesse investigado temas da pandemia. Mas não o fez.

    A pergunta é: se Mafalda vivesse na Alemanha de 1930, iria apoiar a segregação de judeus se lhe dissessem que eram uma “ameaça” à saúde pública?

    Como o leitor deve ter reparado, possivelmente, não coloquei neste artigo qualquer link para nenhum dos artigos segregacionistas e de incentivo ao ódio que Mafalda publicou na Visão. Nem nenhum link para qualquer uma das suas publicações cheias de ódio publicadas nas redes sociais e que atraíram – e fortaleceram – uma multidão de gente raivosa em busca de vítimas que servissem de bode expiatório para tudo o que a pandemia trouxe, incluindo crise económica e desemprego. Não quero promover o seu ódio.

    E há algo que é certo: Mafalda contribuiu para a insolvência da Trust in News, sim. Não só porque era directora da Visão e publisher, como tinha acesso, se quisesse, às demonstrações financeiras da empresa de Luís Delgado. Podia ter actuado. Por outro lado, ajudou a arrastar a Visão para a lama do descrédito público, ao alinhar com propagandas e narrativas únicas, ou seja, ao recusar investigar a fundo todos os temas, sem excepção. O leitor não é burro.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Quando o PÁGINA UM alertou para a grave crise que a TIN vivia e o seu gigantesco passivo e dívidas ao Estado, o que fez Mafalda? Respondeu ao Pedro Almeida Vieira que os seus artigos sobre a crise da TIN “eram fantasiosos”. Estávamos em Julho de 2023.

    Passado uns escassos cinco meses, abandonou o barco, quando o PÁGINA UM tinha tornado público que o seu barco se estava a afundar. Tentou salvar a pele e sair com uma indemnização superior a 50 mil euros. Hoje é uma das credoras da TIN. Mafalda foi directora da Visão e directora editorial (publisher) da TIN durante anos.

    Agora, tenta lavar a sua imagem e as suas mãos. E a revista Visão ainda lhe dá a honra de publicar lá um artigo. Inacreditável.

    Mafalda não sabe pedir desculpa. Nem à Visão, a qual arrastou para guerras ideológicas e para máquinas de propaganda. Nem aos leitores que se foram afastando. Nem sabe pedir desculpa aos que perseguiu e contra os quais incentivou o ódio e a segregação.

    angry face illustration

    Mafalda ainda pode continuar a ser “boa” pessoa e ter apenas ter caído temporariamente na propaganda sistémica e coordenada que se instalou na pandemia. Pode ter sido fraca. Pode ter ficado possuída pelo mal — o mal que odeia, que segrega, que censura. Mas nunca pediu desculpa. E penso que ninguém espera que o venha a fazer. Pelo contrário. Como outros, vai branquear a sua imagem e o seu papel. Vai procurar que se esqueça o que escreveu e o ódio que promoveu.

    Uma coisa é certa: Mafalda agora fala da Alemanha de 1930. Agora, Mafalda lembra-se. Recorda-se que houve períodos na História em que pessoas foram perseguidas por vizinhos, por amigos. Houve censura. Houve medo. Houve denúncias. Talvez, assim, numa futura crise, Mafalda não volte a fazer parte dos que perseguem, odeiam e segregam. Quem sabe.

    Lamento profundamente o que se passa com a Visão e as restantes publicações da TIN. Os postos de trabalho ameaçados. Os salários em atraso. Por isso, assistir à publicação de textos como o de Mafalda Anjos na Visão gera estupefacção. Porque a Europa vive, de facto, sob a ameaça de uma burocrática censura digital que se instala, com ajuda de leis novas que reprimem a liberdade de imprensa, mesmo que sejam “vendidas” embrulhadas em boas intenções. Há ameaças à democracia no Ocidente. Mas Mafalda continua a não conseguir ver a floresta da qual Portugal faz parte e de como o que se passa no país é ditado por políticas decididas no exterior, com a cumplicidade de políticos e partidos nacionais.

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    Vivem-se tempos similares aos da Alemanha de 1930? Sim. Mas não é de hoje. Já se escreve sobre isso há anos, inclusive aqui no PÁGINA UM. Por isso, é bom que agora Mafalda se lembre, finalmente, da Alemanha dos anos 30. Mas também tem “muita lata” em vir falar disso agora. Mafalda tem ajudado e contribuído para que este clima de opressão se instale e prospere. Fez parte dele até, a dado momento. E enquanto não pedir desculpa pelo que fez aos portugueses, à Visão e ao Jornalismo, escusa de vir queixar-se. Soa a lágrimas de crocodilo – daqueles que, como bons predadores, já tem a barriga cheia de uma vítima qualquer.

    Elisabete Tavares é jornalista

  • Marcelo contrata Pinguim Atrevido para explicar como usar uma condecoração

    Marcelo contrata Pinguim Atrevido para explicar como usar uma condecoração

    Quando o assunto é complicado e se pretende torná-lo simples e cativante, o melhor é fazer um desenho. E se então for um desenho animado, estupendo. Terá sido isso que pensou Marcelo Rebelo de Sousa quando a Presidência da República decidiu encomendar a realização de um filme de animação para explicar… como usar condecorações.

    A empresa escolhida pela Presidência da República para esta ‘árdua tarefa’ de mostrar aos mais novos como as 10 dezenas de condecorações são usadas, quase sempre pelo já (muito mais) velhos, foi a Pinguim Atrevido, com sede no Porto, que vai facturar 17.896 euros, com IVA incluído, num contrato celebrado por ajuste directo no dia 5 de Junho, mas somente publicado no Portal Base no passado dia 9 de Julho.

    Marcelo Rebelo de Sousa com António Mota, antigo CEO da Mota-Engil, em Junho passado. / Foto: Presidência da República

    O objecto do contrato é a “aquisição do serviço de produção de filme de animação ‘Como Usar uma Condecoração’”, mas o contrato muito simples é omisso quanto às especificações do filme e também não menciona qual o objectivo desta encomenda. Sabe-se apenas que deverá estar concluído no início de Setembro.

    Também não está disponível o caderno de encargos do procedimento, contrariando as melhores práticas de transparência na contratação pública. Também não se sabe a razão da escolha da empresa Pinguim Atrevido. Para contratos de valor inferior a 20 mil euros podem ser feitas adjudicações de ‘mão beijada’ ao abrigo do disposto no Código dos Contratos Públicos.

    Em todo o caso, a Pinguim Atrevido é uma empresa criada em Maio de 2015 por Jorge Marques Ribeiro e Rui Marques Ribeiro, gerindo “um pequeno estúdio situado no centro do Porto” e produz “desenhos animados em 2D, 3D, e misturado com imagem real”.

    Foto: Presidência da República

    No seu site, a empresa complementa a sua apresentação com mais detalhes: “Temos vários estilos e linguagens tanto em filme como em ilustração, mas o que mais gostamos de fazer é bonecada!” O primeiro dos sócios, Jorge Marques Ribeiro, foi presidente da Casa da Animação, tendo realizado diversas animações, como, por exemplo, uma dedicada ás Linhas de Torres Vedras.

    Mas este não foi o único contrato envolvendo filmes recentemente encomendados pela Presidência da República. No dia 4 de Agosto, os serviços da Presidência formalizaram um contrato para a “aquisição de serviços de edição de vídeo para reformulação do filme ‘Palácio de Belém: Vivências’, inicialmente realizado em 2005..

    Este novo contrato foi adjudicado a Ramon de Oliveira Freitas, criador do personagem ‘Mitzpe’, através de um procedimento de consulta prévia. A justificação dada para a não realização de concurso foi o facto de ter, alegadamente, havido uma “consulta prévia, com convite a pelo menos três entidades”, o que abre caminho para um ajuste directo “quando o valor do contrato seja inferior a 75.000” euros. No caso deste contrato, o valor pago foi apenas de 3.752 euros.

    Marcelo Rebelo de Sousa numa das condecorações atribuídas no passado dia 28 de Julho no Palácio de Belém. Na imagem, Miguel Horta e Costa, presidente da Associação World Monuments Fund Portugal, recebeu a insígnia de Membro Honorário da Ordem do Infante D. Henrique atribuída àquela organização.
    / Foto: Rui Ochôa | Presidência da República

    O filme sobre o Palácio de Belém que vai agora ser alvo de ‘remodelação’, conta a história do “emblemático edifício, desde a implantação da República aos primeiros anos do séc. XXI”, tendo sido originalmente encomendado por Jorge Sampaio no âmbito da exposição temporária ‘Do Palácio de Belém. Encontra-se disponível online e na exposição permanente do Museu da Presidência da República.

    O filme faz um retrato “das vivências da residência oficial do Presidente da República Portuguesa e de quase cem anos da nossa História contemporânea”. Foi concebido por Diogo Gaspar e Elsa Alípio e teve produção de Patrícia Rolo Duarte.

    Já em Fevereiro do ano passado, a Presidência contratou “a produção e aquisição de filmes para o Núcleo das Ordens Honoríficas Portuguesas“, num contrato feito por ajuste directo no valor de 18.327 euros. A encomenda ficou nas mãos da empresa Shortfuse – Soluções de Webvídeo.

    Fotograma de um dos desenhos animados da Pinguim Atrevido.

    Um ano antes, em Janeiro de 2023, contratou a “prestação de serviços para produção de filme biográfico dos Presidentes da República para exposição permanente do Museu da Presidência da República“. O montante pago foi de 11.622 euros, tendo o contrato sido adjudicado sem concurso à empresa Braveant II.

    No total, em três anos, Marcelo Rebelo de Sousa gastou, pelo menos, 51.597 euros em filmes. Ficamos agora a aguardar para ver o filme animado sobre como usar condecorações. Outro filme que poderia atrair o interesse dos portugueses seria um sobre como se gasta o dinheiro público. Mas, se calhar, é melhor não dar ideias à Presidência da República…

  • Concertos ‘grátis’ dos James já custaram mais de meio milhão de euros ao erário público

    Concertos ‘grátis’ dos James já custaram mais de meio milhão de euros ao erário público

    São espectáculos realizados a convite de autarquias que visam promover os municípios — e os autarcas. Uma das bandas que tem facturado no último ano com concertos deste género é a banda britânica James, liderada por Tim Booth — tio da actriz portuguesa Maya Booth. Os seus concertos têm sido noticiados nos media como sendo de entrada “grátis”. Mas, na realidade, são pagos por todos os contribuintes. E não saem nada barato.

    No caso da banda britânica — que actua este Sábado em Penamacor —, no último ano, os seus três concertos de entrada “grátis” a convite de municípios custaram aos contribuintes a quantia de 518.937 euros.

    Os James actuaram em Vila Real no dia 5 de Julho. O concerto custou 194.832 ao erário público, mas a entrada era “grátis”. / Foto: D.R.

    O espectáculo desta banda — a qual se tornou popular nos anos 90 — que saiu mais caro aos bolsos dos contribuintes foi o que se realizou no dia 5 de Julho em Vila Real, a propósito das comemorações do centenário de elevação de Vila Real a cidade.

    Só este concerto garantiu aos James uma receita de 194.832 euros, com IVA incluído. A contratação feita pelo município de Vila Real foi fechada no dia 27 de Março, com a assinatura de um contrato por ajuste directo com a empresa Malpevent, Consultadoria e Produção de Eventos.

    Mas a banda agradeceu com a publicação de um vídeo do seu concerto em Vila Real nas redes sociais.

    De resto, como o PÁGINA UM noticiou, os custos dos eventos a realizar este ano no âmbito da comemoração do centenário de Vila Real iam já em meio milhão de euros no mês de Março e ainda havia contratos por publicar no Portal Base, a plataforma de registo das compras públicas.

    A banda britânica vai actuar hoje a convite da autarquia de Penamacor. Os contribuintes pagaram 183.270 euros por este concerto. Mas a entrada é “grátis”. / Foto: D.R.

    Um mês depois do concerto em Vila Real, os James actuam em Penamacor. O concerto está agendado para este sábado, dia 2 de Agosto, inserido na anual Feira Terras do Lince.

    A contratação foi formalizada no dia 30 de Junho através de um contrato por ajuste directo adjudicado pelo município de Penamacor à empresa Malpevent, Consultadoria e Produção de Eventos. O preço do concerto dos James ficou em 183.270 euros. É esse o valor pago pelos contribuintes para alguns poderem assistir a este concerto “grátis”.

    A autarquia de Penamacor, de resto, abriu os cordões à bolsa e, em pleno ano de eleições autárquicas, contratou ainda, para a Feira Terras de Lince de 2025, outro nome sonante. Os Gipsy Kings, com Nicolas Reys, actuaram ontem no evento pela “módica” quantia de 162.975 euros. A contratação foi efectuada no dia 2 de Julho num contrato por ajuste directo também adjudicado à empresa Malpevent.

    Foto: D.R.

    Em resumo, os contribuintes pagaram um total de 346.245 euros por estes dois concertos contratados pelo município de Penamacor, que tem apenas 4.797 habitantes. Ou seja, significa que estes dois concertos “grátis” custaram, na verdade, 72 euros por cada habitante do município.

    Os valores cobrados este ano pelos James aos municípios de Penamacor e Vila Real são mais elevados do que os cobrados à autarquia do Crato, no Verão do ano passado.

    A banda britânica actuou no dia 30 de Agosto de 2024 no Festival do Crato. A contratação da banda foi fechada a 19 de Junho de 2024, através de um contrato por ajuste directo adjudicado à empresa Bam! Bookings Management Unipessoal. O concerto gerou uma receita de “apenas” 140.835 euros para os James, que saiu dos bolsos dos contribuintes. Mais uma vez, segundo a imprensa, o concerto teve entrada “grátis”.

    Foto: D.R.

    Este ano, a banda ainda vai actuar, pelo menos, mais uma vez, em Portugal. Os James integram o cartaz do Festival de Vilar de Mouros e vão subir ao palco no dia 20 de Agosto. Mas aqui a entrada não é paga por todos os contribuintes. Só mesmo os que querem assistir é que terão de desembolsar o custo do bilhete diário do Festival, de 53,50 euros.

    Mas mesmo sem a receita obtida em Vilar de Mouros, os James já levaram mais de meio milhão de euros para casa graças a três generosos municípios portugueses.

    Assim, não é de espantar se no Verão do próximo ano houver mais concertos “grátis” da banda de Manchester a convite de municípios, apesar de 2026 não ser ano de eleições autárquicas. Basta que haja centenários para comemorar pagos pelos contribuintes e Feiras anuais com orçamento de luxo. Os James agradecem.

  • Para onde vais, Lisboa?

    Para onde vais, Lisboa?

    Tirana. Capital da Albânia. Passeando na rua, à noite, bancas de frutas tapadas com lonas permanecem à porta de alguns minimercados e mercearias, sem supervisão. Em alguns cafés, móveis das esplanadas ficam na rua toda a noite, sem correntes nem cadeados.

    Existe criminalidade em Tirana? Sim, como em todas as principais cidades. Mas alguns cenários em Tirana são já impensáveis em Lisboa, onde a real insegurança testemunhada diariamente pelos residentes e turistas contrasta com a quase invisibilidade do patrulhamento policial.

    Na madrugada desta terça-feira, a zona da Graça viveu mais uma noite de assaltos. Este bar na Travessa do Monte teve ‘sorte’. A janela estava fechada no trinco e os ladrões não conseguiram entrar. Mas os prejuízos pelos vidros partidos e cadeados estragados acumulam-se. Na Rua da Graça, a ‘casa dos crepes’ não teve a mesma sorte e foi mesmo assaltada. / Foto: D.R.

    Um exemplo. Na segunda-feira, o PÁGINA UM publicou a sua segunda reportagem sobre os ‘males’ que afligem a capital. Esta reportagem debruçou-se nos casos dos assaltos a casas no centro de Lisboa, perto da Graça, durante a noite, com as famílias a dormir.

    Na madrugada de terça-feira, a zona da Graça acordou e deparou-se com nova ronda de assaltos. A ‘casa dos crepes’, como é conhecida, viu a porta ser arrombada. Os ladrões conseguiram entrar. A manhã de anteontem foi de limpezas e com o proprietário a fazer contas aos estragos.

    Ali perto, na Travessa do Monte, um bar ficou com um vidro partido. Os ladrões não conseguiram entrar porque a janela estava fechada no ‘trinco’. Foi o que valeu. Os agentes da polícia estiveram no local a recolher provas. Mas ninguém tem esperanças de que os ladrões venham a ser apanhados e que tenham de pagar os estragos que deixaram para trás em mais uma noite de roubos na zona.

    Na Rua da Graça, os donos de lojas e cafés na zona já perderam a conta ao número de assaltos ocorridos na zona durante a noite. Além disso, há prejuízos causados por roubos feitos durante o dia.
    / Foto: PÁGINA UM

    “Pensámos que estava melhor, mas não. Os assaltos voltaram”, disse um dos proprietários de um dos estabelecimentos na Rua da Graça. Nem os quiosques de jornais escapam aos roubos. Um deles foi assaltado duas vezes só este ano. Na primeira vez, os ladrões foram bem sucedidos e conseguiram entrar e concretizar o assalto. Da segunda vez, deixaram o cadeado danificado. Para o dono do quiosque, foi mais um prejuízo, a juntar aos anteriores.

    Na movimentada farmácia, no Largo da Graça, junto ao quartel dos bombeiros, foi necessário contratar um segurança privado que agora previne roubos diurnos. Mas, mesmo assim, as funcionárias encontram alarmes no chão frequentemente. Um sinal de que alguns dos produtos expostos nas prateleiras já tinham ‘voado’.

    A esta onda de roubos durante o dia não será alheio o facto, de nas redondezas, se ter normalizado a instalação de tendas de sem-abrigo e toxicodependentes. O caso da degradação do Jardim da Cerca da Graça é testemunha disso.

    Tirana, Albânia. / Foto: PÁGINA UM

    Mas não são apenas os assaltos a casas, estabelecimentos comerciais e pessoas que sinalizam a tendência decadente da capital. Os montes de lixo espalhados por cada esquina e junto a ecopontos multiplicam-se pela cidade. A impunidade instalou-se. Além de lixo doméstico e de lojas e restaurantes, vêem-se sofás, móveis velhos, electrodomésticos, colchões, … Em algumas ruas, há vários ‘montes’ de lixos visíveis. E há a somar os sacos de obras e empreitadas na construção de empreendimentos de luxo e casas para vender a turistas a peso de ouro.

    Testemunhei situações em que funcionários da autarquia passaram para retirar lixos e entulhos a seguir ao almoço e, ao final da tarde, já lá estava mais lixo e entulho nos mesmos locais.

    Mas o maior problema é o tráfico de droga que prospera no centro de Lisboa. Se há tantos toxicodependentes é que por que há droga. Se há tantos consumidores, é porque há vendedores, traficantes. Não é preciso ser polícia para ver o consumo e o tráfico. É feito em plena luz do dia em alguns locais.

    Foto: PÁGINA UM

    Veja-se a tão falada Rua do Benformoso. Não se vê nenhum imigrante hindustânico entre os que estão sentados na escada do costume com cara de poucos amigos. A confusão e os distúrbios ali são diários. Não há vez que lá passe que não assista a confusão. Mas depois vemos o aproveitamento que existe para se atacar imigrantes hindustânicos.

    Tomar um café no Martim Moniz é uma dor de alma. Dá pena até pelos turistas que se acotovelam na longa fila para o eléctrico 28, sob o sol tórrido de Julho. Em 20 minutos, assisti a várias altercações violentas envolvendo pessoas claramente dependentes (drogas, álcool). Os funcionários dos cafés e lojas da zona mereciam uma medalha. Nem imagino o que passam ali, todos os dias.

    Foto: PÁGINA UM

    Jovens lisboetas apontam aquela zona como zona de passagem proibida à noite. E mesmo durante o dia, há ali ruas em que não entram, porque os assaltos são certos.

    Caminhando pela baixa lisboeta, o que ouço é o mesmo: muitos assaltos, muitos roubos. Muitos toxicodependentes. (E crimes violentos. Veja-se o crime hediondo noticiado ontem, sobre o corpo decapitado de um homem que foi encontrado perto do Rossio.)

    Isto são apenas exemplos. Chegam-nos testemunhos ao PÁGINA UM de lisboetas que vivem em diferentes pontos da cidade que relatam os mesmos problemas: assaltos; lixo e sujidade; toxicodependentes a viver nas ruas.

    No Jardim da Cerca da Graça são visíveis seringas em várias zonas do espaço. / Foto: PÁGINA UM

    Não é possível pensar que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e as juntas de freguesia conseguem resolver, por si só, sem apoio de outras entidades, os graves problemas que afligem a capital.

    É urgente um plano para salvar a cidade da crescente degradação. Não pode ser um plano que envolva apenas a autarquia e as juntas de freguesia. Há que envolver as autoridades policiais e outras entidades. Combater o tráfico de droga com mão-pesada. Multar de forma agressiva os que forem apanhados a entupir as ruas de lixo e monos.

    Não é possível que Portugal aceite ter esta Lisboa como cartão de visita para os turistas. E muito menos é aceitável que o país aceite ter esta Lisboa, neste estado decadente, para os seus residentes, imigrantes incluídos.

    Carlos Moedas enfrenta uma cidade com problemas complexos e que incluem evidentes focos de tráfico de droga e criminalidade generalizada. Mas o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não vai certamente conseguir resolver este tipo de problemas sozinho. / Foto: D.R.

    Olhando para o estado de algumas zonas da cidade, faz-me lembrar a Lisboa dos anos 80 e 90. E não falo das saudosas salas de cinemas e das maravilhosas piscinas públicas, que tantas alegrias traziam no Verão. Falo dos assaltos nas ruas, falo do Intendente da droga e da prostituição, de zonas como o Casal Ventoso, os bairros de barracas e casas pré-fabricadas. Em alguns aspectos, assistimos hoje a uma espécie de ‘déjà vu‘.

    Ver Lisboa assim causa tristeza. Afinal, o que aconteceu à cidade? Como chegou aqui? O mais fácil será atirar culpas para Carlos Moedas, mas é injusto e redutor. O mesmo vale para os vários presidentes das juntas. Porque quem coloca os monos e os lixos tem responsabilidade. Quem falha no controlo e na prevenção do tráfico de droga e da criminalidade tem responsabilidade. Quem aprovou políticas irresponsáveis que deixaram entrar imigrantes com perigosos e cadastro. Quem aprovou políticas desumanas que atiraram mais portugueses para a pobreza ou para o sobre-endividamento tem responsabilidades. Ou quem criou políticas desastrosas que aumentaram ainda mais a desigualdade.

    E todos nós temos responsabilidade pela cidade em que vivemos. Fazemos parte dela. Esperar que “os outros” resolvam tudo é um absurdo. Despejar os desgostos nas redes sociais pode ser bom, mas só é útil se envolver algum tipo de envolvimento cívico concreto para a resolução dos problemas.

    Os lisboetas não podem estar à espera que a autarquia e as juntas de freguesia resolvam todos os problemas que afligem a cidade. O lixo e ‘monos’ que entopem as esquinas de muitas ruas da capital não aparecem lá sozinhos. / Foto: D.R.

    O que temo é que Lisboa seja, neste momento, apenas um reflexo do país. Um sintoma de uma doença mais vasta que se alimenta, em parte, de políticas irresponsáveis, da falta de escrutínio e fiscalização mas também do conformismo e da falta de cultura cívica de muitos portugueses.

    Em 2025, Lisboa tem tiques de uma cidade dividida. De um lado os hotéis de luxo, os restaurantes ‘gourmet‘, os condomínios novos com vista e piscina. Do outro, o lixo, a insegurança, o tráfico de droga, as tendas dos sem-abrigo nos jardins. Uma cidade de primeiro mundo em que a desigualdade dispara a olhos vistos.

    Esta Lisboa desigual, insegura, decadente e suja normalizou-se. E, sinceramente, não penso que isso seja normal. Pois Lisboa não precisa ser como Tirana e passar a ter as bancas de fruta na rua durante a noite, ou ter os móveis das esplanadas sem correntes e cadeados. Mas isso não seria o ideal? Actualmente, a realidade é bem diferente. Se uma rua da capital não acordar com uma montra partida, já é bom. E isto não é normal.

    Elisabete Tavares é jornalista

  • ‘Nem no Brasil isto me aconteceu’

    ‘Nem no Brasil isto me aconteceu’

    Sobem de noite pelas escadas de incêndio dos prédios e entram nos apartamentos, enquanto as famílias dormem. Levam o que podem, sobretudo telemóveis, carteiras, tablets e computadores portáteis, consolas de jogos. No mês de Junho, numa só noite foram várias as casas roubadas numa rua no centro de Lisboa, perto da Graça.

    A Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou estes roubos e as invasões de domicílio. Mas não investigou nem procurou prender os ladrões nem recuperar os bens roubados.

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    Foto: D.R.

    O motivo avançado pela PSP para não procurar e deter os meliantes é o facto de as famílias que foram vítimas dos roubos não terem pedido um “procedimento criminal”.

    Não se sabe ao certo quantas famílias foram vítimas deste tipo de assalto naquela noite de Junho na mesma zona. A PSP indicou que apenas “foram registadas 2 (duas) ocorrências de furto em residência com recurso a escalamento através de janelas que se encontravam abertas”. O PÁGINA UM apurou que houve mais.

    Por outro lado, a PSP omitiu que, nas duas ocorrências que ficaram registadas, as janelas que estavam abertas situavam-se a uma altura de 10 e 15 metros. Para lá chegarem, os criminosos tiveram de passar por cima de estendais, correndo risco de vida, e percorrer cerca de dois metros em parapeitos de poucos centímetros.

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    Foto: D.R.

    Foi o caso da família de “João”, um imigrante brasileiro que acabara de se mudar para aquele apartamento, perto da Graça. O andar onde agora vivem corresponde a um quarto andar alto, na zona das traseiras. Numa manhã de Junho, a família acordou com um grito. Quando João se levantou, percebeu que faltavam objectos em casa. E havia coisas remexidas. Os ladrões deixaram também notas de dinheiro de brincar, de um jogo de tabuleiro, espalhadas pelo chão junto à cozinha. Não pertenciam à família. Tinham sido retiradas de outra das casas assaltadas no prédio.

    “Estou em choque. Nem no Brasil isto me aconteceu”. Durante pelo menos um mês, João não conseguiu dormir de noite. Ficou traumatizado. Na noite do roubo, estava a dormir com a sua mulher. A filha, bebé, dormia no quarto ao lado. “Não consigo deixar de pensar que entraram na nossa casa connosco a dormir. Andaram pela casa. A nossa filha estava a dormir sozinha no seu quarto.”

    “Por sorte”, não fizeram mal a ninguém. Nem à bebé. Levaram um telemóvel, um tablet, um portátil. O telemóvel do João não estava visível e escapou do assalto.

    Agora, João instalou um alarme com sensor que dispara ao mínimo movimento. Mas ainda não consegue dormir descansado.

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    Foto: D.R.

    Também foi assaltada outra família no mesmo prédio naquela mesma noite. E outras casas sofreram tentativa de assalto.

    Foi o caso da vizinha de cima do João, que naquela noite estava sozinha em casa com o seu bebé de poucos meses. O marido estava ausente nessa noite. Ouviu barulhos na zona das traseiras da casa. Estava alguém a tentar abrir as janelas e a mexer no puxador da porta. Acendeu as luzes e fez telefonemas. Estava apavorada.

    Mas, segundo apurou o PÁGINA UM, mais casas foram assaltadas ou sofreram tentativas de assalto na zona, na mesma noite e em outras noites. O modus operandi é similar: os ladrões saltam os muros que cercam as traseiras dos prédios; depois vão subindo pelas escadas de incêndio, andar por andar, em busca de janelas abertas ou portas mal fechadas. Mas não só. Em alguns casos, basta forçar ligeiramente e as janelas abrem. Nem pequenas janelas de casas-de-banho escapam. Numa das casas assaltadas este ano na zona, a entrada dos ladrões foi feita pela pequena janela da casa-de-banho. Também os andares que não têm estores a proteger as janelas são os mais propensos a ser alvo de intrusão.

    a street light hanging from the side of a building
    Foto: D.R.

    O PÁGINA UM solicitou à PSP dados sobre o número deste tipo de assaltos, feitos com as famílias a dormir, que ocorreram este ano em Lisboa. Também quis saber se há zonas mais afectadas por este tipo de roubos ou se as áreas centrais, com prédios mais antigos e janelas menos seguras, são as mais afectadas. Mas ainda aguardamos pelas respostas.

    Na zona em redor da Graça e em Arroios, a situação não é nova. Mas segundo os múltiplos testemunhos que ouvimos, têm vindo a multiplicar-se estes casos de assaltos com as famílias a dormir. Nem todas as famílias fazem queixa na polícia. Até porque algumas só se apercebem que foram vítimas de roubo quando dão por falta de algum dos bens roubados.

    De resto, nestas zonas, nada se pode deixar nas traseiras de casa. Mesmo roupas estendidas no estendal ‘voam’ de madrugada.

    Lisboetas queixam-se de falta de patrulhamento, sobretudo durante a noite. / Foto: D.R.

    Do mesmo modo, ouvimos relatos que apontam que se tornaram comuns os assaltos a viaturas estacionadas na via. As de matrícula estrangeira são mais propensas a ter os seus vidros partidos, já que os ladrões procuram ver se os turistas deixaram algo de valor guardado na bagageira. Mas não há viatura que escape. Todas as semanas há roubos a carros na zona. Além de motas e bicicletas que são levadas ou que são danificadas pelas tentativas de roubo, ficando, por exemplo, sem rodas ou sem selins.

    Também os donos de estabelecimentos comerciais estão fartos dos roubos e dos assaltos. Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, os empresários têm falado na existência de um clima de insegurança. Alguns estabelecimentos já foram assaltados várias vezes. “Só na rua da Graça, na mesma noite, houve três montras de lojas partidas por assaltantes”, disse ao PÁGINA UM uma fonte de uma junta da freguesia.

    Foi mesmo criada uma petição, reunindo assinaturas de dezenas de proprietários de estabelecimentos destas zonas, a pedir um reforço de segurança e policiamento. “Abrimos as nossas portas todas as manhãs, sem saber se seremos as próximas vítimas”, lê-se no texto da petição. “Esta onda implacável de crimes não só coloca em risco a nossa segurança e a de nossos colaboradores, mas também abala a confiança e a tranquilidade dos nossos clientes”, adianta.

    Um dos estabelecimentos junto à Graça que foi alvo de assalto este ano. / Foto: PÁGINA UM

    Além da insegurança, a permanência de sem-abrigo e aumento de toxicodependentes na zona tem criado ainda mais problemas de segurança e distúrbios, e contribuído para a degradação de equipamentos e acumulação de lixos. É o caso da situação vivida no Jardim da Cerca da Graça, que foi objecto da primeira reportagem do PÁGINA UM sobre os ‘males’ que afectam a capital.

    “Nunca imaginei que viesse a ter estes problemas em Lisboa. É muito assustador”, lamentou João. A sua família foi uma das duas ocorrências registadas pela PSP após aquela noite fatídica. Foram aconselhados a apresentar queixa apenas para poderem accionar o seguro dos bens roubados. De resto, não esperam vir a recuperar os bens roubados ou que sejam detidos os ladrões que invadiram a sua casa durante a noite.

    A PSP indicou ao PÁGINA UM que só é feita uma investigação e recolhidas provas, como as impressões digitais, se as vítimas assim o solicitarem. “Sempre que ocorre um furto no interior de residência e, caso o lesado manifeste vontade de procedimento criminal, sendo detetados indícios de introdução ilícita e outros elementos probatórios, é acionada uma equipa de Inspeção Judiciária da PSP”.

    a close up of a baby laying on a blanket
    Foto: D.R.

    Nestes casos, a PSP apontou que havia janelas abertas. E que não consta “qualquer referência nos registos policiais à colocação em perigo da vida de pessoas, nomeadamente de crianças”.

    Ou seja, fica-se à espera de uma tragédia para actuar. Até lá, os mesmos ladrões, possivelmente de forma organizada, irão continuar a entrar em casas, com as famílias a dormir, noite após noite.

    Contudo, a PSP “relembra que o conhecimento das ocorrências é fundamental para uma melhor monitorização da criminalidade e adequada afetação de meios”. Dos casos ouvidos pelo PÁGINA UM ocorridos na mesma noite em Junho, só dois reportaram à PSP o sucedido. Assim, “apela-se a todos os cidadãos que comuniquem formalmente quaisquer situações de que tenham sido vítimas ou testemunhas, reforçando o compromisso com a segurança de todos”. Na prática, quando mais queixas houver, maior a probabilidade de ser reforçado o patrulhamento policial.

    Os assaltantes entram nas casas pela noite e madrugada, através das escadas de incêndio. Aproveitam janelas abertas ou forçam ligeiramente janelas ou estores mais frágeis. Chegam a correr risco ao passar por cima de estendais de roupa a uma altura superior a 15 metros. / Foto: D.R.

    Indicou ainda que “a PSP mantém o policiamento regular e de visibilidade, ainda que de forma não contínua, garantindo uma presença preventiva e dissuasora no local, de acordo com os princípios da atuação policial em função do risco e da necessidade identificada”.

    No caso em concreto deste tipo de roubos com invasão de domicílio, “a PSP continuará a monitorizar a situação com atenção, ajustando a sua atuação sempre que os indicadores de segurança assim o justifiquem”.

    Na Graça, Arroios e redondezas, os residentes queixam-se do mesmo: há mais roubos, assaltos e insegurança. E poucas vezes vêm algum polícia ou carro da PSP a passar. Sentem que estão por sua conta e risco.

    an open door with a handle on it

    O PÁGINA UM também colocou questões ao Ministério da Administração Interna e à Polícia Judiciária mas remeteram o tema para a PSP, a quem caberá competências neste tipo de crime.

    Quanto às famílias vítimas de roubo, põem trancas às portas e às janelas, reforçam a segurança e passam a viver com o medo e o trauma. Para os ladrões, a via da impunidade continuará aberta. Nem sequer precisam de usar luvas ou máscaras. Não irão ser identificados nem detidos pelos crimes cometidos e pelos bens roubados.

  • Até os gelados são roubados neste jardim de Lisboa

    Até os gelados são roubados neste jardim de Lisboa

    Seringas, dejectos, lixo. É este o cenário que os visitantes do Jardim da Cerca da Graça encontram quando visitam o espaço, situado numa das zonas centrais da capital. A degradação do jardim acelera a olhos vistos.

    Ali, os assaltos são constantes e mesmo o café quiosque que se situa no local teve de se adaptar a este novo ‘normal’ no jardim, em que os roubos são mais do que frequentes.

    O Jardim da Cerca da Graça, em Lisboa, situa-se junto numa zona adjacente à Igreja da Graça. Foi inaugurado em 17 de Junho de 2015 pelo então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. Foi alvo de trabalhos de requalificação em 2019, mas muitos problemas de segurança persistem há anos e têm-se vindo a agravar.

    Depois de receber várias denúncias e alertas, o PÁGINA UM decidiu visitar o local. Desci as escadas que estão na entrada do jardim, junto à Calçada do Monte. À direita, decidi passar pelo café quiosque que existe no jardim. Pedi um café e um gelado. “Esse gelado não temos”, respondeu um dos funcionários. “Não temos gelados quase nenhuns. A arca foi assaltada. Tivemos de a mudar de local. Agora temos de a guardar na casa de banho todas as noites”. Antes, a arca de gelados estava no exterior, dentro de um pequeno abrigo de metal, fechado a cadeado.

    Mas não foram só os gelados a serem levados deste estabelecimento. Barris de cerveja também ‘voaram’. Nem as lâmpadas do quiosque escaparam aos assaltantes. Os clientes habituais, esses começaram a deixar de aparecer.

    Este início de reportagem não augurava nada de bom sobre o espaço. Os assaltos ao café quiosque acabaram por ser o mal menor do que encontrámos naquele jardim lisboeta.

    No parque infantil, o chão encontra-se repleto de dejectos de cães (ou pessoas), pontas de cigarros, lixo e isqueiros. Encontrei num dos escorregas uma pilha de lixo que inclui ‘restos’ de roubos: cartões bancários e de crédito, carteiras abertas. Seringas.

    O que encontrei confirma o que já nos tinha relatado um morador, imigrante brasileiro, pai de uma menina. “Levei uns amigos ao Jardim da Cerca no fim-de-semana e as nossas meninas foram para o escorrega e tem lá um abrigo de madeira. Estava lá um rapaz a consumir droga. Havia seringas. Fugimos dali.”

    O Jardim da Cerca da Graça no dia da sua inauguração. / Foto: D.R.

    Ao lado do escorrega maior, três tendas ocupam o espaço destinado a correrias e brincadeiras de crianças. A mesa redonda existente no parque infantil, outrora usada para piqueniques e festas de aniversário infantis, estava ocupada por três jovens de aparência hippie e descontraída a fumarem drogas ‘leves’. O cheiro similar a ‘haxixe’ sente-se em várias zonas do parque infantil.

    Nas mesas e cadeiras ao lado, na zona de ‘piquenique’, vários homens hindustânicos conversavam. Mas, testemunhas relataram que a zona de piquenique serve sobretudo para grupos consumirem álcool, designadamente ao fim da tarde e à noite. O parque encontra-se encerrado durante a noite, mas continua com actividade, incluindo consumo e tráfico de droga.

    Crianças no parque infantil, havia uma — um menino a brincar na ‘aranha’. Havia ainda duas adolescentes a andar nos baloiços, perto do parque que foi construído para se passear os cães. Junto a elas, nova tenda e uma ‘casa’ improvisada ocupavam um dos cantos do parque para canídeos.

    Caminhando de regresso ao relvado, um monte de cobertores e edredons repousava num dos ‘bancos’ longos de pedra situado junto a uma das ‘ruas’ do jardim. Ao fim dessa ‘rua’, mais tendas.

    Alguns turistas passavam incrédulos pelo jardim, maravilhados com a vista mas a comentar o “triste” estado do jardim.

    Passeando pelo espaço, são visíveis seringas, beatas, isqueiros, garrafas e latas de bebidas. Passaram a fazer parte da ‘paisagem’ daquele espaço verde da cidade. Os moradores deixaram, na sua maioria, de lá ir. “Já lá fiz a festa de anos da minha filha mas hoje não ponho lá os pés”, disse Joana, que reside na Graça. “Está uma vergonha e é perigoso. Não dá para os miúdos andarem no escorrega sequer quanto mais estar no relvado. É uma pena o que aconteceu a este parque”.

    Não há no jardim nenhuma zona que escape à degradação. Mesmo o ‘parque de areia’ para as crianças brincarem está impróprio para uso. Vários objectos, como isqueiros, e lixos diversos, sobretudo beatas, estão misturados com a areia.

    Os testemunhos são idênticos, à medida que ouvimos alguns dos residentes no bairro. “Só os turistas é que aturam aquilo. E alguns jovens e o pessoal que vai passear o cão. Mas não passeiam o cão no parque dos cães; deixam-nos fazer tudo na relva e depois a malta que se sente em cima da porcaria, se quiser.”

    De resto, os testemunhos que ouvimos deram conta de serem frequentes os assaltos no jardim. Os telemóveis são os objectos mais roubados, a par das carteiras e malas de senhora. Mas tudo vale. Alguém mais distraído que se descalçou no relvado, ficou sem os ténis num piscar de olhos.

    A Junta de Freguesia de São Vicente confirmou que recebe queixas frequentes sobre os problemas existentes no Jardim da Cerca da Graça, mas diz ser alheia ao caso, remetendo responsabilidades para a autarquia. O PÁGINA UM enviou ontem perguntas para o gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, e para o vereador com o pelouro dos espaços verdes, Rui Cordeiro, e ainda aguardamos pelas respostas.

    O jardim, inaugurado em 17 de Junho de 2015 pelo então presidente da CML, Fernando Medina, já foi alvo de trabalhos de requalificação em 2019. Na pandemia, houve períodos em que chegou a estar aberto apenas a quem tinha cão. Um polícia à porta impedia a entrada de crianças, jovens ou ‘adultos sem cão’. Na altura, o parque da EMEL, junto ao futuro hotel de luxo, serviu de parque infantil para os que queriam jogar à bola, andar de triciclo ou de trotineta.

    Hoje, o jardim é o espelho e o principal sintoma de uma ‘doença’ que tem levado à crescente degradação do bairro da Graça e que tem uma vertente social, ambiental e urbanística.

    São visíveis os amontoados de lixo que cobrem a colina junto à Calçada do Monte. Garrafas, roupas, vidros partidos misturam-se com plásticos, papéis, sacos e embalagens de comida sujas.

    No outro lado da estrada, o muro que ‘desce’ com a Calçada está coberto de grafitis e nas saliências existentes, onde pombos costumam ter ninhos, há agora garrafas de vinho e latas de refrigerantes.

    Os que arriscam deixar os carros estacionados na Calçada do Monte durante a noite encontram, frequentemente, as viaturas com os vidros partidos ou interiores remexidos. De resto, os assaltos a carros, roubos ou tentativas de roubos de motas e bicicletas estacionados na rua tornaram-se comuns.

    Seguindo em direcção à Graça, pela Rua Damasceno Monteiro, avista-se uma ruína, que é o que sobrou da ‘casa de electricidade’ localizada no antigo parque da EMEL, e que foi incendiada recentemente. Depois do incidente, funcionários da CML estiveram no local para ‘limpar’ a zona que tinha sido ocupada por um casal sem-abrigo. O homem passou a ser conhecido na zona por causar distúrbios e extorquir dinheiro a turistas no estacionamento. Antes da limpeza, o local acumulava diariamente objectos, roupas e lixo diverso.

    Também o parque de estacionamento existente do outro lado da rua foi ‘limpo’ na semana passada, tendo sido retiradas as tendas e lixo que se encontravam no local. Mas já lá estão tendas de novo.

    Estes dois parques de estacionamento foram encerrados há cerca de quatro anos para a construção de um hotel de luxo no antigo Quartel da Graça. O hotel, cuja abertura estava prevista para 2022, ainda nem uma telha nova tem em meados de 2025 e o projecto tem sido alvo de contestação popular.

    Com o passar do tempo, e dada a escassez de estacionamento na zona, um dos parques foi reaberto informalmente, não sendo gerido por nenhuma entidade. Os tapumes que se encontram a tapar os antigos parques de estacionamento servem agora de mictório ao ar livre e contribuem para o aspecto degradado da zona.

    “Eles vêm limpar isto e passado uns dias está tudo sujo de novo”, lamentou uma residente no bairro. “Ninguém tem mão nisto e está cada vez pior”.

    O sentimento de insegurança e impunidade instalaram-se. A par do lixo e da permanência de sem-abrigo e toxicodependentes na zona, somam-se os assaltos a quem passa na Calçada do Monte e também aos estabelecimentos comerciais.

    Os agentes da PSP que foram chamados no dia da retirada de tendas do parque de estacionamento ‘informal’, já tinham interagido várias vezes com os sem-abrigo residentes no local. Em breve, serão chamados de novo. As tendas voltarão a ser retiradas. E tudo se irá repetir sem se resolver em definitivo.

    Sem respostas e sem soluções, este bairro lisboeta assiste ao fenómeno esquizofrénico de ver nascer cafés gourmet ao mesmo ritmo em que surgem tendas de sem-abrigo e a insegurança cresce.

    Para as famílias que residem na zona, a realidade é que têm vindo a perder espaços urbanos, como o jardim comunitário onde podiam fazer piqueniques com as crianças. Em troca, ganharam insegurança, lixo nas ruas, a que acresce o movimento contínuo de tuk-tuks. É caso para dizer que a Graça já teve graça, mas parece que agora caiu em desgraça.

    Fotos: PÁGINA UM