Autor: Elisabete Tavares

  • Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Um recurso que tentava reverter uma decisão judicial do juiz Terry Doughty que proíbe o Governo dos Estados Unidos de solicitar a censura nas redes sociais foi já rejeitado em Tribunal. Para o juiz da Louisiana, nenhuma entidade estatal ou governamental, incluindo a Casa Branca, podem ordenar eliminação de publicações apenas por serem opiniões diferentes, as quais estão abrangidas pela liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda. Apenas em questões de segurança interna ou externa muito concretas o Governo está autorizado a estabelecer esses contactos.


    É mais uma derrota para o Governo norte-americano e a sua intenção de continuar a aplicar censura nas plataformas que operam redes sociais.

    O juiz distrital dos Estados Unidos Terry Doughty rejeitou ontem um recurso do Departamento de Justiça da Administração Biden que visava reverter a sua ordem anterior que proibiu o Governo, incluindo 11 departamentos de Estados e o próprio Presidente, além de outros funcionários públicos, de contactarem com as tecnológicas para remover conteúdo postados nas redes sociais.

    Para o juiz, os conteúdos divulgados nas redes sociais estão protegidos pela Primeira Emenda – excluindo obviamente conteúdos relativos a actividades ilegais, como pedofilia, conspiração, extorsão, ameaças à segurança do Estado ou de infraestruturas no estrangeiro.

    Joe Biden e a sua Administração não vão poder continuar a censurar meras opiniões contrárias à sua.

    Segundo o juiz, “é provável que os autores da acção [onde se incluem o Estados da Louisiana e do Missouri] provem que todos os Réus [Administração Biden e departamentos de Estado, além de funcionários] coagiram, encorajaram significativamente e/ou participaram conjuntamente com empresas de redes sociais para suprimir publicações de cidadãos norte-americanos que expressavam opiniões que eram contra as vacinas da covid-19, contra confinamentos, publicações que deslegitimaram ou questionaram os resultados das eleições de 2020 e outros conteúdos não sujeitos a qualquer exceção à Primeira Emenda”.

    O juiz frisou ainda que “estes itens estão protegidos pela liberdade de expressão e foram aparentemente censurados por causa dos pontos de vista que expressaram”. Salientou que “a discriminação de pontos de vista está sujeita a um escrutínio rigoroso”.

    Recorde-se que a decisão anterior deste juiz “apenas proíbe algo que os Réus não têm o direito legal de fazer: entrar em contacto com empresas de redes sociais com o objetivo de solicitar, encorajar, pressionar ou induzir, de qualquer forma, a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida publicada em redes sociais”.

    Terry A. Doughty, tomou decisão histórica.

    O juiz deu provimento parcial a uma providência cautelar e proibiu, com efeitos a partir do simbólico dia 4 de Julho, que a Administração Biden e várias agências e organizações estatais façam acordos com gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se normalizou durante a pandemia de covid-19.

    Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais.

    Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.

    Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya são três eminentes investigadores que, por se oporem às medidas radicais aplicadas pelos Governos durante a pandemia, foram difamados e alvo de restrições com a participação activa e empenhada da imprensa e redes sociais.

    Nessa medida cautelar (preliminary injunction), revelada na terça-feira passada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.

    A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou sistematicamente a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.

    No leque de queixosos estava também o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya. Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.

  • CMVM lança alerta sobre empresa polémica promovida pela TVI

    CMVM lança alerta sobre empresa polémica promovida pela TVI

    O “polícia” do mercado de capitais português alertou hoje, em respostas ao PÁGINA UM, que a suposta empresa dbl.pt, publicitada numa reportagem polémica emitida pela TVI, não está autorizada a operar em Portugal. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários deixa ainda um aviso aos investidores e recomenda cautela em relação a promessas de lucros até 40% em investimentos, como os que são feitos pela dbl.pt, apresentada na reportagem como uma empresa de investimentos em criptoactivos liderada por um “jovem milionário português”, Renato Duarte Júnior. O Banco de Portugal já tinha confirmado ao PÁGINA UM que a dbl.pt não consta da lista de intermediários de activos digitais autorizados a operar no país, mas ainda se aguarda uma reacção do supervisor liderado por Mário Centeno ao caso que tem gerado queixas e polémica e já levou o regulador dos media e analisar a reportagem.


    O “polícia” do mercado de capitais português alertou, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que uma suposta empresa publicitada numa polémica reportagem da TVI sobre um “jovem milionário português” não está autorizada para operar em Portugal.

    A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários sublinha que a dbl.pt não pode operar no país e recomenda ainda cautela aos investidores em relação a promessas de lucros de até 40% em investimentos.

    A reacção da CMVM surge depois de o PÁGINA UM ter questionado os supervisores financeiros sobre a polémica gerada em torno da reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre.

    “A entidade [dbl.pt] não está registada ou autorizada a operar em Portugal e, consequentemente, não pode prestar serviços de investimento”, refere o regulador nas respostas enviadas ao PÁGINA UM.

    A CMVM informa “ainda que os investidores devem ser especialmente cuidadosos com promessas de rendimento de 40% numa data futura porque não são conhecidos da CMVM instrumentos financeiros com essas caraterísticas ou entidades financeiras sujeitas à sua supervisão que garantam o capital e o rendimento nesses termos”.

    O regulador da bolsa “considera que, perante decisões de investimento, os potenciais investidores devem ser especialmente cautelosos ou procurar aconselhamento profissional”.

    Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.

    O programa da TVI gerou várias queixas que chegaram ao regulador dos media, levando a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a confirmar ao PÁGINA UM que está a analisar a reportagem.

    Nas suas respostas, a CMVM recorda que “os mercados de criptoativos não se encontram ainda sujeitos a regulação/supervisão”, os prestadores de serviços relacionados com ativos virtuais “já se encontram sujeitos a registo junto do Banco de Portugal, mas apenas na vertente relacionada com a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. Ou seja, mesmo sabendo-se que a CMVM é o supervisor dos intermediários financeiros, este regulador considera que a responsabilidade de controlo cabe, por agora, em exclusivo ao Banco de Portugal.

    Apesar das insistências do PÁGINA UM, ainda se aguardava, à hora da escrita desta notícia (18h30) uma reacção formal do Banco de Portugal, a entidade responsável pelo registo dos intermediários de activos digitais. Ao PÁGINA UM, o supervisor liderado por Mário Centeno já tinha confirmado que a dbl.pt não se encontra na lista das 10 empresas de criptoactivos autorizadas a operar em Portugal.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    A reportagem da TVI causou indignação e tem sido alvo de fortes críticas na comunidade portuguesa de profissionais de criptomoedas e criptoactivos, enquanto nas redes sociais e fóruns de debate online chovem palavras de condenação e insultos ao canal de TV, junto com apelos a uma intervenção da ERC.

    Na reportagem, o canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, dá o “jovem milionário” como “um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual”.

    Mas existem muitas dúvidas sobre a alegada empresa dbl.pt, que é apontada como tendo sede no Dubai e muitas das afirmações de Renato Júnior são lidas pela comunidade de cripto-economia como duvidosas, como a sua afirmação de que faz 18.000 dólares por segundo, por exemplo.

    Como noticiou anteontem o PÁGINA UM em exclusivo, a Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alertou que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.

    Num comunicado divulgado ontem, aquela Federação denuncia que “as associações da FACE receberam
    dezenas de mensagens que indicam uma procura elevada pelos serviços da DBL por parte dos
    espectadores – algo também evidenciado nas redes sociais – comprovando que, direta ou
    indiretamente, esta peça acabou por promover um negócio que exige uma investigação profunda”.

    Um e-email enviado pelo PÁGINA UM para o endereço info@dbl.com, que se encontra no site da suposta empresa, veio devolvido. A TVI ainda não respondeu e não foi possível até, ao momento, pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.


    Nota: Notícia actualizada aqui.

    ão aqui.

  • Federação das Associações da Cripto-Economia lança alerta sobre reportagem da TVI

    Federação das Associações da Cripto-Economia lança alerta sobre reportagem da TVI

    Profissionais do sector da economia baseada na tecnologia blockchain criticam e demarcam-se da reportagem emitida pela TVI na quarta-feira passada sobre um alegado jovem português milionário, Renato Duarte Júnior, apresentado como CEO de uma empresa de investimentos. A Federação das Associações de Cripto-Economia critica a reportagem, bem como a “imagem errada” de enriquecimento fácil e rápido dada, e teme que leve investidores ao engano. O “jovem milionário” é um desconhecido na comunidade de criptomoedas portuguesa e a sua empresa nem consta da lista de entidades de criptoactivos autorizadas pelo Banco de Portugal a operar no país.


    Uma reportagem da TVI sobre um “jovem milionário português” está a gerar uma forte onda de críticas sobre a estação de televisão por parte da comunidade de profissionais do sector das criptomoedas e criptoactivos em Portugal.

    A Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alerta que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.

    Para Nuno Lima Luz, presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC) – que integra a FACE –, a ideia passada pela reportagem “é perniciosa”. “Ficámos surpreendidos com a reportagem que passou em horário nobre. Na comunidade, todos nos manifestamos contra as ideias transmitidas pela reportagem, as quais não representam o sector”, disse ao PÁGINA UM. “Estranhamos este tipo de reportagem que promove este tipo de actividades em horário nobre”, afirmou. Acrescentou que a FACE está a preparar um comunicado à imprensa com críticas e alertas sobre a reportagem.

    Na reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, o canal de TV entrevista o português Renato Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, é acompanhada de um pequeno texto de resumo onde se pode ler: “Tem 29 anos e é um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual. Deixou a escola para trás e aos 17 anos emigrou para o Canadá, onde foi trabalhar nas obras”.

    O texto da promoção da reportagem prossegue: “Com o dinheiro que amealhou investiu num computador e num telemóvel e esta foi a porta de entrada para o mundo do dinheiro digital.”

    Segundo a reportagem, Renato Júnior “começou com um investimento de 100 euros” e “atualmente, vive no Dubai e é de lá que gere um negócio de milhões”.

    O empresário e investidor apresenta-se assim: “Eu sou o Júnior. Venho de uma família humilde e aos 17 anos emigrei para o Canadá. Trabalhei na construção, mas sempre assumi que um dia ia fazer muito dinheiro.”

    A comunidade portuguesa de cripto-economia desconhece quem é Renato Júnior. Na reportagem, o único rosto familiar no sector em Portugal é o de Fred Antunes, CEO da RealFevr e ex-presidente da APBC, o qual foi entrevistado pela TVI para a reportagem, e que prestou comentários gerais sobre o sector.

    Consultado o site do Banco de Portugal, verifica-se que a empresa dbl.pt não consta da lista de 10 entidades que estão actualmente autorizadas pelo regulador para intermediar investimentos em criptomoedas e activos digitais no país.

    Pesquisando na Internet, encontra-se um site de uma empresa com o endereço dbl.pt, o qual não dispõe de contactos nem de informação sobre a sociedade, os seus proprietários ou gestores. Ao entrar na página, é mostrado um aviso relativo a phishing e é pedido ao utilizador que verifique sempre se está a usar o endereço dbl.pt.

    Na área de respostas a perguntas frequentes, a dbl.pt refere que tem dois tipos de produtos: um promovido como sendo “seguro”, estando o investimento alegadamente garantido e com promessa de lucros até 40%; e no segundo produto o capital investido já não é garantido, embora sejam prometidos lucros que, diz-se no site, podem ir até os 1.894%. Neste caso, no reverso da medalha, há a possibilidade de o investimento se perder na totalidade.

    O PÁGINA UM encontrou um outro site digitando www.dbl.pt, mas aqui surge uma mensagem de erro “503 – serviço temporariamente indisponível”.

    Ainda não foi possível obter um comentário de Renato Júnior ou da dbl.pt, nem da TVI.


  • Do Prazer e da Tortura

    Do Prazer e da Tortura

    Termina hoje a 93ª edição da Feira do Livro de Lisboa. Ainda restam algumas horas para percorrer os corredores desta imensa livraria a céu aberto. Entre as promoções, os saldos e a azáfama típica da feira está “a minha” Feira: cheia de segredos, de prazeres, de descobertas, de odores. E de dores. A dor causada pela sensação (aflição) de deixar tantos livros para trás. A dor, da culpa, por desejar objectos que implicam a morte de árvores. A dor … nas pernas. Apesar da máxima de que “quem corre por gosto não cansa”, as minhas pernas dizem-me que cansa, sim. Mesmo na “minha Feira”. Nesta minha peregrinação anual em busca dos prazeres (e das dores), fica sempre o desejo de querer mais, a ânsia de voltar no próximo ano. Como um vício, como um tormento bom que me abraça. Uma breve viagem sentimental pela pena de Elisabete Tavares e pelo olhar de Júlia Oliveira.


    Mergulho na Feira do Livro como quem entra no mar pela primeira vez a cada ano, no Verão. Às vezes, a água está mais fria, ou mais quente. Às vezes está mesmo gelada. Para os amantes de praia, quando perguntam “como está a água” a resposta é sempre “está (gelada/fria/quentinha) mas muito boa”.

    Delicio-me a cada passo, só por estar na Feira. Entro num portal sem tempo em que não tenho idade (e a infância retorna, como uma avalanche de recordações e memórias de livros e histórias)

    O aroma do papel dos livros, a suavidade de cada capa, de cada página, … A leitura é um misto de sensações criadas pelos sentidos e a percepção, inflamada por palavras lidas, frases que se bebem, se entranham em nós, parágrafos que irrompem sem pedir licença e nos marcam para sempre.

    Cada livro é como um prato que saboreamos: pode ser salgado, doce, picante, áspero, suave, difícil de mastigar, amargo, ácido. Uma experiência de prazer e dor (que por vezes deixamos a meio).

    De uma forma ou outra, quem caminha na Feira, mesmo que não saiba, está nesse portal de sensações e experiências. Cada um busca o objecto do seu desejo, seja um livro, um autógrafo, uma selfie com o autor preferido ou com as “estrelas” da TV ou influenciadores da Internet.

    Os gostos, já se sabe, não se discutem. Nem se julgam. Nem se condenam (a não ser que sejam crime). Claro que para alguns, há livros que são autênticos crimes que mereciam castigo (mas que castigo maior haverá de que escrever um mau livro?).

    Lembro de estar na Feira há muitos anos e ter dois autores lado a lado e precisar de escolher a qual iria pedir autógrafo. O tempo desfiava-se e era preciso escolher. Ali, sem me aperceber, tinha afinal um autor favorito entre aqueles dois que ali estavam (e trouxe um livro autografado por António Lobo Antunes). Não escondo que é bom trazer para casa um livro com uma dedicatória de um escritor que guardamos com boas memórias.

    Depois, há as descobertas, as surpresas boas e inesperadas. Aquele livro de um autor que desconhecíamos e que passa a fazer parte do nosso roteiro de degustação literária.

    Entre autores variados, “estrelas da TV” e escritores novos (e ainda desconhecidos), a Feira é mesmo para todos, democrática, diversificada, inclusiva.

    É também na Feira que encontramos “ídolos” e temos a oportunidade de estar cara a cara com aquele autor, especialista, ilustrador que sempre quisemos conhecer.

    E há ainda os lançamentos de livros, as palestras, as apresentações de obras de autores com nome já firmado ou recém-chegados ao mundo das publicações.

    No resumo de cada ano, há a luta interna pelos livros “perdidos” e o prazer (euforia, por vezes) dos livros “achados”, das experiências vividas. E aquele formigueiro na pele junto com a moinha na barriga do prazer de ter novos livros para ler. E de saber a pouco, porque a sede de ler (e de degustar) é insaciável.

    Fotos de Júlia Oliveira

  • Rabo de Peixe: à espera da “mudança de maré” para mais turistas e investidores  

    Rabo de Peixe: à espera da “mudança de maré” para mais turistas e investidores  

    Ainda é tudo muito recente, mas Rabo de Peixe (ou Turn of the tide, em inglês) fez disparar a notoriedade da vila situada na ilha de São Miguel, nos Açores. O sucesso da série da Netflix colocou a vila piscatória, mais conhecida pela sua pobreza, debaixo dos holofotes mediáticos tanto na imprensa nacional como internacional. A onda de publicidade em torno da região fez nascer perspectivas de atracção de mais turistas e investidores, nomeadamente para o mercado imobiliário. Por agora, os efeitos não são ainda visíveis. Mas as expectativas, agora que se anunciou a segunda temporada, são grandes, aproveitando o estrelato mediático da região. Talvez Rabo de Peixe se venha a tornar tão icónico como qualquer um dos 12 antigos cenários de filmes que o PÁGINA UM recorda.  


    Ainda não deu à costa, mas o mercado imobiliário na vila de Rabo de Peixe, nos Açores, agora famosa internacionalmente devido à série portuguesa que faz sensação na plataforma Netflix, espera uma mudança de maré, e que seja alta.

    Para já, à tona há muitas expectativas e a esperança de um aumento na procura turística e também na venda de imóveis nesta vila piscatória de São Miguel, uma das mais pobres do país. Em 2015 era a freguesia portuguesa com mais pessoas a receber Rendimento Social de Inserção (RSI).

    O sucesso da série “Rabo de Peixe” (Turn of the tide, em inglês) não é apenas nacional. A cobertura mediática também tem sido internacional, por via das boas classificações em sites da especialidade.

    Com os holofotes colocados na freguesia onde residem cerca de 8.800 habitantes, é natural que as expectativas de que a série possa atrair turistas e investidores para a ilha seja vista como natural.

    Para já, na procura turística por alojamento local, mantém-se a situação prévia à estreia da série. O Verão está lotado em praticamente todos os alojamentos contactados pelo PÁGINA UM na plataforma Airbnb, mas não é nada surpreendente: a esmagadora maioria das reservas já estavam asseguradas antes mesmo do lançamento da série. Para o Outono, ainda há muitos alojamentos disponíveis, mas os preços rondam os valores praticados em Lisboa.

    Em termos do mercado imobiliário, a situação é ainda de normalidade. “A procura [por casas] tem sido relativamente a mesma, não houve um pico acentuado”, diz João Lima, agente imobiliário da Remax naquela vila piscatória, que alberga o maior porto de pesca da ilha de São Miguel.

    Também uma porta-voz na imobiliária ERA apontou ao PÁGINA UM no mesmo sentido: “não temos dados, de momento, que sustentem uma maior procura de casas nos Açores que possamos atribuir à série da Netflix”.

    Mas há muitas expectativas.

    white concrete building on green mountain beside sea during daytime

    “De momento, está tudo dentro da normalidade, mas ainda é muito recente, e acredito que nos próximos meses a série irá contribuir para uma maior procura, não só em Rabo de Peixe, mas na Ilha de São Miguel”, lançou João Lima.

    De facto, a procissão ainda vai no adro. A série estreou há cerca de um mês, 26 de Maio, tem sido a mais vista na Netflix em Portugal. A nível mundial, chegou ao Top 10 do ranking de visualizações da plataforma de streaming, atingindo a sétima posição das séries mais vistas em língua não-inglesa. Além disso, atingiu o Top 10 em 15 países de quatro continentes.

    A promoção internacional do nome da pequena vila enfrenta, porém, uma corrente que tem levado a um arrefecimento do mercado imobiliário a nível nacional.

    O mercado ainda continua “quente”, com os preços em níveis historicamente elevados, mas tem-se observado um abrandamento, tanto na subida dos preços, como no número de casas vendidas e créditos à habitação concedidos.

    Na avaliação que os bancos fazem das casas no âmbito da concessão de crédito à habitação, registou-se em Abril uma queda de 34,3% no número de avaliações efectuadas, comparando com o mesmo mês do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

    O valor mediano de avaliação bancária na habitação subiu oito euros face a Março, para o valor mais alto desde pelo menos 2011: nos 1.491 euros por metro quadrado. O aumento em média mensal foi de 0,5% enquanto a subida homóloga foi de 10%, a mais baixa do último ano. Foi na região autónoma dos Açores que se registou a menor subida homóloga: 1,9%.  

    De facto, ainda segundo o INE, os preços das casas desaceleraram nos primeiros três meses deste ano, com o índice de preços na habitação a aumentar 8,7% em termos homólogos, 2,6 pontos percentuais abaixo do registado no trimestre anterior.

    A venda de casas sofreu uma queda trimestral de 16% e, em termos homólogos, a descida chegou aos 20,8%. Nos Açores, a queda na venda de casas foi de 23% no primeiro trimestre de 17% em comparação com igual período de 2022. Em todo o arquipélago, no primeiro trimestre, foram vendidas 599 casas num montante de 87 milhões de euros. Estes valores representam, respectivamente, 1,7% e 1,3% das vendas efectuadas em todo o país.

    Actualmente, na plataforma de promoção de imóveis Idealista, surgem à venda 44 casas em Rabo de Peixe. O preço médio em todo o concelho da Ribeira Grande ascende aos 1.031 euros por metro quadrado, o que representa um aumento de 13% face ao valor registado há um ano na mesma plataforma. Em Lisboa, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) o valor médio das casas era de 3.872 euros por metro quadrado, no final de 2022.


    Série no topo   

    Criada pelo açoreano Augusto Fraga, Rabo de Peixe foi rodada em diversos locais, incluindo na freguesia que dá o nome à série.

    O enredo baseia-se num caso real que remonta a 2001, quando deram à costa daquela vila piscatória fardos de cocaína, na sequência de um naufrágio de uma embarcação que se dirigia para Espanha transportando meia tonelada daquele estupefaciente.  

    Produzida pela Ukbar Filmes, a série, além de ser líder em visualizações na Netflix em Portugal, Rabo de Peixe chegou a série mais vista em muitos outros países. A plataforma anunciou, entretanto, que vai haver segunda temporada.

    Também tem recebido excelentes classificações, nomeadamente no site IMDb, onde tem um rating de 7,7 em 10. No Rotten Tomatoes, a série portuguesa cativou uma classificação de 4.5 em 5. A crítica do PÁGINA UM pode ser lida aqui.

    Com tão boa recepção e impacto mediático, e com segunda temporada à vista, antecipam-se possíveis mudanças na região, tanto em termos turísticos como ao nível da atracção de investidores. E a bela vila, outrora conhecida como uma das zonas mais pobres da Europa, ganhou agora uma fama mais glamorosa. Como num conto de fadas, a “abóbora” transformou-se numa linda carruagem. A expectativa é que a maré traga mais visitantes (e dinheiro) à (naturalmente) bela região.

  • A ideologia totalitária chegou-nos antes da Lei do Tabaco…

    A ideologia totalitária chegou-nos antes da Lei do Tabaco…


    A proposta da nova Lei do Tabaco, com as suas diversas proibições, está a fazer “sair da casca” aqueles que tão obedientemente estiveram a pactuar com medidas totalitárias, e sem nexo nem senso-comum, nos últimos três anos.

    Não deixa de ser curioso assistir, agora, a grandes actos de revolta; a grandes manifestações de incredulidade perante tamanhas proibições e tamanhos actos deste regime que começa a ser chamado até de “ditatorial”.

    gray scale photo of woman holding cigarette

    Ora, mas isto não deixa de ser curioso porque, de facto, nos últimos três anos, aquilo que tivemos em Portugal foi uma população extremamente obediente, mesmo em relação a medidas que eram completamente anti-Ciência; que prejudicaram a população, deixaram um rasto de mortalidade em excesso, um rasto de uma epidemia de saúde mental; e deixaram a Economia como sabemos, com as taxas de juro a dispararem, com todos os efeitos na inflação e nas condições de vida das famílias.

    Nos últimos dias, conclui-se que, de facto, as pessoas só se mexem se lhes tocarem em pontos mais sensíveis. Porque, de resto, não se interessam e até obedecem de boa vontade.

    Agora, é sobretudo curioso ver jornalistas muito revoltados com estas medidas. É curioso porque quando eu comecei como jornalista na profissão – e eu nunca fumei –, nas redacções vivia-se num ambiente de fumo; mais de 90% dos jornalistas fumava. E eu lembro-me de chegar a casa ao fim do dia e toda a minha roupa tinha de ser lavada imediatamente, tal era o cheiro entranhado em mim, como se eu fosse fumadora.

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    Durante anos, enquanto era permitido fumar no interior dos edifícios e dos escritórios, nunca vi jornalistas incomodados com o facto de fumarem constantemente para cima de colegas.

    Por tudo isto, é curioso ver agora esta grande revolta. Mas sobretudo ver esta revolta – e não é só em Portugal – por causa deste tipo de proibições, de o Estado e os políticos se quererem substituir aos próprios indivíduos para definir as suas escolhas.

    Isso é algo que tem vindo a acontecer, meus caros, mas não é de agora apenas: é desde 2020. Não é nenhuma surpresa agora. Vocês recordam-se daquelas pessoas que em Portugal queriam obrigar os outros a vacinarem-se, com novas vacinas que, afinal, podem causam problemas do foro cardíaco, por exemplo? Pois, eu recordo-me.

    A ideia de que deve desaparecer o livre-arbítrio e deve desaparecer a vontade e a soberania individual, prevalecendo um indefinido bem-comum, é uma nova ideologia, uma nova moda que tem ressurgido.

    man in white t-shirt smoking

    Meus caros, a nova Lei do Tabaco é apenas uma das partes que mostra esta nova ideologia: a liberdade e a vontade individual não contarão para nada.

    Por isso, saúdo estes “novos revoltados” contra esta ideologia ditatorial, ainda mais associada a uma onda de censura.

    Basta ver a legislação em aprovação em diversos países e também a regulamentação arquitectada pela União Europeia, toda no sentido de classificar e condicionar a informação possível de ser divulgada – em suma, a autorizar a censura e também a estabelecer limitações à liberdade de imprensa –, para compreender que o ressurgimento de uma nova onda, cíclica, de regimes totalitários está aí à porta.

    Já era visível em 2020, e é cada vez mais visível para qualquer um que olhe para as muitas políticas em desenho e em implementação: é só juntar os pontinhos. Nem é preciso ser muito inteligente: basta colocar as várias políticas, a legislação e as várias regulamentações que têm estado a ser desenhadas a vários níveis, para compreender que, juntando tudo, há uma estratégia clara e um sentido comum: a anulação da vontade individual, do livre-arbítrio, da soberania individual.

    selective focus photography of girl standing beside boardwalk

    Portanto, é bom ver estes revoltados de agora, por causa da questão do tabaco, vejam que isto não surge isolado; é mais um dos pontos. Olhem à volta, meus caros. Olhem.

    Há muito mais que está a acontecer, há muitos alertas. Acordem, porque se não, quando um dia perceberem, poderá já ser tarde demais.


    Este texto baseia-se no episódio 123 do podcast Caramba, à Galamba.

  • ‘As farmacêuticas têm um longo historial de corrupção’

    ‘As farmacêuticas têm um longo historial de corrupção’

    Jornalista norte-americano de investigação, premiado, Paul D. Thacker não se acanha quando fala sobre a corrupção na indústria farmacêutica. Vive em Espanha há sete anos e é do país vizinho que conduz hoje as suas investigações, mantendo um acompanhamento próximo da actualidade nos Estados Unidos. Há mais de 20 anos que investiga as campanhas que visam distorcer a Ciência. Em 2021, recebeu o prémio de jornalismo British Journalism Award pela publicação de uma série de artigos que denunciavam os interesses financeiros de especialistas médicos que aconselharam os Governos dos Estados Unidos e do Reino Unido durante a pandemia de covid-19. Nos Estados Unidos, foi um dos investigadores principais na comissão de Finanças no Senado que investigou as ligações entre médicos e a indústria farmacêutica, e as suas revelações contribuíram para a produção de nova legislação sobre o tema. É um forte crítico da censura que se instalou com a pandemia de 2020, e os seus trabalhos têm alertado para os perigos da indústria farmacêutica. Mais recentemente colaborou nos Twitter Files. Presente no recente Congresso Internacional de Saúde Mental e Propaganda na Pandemia, Paul D. Thacker concedeu uma entrevista exclusiva ao PÁGINA UM, onde também aborda a forma como as empresas de relações públicas “mandam” agora nas narrativas e nos media.


    Como é que um jornalista norte-americano acaba a viver em Espanha?

    Faço investigação, e a minha mulher é uma médica espanhola, e só pode trabalhar na Europa.

    Quando veio para Espanha? Planeia ficar?

    Há sete anos. Oh, sim. Vou ficar aqui. Adoro Espanha, é óptima. É um grande país. Cresci na Califórnia e no Texas. Sempre ouvi espanhol. Sempre gostei. E Espanha lembra-me muito a Califórnia. Quando vim aqui pela primeira vez de visita (estávamos a namorar), estávamos no comboio de Madrid para Pamplona e pensei: isto é parecido com a Califórnia. Ah, sim, Espanha parece-se muito com a Califórnia!

    Portanto, planeia ficar, então. Com a Internet consegue-se trabalhar em qualquer lado?

    O único problema é, por vezes, o fuso horário. Escrevo sobre temas norte-americanos. Como o Glenn Greenwald, que está no Brasil, eu estou um pouco distante dos Estados Unidos. Então, tenho uma capacidade de ter um olhar um pouco mais objetivo do país e do que está a acontecer lá. Mas, às vezes, o fuso horário é mau. Como no caso de uma palestra que dei este ano na Brown University, e que começou por volta das 4:00 horas da tarde. Eram 11:00 horas da noite aqui!

    Antes de 2020, já investigava a indústria farmacêutica e os escândalos nessa indústria, a corrupção, as ligações a políticos e organizações. O que mudou na investigação da indústria farmacêutica após a covid-19? Parece que investigar agora as farmacêuticas e a corrupção no sector se tornou em blasfémia. Ainda se pode investigar as farmacêuticas?

    As farmacêuticas têm um longo historial de corrupção. Se entrarmos em qualquer livraria encontramos livros sobre o historial de corrupção na indústria farmacêutica; é a indústria que mais multas pagou na História dos Estados Unidos. Mas, a partir de 2015, todas as pessoas que faziam perguntas sobre o sector começaram a ser chamadas de “anti-vacinas”.  Eu estava a investigar uma empresa chamada Monsanto, que era uma empresa tão corrupta que quando compraram a empresa [a Bayer, em 2018] descartaram a marca. Foi a única maneira da Monsanto existir hoje. Foi uma empresa apanhada a mentir vezes sem conta. Por volta de 2015, houve um evento no Clube Nacional de Imprensa para falar sobre algo como desinformação na Ciência ou semelhante. Foi aí que começou a surgir todo este tema da “desinformação”, como se tivéssemos um problema com desinformação.

    É então algo que já vem detrás.

    Temos jornais e outros meios para que as pessoas possam estar informadas, mas esse tema da “desinformação” passou a ser algo único. De alguma forma, é algo único agora. Tão único neste ponto da História da Humanidade que precisamos realmente de ter especialistas em “desinformação”, verificadores. Mas nós já tivemos isso. Durante a Inquisição, na Europa, na Idade Média, tivemos isso, e a Igreja era o verificador de factos. O árbitro das verdades.

    Sim, exactamente…

    Então, esse novo tema surgiu, e foi muito estranho. Escrevi um artigo para o Huffington Post sobre o facto de ter havido essa conferência, que foi, curiosamente, liderada pela empresa de relações públicas que trabalha para a indústria agroquímica, para a Monsanto, e tudo mais, para empresas que mentem sobre os produtos químicos agrícolas. Achei bizarro. Era uma empresa de relações públicas [Ketchum PR] que, na verdade, também representou Putin e a empresa petrolífera russa [Gazprom], tem um longo historial na divulgação de desinformação. Quer dizer, isso é relações públicas! E foi assim que este tema [desinformação na Ciência] foi implantado – por uma empresa de relações públicas.

    Esse tipo de empresas tem muita influência.

    Num painel, havia um participante que foi lá para falar sobre alterações climáticas; e a sua solução para as alterações climáticas era a energia nuclear. Estava lá outro participante a falar sobre organismos geneticamente modificados (OGMs), e de como “são seguros”. E estava lá outra pessoa para falar sobre vacinas, e de como são seguras. E assim foi todo o resumo da conferência: se acreditam nas alterações climáticas, então a solução é a energia nuclear; e os OGM são seguros, e as vacinas são seguras. E eu estava lá e o primeiro pensamento que tive foi: de que vacina estão a falar?

    Falava-se genericamente que todas as vacinas são seguras…

    Ninguém jamais diria que todos os produtos farmacêuticos e medicamentos são seguros, porque a primeira questão que surgiria seria: de que medicamento está a falar? Na indústria de dispositivos médicos, ninguém diria que todos são seguros, porque você questionaria: qual dispositivo médico? Eu investiguei alguns deles [dispositivos médicos]. Investiguei os produtos da Medtronic. Foram retirados do mercado, porque eram perigosos, estavam a ser colocados em pessoas e eram perigosos. Estavam a ferir as pessoas e a prejudicá-las. Foi muito claro que houve o arranque de uma campanha de relações públicas que deu o pontapé inicial… Logo naquela altura fui chamado pela primeira vez de “anti-vacinas”, o que foi bizarro. Eu nunca tinha escrito ou até mesmo pensado alguma coisa sobre vacinas! Como é que eu podia ser “anti-vacinas” se eu nunca escrevi, nem twittei, nem disse nada sobre vacinas?

    Isso é típico em campanhas de comunicação…

    Passei muito tempo a olhar para a história da indústria de relações públicas. A história da desinformação na Ciência remonta à indústria de relações públicas nos Estados Unidos, e tem a ver com a empresa de relações públicas chamada Hill+Knowlton, que na década de 1950 começou a trabalhar com a indústria do tabaco para criar a maior conspiração da História dos Estados Unidos. Que conspiração foi essa? A conspiração de que os cigarros eram seguros, que não se sabia se eram perigosos. E foi brilhante! E o que fizeram? Para fazer isso, basicamente tomaram conta de universidades e começaram a trabalhar com os professores universitários para criar essa realidade alternativa, de que não se sabia se o tabaco era perigoso ou não. Ou de que talvez fosse seguro! A narrativa era: tem a certeza de que o fumo passivo é mau? Quais são as suas provas? Mas isso é que ressoa com a realidade que temos visto com a covid-19. Temos também esse envolvimento com as universidades.

    Paul D. Thacker, no Congresso de Saúde Mental e Propaganda na Pandemia, que decorreu nos dias 20 e 21 de Maio, em Fátima.

    Aquilo que está a dizer é que essa questão de desinformação começou muito antes da covid-19, e que começou a ser criada e a crescer antes desta pandemia?

    Penso que estava a acontecer muito antes. E há uma coisa muito óbvia que se tornou muito clara para mim, nos últimos dois anos. Se um produto era aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), se esse produto fosse um produto farmacêutico ou um dispositivo médico, você podia fazer as perguntas básicas que qualquer pessoa que entende de Medicina faria: qual é a sua eficácia, como funciona, quais são os efeitos secundários. Mas hoje, assim que um produto é aprovado pela FDA, já não se pode fazer nenhuma dessas perguntas. Essas perguntas não são permitidas. Não se pode fazer perguntas quando é uma vacina, porque as vacinas são “Ciência”. Não se pode questionar sobre corrupção envolvendo vacinas ou sobre quão bem funcionam, ou quais os seus efeitos colaterais. Hoje, as pessoas que fazem essas perguntas são chamadas de “anti-vacinas”. As farmacêuticas ainda não criaram uma campanha de relações públicas que rotulasse as pessoas como “anti-farmacêuticas”. Não dizem que alguém é um “anti-remdesivir”, por exemplo, porque as pessoas iriam rir. Mas conseguiram safar-se com a narrativa de chamar a todos de “anti-vacinas”, porque é cativante. É como uma campanha feita por uma empresa de relações públicas muito boa. Tal como acontece com a indústria do tabaco. É cativante chamar de “anti-vacinas”, você pode ficar obcecado com isso.  É assim, como uma lavagem cerebral em torno deste assunto. É uma religião. Não podemos tocar nisso.

    Mas isso é uma forma de censura…

    Escrevi um artigo sobre o facto de não se poder fazer, quando se trata de uma vacina, as perguntas normais que se fazem para qualquer outro produto aprovado pela FDA. Assim, as vacinas são mágicas. Ao contrário de todas as outras terapêuticas que se conhecem, as vacinas são mágicas. Você não pode fazer perguntas. São apenas vacinas e “funcionam”. Mas havia outras questões relativas, por exemplo, aos ventiladores, que foram usados em pessoas com covid-19. E há alguns estudos que concluíram que as pessoas realmente morreram por causa do protocolo que foi implementado em hospitais, usando os ventiladores. Então, também não podíamos falar sobre isso. Não podíamos questionar o protocolo médico. Eu nunca prestei atenção a este tema, o que captou a minha atenção desde o início [da pandemia] foi o professor John Ioannidis, da Universidade de Stanford. Começou a publicar algumas declarações e alguns estudos sobre o vírus e foi muito criticado.  Depois começaram a censurar o que dizia. O YouTube eliminou declarações suas a uma televisão por ser “desinformação”.

    pile of blister packs of colorful medicine tablets

    Foi absurdo…

    E eu pensei como era estranho, nem sequer era permitido ter-se uma opinião! Pensei: o que está a acontecer? Não fazia sentido. E outra coisa que me impressionou também foi, logo no início, quando as vacinas foram lançadas… Primeiro, essas vacinas foram lançadas à pressa no mercado, nem sequer foram aprovadas, apenas foram autorizadas [para uso de emergência]. No New York Times, lia-se que a Pfizer indicava que tinham 95% de eficácia. E esta é uma grande manchete, certo? Porque todos estavam preocupados com o vírus. Então, se alguém lê “95% de eficácia”… Mas depois, alguns parágrafos abaixo no texto percebia-se que aquele número não vinha de um estudo; era de um comunicado de imprensa! Ninguém viu esses dados, excepto a empresa, e a empresa divulgou um comunicado à imprensa. E um comunicado de imprensa acabou como manchete no New York Times! E essa publicação foi planeada para quê? Eu sei, porque investiguei, e na verdade serviu para pressionar a aprovação pela FDA. Para pressionar toda a comunidade biomédica. Foi tudo relações públicas. E o New York Times, e esses outros meios de comunicação social, foram cúmplices disso.

    Mais uma vez, o papel de influência da comunicação empresarial e das relações públicas…

    Então, as coisas realmente mudaram [na pandemia de covid-19]. Havia algo realmente chocante na censura. Sabe, censura de cientistas, e também o comportamento dos grandes órgãos de comunicação social. O ambiente mediático fragmentou-se, porque agora temos a Internet, e pessoas como eu podem publicar uma newsletter. Há o Twitter, para que as pessoas possam ver coisas que não conseguiam ver [nos media nem em outras redes sociais]. O que está a acontecer é que agora há essa necessidade de fechar isso [esse acesso livre a informação independente]. Então, há a mensagem dos grandes media, e há os documentos e informações que pessoas como eu divulgam. E as pessoas estão a ler. Como se fecha isso? Tinham de erodir isso, e criaram o tema da “desinformação”, e uma infraestrutura para ir atrás de pessoas independentes e fechar esse acesso a informação. Essa infraestrutura envolve agências governamentais e estranhas organizações sem fins lucrativos, que muitas vezes são financiadas pelo Governo e em colaboração com esses centros de investigação académica. E estão em pânico, porque estão a perder poder.

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    Algo que me impressionou é que, antes da covid-19, víamos os liberais, os comentadores de esquerda, a criticar os capitalistas e o capitalismo e os mercados financeiros, as grandes empresas. E agora é chocante ver que a esquerda e os chamados “liberais” são aliados do grande capital. São aliados das Big Tech, das grandes farmacêuticas, e apoiam, por exemplo, medidas como o dinheiro digital de bancos centrais. O mundo parece estar de cabeça para baixo. O que está a acontecer?

    Não faço ideia do que se passa. Há oito anos, as pessoas que mais criticavam a indústria farmacêutica eram liberais, de esquerda. Agora, estão todos “na cama” com a Pfizer. Será que se esqueceram que essas pessoas querem apenas lucros, que trabalham para obter lucros? Aquilo que penso é que as mensagens da indústria foram planeadas para atrair pessoas que são de centro-esquerda. Em relações públicas, fazem grupos de foco. Pensam sobre as mensagens que querem passar, e para quem as querem passar. É preciso entender como funciona a indústria farmacêutica e como os fármacos são colocados no mercado. A indústria farmacêutica não faz investigação, não faz pesquisa. Quem faz pesquisa são pequenas empresas, pequenas empresas de desenvolvimento normalmente associadas às universidades. As farmacêuticas colocam os medicamentos no mercado. Agora, toda a pesquisa de biomedicina está a ocorrer principalmente em torno de universidades, que, nos Estados Unidos, são como distritos do Partido Democrata. Penso que há muito dinheiro a entrar nessas áreas, muita convergência entre a biomedicina e o Partido Democrata. O Partido Democrata é agora o círculo eleitoral da biomedicina.

    Por exemplo, em Portugal, podemos ver neste momento um forte movimento nos media para pressionar o Governo a comprar medicamentos relativos ao vírus sincicial respiratório [denunciado pelo PÁGINA UM]. Vemos médicos que são consultores de farmacêuticas, as quais vendem medicamentos para esse vírus, a falarem a jornais para pressionar o Governo a comprar, mas sem revelarem as suas ligações ao vendedor do medicamento…

    Não há indústria por aí que seja mais corrupta… Eles têm muito dinheiro para gastar, e o que fazem é muito sofisticado. Há muitos médicos, muitas escolas médicas, grandes revistas de Medicina, que estão comprados pela indústria farmacêutica: O nível de sofisticação e a quantidade de dinheiro são provavelmente inigualáveis no planeta. Eles conseguem o que querem.

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    Ficou surpreendido com este tipo de pressão? E com a censura e as ligações entre Governo, redes sociais e a comunicação social?

    Nos Estados Unidos, o Governo não pode dizer directamente a um meio de comunicação social que não pode publicar algo. Isso é inconstitucional. O que está a fazer é pressionar. O mesmo está a ser feito com as empresas que operam as redes sociais. Quando comecei a publicar sobre haver censura, tive jornalistas, amigos jornalistas, a dizerem que não era possível estar a acontecer aquela censura. Vi jornalistas a fazer campanha a favor do Governo. Eram avessos à possibilidade de estar a haver censura com intervenção do Governo. Quando os documentos [do Twitter Files] começaram a sair, ainda se via essa negação de que isso estava a acontecer. Ainda há essa negação. Um jornalista do Washington Post, por exemplo, escreveu um artigo com um balanço de seis meses sobre Elon Musk. No artigo não tem nem uma referência aos Twitter Files. Como se faz um balanço de seis meses da actuação de Elon Musk e não se menciona os Twitter Files? Como se faz isso e se chama a si próprio jornalista? Não faz sentido, e não é jornalismo. E é por isso que olhei para esses documentos e divulguei essas duas histórias. Elas ajudam a explicar como e por que isso está a acontecer. O que está a acontecer é que muitos desses jornalistas tinham elos de ligação muito próximos com o Twitter, e esses laços evaporaram-se quando Elon Musk o comprou. Eles perderam o acesso especial que tinham, perderam os seus privilégios especiais.

    Qual é a sua opinião sobre o facto de um candidato à presidência dos Estados Unidos, Ron DeSantis, ter feito o seu anúncio no Twitter. Eu ouvi o anúncio no Twitter Spaces e era como ver a história acontecer em directo.

    Bem, quero dizer, essa é uma maneira de olhar. Mas então veja-se os media norte-americanos. Não fizeram nada mais além de criticar o que aconteceu, como se fosse a pior coisa de todos os tempos. Só falavam das falhas técnicas e de como o anúncio correu mal… Essa é a forma como os media caracterizam Elon Musk e DeSantis… Depois, há a sondagem de Harvard que apontou que, na política, Elon Musk é o mais popular agora na América. DeSantis é o número três. Isso é incrível. E depois questionamos: porque é que os meios de comunicação social são assim tão desconectados com o resto do público americano. Os media começam a mostrar que têm vivido numa espécie de bolha. E vivem numa bolha há muito tempo. Os media agora são amigos do Governo. Isso começou basicamente na época de Trump. Sinto muito, estou descendo um elevador. Pode estar cortando essa mudança. Há muitas coisas que não gosto em Trump. Mas, ao mesmo tempo, eu podia ver que muitas das notícias sobre ele não eram justas. Eu disse a um amigo meu jornalista: era preciso inventar tudo isso sobre Putin [de uma alegada ligação a Trump]? O que temos agora nos media norte-americanos é esta história básica: pega-se em Trump, Elon Musk e Ron DeSantis e coloca-se na coluna A, e na coluna B coloca-se Q, antissemitismo, extrema-direita, supremacia branca, anti-ciência, anti-vacina. Depois, tira um da coluna A e mistura com algo da coluna B. E essa é a sua história. Apenas mistura e combina, e isso são os media de hoje. Não é jornalismo, é apenas isso. Como se escrevessem em pânico. E a questão é que eles pensam que estão a ser inteligentes. Mas o público americano vê isso. É por isso que o número de americanos que confia nos media nunca foi tão baixo.

    Tem a sua própria página, a sua newsletter, publica em jornais e escreve sobre os Twitter Files. Como vê a mudança na maneira como as pessoas consomem notícias e informações? Porque hoje podemos ler notícias e grandes peças de investigação fora dos grandes órgãos de comunicação social mainstream. Mas também vemos o aumento do poder das redes sociais e das grandes plataformas de tecnologia no controlo do acesso a informação. Como vê a evolução destas questões? Pensa que vai haver um movimento para travar esta tendência e tentar tornar as coisas impossíveis para jornalistas como você?

    Realmente, não sei. A maioria dos americanos ainda está a receber a maior parte da informação pela televisão. A televisão ainda tem muito poder. Muitos desses jornais, desses meios de comunicação tradicionais, ainda têm muito poder. Eu estou a aproximar-me dos 20.000 assinantes. Estou muito longe do Washington Post. Mas é ótimo, é um óptimo número. Mas eu não estou a competir directamente com esses grandes meios de comunicação social. Há cerca de um mês, vi que o New York Times escreveu algo sobre Anthony Fauci e descobri que havia duas coisas que eles relatavam que eu tinha relatado em Dezembro! Mas é claro que não havia menção ao facto de eu ter relatado essas coisas primeiro. Aquilo que os media fazem é ou negar informação que você escreve, dizendo que é um absurdo, que é desinformação, ou então vão lê-la secretamente e vão roubar a informação. Sei quem são os meus subscritores. Posso ver quando eles se inscrevem, e eu conheço os meus assinantes. Há lá muitos jornalistas de investigação. Há muitos deputados, membros do Congresso, funcionários do Congresso. Eu não tenho muitos assinantes, mas tenho muitos assinantes da elite, leitores da elite. Então, talvez eu tenha mais impacto. Tenho leitores da elite que estão a vir e a ler o que eu tenho para dizer, ou porque estão a tentar estar bem informados, ou porque se trata de um jornalista em algum lugar a tentar descobrir como roubar algo e usar sem me mencionar.

    Jeremy Vine e a jurada Janet Kersnar, editora executiva do Business of Fashion, entregam o prémio de Jornalismo Especializado no British Journalism Awards 2021 a uma colega de Paul Thacker no BMJ.

    No outro dia, ao entrevistar Andrew Lowenthal, ele falava sobre o Complexo Industrial de Censura. Como podemos quebrar isso, e como podemos garantir que no futuro não iremos viver numa ditadura, onde não existe liberdade, incluindo liberdade de imprensa e de expressão?

    Bem, eu não posso falar a partir de uma perspetiva portuguesa porque eu não sei como os media portugueses funcionam ou o Governo português. Posso falar do ponto de vista norte-americano e dessas histórias sobre o que está a acontecer, com as pessoas a serem censuradas, a serem expulsas das redes sociais, a ser-lhes negado o direito a ter uma voz e uma perspectiva. Penso que foi isso que chamou definitivamente a atenção. Esses repórteres do Post e do New York Times estão a negar o que está a acontecer. Mas todos, todos os seus leitores, sabem o que está a acontecer. Eles estão a ler e não são estúpidos. Eles estão a ver os documentos [Twitter Files]. Membros do Congresso também estão a ver. Funcionários do Congresso também. Ligam-me e perguntam-me sobre o que está a acontecer. E eu penso que mais relatórios sobre o que está a acontecer, e como isso está a afectar a nossa capacidade de ter uma democracia decente e uma política decente. Eu penso que são importantes os processos [judiciais] que estão a avançar nos Estados Unidos para expor e impedir que isso suceda novamente. Penso que, no Congresso, podemos começar a retirar financiamento às organizações que estão envolvidas nesse tipo de comportamento contra os americanos. Quando um Governo começa a fazer censura com seus próprios cidadãos, é assustador. E a incrível magnitude de influência e envolvimento nesta área, da censura, por parte das universidades… As universidades estão muito envolvidas na censura; criaram esses centros académicos sobre desinformação, especialistas em desinformação.

    E na Europa, temos a Comissão Europeia com novas leis, novos regulamentos para os meios de comunicação social e também para as redes sociais, e aplicará multas enormes se as redes sociais permitirem aquilo a que chamam desinformação e discurso de ódio. E isso incluirá o Twitter. Está preocupado com o facto de, na Europa, o Twitter poder estar condicionado por este novo regulamento, porque vimos o que aconteceu na Turquia.

    Quer dizer, estou preocupado com um continente que tem um historial forte de fascismo. Em Espanha, temos o caso do jogador de futebol do Real Madrid que foi alvo de comentários racistas. Em Portugal, provavelmente também há quem chame nomes racistas a jogadores negros. E não podemos permitir isso e precisamos fazer algo para limitar a capacidade de pessoas fazerem isso. E isso todos percebem. O problema é o que está a acontecer nos bastidores com vista a limitar a capacidade de as pessoas terem debates abertos e opinião.


    N.D. Leia, sobre esta entrevista, o editorial de Pedro Almeida Vieira intitulado “O venenoso abraço das farmacêuticas à imprensa“.

  • ‘A pandemia foi muito eficaz a calar as pessoas’

    ‘A pandemia foi muito eficaz a calar as pessoas’

    Andrew Lowenthal tem uma vasta carreira na defesa dos direitos humanos no mundo digital e na defesa da privacidade online, tendo sido co-fundador da EngageMedia, uma organização sem fins lucrativos. O autor e investigador australiano tem colaborado na divulgação dos ‘Twitter Files’. O seu trabalho está focado no estudo e denúncia do crescente autoritarismo digital. É investigador no Institute for Network Cultures da Universidade de Amesterdão e escreve na sua página Network Affects, na plataforma Substack. Lowenthal foi um dos oradores presentes na Conferência Internacional “Saúde Mental e Propaganda”, que decorreu em Fátima, no passado fim-de-semana. Em entrevista ao PÁGINA UM, o investigador falou sobre o “Complexo Industrial de Censura”, o qual se tem vindo a formar a nível global, e que tem vindo a investigar junto com o jornalista Matt Taibbi, entre outros. Sobre os ‘Twitter Files’, revelou que Elon Musk “não está a dar acesso a novos documentos” à equipa de jornalistas e escritores que têm estado a conduzir a investigação aos documentos internos daquela rede social. Mas a investigação prossegue aos documentos já disponibilizados e vão surgir mais revelações. Os ‘Twiter Files’ – que pode acompanhar AQUI no PÁGINA UM – têm vindo a revelar a sinistra máquina de censura instalada no Twitter – e que abrange também outras redes sociais e Big Techs – no tempo da anterior gestão do Twitter.


    Tem uma longa carreira na defesa da privacidade digital, liberdade de expressão e direitos humanos em plataformas online, mas vejo que também foi um pouco apanhado de surpresa com o que se passou nos últimos anos, com o forte aumento da censura. Durante o seu percurso, alguma vez esperou que chegássemos a este ponto, com toda a censura que tem existido?

    Não, não esperava. É interessante porque, de certo modo, todo o trabalho que eu fazia era sustentado na ideia de que não actuavamos, particularmente, em relação ao poder corporativo e aos media e à tecnologia, e que podíamos acabar numa situação muito má. Mas, na verdade, nunca imaginei que essa situação pudesse ser assim tão má. Algo fez com que isto se desenvolvesse de uma forma muito mais autoritária do que eu alguma vez poderia imaginar, portanto, não, de facto nunca esperei. Eu receava que, de forma geral, as coisas piorassem, mas não radicalmente, como aconteceu desde a covid.

    Escreveu sobre a existência de um “Complexo Industrial de Censura”, que tem mobilizado milhares de milhões de dólares e de euros. Afinal, em que é que consiste este ‘complexo’, quem é que o detém? E como é que se chegou até aqui?

    Bem, é um conjunto de vários grupos com diferentes interesses. Este sistema ao qual chamamos “Complexo Industrial de Censura” envolve associações filantrópicas, financiamento governamental e organizações governamentais, académicos, think-tanks (grupos de reflexão), organizações não-governamentais, e os media. E, portanto, há diferentes áreas onde existe uma grande coordenação. Sabemos que há um projecto intitulado Virality Project, que estava a controlar a informação que circulava sobre a vacinação contra a covid, e que admitiu explicitamente visar também histórias verdadeiras que encorajassem hesitação vacinal. E eles colaboravam de perto com o Facebook, o Twitter, o TikTok, e outros. Por isso, eu não penso que haja uma única entidade central neste complexo, mas há, sem dúvida, vários núcleos que têm procurado exercer muita influência na forma como as pessoas percepcionam o mundo.

    E há muito dinheiro envolvido nessa indústria…

    Sim, muito dinheiro. Dinheiro que vem de associações filantrópicas privadas, de entidades governamentais… Nalguns casos, há fortes ligações a serviços de informação e às Forças Armadas, algo que ficou claro com os ‘Twitter Files’, que não é uma teoria da conspiração que as pessoas imaginam, acontece mesmo na realidade. Então, sim, em certos casos, há contractos como aquele que foi feito com a Peraton, na ordem dos mil milhões de dólares. Muitos dos grupos que vimos são mais de dimensão pequena a média – bem, e grande também –  como académicos e think-tanks, mas os seus orçamentos variam entre 3, 4 ou 5 milhões e 40, 50 milhões de dólares. O Instituto Aspen em particular coloca muito dinheiro neste tipo de “trabalho”, dezenas de milhões de dólares. Portanto, sim, é mesmo um projecto com um financiamento massivo, tudo sob o pretexto da “desinformação”. E a desinformação existe, mas a ameaça que representa foi exagerada essencialmente para servir de justificação para a censura.

    Então, a desinformação foi vista como uma oportunidade para se censurar?

    Sim, sim. De forma geral, esse é também o meu pensamento em relação à pandemia; é que há pessoas espertas que veem certas oportunidades e agarram-nas, a não ser que estejamos particularmente vigilantes.

    E falamos de algumas empresas, como as grandes farmacêuticas que, depois da pandemia, têm agora ainda mais dinheiro para patrocinar os media e muitas destas entidades que actuam sobre a “desinformação”. Portanto, é um problema que está em crescimento?

    Sim.

    E como é que vê a sua evolução? Porque o problema está a crescer, as entidades por detrás deste complexo industrial de censura estão a tornar-se maiores, é uma indústria gigante… Por isso, como é que nós enquanto cidadãos podemos desmantelar isto, o que é que podemos fazer?

    Acho que a primeira coisa é mostrar às pessoas que existe, e que há ainda muita coisa que nós não sabemos também sobre o nível de censura que os sistemas de controlo de informação criaram. Outro passo é lutar contra muita da legislação recente que tem sido aprovada, na União Europeia, e a nível nacional, no Reino Unido, na Austrália, nos Estados Unidos, e por aí fora, e que está realmente a tentar institucionalizar a censura com o pretexto da desinformação e do discurso de ódio. E acho que criar órgãos de comunicação social independentes é fundamental, porque alguns canais de media foram tão “capturados”, e o debate é tão abafado… A democracia significa as pessoas dizerem o que pensam e a pandemia foi muito eficaz a calar as pessoas, porque havia um custo social por dizerem aquilo que pensavam. Eu também estive calado durante algum tempo, acho que a maior parte das pessoas esteve, mas é crucial que deixem de estar.

    Para nós europeus, o que vimos passar-se na Austrália durante a pandemia foi um choque total e um horror. Como é que foi para si ver o que se estava a passar na Austrália, e na Nova Zelândia?

    Acho que muitas das pessoas na Austrália não faziam ideia que estavam assim tão fora do que era o “normal” das coisas… E, também, muitas das pessoas lá não tinham grande contacto com o exterior. Para quem não estivesse, por exemplo, em Melbourne, a vida era bastante normal em muitos sítios. Não se podia sair do país e talvez do Estado, mas, na verdade, não se sentia que fosse assim tão diferente. Penso que as pessoas em Melbourne e Sydney tiveram uma experiência muito distinta. E o facto de estarem muito desconectados do resto do mundo, por estarem muito longe, faz com que não se perceba bem o quão autoritárias as coisas se estão a tornar. E isso ainda acontece. Quando eu falo com os meus amigos, acho que eles não veem o quanto a Austrália se afastou das normas ocidentais. Claro que foi mau em Portugal, Espanha, nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas a Austrália e a Nova Zelândia levaram mesmo a coisa a outro nível. Acho que há cada vez mais quem queira sair da Austrália e comparar as realidades, mas a Austrália é uma sociedade muito orientada para a segurança, por isso procura sempre minimizar riscos. É um país que não lutou pela sua independência para se tornar numa nação, por isso a maioria da população, pelo menos, não sabe o que é tomar grandes riscos ou lidar com grandes ameaças.

    Mencionou o autoritarismo e, nos últimos anos, temos vindo a seguir esse caminho, com uma nova ideologia nesse sentido a capturar o Ocidente. E isto pode ser algo cíclico, tal como já aconteceu no passado. Acredita que é possível que passemos mesmo a viver numa sociedade autoritária e que se perca a democracia?

    Sim, quer dizer, isso cabe às pessoas decidir. Infelizmente, parece que, neste momento, há muita gente que está bastante feliz a viver numa sociedade autoritária. Acho que muito poucos diriam que não desejam uma democracia, mas em muitos casos penso que o disseram, na verdade. Porque muitas destas insistências vieram do espectro “liberal” progressista da esquerda – que foi onde eu me inseri duas décadas da minha vida –, e acho que eles não o veem como autoritarismo, mas como um acto de consideração pelos outros, e cuidar dos outros com um sacrifício necessário em prol dos mais vulneráveis. Portanto, acho que eles não veem o autoritarismo, e isso é assustador. Eles acreditam mesmo nisso. E talvez também tenha sido assim comigo durante algum tempo. Mas, convencer as pessoas que existe um custo-benefício nestas coisas, e que perder liberdades e até segurança ao ceder demasiado poder ao Governo e às empresas, que essas mesmas pessoas de esquerda costumavam pôr em causa…

    Sim, e isso é muito estranho. Porque, do ponto de vista da esquerda, dos liberais, há uma década ver-se-iam estas grandes empresas – Big Pharma, Big Tech, os bancos – como egoístas e sedentos de lucro, capitalistas. Portanto, o que é que mudou, o que é que aconteceu à esquerda? Já não acham que estas instituições querem lucro e guerras?

    Sim, eu sei, esta é a pergunta de um milhão de dólares que toda a gente quer descortinar. Eu acho que, essencialmente, as pessoas trocaram liberdade por segurança.

    Mas não é uma segurança real. É uma grande farsa.

    Não, eu concordo, não é segurança, verdadeiramente. Mas acho que devido a esta troca de prioridades, decidiram que valia a pena fazer este “pacto com o diabo”, com as pessoas mais poderosas da sociedade. E creio que o crescimento do populismo de direita e esta polarização, retirou, essencialmente, a nuance e a sofisticação à crítica. Ou se formavam alianças com o poder corporativo liberal, ou sofria-se as consequências do populismo de direita. Portanto, penso que algumas pessoas se colocaram dentro destas opções limitadas, e decidiram escolher ou uma ou outra, em vez do que deveriam ter feito, que era criar mais opções.

    E há uma terceira opção, que é a dos cidadãos e da sociedade civil, com pensamento crítico. Não temos de estar divididos apenas em duas fações. Há uma terceira alternativa…

    Sim, há uma terceira alternativa, que é não escolher nenhuma das duas opções. Mas sim, penso que obviamente tem a ver também com as redes sociais e o medo da exclusão social. Mas este tribalismo, a limitação do espaço político e a polarização contribuíram para este fenómeno, e é por isso que acho que a existência de mais espaços heterodoxos e diferentes é algo fundamental nesta altura, em vez de se aderir a uma das duas “tribos”.

    A sua vida, trabalho e finanças melhoraram ou pioraram nestes últimos anos? Porque mencionou que durante muitos anos, tinha amigos mais conectados com o espectro liberal, de esquerda… De repente, está rodeado de pessoas que não concordam consigo e que o veem como uma possível ameaça. Isso afectou-o pessoal, profissional ou financeiramente?

    Sim, sem dúvida, mas talvez de uma forma diferente em comparação com outros activistas. Eu “liderei” devagar, não fui cancelado nem fiz nada abruptamente. Também porque eu queria, pelo menos, manter-me em contacto com as pessoas de mente mais aberta no espaço da esquerda ‘liberal’. Sem dúvida que houve pessoas durante a pandemia que não queriam falar comigo, porque eu tinha opiniões “erradas”. Financeiramente, tive sorte, de certa forma, porque há uma espécie de nicho e um espaço – embora não muito grande – para pessoas com ideias mais heterodoxas. Mas certamente que já não estou como estava quando conduzia uma ONG e em que tinha um excelente financiamento. Poderia lá ter continuado e estaria numa posição muito confortável. Portanto, sem dúvida que, voluntariamente, escolhi uma situação financeiramente mais precária, porque senti que estava a fazer parte de uma coisa que, não é que fosse totalmente desonesta, mas que certamente pactuava com desonestidades, com uma mentalidade cada vez mais autoritária.

    E qual é a sua visão relativamente ao Twitter e aos ‘Twitter Files’, que têm sido um marco em termos de mudar algumas opiniões em torno da censura. E o que é que pensa sobre a contratação da nova CEO do Twitter, que é uma executiva do World Economic Forum?

    Pois, não posso dizer que esteja entusiasmado, não é a escolha que eu gostaria de ter visto. Quer dizer, ainda não vi muita coisa sobre ela, mas pelo que vi, não é o que eu esperava que acontecesse. Parece que estamos a voltar ao ponto em que estávamos antes. Talvez possa ajudar a equilibrar as coisas, porque o Elon Musk parece muito errático e não um decisor consistente, o que talvez não seja um problema quando se constrói carros. Mas quando se está a dirigir uma rede social, as pessoas precisam de saber mais claramente quais são as regras. E não se pode saltitar de um lado para o outro e mudar as coisas, porque confunde muito as pessoas. Na construção de carros, um pode ser amarelo e o outro vermelho, e o público não participa nessas decisões, por isso não o confunde… Enfim, não sei, mas não é a escolha que eu teria esperado.

    E ainda está a trabalhar com os ‘Twitter Files’, ainda poderemos esperar novas histórias suas sobre o Twitter?

    Sim. Musk já não está a dar acesso a novos documentos, mas temos outros documentos sobre os quais ainda não se escreveu, por isso haverá mais.

    Participou numa conferência em Portugal sobre a pandemia e toda a propaganda a que assistimos. Qual é a sua visão sobre o que se tem passado na comunicação social e a propaganda à volta dos temas relacionados com a pandemia? Porque há alguns temas que são nocivos para as pessoas, pela forma como os media os têm transmitido…

    Sim, essencialmente, acho que houve uma quantidade enorme de propaganda. Por vezes, é difícil para as pessoas utilizarem esta palavra, porque fá-las pensarem nos anos 20 ou 30 do século passado, e talvez não seja a palavra mais adequada para os dias de hoje…

    Qual é a palavra que escolheria?

    Não sei, quer dizer, trata-se de controlo de percepção da informação. São campanhas de relações públicas muito sofisticadas. Penso que as pessoas entendem melhor assim. Se falarmos em propaganda, acho que corresponde mais à verdade, é factualmente correcto. Agora, se é ou não a palavra que fará as pessoas que estão mais à margem passarem para o nosso lado, é outra questão… Mas acho que houve claramente imensa propaganda. Foi altamente sofisticada, foi de um outro nível. Estávamos mais seguros no caso da guerra no Iraque. Porque, na altura, acho que as pessoas conseguiram perceber a manipulação, e foi por isso que houve muita contestação. Enquanto que, no caso da pandemia, acho que eles aprenderam muitas lições com a guerra no Iraque, sobre a necessidade de uma maior sofisticação na forma como os governos ou as empresas passam a sua mensagem à população. Precisa de ser muito mais social. Tínhamos Internet em 2003, mas era algo mais aberto e livre. Mais uma vez, acho que o Virality Project nos mostra quanta manipulação se engendrava e como se coordenavam os governos e as grandes tecnológicas e, infelizmente, a sociedade civil [na pandemia]. Muitos deles pensavam que estavam a fazer a coisa certa, e que estavam preocupados com a sociedade… Quando pensavam na vacina [contra a covid-19], imaginavam uma vacina tradicional – e eu ainda sou defensor das antigas vacinas – mas isto era outra coisa, e é muito difícil convencer as pessoas disso. Muitas pessoas ainda não se convenceram. No geral, as pessoas estão a tornar-se mais cépticas. Quase ninguém se tornou menos céptico ou mais crente de que o Governo fez a coisa certa. Portanto, isso dá-me alguma esperança de que as coisas estão a direcionar-se para um maior cepticismo, e acho que eventualmente uma massa crítica se irá formar.

    glass, hands, palm

    Está, então, esperançoso num despertar da população em relação a estas campanhas de “relações públicas”, e espera que estejam mais atentos e vigilantes quanto a este “Complexo Industrial de Censura”…

    Bem, estou esperançoso, mas com cautela, porque definitivamente que não está a acontecer tão depressa como seria necessário.

    E, quanto ao trabalho: quais são os seus planos para um futuro próximo? Porque agora está a escrever mais sobre outros assuntos, e a Humanidade enfrenta outros desafios, como o dinheiro digital centralizado que está a chegar, e as cidades dos 15 minutos que estão a começar a ser testadas… São muitos os desafios. Quais são os seus projectos para o futuro?

    Está em desenvolvimento.. Uma das coisas é que continuo a trabalhar com Matt Taibbi nos ‘Twitter Files’. E, depois, estou no processo de estabelecer uma nova iniciativa que aborda os totalitarismos digitais, portanto, trata de censura, moedas programáveis, privacidade, este tipo de questões. E, na verdade, alguém está a trabalhar no lugar em que eu estava, no âmbito dos direitos humanos digitais que, de certa forma, colapsou porque foi [uma área] cooptada pela Big Tech. Por isso, estamos a tentar perceber como é que podemos reconstruir ou renovar este papel [da defesa dos direitos humanos online] que perdemos na sociedade civil.

    Isso dá-nos esperança, porque vimos, com choque, algumas ONGs no campo dos direitos humanos e das liberdades civis em conluio com os governos e com todo o autoritarismo a que assistimos. Portanto, está a dar-nos esperança.

    Farei o meu melhor.

  • Twitter denunciou (e cumpriu) exigência de Governo turco para censurar opositores antes das eleições

    Twitter denunciou (e cumpriu) exigência de Governo turco para censurar opositores antes das eleições


    Hoje, no 125º episódio de Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares comenta a denúncia feita pelo Twitter sobre a exigência feita pelo Governo turco para que fossem censurados conteúdos antes das eleições recentes. Elon Musk explicou que a exigência foi dirigida a todas as empresas de Internet mas que o Twitter foi o único a denunciar aquele acto de censura. Ainda assim, o Twitter foi alvo de críticas por ter cumprido com a exigência turca. Este tipo de censura ocorre em outros países e abrange grandes tecnológicas, mas a população não tem conhecimento da situação, a não ser quando surgem provas, como aconteceu no caso de censura no Facebook pela “mão” do Governo da Nova Zelândia.

    Acesso: LIVRE

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  • Vai o Twitter voltar a ser manipulado e regressar à antiga era de desinformação e censura com a nova CEO?

    Vai o Twitter voltar a ser manipulado e regressar à antiga era de desinformação e censura com a nova CEO?


    Hoje, no 124º episódio de Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares comenta o anúncio de Elon Musk de que contratou uma nova presidente executiva para liderar a parte operacional do Twitter. Trata-se de Linda Yaccarino, até agora executiva na NBC e líder de uma área no Fórum Económico Mundial. Além disso, a executiva defendeu medidas do chamado falso consenso durante a pandemia, que não têm base na evidência. Por isso, a sua contratação levanta receios sobre se o Twitter vai voltar a ser uma rede social onde impera a desinformação e a censura e manipulação para fins políticos, como acontecia na era pré-Musk. Mas Elon Musk garante que não.

    Acesso: LIVRE

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