A Justiça britânica reconheceu, esta terça-feira, que o pedido de extradição do jornalista Julian Assange por parte dos Estados Unidos viola o direito à liberdade de expressão, expõe o fundador da WikiLeaks à pena de morte e também à possibilidade de ser prejudicado no julgamento devido à sua nacionalidade. O tribunal deu aos Estados Unidos até ao dia 16 de Abril para apresentar garantias de que aqueles receios não se cumpram. Na sequência desta decisão de hoje, o PÁGINA UM republica a entrevista a Stella Assange, mulher do fundador da WikiLeaks, divulgada no dia 5 de Março. Na entrevista, Stella afirmou não ter dúvidas de que, no Ocidente, tem havido um recuo muito grave no direito à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. Numa altura em que a Europa anuncia a entrada numa Economia de Guerra, disse que não é um acaso Julian Assange estar detido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a advogada e activista dos direitos humanos, de 40 anos, espera que mais líderes europeus se juntem ao chanceler alemão Olaf Scholz na defesa do marido para que não seja extraditado para os Estados Unidos. Pode ler a entrevista em português ou ver e ouvir em inglês no YouTube e no Spotify.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE STELLA ASSANGE CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Começo por um acontecimento recente: o chanceler alemão Olaf Scholz rejeitou a extradição de Julian. Isso traz esperança para si e para Julian?
Sim, vejo-o como um grande desenvolvimento. O primeiro líder europeu, e nada menos do que da Alemanha, a ser a favor de Julian não ser extraditado. Mas vem na sequência de uma série de desenvolvimentos. O Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura e o Relator Especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão manifestaram-se, nas últimas semanas, contra a extradição. Houve também um debate no Parlamento Europeu, em que, tanto o Conselho Europeu como a Comissão Europeia foram instados a prestar declarações sobre o caso de Julian. Penso que, pelo menos, um membro do Conselho o fez. E houve uma escolha cuidadosa de palavras, mas não hostis a Julian, pelo menos. E tem havido declarações muito fortes de parlamentares, de todo o lado. Penso que tem havido uma melhor compreensão dos riscos do caso de Julian e eventos, como o debate no Parlamento Europeu, permitem que informações relevantes sejam compartilhadas. Permitem que as informações sejam assimiladas por um círculo mais alargado de pessoas e talvez isso tenha levado chanceler Scholz a mudar. Mas, obviamente, é algo que eu saúdo e vejo como como fazendo parte de uma mudança maior.
Stella Assange durante a entrevista concedida ao PÁGINA UM. (Foto: PÁGINA UM)
Espera, então, que alguns dos principais líderes europeus se juntem a esta posição ou pensa que serão cautelosos?
Bem, não devem ser cautelosos porque Julian foi nomeado pelo Parlamento Europeu, já em 2022, como um dos finalistas do Prémio Sakharov, que, naturalmente, é o prémio de maior prestígio da União Europeia para a liberdade de pensamento e direitos da humanidade. E ele foi um dos três finalistas. Fui convidada para ir ao Parlamento Europeu e participei em várias reuniões. Por conseguinte, a União Europeia tem o mandato conferido pelo Parlamento para dar prioridade a este caso. Eu acho que também é importante para os sindicatos de jornalistas, nos vários países europeus. Em muitos países, já deram a Julian a filiação ou a filiação honorária, e escreveram declarações sobre o impacto extremamente perigoso deste caso no trabalho de jornalistas em todo o mundo e na Europa. Penso que o facto de Scholz já o ter dito torna muito mais fácil para outros países europeus dizê-lo. Mas, como disse, já têm o mandato do Parlamento Europeu. E, claro, que Julian continua a ganhar muitos prémios em toda a Europa e em todo o mundo.
Deve achar realmente estranho isto estar a acontecer no Ocidente, no mundo ocidental. Porque temos um jornalista – e também, é quase um caso de um denunciante – que está a ser perseguido politicamente e a sua vida está em risco. Como vê isso? Como se sente em relação a isso?
Bem, eu acho que é uma espécie de sintoma de onde estão, hoje, a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. No Ocidente, em geral, nós vimos [nos últimos anos] uma decadência muito grave nos direitos à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. E isto segue a companha, a perseguição e o assédio que Julian enfrentou desde as publicações sobre o Iraque e o Afeganistão e os telegramas [diplomáticos], e assim por diante, que é pelo que ele está a ser perseguido e processado.
Acho que, quando a WikiLeaks publicou essa informação, em 2010, foi a altura do pico da liberdade de expressão na Internet e da liberdade de imprensa. E, desde então, vimos uma reacção negativa, e essa reacção afectou, é claro, Julian. Mas também afectou todos os outros. E Julian tem sido um canário na mina de carvão ao longo dos anos. Quais foram as formas através das quais Julian foi atacado, primeiro? Através do encerramento das contas nos bancos, dos donativos. Isso foi inédito, em 2010. Foi o primeiro caso em que tivemos isso. E é claro, que isso se generalizou muito e se estendeu às plataformas online e à desmonetização [em plataformas digitais] e assim por diante.
Mas surpreendente, em 2010, eu diria que foi, sim. Foi surpreendente, foi uma espécie de perspectiva distópica. Em 2024, eu acho que é um sinal de um mal-estar generalizado que não está a afetar apenas vozes dissidentes ou jornalistas que cobrem temas de segurança nacional, mas sim um ataque sobre a dissidência em geral. E as ferramentas para controlar a dissidência são hoje muito mais sofisticadas e eficazes do que elas eram há 14 ou 15 anos atrás. Portanto, há uma deterioração da capacidade de fazer valer os nossos direitos e, ao mesmo tempo, um reforço muito maior da capacidade de sufocar a dissidência, de impor censura e, em última análise, de reprimir o que é visto como oposição.
Julian Assange e Stella Assange. (Foto: D.R.)
E, neste momento, a Europa está a tentar armar-se para ir para a guerra. Ouvimos agora falar de Economia de Guerra. Acredita que a Europa e o mundo seriam hoje diferentes se Julian fosse livre e estivesse a trabalhar?
Acho que não é por acaso que, numa altura em que temos grandes conflitos que correm o risco de escalar regionalmente, ou para conflitos nucleares ou para uma Guerra Mundial, que a pessoa que mais contribuiu para expor o verdadeiro custo da guerra, as verdadeiras motivações, a realidade da violência no terreno, é a que está na prisão e a ser silenciada. Isto faz parte do mesmo desenvolvimento. A Economia de Guerra obviamente vê Julian como figura da oposição, uma figura de oposição não só ao custo humano da guerra, mas também ao económico, para expor os interesses económicos que impulsionam essas guerras. Então, é claro que é conveniente, para as pessoas que estão a lucrar com a guerra, ter Julian na prisão. E para aqueles que querem ver um fim para esses conflitos, tirar Julian da prisão é crucial.
Provavelmente, estaríamos certamente numa situação diferente, um panorama diferente de informação, se Julian tivesse sido capaz de continuar a fazer o seu trabalho. Porque, claro, as publicações da WikiLeaks são o ‘padrão ouro’ (golden standard) para os denunciantes envolvidos, os ‘insiders’, que estão dentro da máquina de guerra que a expuseram por dentro e mostraram quando as políticas estavam fora de controle. Contribuiu para que houvesse fiscalização e reforma.
Como é que consegue reunir forças para continuar esta luta? Porque deve ser muito difícil. Você tem filhos, para ver o seu marido nesta situação e ainda lutar, falar à imprensa e publicamente.
Bem, a minha força vem do facto de lutar pelo Julian. Se eu perder o Julian, aí é que vou ter dificuldades, de verdade. Não tenho dificuldade em encontrar força e motivação para lutar pela liberdade do meu marido. O maior medo que tenho é de perdê-lo e dos nossos filhos, das nossas crianças crescerem sem o Julian. Vou lutar o tempo que for necessário para recuperá-lo.
E como é que ele está? Tem falado com ele? Tem mencionado que Julian não está bem.
Ele não está em condições de, sequer, poder comparecer à sua própria audiência. Esta foi a mais decisiva audiência de todas, em que, se os juízes. deliberarem contra ele, o Reino Unido, basicamente, coloca-o num avião para os Estados Unidos, a menos que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem o impeça. Se Julian não tivesse estado preso durante cinco anos, se ele não tivesse tido o estado de declínio constante, fisicamente, ao longo destes anos, ele teria, naturalmente, assistido à sua própria audiência, aquela em que a sua vida está em jogo.
Mas, espero que seja, óbvio para todos, como as coisas estão mal. O facto de ele não ter conseguido ir. A prisão é extremamente dura. Ele está em isolamento, muitas vezes. Quer dizer, ao longo de 21 a 22 horas por dia, ele está fisicamente confinado a uma única cela de seis metros quadrados. Durante esse tempo, as suas interações com outras pessoas são limitadas. E também está confinado, fechado, ao lado de infractores muito graves, infractores violentos e assim por diante. E isso leva a melhor tem um impacto muito sério nele, não só fisicamente, mas mentalmente, claro. E essa é uma luta diária. Quer dizer, um dia é mais suportável, e outros dias são menos suportáveis. Portanto, não é possível generalizar. Mas, em geral, o que posso dizer é que sua saúde física está em constante declínio. E ele tem, claro, um espírito de luta. E ele é encorajado por todo o apoio, tanto de apoiantes como de sinais políticos como o de Scholz e assim por diante. Isso é absolutamente essencial para que ele continue a lutar. Mas, obviamente, depende do dia e da semana e do que está a acontecer, e da pressão que ele está a ter.
E o que espera destes procedimentos no tribunal? O tribunal pediu mais informações. Quando poderemos ter mais informação do Tribunal?
Bem, nós simplesmente não sabemos. A única data, a única indicação que tivemos foi que na segunda-feira, dia 4, que foi ontem, havia um prazo para as partes apresentarem mais informações. O tribunal pediu. Foi um bom sinal, o facto de o tribunal ter pedido mais informações. Quer dizer que os juízes estão interessados e querem compreender melhor os antecedentes do caso e os vários argumentos que estavam a ser desenvolvidos. Então, é claro que isso é um bom sinal. Mas simplesmente não temos mais prazos. Podemos ter uma decisão do tribunal a qualquer momento. Eu não espero que seja hoje ou amanhã, porque a informação é volumosa e significativa e eles têm de analisar, mas isso não quer dizer que não pode haver uma decisão muito cedo. Então, estamos á espera. Mas não estamos passivos. Porque, ao mesmo tempo, é a altura em que os juízes decidem. E declarações como a de Scholz – e espero que outros o acompanhem… O ambiente em que esta decisão vai ser tomada…
Stella Assange tem liderado uma forte campanha para a libertação de Julian Assange. (Foto: D.R.)
Gostaria de deixar uma mensagem aos apoiantes portugueses de Julian, neste momento?
Esse apoio em Portugal é grande. Estive em Portugal, em Lisboa, para a Web Summit. Na verdade, foi a minha primeira vez em Portugal e apaixonei-me. E espero poder voltar. E contei ao Julian tudo sobre Lisboa, porque ele disse que também não tinha ido. E espero muito que, quando ele estiver livre, possamos visitar juntos.
É muito importante para os europeus, os decisores a todos os níveis, as organizações não governamentais, as pessoas na rua… Mas, acima de tudo, é importante que os decisores entendam que a luta de Julian é uma luta que afecta todos os europeus, não apenas os jornalistas, mas o nosso direito a saber [ter acesso a informação]. E estamos todos a ser varridos por decisões sobre conflitos. Precisamos de ter, pelo menos, informação, compreender a informação. E a contribuição de Julian para informar o público é absolutamente essencial em democracia. E enquanto ele estiver preso, então esse direito está a ser negado. Então, precisamos libertá-lo e precisamos fortalecer a nossa democracia e a cultura em torno da democracia em todo o mundo. E a liberdade de Julian é essencial para isso.
Entrevista traduzida e editada para português
A entrevista pode ser vista na íntegra em vídeo no YouTube
Vimos, na passada quinta-feira, uma classe em greve. Muitos jornalistas pararam. Muitas notícias não foram publicadas ou emitidas nas TVs e rádios. Muitos eventos não tiveram cobertura da imprensa.
A greve dos jornalistas surgiu num momento particularmente triste para a imprensa em Portugal. O Diário de Notícias (DN) está num ‘buraco’, tanto financeiro como de credibilidade.
Já escrevi várias vezes sobre a minha ligação afectiva ao DN, um jornal que entrou no meu coração quando, na infância, fiz uma visita de estudo à redacção do jornal e vi como era impresso. Guardo comigo a placa com o meu nome que trouxe de lá.
Quando assinei notícias e entrevistas no DN, não era eu quem assinava. Era a miúda que se apaixonou pelo jornal naquela visita de estudo.
(Foto: D.R.)
Isso não me impede de ver como o jornal foi destruído ao longo dos anos, sobretudo nos anos mais recentes. As péssimas decisões de (má) gestão e a explosão da Internet e das redes sociais não explicam tudo. Também directores do jornal e jornalistas se sentaram ‘à mesa’ com o poder político e económico, com quem tinha poder, esquecendo o que era o DN e esquecendo o que é ser jornalista.
Isto aconteceu também em outros meios de comunicação social. Tem sido mais visível, nos últimos anos, a grande quebra na qualidade da informação difundida pela imprensa. A precariedade, os baixos salários (para muitos, não para todos) e a praga do churnalism não explicam tudo. Também tem sido mais visível o enviesamento, a falta de rigor, a colagem ao poder político, económico e financeiro. Mas já existiam antes, talvez não fossem tão óbvios. Hoje, o enviesamento, está em níveis estratosféricos, ao ponto de muitos jornalistas nem perceberem que deixaram, há muito, de se comportar como jornalistas e são apenas meros papagaios.
Em geral, os jornalistas e as direcções dos jornais acompanham o ambiente de cultura de cancelamento, censura e condicionamento da liberdade de imprensa e de expressão que é promovida, hoje, pelas grandes tecnológicas como a Meta (dona do Facebook) e a Google (dona do YouTube). Foi evidente na pandemia. Tem sido evidente no tema da guerra na Ucrânia. Tem sido evidente no conflito em Gaza.
Jornalistas e directores podem ter ganho amigos poderosos com isso. Podem achar que assim são bem vistos e aceites pela generalidade dos pares. Mas os leitores vão percebendo que isso não é compatível com o Jornalismo. Daí ter também surgido o termo ‘jornalixo’ – que abomino.
Muitos jornalistas portugueses vivem numa bolha. Pensam que são ‘especiais’ por serem jornalistas e pensam que são donos da verdade e que são ‘o farol da democracia’. Nada podia estar mais longe da verdade. A falta de humildade, de isenção, de pensamento crítico e rigor de muitos jornalistas dos grandes grupos de comunicação social são asfixiantes. Não se respira verdadeiro Jornalismo nas redacções dos grandes grupos de media portugueses, hoje, em geral (com raras excepções).
Por outro lado, os jornalistas que querem fazer bom jornalismo não conseguem. Têm sido inúmeros os relatos que me chegam de jornalistas que não têm tempo para investigar e são pressionados a fazer notícias ao segundo. Outros não têm sido autorizados a fazer determinadas investigações, reportagens, entrevistas e notícias. Outros, já nem se ‘atrevem’ a propor alguns temas. Preferem salvar os seus postos de trabalho (para já).
Nos media, como no mundo académico, está instalado um ambiente pútrido e podre de caça à opinião ‘divergente’ e de bullying e difamação em relação ao ‘dissidente’. Os factos, a verdade e a democracia pouco são para ali chamados. Quem diverge das ideologias e visões da moda é classificado como sendo militante de ‘extrema-direita’, ‘radical’. Dependendo do tema, o bullying e a difamação envolvem os mais diversos insultos e nomes pejorativos.
É um ambiente de perseguição mas também de discriminação. Basta lembrar a discriminação e o discurso de ódio promovido nas TVs, jornais, revistas e redes sociais por alguns jornalistas e directores de órgãos de comunicação social durante a pandemia.
Alguns desses jornalistas e directores são os mesmos que afirmam ser “totalmente” contra qualquer tipo de “discriminação”, contra “todo” o “discurso de ódio” e que dizem defender a “soberania sobre o próprio corpo”. Isto não se inventa. Isto é o populismo em acção.
(Foto: D.R.)
O mesmo ambiente de falta de rigor informativo, falta de isenção, enviesamento e perseguição é visível, hoje, na cobertura das eleições legislativas. Além da falta de pluralismo, em geral, com partidos de ‘primeira’ e partidos de ‘segunda’. (Daí o PÁGINA UM ter levado a cabo uma iniciativa única na imprensa, a rubrica HORA POLÍTICA, para dar voz aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal.)
Não votei num partido do espectro da direita. Mas farei tudo para que os portugueses e os europeus possam votar no partido que bem entenderem. Democracia é também isso. E é igualmente respeitar a decisão de quem vota.
E, como jornalista, não posso – não devo – fazer uma cobertura diferente dos partidos consoante sejam de esquerda ou extrema-esquerda, de centro, de direita ou extrema-direita, ou partidos que assentam no princípio de serem formados por cidadãos independentes.
Democracia não é só quando ganha o “meu” partido. Mas, nestas eleições legislativas, ficou claro que, para alguns – incluindo jornalistas –, mudou o conceito de ‘democracia’.
Desde logo, com a reacção ao queimar de um cartaz de um dos partidos – do Chega –, um acto que foi bem visto, em geral, na imprensa. Tivesse acontecido com um partido que se diz de esquerda ou de extrema-esquerda e caia o Carmo e a Trindade. Depois, com a forma claramente enviesada, deturpada e indigna como a maioria da comunicação social trata o Chega e André Ventura.
(Foto: D.R.)
A forma como a maior parte dos jornalistas e da imprensa trata o Chega e Ventura não é mau para Ventura nem para o partido. É mau para o Jornalismo e para a imprensa. E para os jornalistas.
Aliás, com a má imagem que muitos portugueses têm dos jornalistas, quanto pior a imprensa tratar Ventura e o Chega, mais votos terão.
Agora, é comum ver-se na imprensa notícias e artigos e entrevistas que difundem ideias sobre os perigos do populismo na Europa e da ascensão da extrema-direita (mas, para os media, quase tudo hoje que não é de esquerda é ‘extrema-direita’). Mas são a imprensa e os partidos no poder que têm sido decisivos para o crescimento dos votos em partidos de direita, populistas e de extrema-direita.
É difícil encontrar notícias, entrevistas e artigos de opinião sobre um outro facto muito concreto e perigoso: a grande ameaça para a Europa, a democracia e a liberdade tem sido protagonizada pelos políticos que têm liderado a região nos últimos anos.
Os relatórios que mostram um enorme recuo no nível de democracia nos países do Ocidente são claros. Os alertas de jornalistas, de activistas dos direitos humanos, de políticos e de reputados académicos e cientistas acerca da crescente censura e do condicionamento da liberdade de imprensa e de expressão são claros.
Não têm sido ‘partidos populistas’ ou a ‘extrema-direita’ que têm aprovado leis e regulação que constituem uma ameaça à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão, aos direitos humanos e aos direitos civis. Tem sido a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e governos que têm tido o apoio de partidos que se dizem de ‘esquerda’, como é o caso de Portugal.
O mesmo se passa em países como o Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e Brasil. Nestes países, a liberdade de expressão, os direitos humanos e civis estão sob séria ameaça. Por isso, na Europa como em outras regiões, a população ‘abandona’ partidos que, se afirmando de ‘esquerda’, estão cada vez mais com tiques totalitários e de tirania (e de perseguição dos jornalistas isentos e não comprometidos com o poder).
Não são partidos ‘populistas’ ou de ‘extrema-direita’ que estão a promover e que pretendem subscrever na íntegra – sem negociar – as alterações perigosas e desumanas ao Regulamento Sanitário Internacional. São partidos como o PS e o PSD. É a Comissão Europeia.
Não são partidos ‘populistas’ e de ‘extrema-direita’ que apoiam e aprovam gigantescos desvios – de milhares de milhões de euros – de dinheiros públicos para entregar às poderosas indústrias de venda de armas para a compra de armamento e equipamento militar, para criar uma “economia de guerra”. (Aliás, pergunto-me onde andam os pacifistas da ‘esquerda’ em Portugal e outras países na Europa).
(Foto: D.R.)
Mas os jornalistas portugueses ignoram tudo isto. Se assistirmos aos noticiários, se lermos revistas, jornais e sites dos media, a ameaça é o Chega, os partidos populistas e a extrema-direita.
Nenhuma notícia ou opinião (tirando uma ou outra excepção) sobre como as forças, os interesses e os políticos que têm estado no poder em Portugal e a nível comunitário têm colocado em risco a liberdade de imprensa, a democracia e os direitos humanos e civis. (E a paz e a defesa do meio ambiente, a meu ver.)
Isto só acontece porque os media estão capturados por interesses políticos e económicos. E porque há jornalistas que esqueceram o que é ser jornalista. Apropriaram-se da ‘verdade’, mas difundem notícias enviesadas e carregadas de ideologia. Pensam ser um ‘farol da democracia’ e fazem um trabalho sem o mínimo pensamento crítico, rigor e busca pela isenção.
O Jornalismo é, para mim, uma das profissões mais belas. É uma Arte. E é fundamental para manter os poderosos sob escrutínio. Para o Jornalismo viver é preciso que haja jornalistas, profissionais com vontade de cumprir escrupulosamente os princípios que regem a profissão, incluindo o rigor, a isenção, a independência. Ter pensamento crítico, literacia em diversas áreas e cultura geral ajudam. Mas, se os jornalistas seguirem as regras de base no Jornalismo, também farão um trabalho competente.
Mas, por enquanto, muitos jornalistas portugueses preferem continuar a viver na bolha. A bolha em que preferem ignorar que os media são coniventes com os poderes políticos e económicos. A bolha em que os jornalistas se sentem especiais, deixaram de ser humildes, e vivem agarrados às suas ideologias, crenças e preconceitos, agarrados à moda dos slogans do wokismo e dos slogans dos spin-doctors pagos pelos grandes partidos e pelas indústrias e lobbies. Os mesmos que, depois, pagam as parcerias comerciais com os grandes grupos do sector da comunicação social, como a Global Media, que é (ainda) a dona do DN.
(Foto: D.R.)
Enquanto a esmagadora maioria dos jornalistas, e quase todos os directores dos principais órgãos de comunicação social, viverem na bolha, a democracia continuará em risco e o Jornalismo também. Porque ser jornalista é a melhor profissão do mundo, mas também acarreta uma enorme responsabilidade: a de se ser independente, rigoroso e isento. De fazer escrutínio dos poderes. E de ser livre de amarras feitas em almoços e jantares com políticos, banqueiros, comentadores comprometidos, ‘almirantes-aspirantes-a-Presidente-da-República’ e lobistas de toda a espécie.
Os jornalistas podem continuar a querer viver na sua bolha. Mas enquanto não fizerem greve aos fretes, às ideologias, às conferências pagas, aos podcasts patrocinados (encomendados) e aos almoços e jantares com poderosos, a democracia e o Jornalismo continuarão em risco.
Pode já não se conseguir salvar o DN. Mesmo que venha a ser alvo de perdão de dívidas e de uma mega injecção de dinheiros dos contribuintes (o que não defendo), dificilmente voltará a ser o mesmo de outrora. Mas pode ainda salvar-se o Jornalismo e a profissão de jornalista. Assim, os leitores exijam, os reguladores actuem e os jornalistas queiram.
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Um voo da Portugália Airlines, que pertence ao grupo TAP, registou um incidente na sua descolagem de Nice, no passado Sábado. Num voo com destino a Lisboa, a aeronave, um Embraer, sobrevoou aquela cidade francesa a uma altitude demasiado baixa, de apenas 2.500 pés, ou seja, 762 metros. Também a trajectória do voo não foi usual. Fonte oficial da TAP revelou ao PÁGINA UM que a companhia está a investigar o incidente em “estreita colaboração com as autoridades francesas”. Mas a TAP garante que este incidente não está relacionado com um outro, recente, que envolveu um Airbus numa aterragem em Madrid, cujo caso também levou a uma investigação.
Um voo da Portugália Airlines, do grupo TAP, fez uma razia sobre a cidade de Nice, no passado sábado, dia 9 de Março, voando a uma altitude demasiado baixa, numa rota não autorizada, o que levou à abertura de uma investigação por parte da TAP e das autoridades francesas.
O incidente envolveu uma aeronave da Embraer, E190, e ocorreu logo após a descolagem de Nice, num voo com destino a Lisboa.
Segundo o site de rastreio de voos Flightradar24 – o qual pode ser impreciso –, o voo TAP483 de Nice para Lisboa estaria apenas a 2.500 pés de altitude (762 metros) quando começou a sobrevoar o centro da cidade de Nice. A trajectória do voo aparenta também ter sido algo errática.
Um Embraer E190 (Foto: TAP)
O aparelho terá feito uma volta à esquerda após a descolagem, numa manobra não autorizada. Circulou sobre o centro de Nice, alarmando alguns residentes, antes de retomar ao seu plano de voo normal e autorizado.
O incidente foi reportado pela France 3 Côte d’Azur que indica que o procedimento de descolagem do aeroporto de Nice aponta que uma aeronave, “a menos que autorizada de outra forma pelo ATC (Controle de Tráfego Aéreo), não sobrevoe a terra abaixo de 5000 pés (1500 metros)”.
Fonte oficial da TAP afirmou ao PÁGINA UM que a companhia “já desencadeou um processo de investigação relativamente ao alegado incidente em questão e que envolve um voo da PGA, no sábado, dia 09MAR (TP483), à descolagem de Nice”. Segundo a mesma fonte, “o referido processo está a ser conduzido em estreita colaboração com as autoridades francesas”.
Trajectória do voo TP483 sobre Nice, com uma manobra não autorizada e a baixa altitude. (Foto: Captura de imagem no site Flightradar24)
A Autoridade de Aviação Civil (DGAC) francesa está também a investigar o incidente, disse Nicolas Boulay, director de navegação aérea da DGAC Sud-Est, ao Nice Matin, confirmando também que os pilotos não tinham autorização para efectuar a manobra sobre a cidade, tendo sido uma escolha do piloto ou erro do piloto.
“Fomos imediatamente notificados. Essa trajetória está longe de ser compatível (com o plano de voo normal). O piloto teve que fazer a opção de não cumprir as obrigações por causa de problemas com as condições de voo, talvez o clima, como uma massa de nuvens, mas ainda não tivemos resposta”, disse a mesma fonte, citada pelo Nice Matin. “É muito cedo para dizer. Essa descolagem está a ser analisada e vamos ter conversas com a empresa para tentar entender o que aconteceu”, sublinhou.
O incidente sobre Nice gerou relatos de algum espanto e alarme por parte de residentes, incluindo nas redes sociais. Um utilizador partilhou na rede X (antigo Twitter) uma imagem da manobra do voo da PGA no Flight Radar com a nota: “Que avião comercial é este [?] que passou a baixa altitude de oeste para leste sobre as colinas?”.
Questionada sobre se este caso pode estar ligado a um outro, recente, que envolveu um Airbus A321LR, numa aterragem em Madrid no dia 3 de Setembro de 2023, a fonte oficial da TAP garantiu ao PÁGINA UM que “este alegado incidente não tem relação com qualquer outro”.
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Campanhas eleitorais trazem sempre muito convívio com o povo, arruadas, comícios. E beijinhos. Muitos beijinhos. Muitos abraços. Tudo sem álcool-gel, sem distanciamento de dois metros, sem máscaras cirúrgicas ou de pano, daquelas com bonecos. Já ‘não há’ covid-19. Já não há testes (não dariam jeito nenhum). Já não há quarentenas. Agora, é beijinhos atrás de beijinhos. (Viva a Ómicron!)
Pois esta jornalista, não comparecendo em comícios, fugindo de arruadas e de qualquer tipo de ajuntamento de caça ao voto, não conseguiu escapar de uns beijinhos de um candidato.
Miguel Guimarães, na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia.
O próprio candidato também não se deve ter apercebido, até agora, a quem deu dois beijinhos de cumprimento em plena campanha eleitoral. Se soubesse quem eu era, ter-me-ia cumprimentado com tanto entusiasmo? Com aquele entusiasmo de candidato em campanha? Desconfio que… não.
Isto porque o candidato em questão é, nada mais nada menos, do que Miguel Guimarães. Esse mesmo. O antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual cabeça de lista no círculo do Porto na coligação Aliança Democrática (AD), que junta o PSD, o CDS-PP e o PPM.
Para quem não sabe, ou se tiver esquecido, pode ficar a saber mais sobre a ‘relação’ entre Miguel Guimarães e o PÁGINA UM nesta notícia AQUI ou esta AQUI e ou ainda AQUI (e há tantas outras). O PÁGINA UM intentou três processos de intimação contra a Ordem dos Médicos por informações escondidas por Miguel Guimarães, e por três vezes o Tribunal Administrativo de Lisboa deu-nos razão. Em troca, Miguel Guimarães – em conjunto com a Ordem dos Médicos, o pneumologista Filipe Froes e o pediatra Luís Varandas – processou o director do PÁGINA UM. Aliás, o processo acabará mesmo em tribunal, porque agora, mesmo que Miguel Guimarães queira desistir da queixa, Pedro Almeida Vieira já manifestou formalmente a sua oposição.
Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e candidato pela coligação AD. (Foto: AD)
Mas, pergunta, e bem, o leitor: em que circunstâncias é que a jornalista foi ‘apanhada’ no meio de um evento de caça ao voto de Miguel Guimarães?
Passo a explicar. Tudo aconteceu no dia em que o PÁGINA UM foi fotografar Joaquim Rocha Afonso, presidente do partido Nós, Cidadãos. A sessão fotográfica foi combinada para o mesmo local onde tinha entrevistado aquele mesmo líder partidário, no dia anterior: o Clube Militar Naval, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa.
O edifício apalaçado é belíssimo e os interiores prestam-se a sessões fotográficas. As diferentes salas, a decoração, os ambientes, a escadaria, os vitrais…
Ora, acontece, que nesse dia, estava agendado um jantar-debate com a presença de Miguel Guimarães. Eu sabia que estava marcado um jantar-debate, mas desconhecia que o candidato da AD seria um dos presentes.
Assim, estava eu no hall no rés-do-chão, a aguardar pelo presidente do Nós, Cidadãos, quando passa por mim Miguel Guimarães, em passo apressado, a caminho de subir a escadaria para o primeiro andar.
Com aquele gesto automático de político em plena campanha, que lhe terão ensinado, Miguel Guimarães olha para mim com um largo e simpático sorriso – como se tivesse gostado muito de me ver – e toca a cumprimentar-me com dois rápidos beijinhos no rosto, bem à português (obviamente, o português ‘normal’, não o português com tiques de aristocrata ou da linha de Cascais).
Nem tive tempo de reagir. Inicialmente, pensei que se dirigia a mim porque nos conhecíamos (como jornalista, conhecemos muita gente, mas a minha memória já teve melhores dias e não guarda todas as caras e nomes).
Depois, quando vi o enorme sorriso, desconfiei (imaginem a cena em câmara lenta, mas a acontecer, na realidade, em milésimos de segundo). Pensei: “está a sorrir em demasia, não deve saber que sou a jornalista Elisabete Tavares, do PÁGINA UM”.
Sede do Clube Militar Naval. (Foto: D.R.)
Quando, por fim, me cumprimenta com dois beijinhos, entusiasticamente, tive a certeza: “não sabe quem sou e pensa que sou uma participante do jantar-debate”.
Foi tudo tão rápido que apenas me saiu um automático: “Como está?”. Fiquei a sentir-me mesmo parva por não ter travado o candidato da AD para me apresentar convenientemente. Ao mesmo tempo, chega o Joaquim Rocha Afonso e Miguel Guimarães já ia escadaria acima, apressado. É que ainda havia muitos abraços, cumprimentos e beijinhos a dar. E vírus a espalhar.
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Stella Assange, mulher do fundador da WikiLeaks, não tem dúvidas de que, no Ocidente, tem havido um recuo muito grave no direito à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. Numa altura em que a Europa anuncia a entrada numa Economia de Guerra, afirma que não é um acaso Julian Assange estar detido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a advogada e activista dos direitos humanos, de 40 anos, espera que mais líderes europeus se juntem ao chanceler alemão Olaf Scholz na defesa do marido para que não seja extraditado para os Estados Unidos. A decisão na Justiça britânica será conhecida em breve, enquanto o estado de saúde físico e mental do jornalista se deteriora devido às condições de detenção. Pode ler a entrevista em português ou ver e ouvir em inglês no YouTube e no Spotify.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE STELLA ASSANGE CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Começo por um acontecimento recente: o chanceler alemão Olaf Scholz rejeitou a extradição de Julian. Isso traz esperança para si e para Julian?
Sim, vejo-o como um grande desenvolvimento. O primeiro líder europeu, e nada menos do que da Alemanha, a ser a favor de Julian não ser extraditado. Mas vem na sequência de uma série de desenvolvimentos. O Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura e o Relator Especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão manifestaram-se, nas últimas semanas, contra a extradição. Houve também um debate no Parlamento Europeu, em que, tanto o Conselho Europeu como a Comissão Europeia foram instados a prestar declarações sobre o caso de Julian. Penso que, pelo menos, um membro do Conselho o fez. E houve uma escolha cuidadosa de palavras, mas não hostis a Julian, pelo menos. E tem havido declarações muito fortes de parlamentares, de todo o lado. Penso que tem havido uma melhor compreensão dos riscos do caso de Julian e eventos, como o debate no Parlamento Europeu, permitem que informações relevantes sejam compartilhadas. Permitem que as informações sejam assimiladas por um círculo mais alargado de pessoas e talvez isso tenha levado chanceler Scholz a mudar. Mas, obviamente, é algo que eu saúdo e vejo como como fazendo parte de uma mudança maior.
Stella Assange durante a entrevista concedida ao PÁGINA UM. (Foto: PÁGINA UM)
Espera, então, que alguns dos principais líderes europeus se juntem a esta posição ou pensa que serão cautelosos?
Bem, não devem ser cautelosos porque Julian foi nomeado pelo Parlamento Europeu, já em 2022, como um dos finalistas do Prémio Sakharov, que, naturalmente, é o prémio de maior prestígio da União Europeia para a liberdade de pensamento e direitos da humanidade. E ele foi um dos três finalistas. Fui convidada para ir ao Parlamento Europeu e participei em várias reuniões. Por conseguinte, a União Europeia tem o mandato conferido pelo Parlamento para dar prioridade a este caso. Eu acho que também é importante para os sindicatos de jornalistas, nos vários países europeus. Em muitos países, já deram a Julian a filiação ou a filiação honorária, e escreveram declarações sobre o impacto extremamente perigoso deste caso no trabalho de jornalistas em todo o mundo e na Europa. Penso que o facto de Scholz já o ter dito torna muito mais fácil para outros países europeus dizê-lo. Mas, como disse, já têm o mandato do Parlamento Europeu. E, claro, que Julian continua a ganhar muitos prémios em toda a Europa e em todo o mundo.
Deve achar realmente estranho isto estar a acontecer no Ocidente, no mundo ocidental. Porque temos um jornalista – e também, é quase um caso de um denunciante – que está a ser perseguido politicamente e a sua vida está em risco. Como vê isso? Como se sente em relação a isso?
Bem, eu acho que é uma espécie de sintoma de onde estão, hoje, a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. No Ocidente, em geral, nós vimos [nos últimos anos] uma decadência muito grave nos direitos à liberdade de expressão e um controle muito maior sobre a imprensa e a comunicação online. E isto segue a companha, a perseguição e o assédio que Julian enfrentou desde as publicações sobre o Iraque e o Afeganistão e os telegramas [diplomáticos], e assim por diante, que é pelo que ele está a ser perseguido e processado.
Acho que, quando a WikiLeaks publicou essa informação, em 2010, foi a altura do pico da liberdade de expressão na Internet e da liberdade de imprensa. E, desde então, vimos uma reacção negativa, e essa reacção afectou, é claro, Julian. Mas também afectou todos os outros. E Julian tem sido um canário na mina de carvão ao longo dos anos. Quais foram as formas através das quais Julian foi atacado, primeiro? Através do encerramento das contas nos bancos, dos donativos. Isso foi inédito, em 2010. Foi o primeiro caso em que tivemos isso. E é claro, que isso se generalizou muito e se estendeu às plataformas online e à desmonetização [em plataformas digitais] e assim por diante.
Mas surpreendente, em 2010, eu diria que foi, sim. Foi surpreendente, foi uma espécie de perspectiva distópica. Em 2024, eu acho que é um sinal de um mal-estar generalizado que não está a afetar apenas vozes dissidentes ou jornalistas que cobrem temas de segurança nacional, mas sim um ataque sobre a dissidência em geral. E as ferramentas para controlar a dissidência são hoje muito mais sofisticadas e eficazes do que elas eram há 14 ou 15 anos atrás. Portanto, há uma deterioração da capacidade de fazer valer os nossos direitos e, ao mesmo tempo, um reforço muito maior da capacidade de sufocar a dissidência, de impor censura e, em última análise, de reprimir o que é visto como oposição.
Julian Assange e Stella Assange. (Foto: D.R.)
E, neste momento, a Europa está a tentar armar-se para ir para a guerra. Ouvimos agora falar de Economia de Guerra. Acredita que a Europa e o mundo seriam hoje diferentes se Julian fosse livre e estivesse a trabalhar?
Acho que não é por acaso que, numa altura em que temos grandes conflitos que correm o risco de escalar regionalmente, ou para conflitos nucleares ou para uma Guerra Mundial, que a pessoa que mais contribuiu para expor o verdadeiro custo da guerra, as verdadeiras motivações, a realidade da violência no terreno, é a que está na prisão e a ser silenciada. Isto faz parte do mesmo desenvolvimento. A Economia de Guerra obviamente vê Julian como figura da oposição, uma figura de oposição não só ao custo humano da guerra, mas também ao económico, para expor os interesses económicos que impulsionam essas guerras. Então, é claro que é conveniente, para as pessoas que estão a lucrar com a guerra, ter Julian na prisão. E para aqueles que querem ver um fim para esses conflitos, tirar Julian da prisão é crucial.
Provavelmente, estaríamos certamente numa situação diferente, um panorama diferente de informação, se Julian tivesse sido capaz de continuar a fazer o seu trabalho. Porque, claro, as publicações da WikiLeaks são o ‘padrão ouro’ (golden standard) para os denunciantes envolvidos, os ‘insiders’, que estão dentro da máquina de guerra que a expuseram por dentro e mostraram quando as políticas estavam fora de controle. Contribuiu para que houvesse fiscalização e reforma.
Como é que consegue reunir forças para continuar esta luta? Porque deve ser muito difícil. Você tem filhos, para ver o seu marido nesta situação e ainda lutar, falar à imprensa e publicamente.
Bem, a minha força vem do facto de lutar pelo Julian. Se eu perder o Julian, aí é que vou ter dificuldades, de verdade. Não tenho dificuldade em encontrar força e motivação para lutar pela liberdade do meu marido. O maior medo que tenho é de perdê-lo e dos nossos filhos, das nossas crianças crescerem sem o Julian. Vou lutar o tempo que for necessário para recuperá-lo.
E como é que ele está? Tem falado com ele? Tem mencionado que Julian não está bem.
Ele não está em condições de, sequer, poder comparecer à sua própria audiência. Esta foi a mais decisiva audiência de todas, em que, se os juízes. deliberarem contra ele, o Reino Unido, basicamente, coloca-o num avião para os Estados Unidos, a menos que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem o impeça. Se Julian não tivesse estado preso durante cinco anos, se ele não tivesse tido o estado de declínio constante, fisicamente, ao longo destes anos, ele teria, naturalmente, assistido à sua própria audiência, aquela em que a sua vida está em jogo.
Mas, espero que seja, óbvio para todos, como as coisas estão mal. O facto de ele não ter conseguido ir. A prisão é extremamente dura. Ele está em isolamento, muitas vezes. Quer dizer, ao longo de 21 a 22 horas por dia, ele está fisicamente confinado a uma única cela de seis metros quadrados. Durante esse tempo, as suas interações com outras pessoas são limitadas. E também está confinado, fechado, ao lado de infractores muito graves, infractores violentos e assim por diante. E isso leva a melhor tem um impacto muito sério nele, não só fisicamente, mas mentalmente, claro. E essa é uma luta diária. Quer dizer, um dia é mais suportável, e outros dias são menos suportáveis. Portanto, não é possível generalizar. Mas, em geral, o que posso dizer é que sua saúde física está em constante declínio. E ele tem, claro, um espírito de luta. E ele é encorajado por todo o apoio, tanto de apoiantes como de sinais políticos como o de Scholz e assim por diante. Isso é absolutamente essencial para que ele continue a lutar. Mas, obviamente, depende do dia e da semana e do que está a acontecer, e da pressão que ele está a ter.
E o que espera destes procedimentos no tribunal? O tribunal pediu mais informações. Quando poderemos ter mais informação do Tribunal?
Bem, nós simplesmente não sabemos. A única data, a única indicação que tivemos foi que na segunda-feira, dia 4, que foi ontem, havia um prazo para as partes apresentarem mais informações. O tribunal pediu. Foi um bom sinal, o facto de o tribunal ter pedido mais informações. Quer dizer que os juízes estão interessados e querem compreender melhor os antecedentes do caso e os vários argumentos que estavam a ser desenvolvidos. Então, é claro que isso é um bom sinal. Mas simplesmente não temos mais prazos. Podemos ter uma decisão do tribunal a qualquer momento. Eu não espero que seja hoje ou amanhã, porque a informação é volumosa e significativa e eles têm de analisar, mas isso não quer dizer que não pode haver uma decisão muito cedo. Então, estamos á espera. Mas não estamos passivos. Porque, ao mesmo tempo, é a altura em que os juízes decidem. E declarações como a de Scholz – e espero que outros o acompanhem… O ambiente em que esta decisão vai ser tomada…
Stella Assange tem liderado uma forte campanha para a libertação de Julian Assange. (Foto: D.R.)
Gostaria de deixar uma mensagem aos apoiantes portugueses de Julian, neste momento?
Esse apoio em Portugal é grande. Estive em Portugal, em Lisboa, para a Web Summit. Na verdade, foi a minha primeira vez em Portugal e apaixonei-me. E espero poder voltar. E contei ao Julian tudo sobre Lisboa, porque ele disse que também não tinha ido. E espero muito que, quando ele estiver livre, possamos visitar juntos.
É muito importante para os europeus, os decisores a todos os níveis, as organizações não governamentais, as pessoas na rua… Mas, acima de tudo, é importante que os decisores entendam que a luta de Julian é uma luta que afecta todos os europeus, não apenas os jornalistas, mas o nosso direito a saber [ter acesso a informação]. E estamos todos a ser varridos por decisões sobre conflitos. Precisamos de ter, pelo menos, informação, compreender a informação. E a contribuição de Julian para informar o público é absolutamente essencial em democracia. E enquanto ele estiver preso, então esse direito está a ser negado. Então, precisamos libertá-lo e precisamos fortalecer a nossa democracia e a cultura em torno da democracia em todo o mundo. E a liberdade de Julian é essencial para isso.
Entrevista traduzida e editada para português
A entrevista pode ser vista na íntegra em vídeo no YouTube
O Partido Comunista Português (PCP) foi o primeiro partido a ser inscrito junto do Tribunal Constitucional, no pós 25 de Abril de 1974. Paulo Raimundo, 47 anos, assumiu o cargo de secretário-geral do PCP em Novembro de 2022, sucedendo a Jerónimo de Sousa naquela função. Como é habitual, nas eleições legislativas, o PCP integra a coligação CDU, junto com o Partido Ecologista Os Verdes. Depois de o partido ter ficado com apenas seis deputados na Assembleia da República nas últimas eleições – com o PEV a deixar de estar no hemiciclo –, o PCP pretende ver reforçada a sua representação parlamentar. Mas também já pensa nas eleições europeias, e Paulo Raimundo defende que será com mais eurodeputados comunistas que a Europa pode enfrentar a ascensão da direita e de partidos populistas. Esta rubrica do PÁGINA UM teve como objectivo conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal. A entrevista com Paulo Raimundo é a última publicada no âmbito desta iniciativa, em que apenas cinco partidos estiveram ausentes: Livre, Bloco de Esquerda, PS, PSD e PPM.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE PAULO RAIMUNDO, SECRETÁRIO-GERAL DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Têm afirmado que pretendem eleger mais deputados nestas eleições e voltar a ter uma posição mais forte no Parlamento. Nesta altura, até tendo em conta também as sondagens, que sabemos que nem sempre acertam, o que nos pode dizer dos vossos objectivos?
Em relação às sondagens, nós temos afirmado – e é uma convicção profunda que tenho e, aliás, comprovada em todos os actos eleitorais – que elas condicionam muito e acertam pouco. Tem sido sempre assim e foi assim também há bem pouco tempo, na Madeira e nos Açores. Também diziam que nós íamos desaparecer e foi tudo ao contrário. A CDU cresceu, de forma mais expressiva na Madeira, e de forma menos expressiva nos Açores. Mas ficámos a 85 votos de eleger um deputado – que tanta falta fazia ao povo açoriano.
Mas, voltando à sua pergunta, aquilo que achamos que o nosso povo, os trabalhadores e o país precisam é que a CDU se reforce – que tenha mais votos e mais deputados. E estamos muito convencidos de que é possível; não para nós ficarmos todos contentes no Domingo à noite, a agitar as nossas bandeiras – porque não é esse o objectivo – mas porque achamos que mais votos e mais deputados da CDU determinará o caminho futuro a partir do dia 11 de Março.
Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP. (Foto: D.R./PCP)
E porque considera importante que haja mais deputados do PCP na Assembleia da República [AR]?
Eu vou responder-lhe de forma sucinta, com exemplos concretos. Uma boa parte das nossas propostas – que são isso mesmo, propostas, e não um conjunto de promessas vãs e ocas – , nem são grande novidade. Nós levámo-las, neste mandato, à Assembleia da República; nomeadamente medidas sobre os salários, as pensões, o reforço do Serviço Nacional de Saúde, medidas concretas para pôr a banca a pagar o aumento das taxas de juro, o travão para as rendas e os direitos dos trabalhadores por turnos.
Nós propusemos um conjunto de medidas, e vamos voltar a propô-las; e elas só não foram aprovadas porque nós não tínhamos a força necessária para as fazer aprovar e para impor a sua concretização. E se nós tivéssemos tido a força necessária para isso, a vida das pessoas hoje estaria diferente – e a ideia que temos é que estaria melhor.
E a razão de fundo é que nós precisamos de mais votos e mais deputados, porque é isso que vamos decidir no dia 10 de Março: é número de deputados que cada força elege, e é a partir dessa correlação de forças que se determinará cada uma das propostas e cada uma das soluções. E nós nunca faltaremos às soluções positivas, nem para convergir e para propor – como fizemos nestes últimos anos. Mas precisamos de mais força para que elas se concretizem. Esse é que é o grande objectivo. E não é indiferente nós termos mais ou menos deputados, porque isso condicionará as respostas que são necessárias, desde as pensões, ao SNS [Serviço Nacional de Saúde] à habitação e a uma coisa que nós estamos a dar uma grande e justa centralidade, que é os direitos dos pais e das crianças. E essa é uma grande vantagem daqueles que confiam na CDU.
Depois, na situação que enfrentamos, é de salientar que não há força mais consequente ou com mais experiência acumulada e mais provas dadas de combate à direita do que a CDU, e em particular o PCP. E mesmo para aqueles que estão a apelar ao voto para combater a direita, convenhamos que essa garantia é dada pela CDU e pelo PCP de uma forma incomparável em relação aos outros partidos.
(Foto: D.R./PCP)
Falou em algumas medidas e, de facto, o PCP e a CDU têm apresentado propostas muito concretas, nomeadamente, como referiu, o travão das rendas. Há muitas famílias em Portugal a passar muitas dificuldades pelo aumento das taxas de juro e do custo de vida. Quer recordar aqui duas ou três propostas que sejam cruciais, no ponto de vista da CDU, para melhorar a vida dos portugueses?
Aquilo que nós temos colocado como a grande emergência nacional, e a primeira medida que é preciso responder, é o aumento geral e significativo dos salários – esta é a grande questão central para dar resposta. E tem de ser um aumento geral e significativo, agora, e não só para 2028 ou 2030 – é agora que faz falta, para fazer duas coisas. Desde logo, para responder aos problemas que mencionou: o aumento do custo de vida e a pressão brutal da grande maioria. E, depois, para responder a uma questão elementar, que é a justiça – e em particular a justiça na distribuição da riqueza que é criada todos os dias. Não podemos viver sabendo que há 3 milhões de trabalhadores no nosso país que ganham até 1.000 euros de salário bruto; com o que isso implica na vida de cada um. E esta é a primeira grande medida.
Mas, depois, também é preciso responder a outros problemas concretos – alguns que terão possibilidades de resposta a médio e longo prazo, mas onde são precisas medidas concretas agora. Um deles é a habitação, e nós propomos uma lei-travão ao aumento das rendas. Iniciámos este ano com 7% de aumento das rendas, um aumento que soma a tudo o que tudo o que aumentou também, como a electricidade, o gás, e o custo de vida que aumentou de forma brutal.
E a alimentação também.
E a alimentação tem um peso determinante, em particular naqueles que têm menos rendimentos, e que gastam cerca de 40% do seu rendimento em alimentação. Veja-se o impacto que tem na vida das pessoas de cada vez que a Sonae – e todas as outras distribuidoras – encaixam mais uns milhões de lucros. Este é um outro problema.
Mas, como nós dizemos, os lucros da banca deviam suportar o aumento das taxas de juro. Porque com a situação que nós temos hoje, eu até fico pasmado como é que ninguém para além de nós vem ‘a jogo’. A banca, hoje, encaixa por dia 6,5 milhões de euros, só em comissões e taxas; não é em lucros de operação financeira. Ora, nós propomos que esses 6,5 milhões de euros em taxas e comissões sejam um elemento para suster o aumento das taxas de juro que sejam creditados nas prestações de cada um – no crédito à habitação, mas também em quem tem o seu pequeno negócio. Porque os pequenos e médios empresários também estão muito aflitos.
Depois, há uma outra medida – esta de médio a longo prazo – para aumentar a oferta de habitação, que é um investimento público musculado, de forma a que cheguemos ao fim dos próximos quatro anos com mais 50 mil habitações disponibilizadas. A habitação pública – que não resolve tudo, mas responde a algumas necessidades que existem… E certamente que assim conseguiremos baixar a especulação.
É esta conjugação de duas medidas com consequências imediatas e um projecto de futuro a médio e longo prazo que vai alterar o paradigma deste sector, que é o mais desregulado e mais liberalizado da nossa economia, que é a habitação, e que está nas mãos da banca e dos fundos imobiliários.
(Foto: D.R./PCP)
De facto, tem-se assistido a uma grande ‘financeirização’ desse sector, apesar de ser fundamental haver habitação para a população Mas hoje, é um sector que os investidores olham como um mero jogo, como se fossem acções na bolsa.
Sim; é exactamente assim como está a descrever. É um negócio. Transformámos um direito constitucionalmente consagrado, que é o direito à habitação – ‘transformámos’, salvo seja – num negócio de milhões. E a grande questão com que estamos confrontados neste caminho, e que é preciso interromper, é que hoje é assim com a habitação, amanhã é a saúde, e depois é tudo. E a nossa grande prioridade é interromper esse caminho.
E está disponível para apoiar algum governo do PS? Até porque muitas das medidas que está a mencionar provavelmente vão encontrar resistência, sobretudo à direita.
Como se costuma dizer, essa é a questão de um milhão de dólares, porque essa pergunta tem de ser devolvida com outra: vamos convergir para quê? Qual é a política? Quais são as respostas, as soluções, e as medidas concretas? E a experiência que nós temos, em particular nestes últimos dois anos, é que a maioria absoluta do Partido Socialista não deu resposta a nenhuma destas questões de que falámos: nem nos salários, não na saúde, nem na habitação e nas outras.
Portanto, para nós, há uma coisa que é evidente: o PS, por sua iniciativa, nunca dará as respostas que são necessárias. Daí a nossa ideia de que a única possibilidade de trazer o PS para as soluções, não é dando força ao PS – é dando mais força à CDU, com mais votos e mais deputados. E, como aconteceu naquele tempo, ainda que limitado, em que travámos o percurso desastroso do PSD e do CDS, e recuperámos uma parte muito roubada ao nosso povo – não recuperámos tudo, é verdade, mas fomos mais além nas creches, nos manuais escolares gratuitos, no passe de transportes – uma medida de grande dimensão –, no aumento extraordinário das reformas, no fim do PEC [pagamento especial por conta]para os pequenos e médios empresários. Tudo isto onde fomos mais além não foi por vontade própria do PS – que não só não tinha vontade, como resistiu. A única forma de isto ter sido garantido – e voltamos sempre à primeira questão – foi a correlação de forças, o número de votos e de deputados que a CDU teve, e a força que obrigou o PS.
Portanto, é como lhe digo: nós não descartamos nenhuma possibilidade de convergência, mas não passamos cheques em branco, por um lado, e não falamos nisso no abstrato, falamos no concreto. Se é para aumentar salários, não falharemos; se é para reforçar o número de profissionais e respeitar os profissionais do SNS, não falharemos; se é para pôr a banca a cobrir o aumento das taxas de juro, não falharemos. E por aí fora. É no concreto.
(Foto: D.R./PCP)
Temos as eleições europeias à porta e também tem-se assistido a grandes recuos na Europa em termos do nível de democracia, e a uma ascensão de medidas mais de direita, com grandes multinacionais com grandes lucros. Olhando para estas eleições europeias, quais são as pretensões do PCP?
Nós enfrentamos de facto grandes perigos. Por que razão cresce esta ou aquela força, ou esta ou aquela tendência mais extremista e perigosa? Cresce porque as políticas não dão resposta à vida das pessoas. E esse é um problema que é nacional, mas é um problema também à escala das nações e da União Europeia. Porque aquilo a que temos assistido é, como disse, é a uma brutal e constante concentração da riqueza às mãos de uns poucos, das grandes multinacionais; e à perda constante de soberania dos países.
Temos o caso da TAP, por exemplo. Até acho extraordinário o que aconteceu. Veja o ponto a que chegámos: a UE permitiu que o Estado português pegasse em dinheiro, que é de quem trabalha no nosso país, para salvar TAP – como aconteceu com todas as empresas de aviação do mundo –, mas com uma condição. O Estado português só podia pôr dinheiro público na sua empresa pública se, no fim do processo, fosse no sentido da sua privatização. Ora, isto é o fim da picada. É o fim da soberania total, e não há nenhuma possibilidade de nós nos desenvolvermos assim.
Há uma coisa que nós sabemos: há grandes perigos, de facto, mas também há grandes potencialidades. E, tal como em todos os momentos da História – seja no nosso país, ou em todos os países deste mundo fora e da União Europeia – em última instância, o povo terá a força suficiente para alterar este rumo. Porque este rumo não serve os povos; pode servir as multinacionais, o Banco Central Europeu, e os grandes negócios, mas este caminho que está em curso não serve os povos. E os povos, mais cedo ou mais tarde, vão ter de travar isso. E eu estou convencido que é possível, também no quadro da batalha para o Parlamento Europeu, dar um sinal nesse sentido – e era um sinal de grande importância, que nós precisávamos todos; cada um dos povos nos seus países, a União Europeia no seu conjunto, e naturalmente, também nós aqui no nosso país.
Transcrição de Maria Afonso Peixoto.
Veja AQUI a página na Internet com informação do PCP e programa da coligação CDU.
Depois de uma surpreendente ausência de assento parlamentar decorrente das eleições legislativas de 2022, o CDS-PP tem garantia de regresso à Assembleia da República, ou mesmo até ao Governo, onde já esteve diversas vezes em democracia, a última nos Governos de Passos Coelho. Integrado na ‘nova’ Aliança Democrática, o líder dos centristas, Nuno Melo, está optimista numa vitória e lança críticas aos radicalismos de uma possível ‘geringonça 2.0’ e do populismo do Chega, que diz nada ter de direita. Nuno Melo é o único líder dos três partidos da Aliança Democrática que aceitou ser entrevistado para a HORA POLÍTICA, depois das recusas de Gonçalo da Câmara Pereira (PPM) e Luís Montenegro (PSD). Esta rubrica do PÁGINA UM teve como objectivo conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal. Amanhã esta rubrica será fechada com a entrevista (já) concedida por Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE NUNO MELO, PRESIDENTE DO CDS-PP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Como é que tem sido o feedback da população relativamente às propostas da coligação de que faz parte o CDS-PP, a Aliança Democrática [AD]? Está optimista?
Sim, estou realmente muito optimista. Hoje, além da razão para optimismo que resulta da própria candidatura em si mesma desta AD que junta três partidos – sendo que sempre que o PSD e o CDS se juntaram nas legislativas, nunca perderam eleições – também temos uma reacção na rua que nos permite medir o acolhimento junto das pessoas. E, de facto, esse acolhimento tem sido muito impressionante; quer dizer, basicamente não notamos rejeição, notamos muito apoio e entusiasmo, e tem sido assim invariavelmente de Norte a Sul. Por isso, eu estou muito confiante em relação ao resultado – que também resulta da necessidade de uma alternativa a estes oito anos. Ou seja, basicamente aquilo que vai estar em causa já não é tanto uma disputa entre partidos ou coligações, mas uma opção entre aqueles que não se resignam e que acham que é possível conseguir muito melhor, e os outros, que acham que está tudo bem. Pedro Nuno Santos vai a debates perguntar “afinal, o que é que não funciona?”. É um bocadinho isso que está em causa, e eu acredito que a grande maioria das pessoas vai querer mudar. E a alternativa ao PS é, realmente, a AD.
Aliás, o lema que tem usado para chamar os portugueses a votar nesta coligação é precisamente que esta é a coligação que pode mudar Portugal. Vê, de facto, a AD como a verdadeira alternativa?
Sim. Nós temos um facto que é inquestionável: durante oito anos, o Partido Socialista [PS] governou com várias maiorias, primeiro a geringonça, depois com outra maioria e com um apoio no Parlamento, embora não escrito, e por fim, com a maioria absoluta. Teve os meios e os instrumentos e teve péssimos resultados em todas as áreas sectoriais. Portanto, aqui chegados, a alternativa a este PS está necessariamente naquilo que são os partidos do arco da governabilidade – que têm credibilidade, são previsíveis e estáveis. São partidos que têm grande experiência; e que já estão no país inteiro, em coligação, a gerir com muita competência os destinos das pessoas. Recordo que são mais de 40 autarquias que o PSD e o CDS gerem em conjunto, e estão juntos também no governo regional dos Açores e da Madeira. E tudo isto, a meu ver, faz desta coligação – com respeito por todos os outros adversários – a mudança lógica, e essa alternativa útil que pode ser transformadora. Depois, temos os extremismos, que hoje são corporizados, quer à nossa esquerda, quer no espaço do populismo radical. Porque à esquerda, o próprio Pedro Nuno Santos, que traduz o pior do Governo do doutor António Costa – ele próprio remodelado -, verbaliza a opção de uma geringonça 2.0 que levará ao Governo o Bloco de Esquerda e o PCP; ou seja, aqueles dois partidos que durante a geringonça, apoiavam o PS no Parlamento com o Pedro Nuno Santos, estarão no Governo, numa versão muitíssimo mais radicalizada, levando os extremismos para dentro da governação. Por outro lado, há, uma outra expressão que é populista, radical, que manipula emoções e que não é de direita, e que promete tudo a todos.
Fala do Chega.
Sim, basicamente; mas enfim, o Chega de direita realmente não tem nada. E é profundamente radical. Mas um partido que propõe mais taxas, mais impostos, mais Estado e que quer a TAP nacionalizada a viver com os impostos contribuintes, que quer transformar o PRR em subsídios, que quer o Estado a ser fiador de empréstimos de privados, que quer as polícias a fazerem greve, ou que possam ter dentro dos quarteis secções partidárias… Obviamente que isto de direita, não tem nada – é um populismo muito radical, e com um programa que, curiosamente, em larga medida, está seguramente muito mais próximo Bloco de Esquerda e do PS do que da AD.
Esse radicalismo à esquerda que refere também se reflectiu em relatórios que indicam que Portugal foi um dos países que recuou no seu nível de democracia, e temos também alguns problemas na própria União Europeia [EU], com alguma legislação comunitária que até vem condicionar um pouco a liberdade de imprensa. Nesse sentido, a AD promete ser mais moderada, com um programa e propostas que respondem às necessidades dos portugueses?
Portugal recuou nos níveis de democracia e caiu nos rankings da pobreza. Note que, neste momento, Portugal tem perto de 4 milhões de pessoas que vivem no limiar da pobreza sem prestações sociais. Um em cada três jovens é forçado a sair do país, convivem com uma taxa de desemprego em Portugal superior a 20%, e com salários genericamente muito baixos. Mas, em cima disso, Portugal é um país que, em oito anos, foi ultrapassado por vários outros países de Leste, desde a Polónia à Hungria, e agora recentemente também pela Roménia – países que eram mais pobres na altura da adesão à UE, e que aderiram muito mais tarde, mas que tiveram outras opções do ponto de vista daquilo que são as apostas na sociedade e na economia, e que fizeram com que conseguissem muito melhores resultados. Portanto, diria que também essa expressão acaba por trazer um certo descrédito às instituições democráticas. E estes anos foram terríveis, com estas substituições sucessivas de governantes – todas elas à volta de incidentes que, do ponto de vista institucional, preocuparam também o Presidente da República muitas vezes – e, de resto, o Primeiro-Ministro acaba a demitir-se. Tudo isto são sinais de uma degradação muito acentuada, e crescente, que fez com que este Governo caísse por si, apesar dessa maioria absoluta. E isso também é muito impressionante.
Tem mencionado algumas propostas da AD, mas quer destacar algumas que podem de facto ter um efeito positivo para colmatar algumas das crises que nós vivemos, nomeadamente na habitação, nos baixos salários, nos impostos e no próprio Serviço Nacional de Saúde [SNS]?
Sim; sumariamente, e começando pela Saúde, porque é realmente fundamental retirar-se a ideologia do Serviço Nacional de Saúde. O Ministro Manuel Pizarro é o Ministro da Saúde, não é o Ministro do SNS. Mas aquilo que o Governo conseguiu nestes oito anos, por causa da ideologia, foi transformar hospitais bem geridos em hospitais cheios de problemas, desde Braga a Loures; por causa do preconceito ideológico de uma ministra que fazia questão de dizer que ouvia a Internacional quando se sentia tensa. E este Governo é um governo que extingue parcerias-público privadas de Braga e de Loures, e transformaram hospitais premiados e bem geridos em hospitais cheios de problemas. Hoje, sabemos que há 1.700.000 pessoas sem médico de família – muitas mais do que antes, quando, em 2016, o doutor António Costa dizia que todos os teriam. Temos urgências fechadas, muitas vezes há dificuldade em conseguir consultas e cirurgias de que dependem a vida dos doentes. Portanto, há muita coisa que tem de ser feita; inclusive ao nível da gestão e, por isso, muitas destas parcerias fazem realmente sentido. Porque se o Governo diz – e em alguns casos é verdade – que investiu muito mais no sector da saúde, mas os resultados são muito piores, isso significa que há uma perda da eficácia naquilo que é gestão a diferentes níveis. E os hospitais têm de ser eficazes na gestão, que vive de recursos que são escassos. Depois, temos de acabar com um preconceito à esquerda, porque o Ministro não é ministro do SNS; ganhando complementariedade entre os sectores público, social e privado. Porque onde o Estado não consiga, o sector social e o sector privado conseguem ajudar. E isto, claro, tendo o doente como escopo, que beneficiará dessa interacção. Há muita coisa a fazer, do ponto de vista da garantia de que se as pessoas não podem ter um tratamento a tempo e horas, o tratamento será feito noutro local que não no SNS, através de vouchers, mas dando resposta aos seus problemas. Também há questões que têm a ver com a dignificação salarial de profissionais de saúde – e refiro-me a médicos, enfermeiros e técnicos de saúde. Também há muitas coisas a fazer, por exemplo, na escola pública, que se degradou muito em oito anos: os professores perderam muita autoridade, os alunos caíram nos rankins – que mostram que, apesar da covid, Portugal teve um pior desempenho dos alunos comparando com outros alunos da União Europeia. E, também no que tem que ver com a Educação, nós propomo-nos a devolver, faseadamente, tempo que foi retido aos professores, e a garantir que não há – como hoje acontece – uma escola para ricos e outra para pobres, numa fractura que põe em causa o próprio elevador social, e onde os alunos de famílias mais desfavorecidas não conseguem aceder a boas ofertas de ensino privado. Também temos respostas para a habitação, por exemplo, entre outras coisas, garantindo que muito daquilo que é o património degradado do Estado pode ser entregue para o mercado através de parcerias com privados, que ajudarão à recuperação desse património e serão ressarcidos do seu investimento. Obviamente, terão lucros, porque nós valorizamos a iniciativa privada, mas o Estado ficará com esse património recuperado. Nós queremos que os jovens fiquem cá, não queremos que saiam, e por isso, logo no primeiro emprego, nós propomos o IRS jovem, que garante uma taxa de IRC de 15% para os jovens até aos 35 anos. E, por outro lado, também no que tem que ver com a juventude, queremos isentar, na compra da primeira habitação, os jovens em cinco anos de IMT e de imposto de selo. Temos também medidas que são fundamentais para alavancar tudo isto, para que seja possível devolver rendimentos às famílias e às empresas: a AD irá reduzir as taxas de IRS em todos os escalões e retomar uma reforma do IRC – que já tinha estado pactuada com o PS e depois foi rasgada pelo doutor António Costa – que permitirá uma redução faseada mas progressiva dessa taxa de IRC. E isto significa que, tendo mais rendimentos, as famílias poderão ter maiores possibilidades de investimento e de consumo, e as empresas terão maior liquidez para criar postos de trabalho, para se renovarem, para se modernizarem, e para aumentarem salários. Ou seja, é uma questão do modelo económico e do modelo social, que está aqui muito em causa nesta disputa entre o Partido Socialista e a Aliança Democrática.
Resumindo, o que propõe é, de facto, retirar aquela questão ideológica de muitas das medidas e políticas que têm existido em Portugal?
Sim; se há uma marca registada deste Partido Socialista, eu diria que assenta na “entrega” de ideologia para tentar resolver problemas, mas por essa via, apenas os agravou – foi assim na saúde, com o fim de parcerias-público privadas, foi assim na educação, com o fim dos contratos de associação, foi assim na habitação, com o programa Mais Habitação, que, como bem sabe, no limite, defendeu e prevê arrendamentos compulsivos; coisa que eu já tinha visto nos espaços socialistas, mas muito pouco nas democracias ocidentais civilizadas. Portanto, há realmente essa diferença e essa fronteira entre a AD – que privilegia o mercado com coesão social, a liberdade e a livre iniciativa, e que acredita no dinamismo da sociedade – e a esquerda, particularmente o PS, que acreditam numa estatização da sociedade e da economia, numa perspectiva que é paternalista, e que diz às pessoas o que podem e não podem fazer, ou onde podem e não podem investir. E, enfim, em relação a esta última estratégia, depois de oito anos… Na verdade, se pensarmos que o PS, nos últimos 27, governou 20, e teve sempre todos os meios; nós achamos que isto não resulta, mas é uma opção legítima para quem queira. Quem não se resigna, e acha que Portugal pode ser muito melhor, tem uma outra estratégia, que é a AD – uma possibilidade que eu acredito que sairá vencedora e, no final, mostrará a todos em Portugal um futuro muito melhor.
Para terminar: antevê que esta coligação pode continuar, nomeadamente para as europeias e para futuras eleições?
Sim. Esta é uma coligação que foi feita para as eleições legislativas, com incidência de Governo, bem como para as eleições europeias, e vai até às eleições autárquicas; muito embora nas eleições autárquicas, naturalmente, com respeito também por aquilo que são as prorrogativas próprias das estruturas locais. E, portanto, aí, sem que seja numa base impositiva, mas com total abertura para que a coligação funcione sempre que seja desejável.
Transcrição de Maria Afonso Peixoto.
Veja AQUI a página na Internet com informação do CDS-PP.
Veja AQUI o programa da coligação Aliança Democrática.
Num momento em que a Justiça britânica está a decidir se extradita para os Estados Unidos o jornalista Julian Assange, o fundador da Wikileaks, o PÁGINA UM entrevistou a sua mulher Stella Assange. A advogada e activista dos direitos humanos não tem dúvidas de que o pico da era de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão no mundo ocidental já passou e avisa que o mundo ocidental tem vindo a cair numa espiral de censura, cada vez mais sofisticada. Julian Assange, actualmente com 52 anos, foi detido há quase cinco anos, encontrando-se numa prisão de alta segurança em Londres e num estado muito debilitado, física e psicologicamente. O pedido de extradição dos Estados Unidos serve para julgar Assange por ter publicado em 2010 no Wikileaks informação confidencial que denunciava crimes de guerra. Um dos desejos de Stella, confessou ao PÁGINA UM, depois da desejada libertação de Julian Assange – que recentemente recebeu o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz – será uma visita conjunta a Portugal.
O PÁGINA UM divulga já na íntegra o vídeo da entrevista a Stella Assange conduzida pela jornalista Elisabete Tavares, em inglês, estando também na plataforma Spotify. Ainda hoje, o PÁGINA UM publicará a entrevista editada em português, em formato de texto.
Veja aqui o vídeo completo da entrevista a STELLA ASSANGE conduzida pela jornalista Elisabete Tavares.
Se preferir, pode ouvir aqui a entrevista integral a STELLA ASSANGE no Spotify.
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O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – mais conhecido por PCTP/MRPP – nasceu em 1970 e foi inscrito oficialmente junto do Tribunal Constitucional em 1975. No seu arranque, contou com a adesão de muitos estudantes que viriam a ser figuras de relevo na sociedade portuguesa, como Saldanha Sanches, Maria José Morgado e Durão Barroso. Teve também na sua liderança, durante muitos anos, o professor universitário e advogado António Garcia Pereira, que se demitiu do partido em 2015 em rota de colisão com o fundador Arnaldo Matos. Agora, Cidália Guerreiro, 69 anos, professora aposentada, é a líder, como secretária-geral, do PCTP/MRPP. E mantém a atitude crítica, defendendo que celebrar o 25 de Abril mostra ser uma mera formalidade, porque a população é hoje tão explorada como antes da Revolução dos Cravos. Acredita também que o Mundo caminha para uma Terceira Guerra Mundial e que Portugal já não tem soberania, fazendo parte do imperialismo globalizado. Esta é a 17ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE CIDÁLIA GUERREIRO, SECRETÁRIA-GERAL DO PCTP/MRPP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
O PCTP/MRPP é um partido que anda de mãos dadas com aquilo que é a História de Portugal, até antes da democracia.
Sim; o partido foi fundado antes do 25 de Abril – que parece ser aquele marco que instaura a democracia. Nasceu a 18 de Setembro de 1970, e naturalmente que antes também já tinha algumas raízes. Foi um partido que nasceu para combater a ditadura fascista, mas também porque considerava que não havia um verdadeiro Partido Comunista; e que o Partido Comunista da altura era um partido revisionista – e por isso aquela célebre frase que sempre tínhamos: ”morte ao fascismo e ao social-fascismo”.
E era uma luta muito de estudantes, não era?
Sim; o partido começou exactamente com um movimento estudantil, nomeadamente uma organização que se chamava, creio, ”Vamos ao Trabalho”, na Faculdade de Direito.
Cidália Guerreiro na sede do PCTP/MRPP, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)
Nessa altura, já estava integrada no movimento?
Ainda não; eu integrei-me no partido já em 1974, quando vim para Lisboa. Nessa altura, o movimento era muito dinâmico e praticamente toda a juventude militava ou, pelo menos, aderia às ideias do partido. Nessa altura, o partido também encetou uma grande luta relativamente à Guerra colonial e teve uma intervenção muito grande.
E tiveram também, nessa altura, várias figuras mediáticas ligadas ao partido, como António Garcia Pereira e Durão Barroso.
Pois; isso aconteceu. Como disse, uma grande parte da juventude aderiu ao partido e às suas ideias. Depois, naturalmente, com todo o desenvolvimento, foram-se distanciando, tomaram outros caminhos, fizeram outras escolhas e estão numa outra “barricada” [risos].
Estamos prestes a comemorar, e tem havido uma grande campanha mediática em torno disso, os 50 anos de democracia. O que significa para si e para o PCTP-MRPP estes 50 anos desde o 25 Abril?
Teríamos, se calhar, de voltar um pouco atrás; que é perceber o que foi o 25 de Abril. Por um lado, o que foi inicialmente, que nós não consideramos uma revolução; consideramos que houve uma movimentação a partir das Forças Armadas, e que não pretendia ser muito mais do que isso? Na verdade, na chamada Madrugada de Abril, a população que foi convidada para ficar em casa, acabou por ter outra decisão e ir para a rua. E foi esse movimento de massas que veio alterar o que estava inicialmente previsto, que seria apenas uma mudança de um sector da burguesia para outro. Foi um golpe de Estado levado a cabo pelos militares, que tinha a ver com a situação da Guerra colonial.
E revê-se na forma como estão a ser programadas as comemorações e como tem sido, aliás, celebrado o 25 de Abril em Portugal nos últimos anos?
Não. Até porque, neste momento, o que nós temos de democracia, e que estaria subjacente à própria movimentação das massas e que foi feito com uma grande espontaneidade e alegria; e o “garrote” que tínhamos que não só a nível de falta de liberdade, mas da própria exploração intensa das pessoas – isso não se concretizou. Portanto, não sei bem o que vamos celebrar neste 25 de Abril. É uma celebração oficial, uma formalidade. Era bom que se reflectisse sobre o que se pretendia com o 25 de Abril, nomeadamente na parte da população, e aquilo que hoje temos. Porque a população que na altura tinha grandes dificuldades, e estava sujeita a uma grande exploração, hoje não tem grandes diferenças na sua vida e no seu dia-a-dia; ela debate-se novamente com problemas económicos, de Saúde, habitação. Quase que voltámos ao princípio, numa outra versão.
(Fotos: PÁGINA UM)
Para além do nível de democracia que nos últimos anos, sobretudo a partir de 2020, com muitas medidas, catastróficas, que se vêem pelo excesso de mortalidade também. Mas houve um recuo enorme no nível democrático em países ocidentais, incluindo em Portugal.
Se nós tivéssemos – que nunca tivemos – qualquer ilusão relativamente ao que era a democracia burguesa, tudo ficou muito claro aquando das prisões, em Maio de 1975, em que 430 militantes do nosso partido foram presos e ficaram encarcerados em Caxias a mando do COPCON.
Portanto, logo a partir daí, entende que ficou comprometido o processo do avanço democrático?
É a democracia burguesa [risos]. A ideia de democracia burguesa não é bem de igualdade para todos; diz-se isso, mas não é. Aliás, o nosso partido neste momento sofre uma perseguição muito grande a nível de exigências da legalidade. Estamos constantemente confrontados, por exemplo, com multas excessivas, porque se encontra uma ou outra irregularidade; que não justificam essas multas.
O partido deixou de ter subvenção, ou seja, deixou de ter acesso a um apoio que se dá aos partidos para as suas tarefas e operações. E no que respeita às multas, tem exactamente os mesmos valores para os partidos grandes, que têm enormes subvenções.
Tem, mas com algumas diferenças. Nós estamos sujeitos, por exemplo, a contabilidades organizadas e temos de ser nós a fazê-las. A verdade é que os grandes partidos em Portugal transformaram-se em empresas. E a partir do momento em que os partidos não são partidos, com uma intervenção política na sociedade através das suas ideologias, mas passam a ser, quase à maneira americana, empresas que têm capitais, negócios, operações financeiras e tudo isso, a desigualdade surge; é inevitável. Nós não temos uma subvenção, mas também não concordamos com subvenções. Evidentemente, quando estamos no sistema, não o deitamos fora; utilizamo-lo. Mas, se os partidos querem igualdade, efectivamente deveriam concorrer às eleições em pé de igualdade. Ora, se nós temos um orçamento de 3.000 euros para estas eleições – e nem sabemos se o vamos ter… Estas eleições são muito mais caras do que as anteriores; os orçamentos previstos perfazem os dois milhões de euros, e são dinheiros públicos.
(Foto: PÁGINA UM)
Não concorda com isso?
Não; não deveria haver subvenções, absolutamente nada. Os partidos deviam ter os seus próprios meios; porque só assim é que se poderia pensar – e mesmo assim, não seria completamente claro – que os partidos não estão ao serviço de ninguém.
E como é que o partido sobrevive em termos financeiros?
Sobrevive só com as quotas, donativos e fundos dos seus militantes, simpatizantes e outros apoiantes; mais nada.
E não é suficiente?
Claro que não; e por isso, não temos possibilidade de fazer uma propaganda que dê visibilidade ao partido. Muitas vezes, as pessoas interrogam-se porque é que não aparecemos mais – não aparecemos porque esta também é uma forma da dita democracia nos silenciar.
E a imprensa, que também tem estado em crise, mas não entende dá sempre mais atenção aos partidos que já têm mais meios financeiros para fazer campanha?
Isso é evidente; mesmo nos próprios espaços que são dados, os grandes partidos têm uma campanha completamente diferente; basta ver o que está a acontecer neste momento, com todos os debates. Ainda lhes dá bastante tempo para expressarem as suas propostas; embora elas até nem sejam muito diferentes umas das outras, se formos a ver. Já os chamados pequenos partidos, têm um debate único. E, aliás, importa lembrar que esse debate até foi imposto pelo nosso partido em 2011. Mas são debates em que, quase em 10 minutos, somos bombardeados com perguntas que temos de responder num tempo recorde – é quase impossível.
E entende que essa situação deveria mudar, em termos daquilo que é o acompanhamento da imprensa?
Naturalmente; se falamos em igualdade, então deveria haver igualdade de todas as maneiras, tanto a nível da imprensa como dos meios, e em todos os aspectos. Só assim é que se via o que cada um pode oferecer. E mais: por exemplo, em relação aos próprios negócios – porque, depois, isto é um investimento para os grandes partidos… Já não me lembro quanto é que o PS vai investir, mas acho que são 3 ou 4 milhões. Mas é um investimento para poderem estar em sectores-chaves que lhes permitem fazer grandes negociatas, tal como vemos, depois, o que acontece a nível da corrupção. Isto é um pé para entrar noutro nível.
Os mártires: Alexandrino de Sousa (à esquerda) era diretor do jornal Guarda Vermelha e foi assassinado; José Ribeiro Santos (à direita), estudante assassinado pela polícia política. (Fotos: D.R./PÁGINA UM)
E o que é hoje o PCTP-MRPP? Ainda é o mesmo partido de há 50 anos ou mudou alguma coisa?
Na aparência, mudaram algumas coisas, mas em termos de programa, mantém-se o mesmo. Mesmo em relação às eleições, estamos numa posição um bocadinho difícil, porque nós achamos que as eleições não vão resolver nenhum dos problemas da população.
Porquê? Porque é que têm essa visão?
Aqueles que nós defendemos, que é a população trabalhadora, não vai deixar de ser explorada porque o sistema não vai mudar. Nada vai mudar com as eleições nem com algumas reformas que neste momento estão a ser propostas. E é aí que nós também criticamos alguns partidos que se dizem de esquerda porque criam a ilusão de que as eleições vão melhorar e que uma ou outra reforma vai melhorar as coisas; não vai. E chegará uma altura em que não vai mesmo melhorar, e nem vai ser possível até introduzir reformas. O sistema tem de ser alterado, efectivamente, e só vai ser alterado quando a população estiver consciente de que isso tem de ser feito. E nós estamos cá exactamente para denunciar o carácter das eleições, e por isso, não deixámos de estar presentes nelas. Daí que eu estivesse a dizer que é difícil, porque dizemos que não acreditamos que as eleições resolvam, mas estamos cá, e as pessoas perguntam porque é que estamos. Estamos, exactamente para dizer que há outro caminho; porque também não podemos chegar à situação de dizer que votámos, e não conseguimos. Não; há outro caminho. Então, vamos votar, mas com consciência de que isso não vai resolver, e quando tivermos essa consciência, veremos então como é que resolvemos.
E é um partido que mantém o seu cariz de uma esquerda mais radical e que tem sido também crítico da actuação do PCP e do Bloco de Esquerda, por exemplo, naqueles anos em que apoiaram o Governo de António Costa.
E que não resolveram absolutamente nada. Portanto, isso vem provar aquilo que acabei exactamente de dizer. Não foi porque se fizeram algumas reformas que as coisas se alteraram; pelo menos, os problemas de fundo da população subsistem. O que é que se criou? A ilusão de que se poderia alterar. E, aliás, hoje estamos a pagar bem caro essa ilusão. Os portugueses todos [risos]. E os portugueses também terão que se interrogar todos porque é que estamos em eleições. Porque já fomos para eleições em 2022 com um Governo que não completou a legislatura.
Uma imagem de Karl Marx na sede do partido. (Foto: PÁGINA UM)
E em que o PCTP/MRPP esteve presente.
Sim, nós denunciámos a situação, dissemos que as eleições estavam a ocorrer e que o próprio Parlamento se tinha implodido a ele próprio porque era necessário alterar a correlação de forças devido a algumas alterações que estavam a surgir. Nomeadamente a gestão dos milhões do PRR, que estava para vir. E portanto, essa implosão não foi natural – aconteceu porque era necessária. E depois tivemos uma maioria absoluta; e não se percebe porque é que o Governo caiu. Aparentemente, não seria por motivos políticos, propriamente, mas sim pela Justiça; o que não deixa de ser política, porque o que está em causa é a forma como um Governo de maioria absoluta geriu os nossos dinheiros, o dinheiro do povo.
Sim, porque muitas vezes há governantes que dizem que o Governo nos deu isto ou aquilo, mas o Governo não dá nada, na verdade, porque o dinheiro é dos contribuintes.
Toda a razão; as pessoas falam dessa forma, dizem que o Governo tem de ajudar e ter pena de nós… Não dão nada, porque o Governo o que faz é gerir o dinheiro do país. E como é que vai gerir? Aqui é que nós vemos, porque não gere a favor da população, mas sim a favor daqueles que efectivamente mandam no Governo – a favor dos grandes monopólios dos capitalistas e desses interesses. E isto, agravado pelo facto de Portugal não ter qualquer autonomia nem independência, e nem o próprio orçamento pode fazer porque ele tem sempre de ser aprovado pela União Europeia. E nós também denunciámos isso nas últimas eleições. Porque quando falamos eleições, se quisermos ser sérios, temos que ver em que contexto e em que cenário é que as eleições acontecem. Primeiro ponto: não há qualquer autonomia a partir do momento em que estamos inseridos na UE e na NATO; temos de fazer aquilo a que essa situação nos obriga – se a UE achar que o nosso orçamento está errado, não o aprova. Se achar que vamos ter de ter uma economia de guerra, é essa economia que vamos ter. Portanto, todas as promessas que neste momento até estão a ser feitas – e sei que ainda estamos em altura de saldos porque o mês de Fevereiro ainda não terminou –, tudo isto é tão exagerado que deixa de ser credível. Ninguém acredita que estas promessas são para se fazer; estas promessas são para chegar ao poder. E chegados ao poder, depois, o que vai acontecer? O que já aconteceu: de dois em dois anos temos um novo Governo, e se calhar agora até vamos ter num intervalo mais curto.
E estão a ser negociadas alterações ao nível do Regulamento Sanitário Internacional, bem como o novo Tratado Pandémico, e há países que estão de pé atrás relativamente ao que está a ser desenhado, que é um grande reforço do poder da Organização Mundial de Saúde. Como sabemos, é uma organização importante, mas também está vulnerável a interesses privados. Também vos preocupa que haja este tipo de evolução, não só a nível comunitário, de estas organizações internacionais se poderem imiscuir nas decisões do país?
Preocupa-nos, mas não nos surpreende. Nós sempre fomos dizendo – é evidente que não somos suficientemente ouvidos – que o capitalismo atingiu o seu estado supremo, que é o imperialismo, e que está globalizado e ‘mundializado’. E como agora se chegou ao ponto em que as crises capitalistas não estão a ser resolvidas por uma via pacífica, vai extrapolar para a guerra, que é exactamente aquilo em que, neste momento, estamos. Quando há uma potência imperialista hegemónica como os Estados Unidos, que está a perder poder e a vê-lo fugir para uma outra potência em crescimento, que neste caso é a China, vai recorrer a todas as estratégias para conseguir sobreviver. E é exactamente nesse nível que nós estamos. Já estamos numa guerra inter-imperialista, que se vai desenvolver rapidamente – e nós queremos chamar a atenção para isso. Neste momento, temos a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, e naturalmente, a nível de desenvolvimento económico, vai ter consequências.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas os Estados Unidos parecem estar com vontade de se envolver em mais conflitos…
São obrigados a fazer isso, mas estão a perder as guerras todas. A Europa já perdeu a guerra, naturalmente, também na Ucrânia. E aquilo que nós vemos e isso também nos preocupa, porque são sinais, quando temos o Chanceler alemão a dizer que vamos ter de nos armar e que todos os países europeus vão ter de produzir armamento. E que vamos ter de criar um escudo nuclear com a França e com a Grã-Bretanha. Ora, se neste momento a palavra de ordem é armamento, qual é o cenário que se nos vai colocar? Quando temos agricultores na Alemanha a fazerem as suas manifestações porque lhes foi retirado o subsídio do gasóleo, e quando a própria Alemanha diz que não vai repor porque agora a economia é outra, significa que estamos a entrar num caminho do alargamento de uma terceira Guerra Mundial – que vai ser bastante violenta e pode levar-nos num grau de destruição e de sofrimento muito grandes. E nós temos a obrigação de o denunciar, porque é uma guerra que não é nossa, não é connosco.
Mas as guerras dão muitos lucros, ao nível da indústria de armamento. E nos anos de pandemia houve uma enorme transferência de riqueza, como em geral acontece em grandes crises, mas neste caso para as grandes multinacionais; não só farmacêuticas, mas tecnológicas, e as empresas cotadas em Portugal, como as maiores empresas de energia e dos supermercados. Portanto estamos numa altura em que há muita riqueza para essas entidades.
Sim, disse tudo com a sua pergunta [risos]. A Ucrânia também serviu para gastar as armas que já não interessam – portanto, os Estados Unidos têm ganhado bastante dinheiro nisto tudo – e para experimentar um novo armamento. No fundo, isto é uma preparação.
Entende que é uma preparação?
É. Uma preparação para aquilo que se vai instalar. Até já temos um alinhamento de vários blocos para esta terceira guerra; e neste momento, é muito difícil evitá-la.
Portanto, já está a deixar aqui esse aviso, porque é aquilo que consegue perceber que vai acontecer…
Sim, e Portugal não devia envolver-se nesta guerra, não tem nada a ver com ela, nem vai ganhar nada com ela. E nós tivemos sempre uma palavra de ordem já antes de 1974, mas logo a seguir ao 25 de Abril fizemos bastantes manifestações relativamente à presença da NATO em Portugal; e a palavra de ordem era “NATO fora de Portugal”, e continuamos a tê-la. Portanto, as ideias fundamentais do partido mantêm-se.
A propósito dessas palavras de ordem, e como há pouco referiu, acha que Portugal ainda manda alguma coisa? Ainda há decisões que possa sequer tomar?
Portugal não manda absolutamente nada, Portugal obedece.
António Garcia Pereira liderou o PCTP/MRPP e foi candidato em diversos actos eleitorais, incluindo à presidência da República. Demitiu-se do partido em 2015, após fortes críticas internas. (Foto: D.R.)
Embora haja países na União Europeia, e tivemos o caso do Brexit, que têm criticado a forma como a Comissão Europeia e a União Europeia se têm comportado.
Sim, mas nós não mudámos absolutamente nada; sempre fomos contra a integração de Portugal na União Europeia, e também em relação à Comunidade Económica Europeia [CEE]. Nós dissemos foi que não foi Portugal que entrou na CEE, foi a CEE que entrou em Portugal. Portanto, essas coisas que precisam às vezes de tempo para se perceber, neste momento estamos a perceber quais são as consequências da nossa perda de soberania quando entrámos na UE, e quando perdemos a nossa moeda. Quando passámos a ter o euro, parece que ficou tudo muito satisfeito, ou criou-se a ideia de que estávamos a receber muito dinheiro dos países ricos sem termos que fazer nada; que é uma posição perfeitamente oportunista. Alguns receberão dinheiro, mas enfim. A verdade é que Portugal não tem autonomia absolutamente nenhuma, só tem que obedecer – faz parte de um imperialismo. As pessoas dizem que não são imperialistas, e que até somos um país pobre; mas não é assim. Portugal faz parte do imperialismo, e dentro do imperialismo globalizado, tem uma função; a função que lhe for dada, é essa que ele vai fazer.
A discussão que está a colocar na mesa não tem sido falada, apesar da gravidade do que se passa a nível da política internacional; o que se tem visto nas campanhas, como referiu, são muitas promessas dos partidos. Os portugueses vão ter o PCTP/MRPP no boletim de voto? Apresentaram listas para estas eleições?
Sim; embora dentro do partido se tenha discutido muito se este ainda é o momento de concorrermos a eleições, dado o desgaste, a destruição e a desilusão com aquilo que nós chamamos a democracia burguesa.
(Foto: PÁGINA UM)
E estão em todos os círculos?
Não, estamos só em alguns circos. É do conhecimento geral que o partido está a passar por algumas dificuldades internas, e está a tentar reorganizar-se e reforçar-se.
E em que círculos concorrem?
De qualquer das formas, no conjunto dos círculos abrangemos, pelo menos, mais de metade da população votante – estamos em Lisboa, Setúbal, Porto, Braga, Aveiro, Beja, Portalegre, Castelo Branco e Europa.
E que propostas é que têm no vosso programa para os temas que entende serem mais importantes para os portugueses?
Antes disso, eu ainda gostava de dizer, relativamente à demissão deste Governo, que de facto é inexplicável e cria alguma perplexidade na população sobre como é que um Governo de maioria absoluta cai. Será que cai porque tem de cair, porque é a forma que a burguesia tem de ultrapassar e de se desresponsabilizar da situação que foi criada por este próprio Governo durante dois anos, e que já não tinha grande saída? Quando o Governo caiu, sabemos que tínhamos todos um descontentamento enorme em vários sectores.
Então, entende que é uma manobra concertada?
Sim, entendemos que é uma manobra; tal como foi a queda do Governo anterior, esta também foi. Aliás, Portugal está a cair: caiu o Governo da República, o governo das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Isto não pode ser por acaso. Portugal está ingovernável?
E há dúvidas sobre se vai ser possível formar um Governo depois das eleições.
Pois, provavelmente, sim; até porque essas dúvidas estão a colocar-se também nos Açores. Houve um partido que ganhou as eleições, e não sabemos se vai haver um governo. Portanto, o mesmo pode acontecer aqui.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas no caso do seu partido, acredita que pode crescer em votos, e que pode atrair com as vossas propostas, mais militantes? Quais são as vossas metas para estas eleições?
Pode crescer, mas neste momento o nosso partido tem de se reorganizar para os movimentos que vão surgir inevitavelmente no meio da crise que está a acontecer. O partido tem de estar preparado; a revolução não se faz de dentro do partido, faz-se de fora do partido – e sempre dissemos isso. Mas, em relação à Saúde, por exemplo, um aspecto que se estava a falar; o Serviço Nacional de Saúde [SNS] está destruído. Fala-se que tem de ser reconstruído, mas na nossa óptica, neste momento já vai ser muito difícil que ele seja reconstruído porque ele está destruído.
E também muitos portugueses, aqueles que podem, têm sido empurrados para o privado, não é?
Mas o SNS foi destruído paulatinamente, sem que se desse conta. Porque o SNS começou a subsidiar os serviços privados de saúde, que se transformaram num negócio. E a partir daqui, se o investimento, que é social, no público, passa por esse público para ir para o privado, o serviço público fica destruído. Falando de forma simples: nós não temos nenhum serviço público, por exemplo, onde se possa ir fazer análises, raio-X, ressonâncias ou TACs; são todos privados.
As pessoas são encaminhadas para os serviços privados?
O problema é que as pessoas não dão por isso. Como vão fazer as suas análises aos laboratórios, e muitas vezes não pagam, acham que está tudo bem. Mas esquecem-se de uma coisa: não pagam, mas esses serviços são pagos. E por isso é que estamos a ver todo esse tipo de laboratórios e de meios complementares a crescerem enormemente.
Além do muito dinheiro que foi gasto e saiu até um relatório do Tribunal de Contas relativamente aos gastos com a pandemia, que foram exorbitantes.
Exactamente. E eu não faço ideia porque agora não tenho esses dados, de quanto é que, de facto, transita do serviço público para o privado. Mas a verdade é que o serviço público vai encolhendo, à medida que o privado vai alargando.
Entende então que essa situação devia mudar.
Acho que ela está catastrófica, é o caos. E é por isso que o Governo também caiu e não tinha interesse em continuar, porque ia continuar para fazer o quê? Não tinha já solução.
Mas acha que há interesse em mudar?
Não haverá interesse, mas há interesse em deixar ficar durante algum tempo, até que as coisas estejam completamente arrumadas. Quando dermos conta, já não temos SNS; às tantas, já não vamos ter tempo para o recuperar, pelo menos de uma forma fácil.
(Foto: PÁGINA UM)
Então considera que esta destruição foi propositada?
Naturalmente; tem a ver com os interesses. Se a Saúde se transformou num negócio, e a própria pandemia veio demonstrá-lo… Porque se a humanidade está em perigo, os laboratórios não estiveram ao serviço da humanidade e desse perigo; estiveram ao serviço dos grandes lucros que tiveram.
Tiveram e, aliás, nós no PÁGINA UM noticiámos alguns casos desses.
Qualquer pessoa se questiona se, então, estamos mesmo a trabalhar para o bem da humanidade, e se estamos preocupados com isso – porque não é isso que a realidade nos diz.
Mas não é o se passa também um pouco no ensino? Tivemos também os professores em protesto. E é sabido que, por exemplo, muitos políticos têm os seus filhos em colégios privados.
Sim, no ensino é a mesma coisa. Embora eu pense que o nível de destruição no ensino não avançou tão depressa como na Saúde. A Saúde está completamente destruída. Mas são negócios, de facto, que estão em causa. E a verdade é que nunca, a não ser antes do 25 de Abril, nós tivemos hospitais fechados. Para uma mulher grávida, deve ser uma espera angustiante saber onde é que o filho vai nascer, e se a maternidade mais perto estará aberta ou fechada. É dramático quando nós pensamos que os hospitais fecham ao fim-de-semana. Não podem fechar.
Ou seja, não há segurança para uma mulher que esteja grávida, não sabe o que vai acontecer?
Ou tem meios – e cá está, a igualdade não existe – ou arranjam meios, porque de facto não querem correr o risco de terem um parto com consequências trágicas. Portanto, até às vezes se empenham para conseguir resolver esse problema. Mas o que é insuportável é pensar que temos serviços de saúde que são necessários 24 horas – porque nós não sabemos quando é que adoecemos – fechados.
Entende que há um retrocesso?
Sim, disso não há dúvidas nenhumas. Hospitais fechados era antes do 25 de Abril, que não havia hospitais. Então se vamos comemorar o 25 de Abril, vamos comemorar o quê? Voltamos àquela questão inicial; é apenas uma propaganda, hoje vive-se de propaganda. E os meios de comunicação social, ganharam de facto um estatuto de quarto poder, e criam-se as ideias que se criam.
Entende que os media, em larga medida, o que fazem é propaganda?
Uma grande parte, sim. Os media têm chefes, patrões, e donos; portanto, as propagandas também avançam a partir daí.
Mas também estão em crise agora, não é?
E criam ideias. Dominam, e depois tudo é discutido na base das ideias criadas.
Mas é interessante porque muitas vezes é passada a mensagem de que a propaganda é só de regimes ditatoriais, mas não se entende que haja propaganda em governos de países ocidentais.
O que é mais perigoso, porque nos outros países nós já sabemos que há [risos]. Portanto, aí já estamos alertados. Mas neste pensamos que não, que tudo é natural e tudo é – como se dizia antigamente – a bem da nação. Mas não é; é a mal da nação.
(Foto: PÁGINA UM)
Como é que tem acompanhado estes protestos que têm havido em várias áreas, desde os jornalistas, aos agricultores e às forças de segurança?
Eu continuo a dizer: é a crise do capitalismo. São as contradições que efectivamente se agudizam, e que não apresentam soluções. Mesmo com os agricultores não é outra coisa. Nós vamos ter um problema entre a agricultura, que está a ser destruída completamente, e tem que ser concentrada – aquilo que a que assistimos nos últimos tempos foi à concentração da agricultura com monopólios, por um lado, e o nascimento de um operariado agrícola. Por incrível que possa parecer; às vezes diz-se que o conceito de operário está a desaparecer, mas não está, pode é alterar-se. Nos campos, o que nós temos com esta agricultura intensiva, nomeadamente do Olival e do amendoal no Alentejo, é o que está a criar isto. Foi a venda de uma grande parte de propriedades mais pequenas para grupos económicos estrangeiros; temos a ideia de que são só espanhóis, mas não são – são angolanos e americanos. E estão a criar um conjunto de pessoas que são operários: alguns, nacionais, e outros, imigrantes, a viver em condições péssimas, como todos sabemos. Em condições degradantes e de exploração. E quando a própria comunidade, na luta pela pseudo energia verde, diz que tem de se cortar até 50% dos pesticidas, está a esquecer-se do que é usado, de facto, nestas culturas intensivas; que é uma brutalidade desse tipo de fertilizantes e que contagia até os outros terrenos que estejam ao lado e que ainda resistam a ser integrados nessas grandes propriedades. Depois, temos uma indústria de distribuição e agroalimentar que vai também sofrer algumas destas consequências. As outras propriedades no norte do país serão um pouco diferentes, mas a tendência, naturalmente, é de centralização e concentração.
Mesmo nos Estados Unidos tem havido um movimento de determinadas figuras mediáticas a serem compradoras de grandes lotes de terra.
Sim; e eles têm comprado muito em Portugal, nomeadamente terrenos no Alentejo.
Agora já não se fala tanto no ambiente, mas sim na questão das alterações climáticas. O que é certo é que ao nível comunitário, se prolongou por mais uma década, por exemplo, o uso do glifosato, que era da Monsanto, e foi comprado pela Bayer, e que é perigosíssimo. Portanto, em relação a algumas coisas, não bate aqui a bota com a perdigota.
Podem dizer que nós repetimos a cassete, mas para nós, a questão de fundo continua a ser o sistema capitalista e o modo de produção capitalista, que está esgotado e tem de ser substituído. É normal; tem a ver com a história. Os modos de produção vão-se sobrepondo; o modo de produção capitalista está esgotado, e tem que dar origem a um novo modo de produção. Há essencialmente duas riquezas, como nós dizemos: a natureza e o trabalho. Sendo que o trabalho é a forma como o homem utiliza instrumentos para retirar a riqueza da natureza. Está tudo aí. E aquilo que se chama a economia verde, muitas vezes, mais não é do que outro negócio.
Como a questão de se substituir um carro a combustível por um eléctrico…
Ora aí está; que parece que não vai ser uma coisa melhor, e não está a ser fácil. É, na mesma, a sociedade de consumo e a utilização da natureza até às últimas consequências. Agora vamos ter uma luta para recorrer a novas matérias que serão necessárias para novas tecnologias; mas nada é feito em termos de planeamento ou de respeito pela natureza. E todos estes desastres climáticos que estamos a ter, têm a ver com a falta de respeito que houve pela natureza e com o esgotar dos recursos.
(Foto: D.R./PCTP-MRPP)
Mas os avisos já existiam e muitas das pessoas que estão na política hoje, na Europa e em Portugal, já estavam na política nos em que começaram os avisos. Portanto, não é de agora.
Claro que não; foi desde sempre. O Friedrich Engels também já falava nisso há muito tempo, com A dialética da Natureza.
Também se viu, nos últimos anos, um enorme recuo ao nível dos direitos humanos, em vários países, com medidas repressivas que, entretanto, se percebeu que muitas foram erradas. Têm vindo a ser aprovadas, a nível comunitário, novas regulamentações sobre os direitos digitais e a imprensa, mas que vêm condicionar a liberdade de imprensa e de expressão. Como é que vê esses sinais?
Eu acho que nós temos a realidade impor-se. O que é que se passa na Palestina?
Ou seja, os direitos humanos é só de vez em quando?
É, quando convém, e de formas diferentes. Nós estamos agora a vivenciar a hipocrisia que existe relativamente aos direitos humanos. Porque está a haver um genocídio; não temos dúvidas nenhumas. E até tivemos o nosso Presidente da República – um dos primeiros Presidentes da República – a apoiar Israel. Ele podia ter estado calado nessa altura; esperava, pelo menos. Mas não! Cá está: Portugal é o bom aluno, e tem de se pronunciar em primeiro lugar. Portanto, quanto à forma como se vê os direitos humanos, eu penso que basta olhar para o que está a acontecer. Em que os países que podiam, e deviam, ter uma palavra a dizer, não o fazem. Porque acham que Israel tem que se defender; e em nome desse princípio que impõem, pode matar milhares e milhares de civis e não há problema nenhum.
Portanto, choca-a esta forma como o Governo, o Presidente da República, e até a própria União Europeia se tem posicionado nesse tema?
Sim; todos foram a Israel: o Presidente da República, o Parlamento, todos. E tiveram necessidade de o fazer – essa é a questão. E o Presidente da República ficou numa situação muito difícil com as posições que tomou – essas e outras. E já não sabemos se este Novembro de 2023 estava a ser tão constrangedor para uma série de poderes em Portugal; e que juraram inclusivamente esta demissão. Portanto, tivemos quase três poderes metidos no meio de uma demissão, que não vai alterar absolutamente nada.
(Foto: PÁGINA UM)
E o próprio Presidente da República esteve envolvido num escândalo.
Exactamente. Isto é a tal corrupção – continuo a dizer – inerente ao sistema e ao facto de termos recebido tantos milhões. Criaram-se tantas comissões para fiscalizar, fiscalizavam-se uns aos outros.
E para os portugueses, em que é que se traduzem esses milhões?
Em nada. Nós temos uma crise de habitação dramática, com consequências incalculáveis. Não há casas, pura e simplesmente. A habitação é um direito, que está na Constituição, e aquilo que nós vemos é que não há, nem foi construído, nem planeado. E isso é grave.
E as que existem, os portugueses não conseguem pagar.
Não têm acesso a elas. Nós estamos de facto num sistema que se baseia na lei da oferta, no negócio e na mercadoria; mas nós temos uma oferta que está inquinada. Para já, houve políticas que não planearam habitação social, nem tiveram isso em conta. E agora querem resolver o problema com arrendamentos que nem se sabe como se vão fazer, e nem sequer se há condições ou um número de habitações para isso. E este ano, houve um dos maiores aumentos ao nível das rendas. Neste momento, não é possível aos portugueses arrendarem uma casa em Lisboa, porque também têm uma concorrência com estrangeiros que vêm viver e trabalhar para Lisboa e que têm facilidade em pagar rendas acima dos 1.000 euros.
Portanto, a vossa visão é que o Estado deveria chegar-se à frente?
Sem dúvida, e a questão que se coloca é porque é que não o fez. Porque já fez dois anos que recebeu milhões do PRR, em que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU] era uma das instituições que deveria ter resolvido o problema, e não fez nada. E já vamos no terceiro ano, porque isto vai terminar em 2026. Portanto, faltam dois anos. O que é que aconteceu ao dinheiro?
Acha que é uma questão ideológica de não se querer do Estado, e querer que sejam os privados a resolver?
Pode ser. Mas é sobretudo uma questão de negócios.
Voltamos ao mesmo?
Sim. Porque, no fundo, como é que está a ser executado o PRR? Quem são as empresas que beneficiam? E beneficiando, como é que o estão a aplicar? De facto, há três sectores que chegaram a um estado de destruição quase total com as políticas deste Governo de maioria: a habitação, a saúde e o ensino.
E na saúde temos um excesso de mortalidade assustador. Portugal é dos países da Europa com o maior nível de excesso de mortalidade, e o Ministério da Saúde não quer investigar.
Não quer investigar, mas sabe.
Sim, tem as suas bases de dados anonimizadas, que podem perfeitamente ser disponibilizadas, e nós no PÁGINA UM temos uma acção em tribunal para que essas bases de dados sejam disponibilizadas.
Exactamente, e devem ser. Nós continuamos a dizer o mesmo que no princípio: o Serviço Nacional de Saúde está destruído.
Uma foto de Arnaldo Matos, fundador do partido, em destaque no hall de entrada da sede do PCT/MRPP. (Foto: PÁGINA UM)
Portanto, os portugueses também não estão a ter acesso a cuidados de saúde.
Não, não estão. E quando os obtêm, já é em situações que às vezes são reversíveis. Há pessoas que estão à espera de operações e de outras intervenções; não é só as horas que se espera na urgência; não há acompanhamento.
E como dizia antes de começarmos esta entrevista, nem para se nascer, nem para morrer em Portugal, as coisas estão bem.
Sim; é dramático. E vai chegar a uma altura em que é insustentável. E aí, as coisas rompem.
Quando fala, sentimos que pode não haver já solução. Em todo o caso, vê que há uma possibilidade para Portugal de travar um bocadinho esses movimentos, também em termos de uma Terceira Guerra Mundial, mas não só?
Não vai travar absolutamente nada; porque estão em causa forças maiores que querem sobreviver, e que só podem sobreviver por aí.
E há alguma coisa que os portugueses podem fazer no sentido de dar a volta a isto e tentar resolver algumas questões?
Têm que se consciencializar de como é que vão resolver as questões, e de retirar algumas lições do que vai acontecendo. Porque os portugueses vão perceber. Vão perceber que lutam por isto, que tentam alterar e que já votaram não sei quantas vezes, só nos últimos tempos, e que isto está podre. Ninguém vai acreditar que todas estas propostas e ofertas que estão a ser feitas são para ser concretizadas; elas são feitas para se chegar ao poder e ver quem é que consegue enganar melhor. Uma vez lá instalados, vai acontecer a mesma coisa. Até porque nenhum dos partidos que estão a concorrer, desses que fazem as grandes propostas e que acham que de facto vão chegar ao poder, pode dizer com certeza que o programa que estão a apresentar vai ser o programa que vão concretizar. Porque eles não sabem sequer se vão governar sozinhos, nem com quem se vão aliar.
(Foto: D.R.)
Mas os dois grandes partidos já indicaram, pelo menos a AD e o PS, que há aquela linha vermelha em relação ao Chega. Como é que vê as sondagens que apontam para um crescimento do Chega?
Oh, as sondagens nunca são assim tão seguras quanto isso; depende dos grupos que são sondados e depende, inclusivamente, daquilo que o sondado quer dizer.
Portanto, podem ser enviesadas?
Podem. Há também problemas a nível da comunicação, porque a comunicação não sabe o que o povo sente.
Foi a comunicação social e alguns partidos que fizeram o Chega. E, portanto, até lhes dá jeito. Porque podem tentar dizer que se não ganharem eles, vai ser o Chega e vai ser uma desgraça. Mas foram exactamente eles que fizeram o Chega dessa forma. A comunicação social e os comentadores, porque vivem numa bolha, acham que aquilo que eles dizem é o que a população pensa. E pensam também que a maior parte das pessoas são influenciadas por aquilo que eles dizem; mas a vida das pessoas é diferente daquilo que os comentadores pensam.
As pessoas têm uma vida difícil, chegam ao fim do mês e não têm dinheiro para pagar as despesas. E sabem que não têm direito à saúde, que esse bem não está garantido, que têm problemas com a habitação e com a educação; isso elas sabem. E quando muitas vezes contestam, no sentido imediato, e dizem que algo está mal, podem não saber ainda o que querem, mas sabem que não querem isto. Ora, se há um partido populista que diz que algo está mal, é normal que algumas pessoas concordem. E, portanto, o Chega, que não tem um programa, propriamente… Porque apontam para o que está mal, mas qual é a proposta do Chega? Eles têm de dizer claramente como é que resolvem estes problemas, e qual o modelo de saúde que querem. Porque nós não temos problemas nenhuns que nos acusem de querer o desenvolvimento do Estado social – não é isso que nós queremos, mas entre o que queremos, e o que temos, queremos isso. E não temos problemas nenhuns em que haja meia dúzia de comentadores que defendam, por oposição, a liberalização e a iniciativa privada; nem ficamos sequer incomodados que tentem fazer crer que as nossas ideias são uma coisa do passado.
Também há a questão da imigração, e partidos que defendem um maior controlo, mas temos também uma grande emigração dos jovens. Quer deixar uma mensagem aos jovens, sobretudo os que têm estado a sair do país?
Pois estão, e vão continuar a sair; estou convencida de que a emigração aumentar. E a imigração também vai aumentar porque também nos faz falta. No fim de contas, voltamos a ter as tais contradições: nós temos desemprego, temos jovens qualificados a sair, e em igual proporção, temos imigrantes a entrar. É quando estas contradições são insanáveis, que as coisas têm que rebentar. Porque os portugueses não podem ir trabalhar para fora, para depois haver necessidade de uma mão-de-obra barata – e é o que está a acontecer. Os imigrantes vêm trabalhar, sujeitos a ordenados baixíssimos e a uma exploração intensíssima. Mas eles geram lucro suficiente para o pagamento que se lhes dá, e para os subsídios que são dados, em alguns casos, em Portugal. Nós somos contra esta história dos subsídios; não tem que haver subsídios. As pessoas têm de trabalhar por um ordenado digno, que lhes permita viver. E como os governos não querem fazer isso, temos de recrutar mão-de-obra barata, explorada, e colocar gente em situações indignas.
Um dos murais que trouxeram fama ao PCTP/MRPP (mural sem data, nem local). (Foto: D.R.)
Pensa que é um sinal também da decadência daquilo que existe em alguns países ocidentais?
É, e vai ter consequências. Porque é muito bonito estarmos a dizer que ainda bem que os imigrantes cá estão, porque são eles que estão a sustentar a Segurança Social… Isso é um facto. Mas será bom para o desenvolvimento do país? Se calhar, não é. Não pode ser visto como algo bom, quando enviamos para fora os nossos.
Portanto, é algo que também tem que se repensar?
É uma contradição que, de facto, tem de ser resolvida. Mas ainda bem que os imigrantes estão cá, e nós não queremos que eles estejam nas condições em que estão; porque depois são problemas sociais atrás de problemas sociais. E se, inclusivamente, houve acordos para que alguns contratos fossem feitos em termos de imigração, esses acordos têm de ser respeitados. E não são; como nós vimos. E é preciso, de vez em quando, sair esses alertas para nós abrirmos os olhos e verificarmos que as coisas não estão a correr bem.
Portanto, há muito para fazer?
Há muito para fazer, porque há muito mal feito [risos].
Transcrição de Maria Afonso Peixoto.
Veja AQUI a página na Internet com informação do PCTP/MRPP.
O que acontece quando um médico-empresário que factura milhares de euros anualmente com serviços prestados a farmacêuticas – nomeadamente através da sua empresa Terra & Froes -, se une a um regulador dos media, cuja liderança é de nomeação política?
O resultado só pode ser a censura e a tentativa de intimidar e desacreditar jornalistas de investigação que escrevem notícias com base em dados e fontes oficiais e artigos científicos de qualidade, as quais não são ‘aprovadas’ pelos ‘patrões’ nem pelos ‘clientes’ de lobbies poderosos.
O Editorial de Pedro Almeida Vieira, jornalista e do director do PÁGINA UM, dá os detalhes e anuncia o inevitável. “A contínua perseguição infame da ERC contra as investigações do PÁGINA UM não continuará: uma queixa judicial por injúrias e difamação seguirá em breve contra os cinco membros do seu Conselho Regulador da ERC. E, claro, contra o Doutor Filipe Froes.”
Esta não é a primeira vez que a ERC adopta deliberações ou promove iniciativas lesivas para o bom nome do PÁGINA UM, numa lógica de dois pesos e duas medidas, sendo algo que começa a ser recorrente.
Perante estes casos em concreto, enquanto a Justiça apoia a transparência e o Jornalismo e as boas práticas, a ERC faz exactamente o oposto: dá guarida e apoia a opacidade, o secretismo, as más práticas e a censura de jornalistas.
Percebe-se porque, hoje, em Portugal, tantos jornalistas praticam a autocensura, sobretudo no que toca a temas ‘tabu’ para grandes indústrias e partidos no poder. Pode ser em torno das vacinas contra a covid-19 ou outro tema que mexa com temas considerados ‘intocáveis’.
No Jornalismo, quando há temas intocáveis, é porque: ou não se vive em democracia; ou não existe liberdade de imprensa; existe censura; existe autoritarismo.
Não é novidade o poder político e económico pressionar e intimidar a imprensa. É uma táctica já ‘velha’. Uma denúncia surge aqui, alguém adopta uma deliberação ali, um outro faz um comunicado acolá. Os media e jornalistas promíscuos, comprometidos ou vendidos, fazem o resto: espalham a campanha para desacreditar. Com as redes sociais, fica ainda mais fácil condicionar quem faz jornalismo sério, de investigação. E há sempre aquele recurso de se difamar o jornalista, espalhando desinformação sobre ele.
O que é estranho, é ainda haver quem pense que se pode passar incólume com este tipo de más práticas.
Ir fiscalizar os directores de órgãos de comunicação social, em Portugal, que executam publicamente contratos comerciais, é algo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não faz.
Acabar com as notícias e entrevistas pagas nos media ou com a cascata de podcasts patrocinados, feitos por jornalistas, que nascem que nem cogumelos nos media em Portugal, é algo que a ERC também não quer fazer.
Em alguns casos, a ERC só actuou na sequência de investigações do PÁGINA UM a más práticas, a práticas ilegais, na imprensa.
Já censurar jornalismo de investigação, que se baseia em fontes oficiais, credíveis, fidedignas, isso a ERC já está disposta a fazer.
Não é a primeira vez que o Conselho Regulador da ERC adopta deliberações que são autênticos avisos a todos os jornalistas que queiram prosseguir com investigação, sobretudo em torno de determinadas indústrias e temas.
Infelizmente, enquanto a liderança da ERC for nomeada por partidos – os maiores partidos, que vão rodando entre si o poder – duvido que alguma coisa vá mudar nesse tipo de censura.
Atenção: a ERC tem bons (mas poucos) técnicos ao seu serviço. O regulador faz, em determinados casos, uma fiscalização eficaz. Demora muito tempo? Demora.
Ainda estamos à espera, por exemplo, que a ERC se pronuncie sobre as queixas que chegaram ao regulador em meados de 2023 devido a uma escandalosa reportagem feita pela TVI, passada em horário nobre, em que foi promovido um negócio obscuro e uma entidade não autorizada a prestar serviços de investimento ou intermediação financeira em Portugal. O caso foi grave, ao ponto do Banco de Portugal ter feito um alerta sobre a entidade mencionada na reportagem.
Mas, quando o assunto é jornalismo de investigação, bem fundamentado, sobre temas ‘tabu’ ou assuntos que sejam vistos como uma ameaça a poderosos, o caso muda de figura. Pelo menos, é isso que temos observado em deliberações que envolvem o PÁGINA UM.
Não será por acaso. O PÁGINA UM, em particular o jornalista e director do jornal, Pedro Almeida Vieira, tem investigado interesses mais do que instalados no país e que envolvem fortes lobbies. E os lobbies não perdoam e pagam – e persuadem – para que as pedras no seu sapato sejam descartadas.
Também foi o PÁGINA UM que criou um Boletim diário de escrutínio às compras públicas, destacando os negócios obscuros ou opacos que são feitos com o dinheiro dos contribuintes.
E tem sido o PÁGINA UM a trazer alguma moralização à imprensa, sector onde se normalizou o sentar à mesa com o poder político e económico. Ao ponto de haver jornalistas que pensam que investigar temas importantes mas incómodos – como o dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 – é uma heresia, um pecado capital.
O PÁGINA UM faz Jornalismo. Não há espaço para temas tabu no Jornalismo. Por isso, há muito que é visto por alguns lobbies – e por jornalistas que sentam à mesa com o poder – como um ‘alvo a desacreditar’, ou seja, um ‘alvo a abater’. Que a ERC se preste a ser usada para essa tentativa de desacreditar é lamentável.
Para os ´’Froes’, a ERC e todos os que têm sido alvo de investigações do PÁGINA UM, esta deliberação do regulador dos media é motivo de celebração. Para os jornalistas, para o Jornalismo, para a liberdade de imprensa, para a transparência e para a democracia, esta deliberação da ERC é um capítulo negro.
Há quem esteja a enfiar a cabeça na areia e a preferir não ver a ‘Idade das Trevas’ em que a liberdade de imprensa e a investigação jornalística estão a mergulhar em Portugal, mas também em outros países do mundo ocidental, com a crescente pressão persecutória dos profissionais que são independentes do grande poder económico e político.
Mas há quem esteja a ver. Claramente. E o público, os leitores, também.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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