Quem envereda profissionalmente pelo mundo das artes e da cultura arrisca poder passar por dificuldades financeiras. Mas a Apordoc-Associação pelo Documentário, que é responsável pela organização do evento Doclisboa, elevou a precariedade laboral no mundo das artes e do cinema a um novo nível.
Num anúncio de emprego que a associação publicou no dia 11 de Junho, a Apordoc surpreendeu o sector pela negativa levando potenciais candidatos a desabafar: “tirem-nos deste filme!” Em causa está um anúncio de recrutamento para a vaga de ‘coordenador’ para o Doclisboa25. Além do salário baixo para a função, no montante de 1.200 euros, com IVA incluído — o que resulta num rendimento líquido de 924 euros —, o cargo será desempenhado na modalidade de recibos verdes.
Foto: D.R.
Isto apesar de a acção de recrutamento indicar que irá existir um evidente vínculo laboral, com cumprimento de horário fixo de trabalho e o exercício das funções em local físico fixo. O ‘coordenador’ terá ainda de levar o seu PC pessoal, pois não terá nenhum disponível na organização.
Para se ter um termo de comparação, o valor bruto oferecido pela Apordoc para o cargo de ‘coordenador’ está abaixo do oferecido, por exemplo, pela retalhista Mercadona, em Portugal, aos seus trabalhadores base, os quais beneficiam ainda de vínculo permanente. Por outro lado, o valor pago pela Apordoc iguala o rendimento de entrada oferecido pela sueca IKEA aos novos trabalhadores em Portugal, sendo que 90% dos postos na empresa retalhista são de vínculo permanente.
Mas, em concreto, o que terá de fazer o ‘coordenador’? No anúncio pode ler-se que a Apordoc “procura um(a) profissional com experiência em produção e coordenação de eventos da indústria cinematográfica para integrar a equipa do Doclisboa 2025”. Aponta que “este cargo envolve a gestão operacional de actividades relacionadas com a indústria, sob a supervisão da Direção de Indústria e Desenvolvimento, com uma visão abrangente das actividades do Nebulae [projecto de indústria e espaço de networking do DocLisboa], alinhadas à estratégia global do festival”.
Uma das principais responsabilidades será a “coordenação e produção das actividades do Nebulae, gerindo os aspetos técnicos e logísticos em articulação com a equipa de produção do Festival”. Também terá de “acompanhar e garantir a execução do calendário das actividades da indústria, em diálogo com as diferentes equipas do Festival, assegurando a sua implementação conforme o planeamento definido pela Direção”. Cumpre ainda ao coordenador “elaborar o mapa de necessidades técnicas para os espaços de eventos e sessões Nebulae”.
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O coordenador terá ainda de “atuar como responsável pela comunicação directa com project holders, convidados/as e participantes das actividades Nebulae, assegurando fluidez e clareza na troca de informações”. Cabe-lhe também as tarefas de “recolher e organizar conteúdos para o catálogo da indústria e documentos de imprensa, em colaboração com a equipa de Comunicação” e “coordenar com a equipa de Guest Office as necessidades de viagem, alojamento e hospitalidade dos convidados da Indústria”.
Outra das suas funções será a de “acompanhar a implementação das contrapartidas para patrocinadores (banners, materiais gráficos, menções, etc.), sob orientação da área de Desenvolvimento e Parcerias”. Por fim, terá a ser cargo a “coordenação directa da equipa de voluntários/as da Indústria, incluindo atribuição de tarefas, orientação e supervisão durante o Festival”, além do “acompanhamento e gestão das actividades da Indústria ao longo dos dias de Festival”.
O recrutamento será apenas para o período que vai de 04 de Agosto de 2025 até 31 de Outubro de 2025 e o horário dura das 10H00 às 19H00. O local de trabalho será no “escritório da Apordoc em Lisboa (Casa do Cinema, Rua da Rosa, 277, 2º) ou outros espaços a ser utilizados para efeito de escritório para o desenvolvimento deste trabalho”. O coordenador contratado “deverá dispor de computador portátil próprio para o desenvolvimento do trabalho”.
Anúncio da Apordoc para recrutamento de um coordenador do festival DocLisboa.
O anúncio da Apordoc tem gerado reacções negativas dentro e fora das redes sociais. Numa publicação sobre a vaga na conta da associação no Instagram, um dos utilizadores escreveu um comentário negativo “Oferta de emprego vergonhosa. Trabalho precário com exigências de relação laboral com vínculo efectivo. Continuamos a brincar com as pessoas, que na verdade são o principal activo de qualquer organização que se preze.”
Uma outra utilizadora desta rede social questionou: “porquê recibos verdes?” Em resposta a esta pergunta, a Apordoc indicou que “esta é uma vaga para a equipa temporária que o festival contrata a cada edição, dezenas de pessoas que, pela natureza do projecto, trabalham connosco apenas durante uns alguns meses por ano”. “Acrescentou que “todas as pessoas que fazem parte da equipa permanente do Doclisboa têm contrato de trabalho e tentamos dar as melhores condições possíveis à nossa equipa”.
Além das condições precárias oferecidas para o cargo, no anúncio da Apordoc pode ainda ler-se uma nota que serve de aviso aos interessados com alguma limitação de locomoção: “o escritório da Apordoc ainda não dispõe de acesso para pessoas com mobilidade reduzida”. Ou seja, as pessoas com mobilidade reduzida não poderão concorrer ao cargo. E assim, além das condições precárias de contratação, também se enterra o lema da inclusão.
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O PÁGINA UM colocou questões à Apordoc por e-mail, na semana passada, mas até ao momento ainda não obteve respostas.
O anúncio da Apordoc não só desiludiu alguns profissionais do sector, pela patente precariedade e ausência de inclusão, como deixou uma má impressão sobre a organizadora do festival. Mas, havendo quem no sector esteja com dificuldades para pagar as contas ao fim do mês, certamente haverá candidatos para a função, aceitando as baixas condições. Sempre servirá para adicionar mais uns ‘créditos’ ao curriculum. Mesmo que os bolsos já cheguem vazios ao meio do mês.
Era uma tarde soalheira de Domingo. A Avenida das Forças Armadas estava vazia. Não havia o habitual frenesim de estudantes a subir e a descer a rua. A cantina universitária também estava fechada. Desci do autocarro e aterrei num dos momentos que mais me marcou na adolescência. Um grupo de rapazes e raparigas skinheads estava a chegar à paragem de autocarro no preciso momento em que eu estava já sozinha naquela avenida deserta.
Quando eu era adolescente, e também na infância, parecia ser de origem asiática, com os olhos amendoados e o tom de pele claro no Inverno. No Verão, ficava morena e ainda acentuava mais o ar ‘exótico’. Era muitas vezes chamada de ‘chinesa’ na escola. Confundiam-me frequentemente como uma ‘uma rapariga oriunda de Macau’.
Voltando à paragem de autocarro e aos skinheads. O motorista já tinha arrancado com o autocarro avenida acima. Olhei e estava aquele grupo infeliz no meu caminho. Percebi que já me tinham na mira. Senti um frio na barriga. Não havia ninguém à volta. Não havia edifícios de habitação ali. Ninguém à janela. O que havia, estava fechado. Passavam poucos carros e a ‘abrir’.
O grupo acelerou na minha direcção. Tinham encontrado uma ‘presa’, pensaram.
Senti como se fossem cães a vir morder-me. Como fui atacada por um cão em pequena, tinha algum medo de cães mais ferozes. Pensei no que aprendi sobre como agir perante cães: ‘fica quieta, anda muito devagar; não olhes nos olhos’.
O grupo rodeou-me. Largou alguns insultos. Tentei continuar a andar, muito devagar. Fingi que não ouvia nada. Sobretudo, procurei não mostrar medo. Mas por dentro estava apavorada. Temia que tivessem alguma arma. Que me fossem magoar. O momento durou uns minutos e pareceu-me serem horas.
Lembro-me que me agarrei à alça da mala que levava pendurada ao ombro e que quase não respirava. Lembrei-me dos cães. Continuei a caminhar muito devagar, enquanto o grupo me cercava. Eventualmente, eles seguiram o seu caminho. Eu segui o meu.
Passei a trazer uma navalha comigo na altura, confesso (mas não o recomendo hoje). Não que a fosse usar. Mas queria sentir-me segura de algum modo.
Quando ouço hoje falar em neonazis recordo sempre aquele episódio. Por um lado, penso que se está a banalizar a palavra ‘neonazi’. E considero perigoso estar a misturar esse termo com outros. Banaliza. Normaliza. Preocupa-me que, ao se banalizar o termo, se esqueça o que ele significa e de onde vem. Por outro lado, não me surpreende que exista um aumento de extremistas. Aliás, era previsível que tal iria acontecer.
Será sempre incompreensível para mim haver humanos que consideram outros humanos inferiores. Não falo apenas em termos de aspecto físico, como a cor da pele, a textura do cabelo. Não falo apenas da origem, da língua, da cultura. Falo de todos. Do outro ‘diferente’. Do humano que tem um problema na fala, um condicionamento cognitivo. Uma reduzida mobilidade. Um corpo ‘diferente’. O neurodivergente. O que é sensível aos ambientes, aos sons, às multidões. Aos ruídos. À pressão no trabalho ou na escola. O ‘gordo’, o ‘magro’.
Sou do tempo em que chamar ‘baleia’ a uma menina mais redondinha era normal, sobretudo na escola. Sou do tempo das alcunhas que se punham aos ‘diferentes’: ‘chamuça’; ‘banana’; ‘xinoca’; ‘mongoloide’.
Já em adulta, era normal ouvir nas redacções expressões como ‘larilas’, ‘gaja’, ‘monhé’, ‘chamuça’, ‘preto’. Não havia igualdade de oportunidades para todos (não há, ainda). Não éramos todos iguais aos olhos de alguns.
Também nunca compreendi como há humanos que se julgam superiores a outros humanos, apenas porque nasceram em famílias mais abastadas e com muitos apelidos. As castas sempre estiveram bem vivas em Portugal. Só me apercebi disso já adulta, no meio profissional.
Mas, das muitas entrevistas que fiz, as que mais me custaram foram aquelas em que tinha à minha frente alguém racista, xenófobo, sexista. Os outros, os que se acham de uma ‘casta superior’, são almas que se encontram perdidas, iludidas. Já os racistas e sexistas, estão perdidos mas provocam-me arrepios. Como os cães ferozes.
Nos últimos anos, durante a pandemia de covid-19, vivi um verdadeiro choque em matéria de ódio e segregação. Foi profundamente desolador assistir à vaga de intolerância dirigida a cientistas de renome internacional que defendiam uma abordagem mais moderada e científica da gestão da crise de saúde.
Assistimos não apenas à censura de vozes dissidentes, mas também à estigmatização brutal de quem, por convicção ou prudência, optou por não tomar as novas vacinas. Os media aplaudiram políticas de segregação e deram palco a figuras que incitavam ao ódio e à perseguição. O discurso de ódio tornou-se normal nos media.
Fiquei abalada com a facilidade com que o discurso de ódio se infiltrou e ganhou legitimidade, designadamente entre figuras públicas, governantes, políticos, jornalistas e celebridades. Percebi como foi possível nos anos 30 do século passado que os nazis tenham conseguido convencer famílias alemãs comuns a aderir à sua ideologia. Percebi, na pandemia, como pessoas comuns se podiam transformar, de um dia para o outro, em predadores e carrascos e disseminar ódio por outros humanos.
Estocolmo, Suécia, 2020. Enquanto em Portugal se disseminava nos media todo o tipo de discurso de ódio contra os que questionavam as medidas covid impostas pelo Governo, na Suécia o país manteve-se a funcionar perto da normalidade, com ajustes ponderados, respeitando as liberdades fundamentais e sem impor o uso de máscara em geral. / Foto: PAV
Em países como os Estados Unidos, a Austrália ou a Nova Zelândia, a loucura chegou a um nível distópico de perseguições, violência, opressão e bullying institucional. As medidas segregacionistas, os atropelos a direitos fundamentais tornaram-se o novo normal. Os insultos. Os atropelos à Constituição em Portugal. Os atropelos ao consentimento informado na Medicina.
E assim se normalizou uma era de obscurantismo e impunidade. Assim se normalizou o extremismo e o discurso de ódio e o bullying em larga escala. Assim se normalizou o ódio. E este ódio evidente nos media durante a pandemia nasceu da mesma forma como sempre nasceu o ódio: por ignorância e por medo. Onde há medo e ignorância, está o terreno tratado para semear o ódio.
Ver hoje o regresso do termo ‘neonazis’ aos jornais causa-me um arrepio. Mas não posso dizer que me surpreende. Foram feitos vários avisos de que o extremismo iria aumentar nestes anos. Porquê? É simples. O extremismo gera extremismo. Quando se começaram a adoptar políticas radicais e extremistas em países europeus, incluindo Portugal, era óbvio o que iria suceder.
As políticas radicais, muitas das quais sem base científica, que foram impostas na pandemia, deixaram, além disso, um rasto de danos económicos, sociais, psicológicos, emocionais gigantescos. Mas não foram as únicas medidas que serviram de adubo para criar zanga e revolta. Para ajudar a fazer nascer extremistas.
As políticas radicais referentes à imigração que têm sido impostas no Ocidente atiraram migrantes para redes de tráfico de humano e condenaram milhares a viver em condições indignas. Também não acautelaram devidamente questões como a da integração cultural. Por outro lado, a tentativa de se querer ‘proteger’ migrantes, escondendo do público a nacionalidade de suspeitos em crimes hediondos, alimenta a desconfiança e o extremismo. Pior: tentar diminuir alguns crimes aberrantes, como aconteceu no Reino Unido com os gangues de pedófilos e predadores de meninas britânicas vulneráveis, tem o efeito contrário: alimenta a xenofobia. São políticas que alimentam a divisão e a polarização.
Depois, há as políticas que têm promovido a anulação dos direitos das mulheres, designadamente o direito a estarem seguras e a terem privacidade em espaços baseados no sexo. Tem sido promovida uma nova forma de misoginia, em que os direitos de algumas pessoas se sobrepõem aos direitos de meninas e mulheres. E, mais uma vez, esta é uma nova forma de … polarizar e dividir a população. Inclusão nunca devia servir para dividir.
Mesmo políticas como as que incentivam à eutanásia em países como o Canadá, ou a descriminalização da interrupção de gravidez até ao nascimento no Reino Unido — são medidas radicais e que levantam profundas questões éticas. Onde está o bom senso nestas políticas? Estas políticas não alimentam extremistas? E não dividem a população?
Ontem, extremistas criaram extremistas. Hoje, continuam a alimentá-los.
Os media têm sido parte do problema, não da solução. Têm aprovado e promovido muitas das políticas radicais e extremistas que governos têm vindo a adoptar, designadamente na Europa e nos Estados Unidos. Os media têm sido avessos ao contraditório e ao pensamento dos moderados.
Os que optam pelo caminho do meio, pelo bom senso, não são bem-vindos aos media. Os que procuram manter o discurso numa base factual, racional, empírica, não são bem-vindos. Os que procuram a paz, o diálogo, a diplomacia, a razão, a compaixão, a compreensão, não são bem-vindos.
São bem-vindos os populistas. Os radicais. Os opostos. Os extremos. Isso vende. Vende jornais, vende cliques. Atrai audiência. São bem-vindos os que promovem ódio. Os radicalizados. Os que defendem políticas e governantes que perderam todo o bom senso. Porque os media dependem, muitas vezes, de financiamentos de governos e entidades públicas, além de dependerem de parcerias comerciais de empresas de indústrias poderosas que lucram com algumas das políticas em curso.
E governos lucram com o aumento do extremismo. O extremismo e o medo lançam as bases para se criar o terreno ideal para o Estado policial em permanência. Reforçam as ideologias de vigilância, controlo, opressão e de aniquilação de direitos humanos e civis e das liberdades fundamentais. É a ‘desculpa’ ideal para reforçar poderes de políticos e mudar leis fundamentais, eliminando direitos como a liberdade de imprensa e de expressão ou o direito à greve.
Nunca as democracias ocidentais estiveram tão ameaçadas como hoje. Pelas forças (incluindo na Europa) que pretendem arrastar os países para guerras. Pelos grupos extremistas. Pelos governos e políticas extremistas. Uns alimentam os outros. E vice-versa.
O problema criado por estes extremismos – o institucional, de governos, que viola liberdades e as leis dos países, e o de grupos ‘civis’ – vai ter uma ‘solução’. Cria-se o problema para oferecer uma solução. Essa ‘solução’ vai parecer ser a que nos vai ‘salvar’ dos neonazis. Da extrema-direita. Da extrema-esquerda. Dos terroristas. Vai incluir aquilo que já se chama nos media de ‘limites’ à liberdade de expressão. Vai incluir um aumento da vigilância. Um reforço dos gastos em defesa e armamento. A eliminação de leis fundamentais. Do espalhar o medo. Tudo para o ‘bem de todos’. O ‘bem comum’.
Vivemos numa era de grande mudança. Mas também temos meios que não existiam em outros tempos. E temos uma capacidade de mobilizar e fazer passar a palavra como nunca houve antes. Apenas desejo que os moderados, os ponderados, os do caminho do meio, criem uma onda avassaladora que derrube os extremismos e o caminho que nos conduz ao fim das democracias. Porque só há um futuro que desejo para os mais novos. E não inclui cercos em paragens de autocarro por bandos de almas perdidas. Nem inclui jornais e TVs que incentivam e promovem o ódio contra grupos de humanos. Nem inclui políticas e governos que esqueceram a História e as conquistas do pós-Segunda Guerra Mundial, como direitos humanos.
Tenho receio de neonazis? Tenho. Ainda hoje. Tenho receio de governos totalitários e que enterram as liberdades fundamentais e direitos conquistados? Mais do que nunca.
A verdadeira solução para combater os extremismos passa pela promoção de políticas de verdadeira inclusão, de tolerância, mas também políticas de combate à pobreza e de promoção de melhores condições de vida da população, migrantes incluídos. Passa pelo combate ao radicalismo de governos em matérias que têm dividido e polarizado a sociedade. Para por políticas ‘back to basics‘, o regresso ao fundamental, ao prioritário: pão; emprego; tecto; educação; solidariedade.
O futuro que sonho pertence aos moderados, aos ponderados, aos pacifistas, aos racionais, aos que defendem o bom senso. São eles que podem por ‘um pé na porta’ e travar o avanço do extremismo, mas também o avanço do Estado policial e de uma nova forma de totalitarismo e censura. Porque a solução para travar o neonazismo, o extremismo e o terrorismo não está no reforço de poderes de políticos que anseiam por estados de emergência permanentes e um dispendioso arsenal de armas.
A solução do combate ao extremismo está no encontro entre a razão, o bom senso e a ética. E isso tem de estar reflectido nas políticas de governos.
A solução do combate ao extremismo está no sabermos que somos iguais, nós humanos. Com sexos diferentes. Com culturas e origens diferentes. Com tons de pele diversos. E temos de ambicionar chegar a um terreno comum para alcançar um mesmo propósito: avançar e progredir, vivendo em paz e em harmonia. Entre nós. E neste planeta em que, sendo nós a espécie dominante nesta era, somos apenas uma das muitas que aqui têm o seu lar. Pelo menos, enquanto não nos aventurarmos galáxia fora e ‘emigrarmos’ para novos planetas, transportando o melhor que temos para dar: a nossa humanidade.
Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo.
No 21º episódio, analisa-se o caso dos títulos que anunciam concertos ‘grátis’ e festivais ‘grátis’, mas que, afinal, são pagos pelos contribuintes…
Também se analisa: a ‘não cobertura’ da reunião anual do Grupo Bilderberg; a repentina preocupação dos media com conflitos de interesse entre ‘especialistas’ de saúde pública; a cobertura ‘fofinha’ da presença de Portugal na Expo 2025; e a bipolaridade dos media ao noticiar motins como protestos ‘pacíficos’.
Vidros partidos, fechaduras arrombadas, portas estragadas. O cenário repete-se de noite para noite, Nas últimas semanas, somam-se os assaltos a estabelecimentos situados no popular Bairro Alto, em Lisboa. Na Rua do Norte, numa só noite foram assaltados dois restaurantes, o Limoncello e a Adega Machado. Outros estabelecimentos não foram assaltados, mas os proprietários encontraram fechaduras e portas estragadas pela manhã. Foi o caso do restaurante Stasha, na Rua das Gáveas.
Os proprietários de restaurantes e bares daquele conhecido bairro lisboeta de diversão nocturna fazem contas aos prejuízos causados pelos roubos e sentem-se sozinhos. Falam na existência de um certo desinteresse pelo tema por parte das autoridades, designadamente a Junta de Freguesia da Misericórdia. Sobretudo, nesta altura, pedem mais vigilância e patrulhamento policial na zona, durante a noite.
Os assaltos a estabelecimentos no Bairro Alto têm acontecido pela madrugada. / Foto: D.R.
“Quase todos os dias há um assalto ou uma tentativa de assalto a estabelecimentos aqui no Bairro. Sentimo-nos impotentes para parar isto”, disse um dos empresários da zona ouvidos pelo PÁGINA UM.
“O problema aqui no Bairro não é a falta de segurança nas ruas, das pessoas, dos clientes, mas dos espaços e estabelecimentos. Tem havido uma onda imparável de assaltos. Era preciso haver mais vigilância e um reforço da presença da polícia durante a noite”, disse.
Ainda não foi possível obter respostas da Polícia de Segurança Pública (PSP) e os empresários afectados desconhecem se já foram identificados ou detidos os assaltantes. Testemunhas têm apontado o dedo a dois estrangeiros, de nacionalidade argelina, como sendo os alegados autores de alguns dos assaltos.
Policiamento no Bairro Alto, até há, mas da Polícia Municipal, e os empresários lamentam que seja, sobretudo, para visar os estabelecimentos e encontrar eventuais ‘falhas’, e não para afastar e travar o aumento dos assaltos.
Um dos recentes assaltos no Bairro Alto. / Foto: D.R.
Para Ricardo Tavares, presidente da Associação Portuguesa de Restaurantes, Bares e Animação Noturna, é incompreensível que não se consiga travar os assaltantes, noite após noite. “No Bairro Alto não há insegurança para as pessoas. Tem é havido assaltos a vários espaços”, disse. O empresário apontou que existe uma falta de solidariedade por parte da Junta de Freguesia da Misericórdia em relação à situação que insegurança que afecta os estabelecimentos daquele bairro histórico. E aponta o dedo a interesses que existem para acabar com o negócio da restauração na zona para instalar hotéis de luxo no bairro.
O PÁGINA UM colocou hoje algumas questões sobre a onda de assaltos no Bairro Alto à Junta de Freguesia da Misericórdia e também à Câmara Municipal de Lisboa, e ainda não foi possível obter respostas.
Contudo, não é só no Bairro Alto que os roubos a restaurantes e bares se avolumam. Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, os empresários falam na existência de um clima de insegurança. Nunca sabem como vão encontrar o seu estabelecimento pela manhã. Alguns estabelecimentos foram assaltos várias vezes seguidas.
Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, dezenas de donos de estabelecimentos criaram um abaixo-assinado depois de terem sofrido assaltos e arrombamentos. Na imagem, é visível a fachada em vidro partida de um bar situado na Rua Damasceno Monteiro que foi assaltado no início deste ano. / Foto: D.R.
Foi mesmo criada uma petição, reunindo assinaturas de dezenas de proprietários de estabelecimentos destas zonas, a pedir um reforço de segurança e policiamento. “Abrimos as nossas portas todas as manhãs, sem saber se seremos as próximas vítimas”, lê-se no texto da petição. “Esta onda implacável de crimes não só coloca em risco a nossa segurança e a de nossos colaboradores, mas também abala a confiança e a tranquilidade dos nossos clientes”, adianta.
Os assaltantes, além de provocarem danos em portas e janelas, levam o que podem, desde dinheiro, tabaco, garrafas de bebidas alcoólicas, máquinas registadoras e pequenos electrodomésticos.
Nenhum estabelecimento está imune a ser assaltado. Os roubos têm deixado um rasto de prejuízos que afecta desde o pequeno restaurante familiar até ao café ‘gourmet’ e ao bar popular, que atrai turistas em busca de esplanada e diversão.
Estes empresários fizeram um apelo, “com urgência, que as autoridades responsáveis, como a Câmara Municipal de Lisboa, a Polícia de Segurança Pública e as Juntas de Freguesia de Arroios e Penha de França, tomem medidas imediatas e eficazes para combater a criminalidade na nossa área”.
Vista de Lisboa a partir de um dos miradouros na Graça. Na zona, as receitas ganhas com turistas e clientes habituais não chegam, por vezes, para alguns estabelecimentos cobrirem os prejuízos deixados por assaltos sucessivos. / Foto: D.R.
Tal como está a acontecer no Bairro Alto, os assaltos decorrem sobretudo de noite e nas primeiras horas da manhã, por isso, os proprietários de bares e restantes pediram um reforço do patrulhamento policial nesse período. Também pediram a instalação de câmaras de vigilância “em locais estratégicos para deter a atividade criminosa” e “apoio institucional e logístico para os proprietários de negócios que desejam reforçar a segurança dos seus estabelecimentos, como ‘gratificado’ ou ajuda financeira para poder contratar empresas de segurança para vigilância”.
De resto, no caso da Graça, não há estabelecimento que não se queixe de roubos e assaltos, tanto aos estabelecimentos como a funcionários. Nem as farmácias escapam. De há uns meses para cá, a mais frequentada farmácia do Largo da Graça conta com um segurança presente logo à entrada. Um sinal dos tempos que se vivem nestes bairros turísticos de Lisboa.
No caso do Bairro Alto, sem respostas das autoridades, aos donos dos estabelecimentos, resta-lhes, para já, enfrentar os prejuízos enquanto colocam mais trancas nas portas, sem saber quando vai chegar o próximo assalto.
Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo.
Regressa o Alterações Mediáticas. E no 20º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que tem levado a agência Lusa a esconder repetidamente uma informação relativa aos gerentes da Trust in News.
Também se analisa um artigo distorcido da revista The New Yorker sobre Jacinda Arden e o fenómeno que levou alguns media britânicos a mentir no caso do acórdão do Supremo Tribunal sobre direitos das mulheres.
A forma como os leitores apreendem os conteúdos de um jornal pode ser analisado e avaliado pelas reacções nas caixas de comentários ou nas redes sociais. Não tendo o PÁGINA UM, por razões editoriais, uma caixa de comentários (que exigiria ‘moderação’, algo impraticável para os nossos meios), resta-nos as reacções nas redes sociais. E, na semana passada, sucedeu algo curioso com dois textos no PÁGINA UM: uma notícia e uma crónica satírica.
Ora, no Facebook, surgiram soldados da tropa dos bons costumes e, de repente, senti que estávamos no Portugal da década de 60.
Percebi que há quem pense que não podemos escrever sobre Nininho Vaz Maia, mesmo que seja para noticiar que o artista continua popular entre autarcas e é muito requisitado, após a polémica.
E percebi também que há quem defenda que não podemos fazer humor tendo como alvo ‘famílias de bem’.
Se escrevermos textos satíricos sobre ‘famílias de bem’, lançam-nos uma fatwa aristocrática, banindo toda a redacção do PÁGINA UM, e descendentes, de poderem integrar confrarias, lojas do avental ou ser sócios do Sporting (valem-nos as cooperativas).
Pelas notícias sobre a popularidade de Nininho nas autarquias, arriscamos uma valente praga e eterna condenação.
Caramba! Se quiséssemos fazer fretes, lamber botas ou fazer ‘jornalismo positivo’ para viver confortavelmente com financiamento autárquico ou europeu, então o PÁGINA UM não teria sido criado.
Foto: D.R.
Por outro lado, não existem ‘vacas sagradas’, nem para o jornalismo nem para a sátira. Por muitas fatwas e ofendidos que surjam, isso faz parte da arte do Jornalismo. E da arte do Humor.
No dia em que nos cancelarmos, como jornalistas ou humoristas, escritores, para acalmar ofendidos, é o dia em que o melhor é arrumar as botas.
Os barris de cervejas já rodam no asfalto, tilintando de vez em quando nos carris do 28.
A parada de WCs, que já estão estacionados junto ao parque estacionamento clandestino, já denunciam que vai haver festim.
No cabeleireiro, a talentosa ‘patroa’ já mandou o seu estimado cãozinho de férias com a filha, por uns dias, porque vai estar a trabalhar nos Santos. E a estatueta de Santo António que protege num mini altar o estabelecimento, guarda as preces de esperança (procura-se marido para uma das cabeleireiras e força e sucesso para as restantes…)
O palco está montado no largo, em frente ao coreto, pronto para receber artistas de variedades e DJs com reportório popular.
As fitas, as fitas, os manjericos em papel, ….
As lojas que estavam em obras, estão em contagem decrescente para abrir a tempo da festa. Este ano, a grande novidade é o novo supermercado Continente que anunciou a inauguração para dia 12. (Saberá ao que vem?)
A marca da Sonae veio ocupar o espaço que estava arrendado a uma das lojas mais procuradas pela comunidade que vive e trabalha na Graça: ‘O chinês’.
O chinês não era um chinês qualquer. Era uma espécie de mala do Sport Billy em que tudo, mas tudo se podia encontrar. Fosse o produto ainda produzido por uma velhinha marca portuguesa, até acessórios de costura e tricôt, aos brinquedos de plástico da moda, aos panos da loiça a forra para camas de coelhos e porquinhos da Índia. E, claro, manjericos de papel. E fitas. Muitas fitas.
Vai ser difícil ao Continente bater a popularidade d’ ‘O chinês’, até porque há populares que culpam a marca pela perda que a comunidade da Graça perdeu, quando ‘O chinês’ fechou.
Talvez se oferecer sardinhas ou cervejas nos Santos, a coisa fique esquecida. Pelo menos até ao dia de Santo António.
Para mim, viver na Graça, traz por esta altura duas tarefas: estacionar o carro num lugar onde ficará parado durante uma semana; colocar avisos à entrada das hortas para evitar as habituais invasões de festivaleiros em busca de casa de banho.
Este ano, vou experimentar dois avisos novos, na esperança de que mesmo malta alcoolizada tema pela vida e fique longe do nosso portão.
Depois, é desfrutar da proximidade das festas e da música, embora já os miúdos não achem piada nenhuma a ir dar um pé de dança até ao largo, ao som de música dos anos 80 (com sorte). Já nem querem ir às farturas ou comprar um balão que depois fica lá em casa, a dançar pelo tecto até Agosto.
‘Sobram’ os amigos com paciência para virem até à confusão, para conversar ao pé de colunas de som estridentes, e com o aroma a sardinha e bifanas a perfumar o ar quente das noites que se avizinham.
As obras que alguém decidiu iniciar recentemente na rua do Forno do Tijolo prometem transformar a Damasceno num caos. O melhor é vir prevenido e deixar o carro longe.
No meio da azáfama local, é ir regando a horta. Observar os pimentos a crescer. Os pepinos. O tomate. A passarada ao fim do dia. As abelhas de manhã. E ter um saco de lixo à mão para recolher os copos, latas e garrafas que festivaleiros irão certamente ‘semear’ na horta por estes dias.
‘Os Santos’ trazem alegria e animam as ruas da Graça, por esta altura. Aqui, não há fogueiras para saltar (como as que saltei em criança). Também há poucas mesas compridas postas por vizinhos que se juntam em comunhão. Há, sobretudo, negócio. Dança, música. Alegria. Lixo. Mares de gente guiados por fitas coloridas que serpenteiam ruas, largos, praças, becos e miradouros. E há álcool (muito).
Depois, não tarda nada, teremos, de novo, o sossego. Teremos a Graça só para nós (e alguns turistas). Para o ano há mais.
A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) anunciou ontem que “apresentou queixa junto do Ministério Público e outras entidades públicas por factos que podem eventualmente configurar discurso de ódio e eventualmente incitamento ao ódio contra as mulheres, no sentido de apurar eventuais responsabilidades legais”.
Em causa estão declarações proferidas nas redes sociais por um ‘influencer’. Segundo o Jornal de Notícias, o alvo será um personagem que se apresenta com o nome Numeiro.
Por detrás da polémica estarão publicações que este ‘influencer‘ fez nos últimos dias, designadamente na rede X, sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez e o papel da mulher. Num dos seus ‘posts‘ na rede X, Numeiro escreveu: “Aborto só devia ser permitido em casos extremos, tipo malformação do bebé ou engravidar uma amante”. Pensei que em 2025 já não existiriam ‘homens das cavernas’, mas existem.
Foto: Kristina Flour
Este caso surge depois de um outro, que envolveu o empresário e ‘podcaster’ Miguel Milhão, uma espécie de Joe Rogan à portuguesa, que entrevista personalidades no seu programa. Milhão pagou para passar um anúncio na TVI supostamente ‘pró-vida’, condenando a interrupção voluntária de gravidez. O anúncio gerou uma onda de críticas e queixas junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
As acções de Numeiro e de Miguel Milhão demonstram, inequivocamente, um enorme desrespeito pela Mulher. Ignoram os direitos humanos alcançados por todas as mulheres ao longo de gerações. Enterram a Mulher e submetem-na a uma condição inferior de ser humano, cujo corpo não é efectivamente … seu.
Os casos de Numeiro e de Milhão não surpreendem, infelizmente. Surgem num contexto e numa época em que há personalidades que promovem o culto do ‘homem de verdade’, a ideia de que ‘homem que é homem’ é ‘macho man‘, só que ultra vaidoso. Misógino, mas com abdominais bem definidos, cabelo bem cuidado e relógios caros. É um culto que vende a ideia da ‘libertação’ do homem, mas que não passa do oposto: destrói os homens. Por completo. Reduz os homens a uma condição básica que envergonharia homens com grandes feitos na História.
Mas não só. O caso de Numeiro e de Milhão também não surpreendem porque surgem numa era em que o ódio contra a Mulher é promovido por Governos, organismos de Saúde e organizações de ‘defesa da Mulher’.
Foto: Klara Kulikova
O ódio contra a Mulher foi institucionalizado. Tem sido colocado em Lei. Tem sido normalizado e ensinado nas escolas e vendido pelos media.
Por isso, o anúncio da CIG sobre a queixa contra Numeiro deixa no ar um cheiro nauseabundo a hipocrisia.
A CIG tem ajudado a criar ‘Numeiros’ e ‘Milhãos’. A CIG tem destruído a condição da Mulher. A CIG tem sido um dos carrascos dos direitos das mulheres em Portugal. E tem-lo feito de forma subliminar, enquanto espalha cartazes e iniciativas em defesa da Mulher. Salva-se a sua acção no combate à violência contra mulheres.
A CIG sacrificou a Mulher no altar da ‘inclusão’. Aplaude políticas que eliminam a palavra ‘MULHER’ de documentos oficiais. Que defendem que meninas, jovens e mulheres sejam forçadas a partilhar casas-de-banho com pessoas que decidiram adoptar outro género. Como se a recusa das mulheres e meninas em fazê-lo fosse um mero ‘capricho’ feminino.
Foto: Katherine Hanlon
Possivelmente, para a CIG, as mulheres e meninas que se queixam das suas ‘políticas de inclusão’ serão talvez transfóbicas, intolerantes, umas ‘terf‘. Enfim, têm caprichos e são umas histéricas. São ‘doentes’ ou sofrem de desvios. São, enfim, candidatas a internamento para que, com choques eléctricos, talvez, tenham recuperação. Onde (e quando) já vimos isto?
Mais do que aplaudir, a CIG promove essas iniciativas. A CIG admira-se que a Mulher seja vista como não tendo direitos, como um ser humano inferior? Não sei como. A sua hipocrisia não tem fim.
As políticas apoiadas e promovidas pela CIG, que abafam ‘as queixas’ das mulheres, foram ‘mensagens’ que acabaram por servir para validar pessoas como Numeiro. Foram mensagens claras, como a água cristalina da mais pura das fontes. E a mensagem foi esta: a Mulher tem direitos a não ser nas políticas de ‘inclusão’. Nesse caso, os direitos da Mulher valem tanto como merda.
No fundo, a mensagem da CIG é de que a Mulher é inferior. Vale menos. Vale menos que todos os géneros. Tem menos direitos do que todos os géneros.
Hoje, para a CIG, é normal que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) elimine as mulheres das informações sobre Saúde. Não há mulheres que amamentam, ou que menstruam. Ou que fazem interrupções voluntárias de gravidez.
A CIG tem ajudado a criar ‘influencers‘ como Numeiro que será, segundo o Jornal de Notícias, o alvo da queixa da CIG. Numeiro limita-se a fazer o que aprendeu: angariar seguidores copiando a moda da promoção da imagem de que ‘homem que é homem’ não é ‘o gajo bronco das obras’, mas o misógino, com abdominais bem delineados e relógios caros no pulso. / Foto: D.R.
Todos os géneros têm direitos humanos. Todos os seres humanos têm o direito de escolher ser do género que quiserem, desde que sejam maiores de idade e, portanto, estejam plenamente conscientes e tenham a maturidade adequada para tomarem essa decisão, muitas vezes definitiva. (Ao contrário do que defende o polémico ‘guia’ da CIG que, entre as suas sugestões, exclui os pais de aceder a informação crucial e de darem o devido consentimento a questões relativas aos seus filhos).
Se a ‘Maria’, adulta, nascida mulher, sentir e decidir que passa a ser o João, tem esse direito. E se o ‘João’ engravidar, tem o direito de pedir para que na maternidade seja endereçado como João e seja tratado como ‘ele’ e não ‘ela’. Mas jamais pode uma franja da população, como é o caso das pessoas que decidem adoptar um outro género, ditar o fim da Mulher e dos direitos de todas nós à existência enquanto tal, designadamente nos documentos oficiais sobre Saúde.
São um insulto e uma ofensa às mulheres todas as políticas que a DGS está a seguir nesta matéria, de mão dada com a CIG. Mais do que absurdo, é um crime de ódio contra as mulheres.
Ou seja, para não se ‘ofender’ ‘homens’ (nascidos mulher) ou ‘não-binários’ quando engravidam e menstruam, decidiu-se que é normal ofender as mulheres e eliminá-las da literatura de Saúde e materno-infantil. Isto é um crime de ódio. Puro.
A mulher não tem de se sentir culpada por ter espaços únicos para si, como casas-de-banho, onde tem garantias de segurança e privacidade. Nem tem de ser sentir com vergonha e medo de defender os seus direitos. A normalização da ‘blame and shame‘ da mulher nas políticas de inclusão é inaceitável. / foto: D.R.
Dir-me-ão que são assuntos diferentes dos casos de Numeiro e de Milhão. Que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Que a DGS e a CIG estão é a promover a ‘inclusão’. Sim, excluindo a Mulher. Para sempre.
Dir-me-ão que se tiver esta opinião sou ‘transfóbica’, ‘terf‘ ou intolerante. Que o digam. Sempre tive, desde o liceu, amigas e amigos ‘gay‘. Muitos deles defendem, há muito, exactamente o mesmo que eu: a tolerância e a inclusão não são um ‘passe’ para eliminar os direitos fundamentais de um grupo inteiro de seres humanos. Incluindo a liberdade de expressão. (E veja-se o caso das lésbicas que, em alguns países, estão a ser forçadas a receber nas suas organizações e reuniões homens que agora se afirmam como mulheres.)
Nós, mulheres, já ouvimos de tudo ao longo das nossas vidas. Já tolerámos muito. Está na altura de dar um murro na mesa. Trabalhámos em ambientes misóginos, sexistas, patriarcais, homofóbicos e racistas. Aturámos assédio que fingimos não ver para não ficar sem trabalho. Vimos colegas homens ganhar mais do que nós, sem terem mérito.
Rita Sá Machado, directora-geral da Saúde (ao centro) no programa ‘Praça da Alegria’, da RTP. Sob a sua batuta, a DGS tornou-se misógina e eliminou a palavra Mulher da terminologia de saúde feminina e materno-infantil, com a justificação da inclusão de outros géneros. / Foto: D.R. / RTP
Mas, hoje, em Portugal, a ideia de que a Mulher não merece existir tem sido promovida pela CIG. E pela DGS. E pela UMAR. E por organizações que têm beneficiado de fundos financeiros (incluindo comunitários) que pagam programas e iniciativas que tenham a palavra ‘género’ ou ‘inclusão’. Por psicólogos, médicos, personalidades e ‘influencers‘ que têm lucrado com a indústria do género e em torno da suposta promoção da inclusão. É de uma indústria que se trata.
(E mesmo na inclusão, a CIG e outras entidades têm trabalho a fazer. Quando, a 13 de Novembro de 2024, o PÁGINA UM noticiou o aumento de violência doméstica sobre homens — alguns possivelmente agredidos pelo parceiro homem —, a CIG minimizou o assunto e a APAV-Associação Portuguesa de Apoio à Vítima nem se dignou a responder ao nosso pedido de comentário e de sugestão de medidas de apoio às vítimas.)
Será que se, de repente, houver mais fundos comunitários e de fundações para apoiar projectos de defesa da Mulher, a CIG e todas as associações e psicólogos não mudariam as suas estratégias e ‘guias’?
Inclusão é receber o outro, sem nos anularmos a nós. É integrar e abrir os braços ao diferente, mantendo os nossos direitos. Sem eliminar o que se conquistou com sangue e sofrimento.
Nos últimos anos, tem havido um recuo nos direitos das mulheres e na sua protecção. Nos pódios do desporto feminino, as mulheres e raparigas foram substituídas por pessoas que nasceram com o sexo masculino, e que têm óbvias vantagens físicas. Em alguns países, deixaram até de ter casas-de-banho e vestiários exclusivos, colocando em risco a segurança de meninas e mulheres. Até foram substituídas em concursos de beleza. Contudo, quem tem ousado falar sobre estes temas e defender os direitos das mulheres, é alvo de insultos, ameaças, censura e até violência e perseguição. Sobre isto, nem uma palavra das entidades que promovem a ‘inclusão’. / Foto: Sam McNamara
A Mulher tem direito a existir. Tem direito a decidir sobre o seu corpo. Tem soberania sobre o seu corpo. Sobre o que entra e toca no seu corpo. E sobre o que quer para si e para a sua saúde, física e psicológica. Sobre o que quer para a sua vida. A Mulher é soberana. E tem direito a sentir-se segura. E respeitada.
Numeiro é claramente alguém que percebeu como atrair seguidores. Milhão é alguém que defende que a Mulher não deve ser soberana sobre o seu corpo e alguém que defende que sejam retirados direitos humanos a todas as mulheres.
Já a DGS e a CIG querem eliminar a Mulher, por completo. Não ao murro, à estalada, à facada, como fazem maridos e namorados agressivos e criminosos. Mas ao abrigo das leis que ajudam a criar. Querem eliminar a Mulher e já o fizeram, ao excluir o nome Mulher da terminologia de Saúde feminina.
Foto: Reed Naliboff
A CIG e a DGS institucionalizaram o ódio contra a Mulher. Que Numeiro e Milhão se achem no direito de fazer anúncios e publicações misóginas é muito mau e condenável. Que entidades públicas o façam, a coberto da ‘inclusão’, é um crime.
Numeiro e Milhão são meros alunos. A CIG e a DGS têm sido as professoras. A CIG e a DGS são as Mentoras nesta nova vaga de ódio à Mulher em Portugal.
Além da CIG, há que salientar o papel de organizações como a UMAR-União de Mulheres Alternativa e Resposta, na tarefa de varrer a Mulher para debaixo do grande tapete da ‘inclusão’.
O acto de a CIG apresentar queixa contra Numeiro não a iliba das suas culpas na criação dos ‘Numeiros’. Esta queixa não espia a culpa que a CIG tem no cartório. Só a torna mais evidente.
Foto: D.R.
Jamais seria capaz de fazer uma interrupção voluntária de gravidez. Para mim, o momento da concepção é divino e, desde o primeiro momento, um ser humano existe. Mas defendo o direito de outras mulheres terem a opção de fazer essa escolha e de a exercer de forma segura, sem serem presas e condenadas.
A CIG quer ser o carrasco de Numeiro. Mas enquanto a CIG existir como existe agora, mais Numeiros nascerão. Porque o ódio às mulheres vive e prospera. Através da CIG e da DGS. E isso é, infelizmente, evidente para todas, nós. Mulheres.
Mesmo depois de ser constituído arguido e com rumores da sua ‘expulsão’ de mentor do The Voice, programa de talentos da RTP, a carreira do cantor Nininho Vaz Maia, vai de vento em popa. As buscas de foi alvo, no passado dia 6 de Abril, relacionadas com tráfico de droga e lavagem de dinheiro, não esmoreceram a vontade de autarcas em contratarem o popular cantor, que afirma estar inocente. No espaço de um mês, após as buscas, Nininho ‘assinou’ mais quatro contratos com autarquias num valor global de 205 mil euros para dar concertos ‘grátis’ à população. E há mais a caminho.
Os quatro municípios que adjudicaram contratos ao cantor, sempre por ajuste directo, foram: Castelo de Paiva, Sertã, Reguengos de Monsaraz e Arouca. Três dos contratos foram efectuados através da Gigs on Mars, que representa o artista, e um foi feito através da empresa unipessoal Iconikourage, segundo a consulta que o PÁGINA UM fez à plataforma de registo dos contratos públicos, o Portal Base.
A polémica em torno do artista não beliscou o apetite de autarcas em contratar o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional e esgotou duas noites no MEO Arena. A tendência confirma que Nininho Vaz Maia se tornou um fenómeno musical, sendo até imune a polémicas, como o PÁGINA UM antecipou. Além da popularidade, a polémica em torno do cantor surgiu num contexto em que a cena política ‘lucra’ com posições a favor ou contra minorias.
O município da Sertã — liderado pelo socialista Carlos Miranda — adjudicou, no dia 21 de Maio, um contrato referente à contratação de um espectáculo do cantor no valor de 43.665 euros. O cantor tem assim presença confirmada no dia 19 de Julho no ‘Festival de Gastronomia do Maranho‘ de 2025, que decorre de 17 a 20 de Julho.
Seguiu-se um contrato adjudicado à Iconikourage, Unipessoal, no dia 23 de Maio, pelo município de Castelo de Paiva — presidido pelo social-democrata José Rocha —no montante de 74.722,5 euros referente à aquisição de um “espectáculo, produção e gestão da produção do espetáculo musical de Nininho Vaz Maia – Festas de S. João”. O cantor será o cabeça-de-cartaz das festividades e irá actuar na noite de S. João, a 23 de Junho.
Na passada terça-feira, dia 3 de Junho, o cantor ganhou mais dois contratos por ajuste directo, assinados pela Gigs on Mars com os municípios de Reguengos de Monsaraz e Arouca.
Nininho Vaz Maia é o cabeça-de-cartaz das Festas de Santo António em Reguengos de Monsaraz. / Foto: D.R.
O quarto contrato foi adjudicado pelo município de Arouca, por um valor de 41.364,9 euros. O cantor vai actuar na ‘Feira das Colheitas, Edição 2025’ marcada para entre 25 e 28 de Setembro. O músico vai actuar no dia 26 de Setembro, depois de ter sido “o mais votado no âmbito do inquérito online que a Câmara Municipal lançou para recolha de sugestões de artistas para a 81.ª edição da Feira das Colheitas”, segundo um anúncio da autarquia nas redes sociais, cujo prazo de resposta terminou a 15 de Abril, antes das buscas.
Curiosamente, este contrato foi adjudicado por uma autarca, a socialista Margarida Belém, que foi condenada em 2023 pelo crime de falsificação de documentos, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período. Em 2024, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso da autarca e confirmou a sentença aplicada na primeira instância.
Mas a lista de contratos públicos adjudicados a Nininho Vaz Maia não deverá ficar por aqui. É que o artista terá 17 concertos agendados até ao final do ano de Norte a Sul do país, segundo alguns sites com agendas de eventos. Assim, ainda haverá contratos por assinar com autarquias para concertos que serão ‘grátis’ para a população, sendo pagos pelos contribuintes. Por exemplo, Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’, em Agosto, em Vila Real, que celebra este ano o seu centenário.
Nos últimos dias, surgiram rumores de que Nininho Vaz Maia não irá continuar como ‘Mentor’ no programa de talentos ‘The Voice Portugal’, da RTP, mas não há nenhuma informação oficial sobre o tema. O artista integrou a lista de ‘Mentores’ da última edição do programa, ao lado de de Sónia Tavares, Sara Correia e Fernando Daniel. / Foto: D.R.| RTP
Ainda hoje foi publicado no Portal Base um contrato no valor de 21.525 euros referente à “aquisição de serviços para o aluguer de som, luz, vídeo, efeitos especiais e material de DJ para o espetáculo do artista Nininho Vaz Maia, inserido na Festa do Emigrante 2025”. De resto, note-se que a despesa com concertos ‘grátis’ contratados pela autarquia de Vila Real em 2025 já iam, no final de Março, perto do meio milhão de euros, segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM. Um custo que ‘sobra’ para os contribuintes e que, em ano de eleições autárquicas, cai que nem ‘mel na sopa’ dos autarcas de todo o país, de ‘olho’ em novo mandato. Nininho é apenas mais um dos artistas com concertos ‘grátis’ que ‘animam’ a festa.
A agenda recheada do cantor, vem mostrar que a condição de arguido não o afasta dos palcos. Pelo contrário. Recorde-se que, tal como o PÁGINA UM noticiou, no próprio dia em que foi alvo de buscas, o cantor ganhou novo contrato público, com o munícipio de Anadia.
Actualizando os valores, com os quatro contratos agora ganhos, eleva-se para 697.828 euros a facturação do cantor em 14 contratos com entidades públicas só em 2025. Este valor compara com os 20 contratos ganhos em todo o ano de 2024 e os 12 obtidos em 2023, num valor global 798.940 euros e 326.811 euros, respectivamente.
Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’ em Vila Real, integrando assim o número de artistas que este ano darão concertos ‘grátis’ à população no âmbito das celebrações do centenário da elevação a cidade. / Foto: D.R.
No total, desde Janeiro de 2023, quando ganhou o seu primeiro contrato público, o cantor já facturou mais de 1,8 milhões de euros com entidades públicas, incluindo 41 autarquias.
O cantor tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas e, sobretudo, espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de três meses, esgotou duas noites no MEO Arena, em Lisboa.
Foi hoje divulgado pelo Correio da Manhã que o Ministério Público decidiu que não encontrou indícios de crime em negócios feitos desde 2018 entre a Impresa e o Novo Banco. O anúncio da decisão de arquivamento do inquérito foi tornado público na página no Departamento Central de Investigação e Acção Penal de Lisboa no passado dia 26 de Maio, mas só hoje saltou para o palco mediático. Segundo o comunicado, a investigação partiu de uma denúncia anónima que levantava suspeitas sobre a legalidade dos negócios feitos entre o Grupo de Pinto Balsemão e o Novo Banco, sucedâneo do BES.
No centro das suspeitas estão dois negócios em concreto: a venda e posterior compra do edifício-sede da Impresa; a venda de um portólio tóxico de publicações à Trust in News (TIN), uma empresa unipessoal criada, à medida do negócio, por Luís Delgado, e que está em processo de insolvência.
António Ramalho (à esquerda) era o presidente-executivo do Novo Banco quando a instituição, que se encontrava a receber injeções de capital estatais, através do Fundo de Resolução, deu uma ‘mão’ a vários negócios da Impresa. Em 2018, o Novo Banco não só comprou o edifício-sede da Impresa por 24,2 milhões de euros, como financiou Luís Delgado na compra das revistas do grupo de Balsemão. Além disso, fez uma parceria comercial com o Expresso e a SIC Notícias, que incluiu a presença de Ramalho em diversos eventos públicos, como este, moderado pelo jornalista José Gomes Ferreira, da SIC.
O comunicado é omisso quanto à data em que foi feita a denúncia anónima, mas o inquérito tem o Número Único de Identificação do Processo Criminal (NUIPC) 44/25.0TELSB, como consta do comunicado do DCIAP, indicando que terá sido aberto já este ano.
Estes negócios entre a Impresa e o Novo Banco, que foram alvo de inquérito pelo Ministério Público, já tinham sido investigados e noticiados pelo PÁGINA UM, que encontrou sobretudo uma cortina de opacidade em torno daquelas operações. A estranheza prendeu-se, sobretudo, com o facto de estar envolvido um banco que, à época dos negócios, estava a receber injecções estatais, através do Fundo de Resolução.
Recorde-se que os negócios remontam a 2018. A Impresa tinha falhado, meses antes, uma emissão de obrigações e estava numa situação financeira difícil. Por outro lado, o seu banco ‘amigo’ de longa data, o BPI, tinha sido comprado pelo espanhol Caixabank e já não estava disponível para novos financiamentos à Impresa. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) estava a receber injecções estatais e estava ‘fora de jogo’. Foi aí que entrou em cena o Novo Banco, quando era liderado por António Ramalho, actual presidente da Lusoponte. Foi sob a liderança de Ramalho que foram permitidos os dois negócios que foram feitos graças a dinheiro que saiu dos cofres do banco.
Francisco Pinto Balsemão (ao centro) numa visita às novas instalações da SIC, no edifício-sede da Impresa, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da SIC
Hoje, o Novo Banco é um dos principais credores da Trust in News e arrisca perder mais de 3,5 milhões de euros. Nos documentos internos do banco referentes aos empréstimos, as garantias que se encontram são uma mão-cheia de quase nada, designadamente uma livrança em branco avalizada por Delgado. Agora, foi aprovado um plano de recuperação da TIN, que envolve a promessa de Delgado de injectar 1,5 milhões na sua empresa unipessoal, sem ser claro de onde virá o dinheiro para essa injecção.
Ora, quantas empresas com um capital social de apenas 10.000 euros, e a operar num sector de actividade em crise, teriam acesso a um empréstimo bancário de milhões de euros, dando como principal garantia uma livrança em branco avalizada pelo gerente?
Luís Delgado (na foto), e os outros dois gerentes da Trust in News (TIN), foram condenados a uma pena suspensa de cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, sob condição do pagamento de mais de 800 mil euros que ficaram em dívida ao Fisco logo nos primeiros anos de existência da TIN .
Ao financiar a TIN, que transferiu assim dinheiro para a Impresa, o Novo Banco fez algo que não era aconselhável a nenhum banco, sobretudo a um que estava a receber injecções estatais: financiar um negócio de risco elevado e emprestar dinheiro a uma empresa que acabara de comprar um portfólio de publicações num sector em queda livre.
Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou convencer o Município de Oeiras a vender ao grupo um terreno adjacente ao seu edifício-sede. Mas o terreno seria pago pelo Novo Banco, o qual ficaria o efectivo dono do terreno. / Foto: D.R.
O segundo negócio envolvendo o Novo Banco, que também beneficiou a Impresa em 2018, foi o da venda do edifício-sede do Grupo de Balsemão. O anúncio da venda também foi feito com grande destaque e direito a divulgação no site da CMVM. A Impresa encaixou 24,2 milhões de euros e ficou com direito a arrendar o imóvel durante 10 anos, numa operação denominada ‘sale and leaseback‘.
Neste negócio, o Novo Banco fez o que não era recomendado a nenhum banco naquele momento, muito menos a um banco a receber injecções de capital estatais: investir em imobiliário. Certo é que, com a saída de Ramalho do Novo Banco, o banco desfez-se do imóvel, vendendo-o de novo à Impresa antes dos 10 anos chegarem ao fim. E fê-lo a um valor inferior ao da venda, supostamente tendo sido descontadas rendas pagas. O empréstimo foi celebrado com uma taxa de juro anual de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades, o que revela o risco que a Impresa representa para a banca. Assim, o banco não se livrou do risco, já que vendeu o edifício à Impresa mas com um empréstimo… do Novo Banco.
Recentemente, houve novos desenvolvimentos: a Impresa anunciou que vai vender o edifício-sede, de novo. O Novo Banco irá, assim, em definitivo, livrar-se do empréstimo e de risco de eventual incumprimento por parte da Impresa. Mas nada se sabe publicamente sobre: se a Impresa pagou todas as rendas ao Novo Banco; se a Impresa tem em dia as prestações do empréstimo ou se tem havido reestruturação do crédito.
Amadeu Guerra, Procurador-Geral da República. / Foto: D.R.
Observando todos os factos, várias discrepâncias saltam à vista, quando confrontadas com as conclusões do Ministério Público sobre o inquérito a estes negócios.
O Ministério Público sugere que o Novo Banco não foi prejudicado nestes negócios. No negócio de financiamento da TIN, fundamenta a sua conclusão com o facto de o Novo Banco ter apenas financiado 33% da operação e de ter tido garantias.
Acontece que, na prática, não foram de imediato pagos os 10,2 milhões de euros à Impresa, porque o acordo entre Balsemão e Delgado previa o pagamento do valor global em duas tranches, uma inicial e outra remanescente, a qual seria paga em prestações mensais, segundo documentos da Impresa consultados pelo PÁGINA UM. Acresce que, foram ainda ‘descontados’ aos 10,2 milhões de euros um valor referente a stock de papel, o valor de renovação das marcas e uma dívida da Impresa.
Depois, após meia dúzia de alterações ao acordo de venda, por conta de aditamentos ao contrato, a factura da TIN acabou ainda por ser paga, em parte, através da MEO e do jornal Público, do grupo Sonae. Como? Através de créditos futuros detidos pela TIN junto daquelas duas empresas.
Assim, dizer que o Novo Banco apenas financiou 33% do negócio, sendo parcialmente correcto, omite um facto: foi o único banco que financiou as tranches a pagar pela TIN à Impresa. Mais concretamente, o Novo Banco emprestou 4,0 milhões de euros a Delgado em 23 de Setembro de 2019 para “liquidação de responsabilidades futuras”. O contrato de financiamento foi alterado… sete vezes, a última em 24 de Novembro de 2023.
Luís Delgado (à esquerda) ficou com o portfólio de revistas da Impresa, activos que se revelaram tóxicos. O valor acordado foi de 10,2 milhões de euros, tendo o Novo Banco estranhamente financiado a arriscada operação. (Foto: D.R.)
Outra fundamentação do Ministério Público que cai por terra, como um castelo de areia, é o facto de alegar que o financiamento de 4,0 milhões de euros à TIN foi feito mediante “garantias e cláusulas usuais no comércio bancário”. Sendo a afirmação correcta, omite vários factos de relevo. As garantias aceites pelo Novo Banco foram: uma livrança em branco subscrita pela TIN e avalizada por Delgado; o penhor das quotas equivalentes aos 10.000 euros do capital social da TIN; uma conta de depósito a prazo de valor mínimo de 45.000 euros; penhor em primeiro grau das marcas Jornal de Letras, Exame Informática e mais cinco marcas de menor valor da TIN. O banco tinha ainda como garantia o penhor em segundo grau das marcas mais valiosas da empresa.
Sobre o negócio envolvendo o edifício-sede da Impresa, presume-se que o Ministério Público pediu para consultar informação interna do Novo Banco, que provam o pagamento das rendas, quando o edifício pertencia ao banco, e que demonstram o regular pagamento das prestações do empréstimo concedido pelo banco para que o imóvel deixasse a sua carteira de passasse para as mãos da Impresa, sem reestruturações de crédito pelo meio. É que a conclusão do Ministério Público, também neste caso, é que o Novo Banco não foi prejudicado. Mas o Ministério Público falha um ponto essencial: o Novo Banco nunca se poderia ter envolvido num negócio imobiliário do género, para começar. Muito menos em 2018. Se fosse outra empresa, António Ramalho teria dado o ‘sim’ a uma operação do género?
Revista Visão. (Foto: PÁGINA UM)
Além destes dois negócios, a Impresa tentou ainda convencer o Município de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente ao do edifício-sede. Mas quem iria pagar e ficar dono do terreno seria o… Novo Banco. Ou seja, o presidente-executivo da Impresa tentou fazer um negócio servindo como intermediário do Novo Banco, em nome do banco.
Há ainda a notar, em 2018, o patrocínio do Novo Banco a eventos do grupo Impresa, nos quais António Ramalho surgia como protagonista. No mesmo ano, em Novembro, António Ramalho, foi apontado como um dos escolhidos por Francisco Balsemão para integrar o restrito grupo de fundadores de um novo clube, apelidado como a versão portuguesa do secreto grupo Bilderberg, segundo noticiou o Público.
Posto isto, reunindo todos os factos, será que ficam dissipadas todas as dúvidas sobre os motivos que levaram um banco que estava a receber injecções estatais a meter-se em negócios de elevado risco? Certamente que não. Será que Ramalho teria dado a mão a outra empresa em Portugal, em negócios similares? Não saberemos. Mas isto significa que houve corrupção e tráfico de influências nestes negócios entre a Impresa, a TIN e o Novo Banco? Cabe ao Ministério Público dizê-lo, após uma investigação profunda e reunindo todas as provas. Para já, entendeu que não.
Interior do edifício-sede da Impresa, em Paço de Arcos. / Foto: D.R.
Será que a Impresa foi beneficiada em 2018 com estes negócios? Claramente que sim. E o Novo Banco, saiu beneficiado? Claramente que não no caso da TIN, onde arrisca perder 3,5 milhões de euros. E nos negócios com o edifício-sede da Impresa? Não sabemos a resposta sem ter acesso a provas que demonstrem o regular pagamento das rendas e, posteriormente, das prestações do empréstimo, sem reestruturações do crédito.
O que sobra é a exposição do Novo Banco a um crédito tóxico – à TIN – e a um empréstimo a um grupo que está em situação financeira difícil – a Impresa.
Por que motivo mais nenhum outro banco ‘privado’ deu a mão a Balsemão em 2018? Na banca, há algo que sabemos: se o negócio for bom, todos os bancos o querem.
Mas, uma insolvência depois, para o Ministério Público, os negócios com a Impresa eram bons. Pelo menos, para o Novo Banco…
Pois, segundo a nota do Ministério Público, “da investigação efetuada, concluiu-se, assim, que as operações em causa se enquadraram nas práticas comerciais e financeiras usuais do setor, não evidenciando indícios da concessão de vantagens indevidas pelo Novo Banco ao Grupo Impresa ou da instrumentalização daquele Banco em benefício deste Grupo, com violação de deveres funcionais por parte dos intervenientes”.
Seja como for, desde 2018, nunca mais se viu uma linha de informação sobre estes dois negócios no site da CMVM e o polícia da Bolsa nunca obrigou a Impresa a actualizar a informação de forma clara e transparente aos seus investidores.
Para os investidores em acções da Impresa, o cenário tem sido dantesco: as acções do grupo desceram ao mínimo histórico em Abril passado, para 0,085 euros por acção. Entretanto, a cotação recuperou, com ordens de compra com volume considerável, ‘milagrosas’, e ainda de origem desconhecida, que tiraram a cotação do mínimo de sempre, mas ‘estacionou’ na casa dos 0,13 euros. A subida ocorreu depois de ter sido divulgado que a família Soares dos Santos se prepara para investir no grupo supostamente para ajudar a Impresa a reembolsar uma emissão de obrigações que vence em breve. Mas este último dado é incorrecto, pois a Impresa não tem nenhuma emissão a vencer em breve.
Assim perante rumores de novo investidor, a expectativa recai também sobre a entidade financeira que vai aceitar comprar, de novo, o edifício-sede da Impresa, eventualmente em troca de rendas. Sem Ramalho, o Novo Banco deverá ficar de fora deste negócio. Mas a estatal CGD está ‘livre’ para ‘dar a mão’ a Balsemão, o que a acontecer não será bem visto por muitos contribuintes.
Seja como for, a decisão anunciada pelo Ministério Público servirá como uma espécie de ‘salvo-conduto’ e ‘garantia’ de que a revenda do edifício-sede da Impresa será um ‘bom negócio’. Pelo menos para Balsemão.