Autor: Elisabete Tavares

  • ‘A chave da descarbonização não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores’

    ‘A chave da descarbonização não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores’



    A propósito do ‘apagão’ eléctrico que Portugal sofreu no dia 28 de Abril de 2025, o PÁGINA UM republica esta entrevista a Paulo Carmona, director-geral da Energia e Geologia, que foi publicada originalmente em 19 de Fevereiro. O gestor foi nomeado para o cargo em regime de substituição em Agosto do ano passado. Poderá ser substituído em breve, na sequência de um novo concurso para a escolha de um novo director-geral, que terminou no dia 14 de Abril. Paulo Carmona tem liderado a DGEG numa altura em que Portugal, como outros países, de deparam com o ‘trilema energético’, tendo de gerir a transição da descarbonização, a par de garantir a soberania, independência e segurança energética, e, ao mesmo tempo, levar a cabo essas duas metas sem sobrecarregar os consumidores. Até porque “Portugal é um país pobre” e há que pensar nos consumidores. Muitos vivem em situação de pobreza energética, sem aquecimento.

    À beira dos 60 anos, e perto da reforma, Paulo Carmona recebeu o convite inesperado para ser director-geral de Energia e Geologia. Foi nomeado para o cargo no final de Agosto do ano passado.

    A vista do seu gabinete, em Entrecampos, é um espelho do cenário que se vive no sector energético, de transição e transformação. Vê-se o ‘velhinho’ Edifício Marconi que tem, em frente, em construção, o novo edifício da Fidelidade; no quarteirão ao lado, onde estava parte da Feira Popular, está o terreno vazio que será preenchido com um novo edifício do Banco de Portugal.

    O telefone tocou diversas vezes durante a entrevista. Deu para sentir a azáfama de quem tem muitas solicitações.

    Logo no início da entrevista ao PÁGINA UM, no início de Janeiro, Paulo Carmona confessou que aceitou o convite para este cargo por querer “retribuir” ao país e à sociedade o que de bom recebeu na vida. “Como tive sorte, como fui feliz nesse aspecto, em várias frentes — pessoais, familiares, profissionais — só tenho de estar agradecido e de devolver à sociedade o que fez por mim”. E acrescentou: “é preciso levantarmo-nos do sofá, da zona de conforto, e ir lutar por aquilo que acreditamos”. “É um país fantástico. Pelo menos, digo aos meus filhos: estou a fazer algo pelo vosso futuro”. Isto, apesar de dois dos seus três filhos residirem actualmente no estrangeiro.

    Paulo Carmona no seu gabinete na sede da Direcção-Geral de Energia, em Lisboa. / Foto: PÁGINA UM

    Mas o ter aceite o convite faz parte da postura que adoptou na vida, de se render perante as oportunidades. Foi também, assim, que antes de chegar à liderança da DGEG, aceitou ser coordenador na Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030. “Nada na minha vida foi planeado. A minha vida é uma sucessão de acasos”, disse.

    Antigo dirigente da Iniciativa Liberal, António Carmona, de 59 anos, é licenciado em gestão, administração e gestão de empresas pela Universidade Católica e concluiu ainda programas avançados na Kellogg School of Management e na AESE Business School.

    Trabalhou como gestor e consultor, e, entre os vários cargos que desempenhou, foi presidente do Fórum dos Administradores e Gestores de Empresas. Na área de energia, foi ‘chairman’ na National Oil Reserves Agency Association e presidiu à Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis. Mais recentemente, também fundou a Associação Portuguesa dos Contribuintes, que teve de ‘por de parte’ para de dedicar às suas novas funções. Teve também de abdicar de cargos como administração não executivo em quatro empresas nacionais e ao cargo de vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal, dona do Centro de Congressos de Lisboa.

    Apesar de lamentar ter de deixar os diversos cargos que ocupava em empresas e organizações, pensa que valeu a pena. “Foi por uma boa causa, espero eu”, disse. “As coisas que me acontecem, acontecem sempre por bem, pela positiva”. Como sou uma pessoa com alguma sorte, se vim para aqui é porque os deuses, Deus, a mística (o quis)” , disse.

    Foto: PÁGINA UM

    Na DGEG, antecipa muito trabalho e a sua prioridade é “organização”. “Não funciona mal, pode funcionar melhor e pode ir no caminho da excelência que é isso que estamos a fazer; a tentar transformar, ao nível de pessoas, ao nível da formação, digitalização, com algum apoio do PRR-Plano de Recuperação e Resiliência, mas sobretudo com organização”, afirmou.

    Paulo Carmona garantiu que, para já, não está na mesa a criação de um super-organismo que concentre as várias entidades do sector da energia e da geologia em Portugal. “Estava no programa eleitoral” e, quando Paulo Carmona foi nomeado, “falou-se nisso”, até porque foi gestor. “Mas, para já não está nada, não existe nada, não fui contactado para nada; esse projecto – não digo que está parado – mas não existe, nesta altura, esse conceito de fusão”, asseverou. “Acredito que, mais tarde ou mais cedo possa acontecer”. Mas há muitos outros temas mais “urgentes e prioritários”, como a organização da DGEG.

    Lidera a DGEG numa altura em que Portugal, como outros países, de deparam com o ‘trilema energético’, tendo de gerir a transição da descarbonização, a par de garantir a soberania, independência e segurança energética, e, ao mesmo tempo, levar a cabo essas duas metas sem sobrecarregar os consumidores. Até porque “Portugal é um país pobre” e há que pensar nos consumidores. Muitos vivem em situação de pobreza energética, sem aquecimento.

    Foto: PÁGINA UM

    Por isso, defende a posição do actual Governo que está “entusiasmado” com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, mas não está “excitado”, como o anterior governo de António Costa. “Estar entusiasmado não é estar excitado ao ponto de ficar cego”. disse.

    Nesta entrevista, falou também sobre o primeiro leilão de energia eólica offshore do país e sobre a meta de Portugal duplicar a electricidade renovável até 2030, pelo que a DGEG terá de acelerar o licenciamento. E lembrou que “grande parte da nossa política energética é decidida em Bruxelas”.

    Mas garantiu: “em termos de políticas energéticas, vamos construir um futuro que será melhor para os portugueses, mas com mais bom-senso, mais ligado à terra.”

    Para Paulo Carmona, prosseguir com a descarbonização da economia portuguesa e europeia só faz sentido se a política for acompanhada pelos países que são grandes poluidores, como a China e a Índia. Lembrou que “somos responsáveis por 0,12% das emissões a nível mundial”. Assim, “estamos na linha da frente dos países com mais redução de emissões nos últimos anos”. Também “somos um país com poucas emissões per capita, dentro da Europa, que, por sua vez, no mundo é das das zonas com menores emissões per capita“.

    Contudo, defendeu que tem de haver uma maior solidariedade por parte dos grandes poluidores — a China, a Índia, alguns países em África — e que dominam o mercado de matérias-primas. “Temos de nos preocupar mais com o tema da solidariedade mundial porque até poderíamos, eventualmente, descarbonizar tudo em Portugal; seria difícil, com custos […] mas conta com 0,12% das emissões mundiais”, lembrou. “Basta a China abrir uma daquelas mega fábricas de produção de electricidade à base de carvão, lá vão todos os esforços de Portugal em 2 ou 4 anos”, salientou.

    Foto: PÁGINA UM

    Disse ainda que os manifestantes a favor da descarbonização, “em vez de andar a fazer manifestações ou andarem a pinchar as coisas, deviam fazer manifestações em frente à embaixada dos outros países que poluem mais”.

    “O planeta está a ser salvo, aqui na Europa. É onde estão a ser feitos maiores esforços no caminho da transição energética e descarbonização. Não podemos ficar sentados e quietos, não é isso. A chave da descarbornização e transição energética não é na Europa que se decide; é nos outros países mais poluidores, e que nós temos da nossa parte, ou ajudá-los, ou fazer pressão para que deixem de ser poluidores”. No caso de Portugal, “se reduzirmos tudo, 0,12%, o planeta nem nota”.

  • ‘O Jornalismo não pode surfar nas ondas emocionais’

    ‘O Jornalismo não pode surfar nas ondas emocionais’

    Josep Carles Rius, 69 anos, ‘periodista’ catalão, defensor do Jornalismo enquanto serviço de interesse público e impulsionou o lançamento de meios de comunicação de serviço à comunidade na Catalunha.

    Também tem investigado e abordado a crise no Jornalismo e na imprensa, sendo autor dos livros ‘Periodismo y democracia en la era de las emociones’, lançado no ano passado, e ‘Periodismo en reconstrucción’, publicado em 2016.

    Na sua carreira como jornalista, foi director-adjunto do La Vanguardia, editor do El Noticiero Universal, chefe de redacção do El Periódico de Catalunya, diretor do extinto jornal Publico na Catalunha (2010-2012), e também trabalhou na TVE.

    Josep Carles Rius / Foto: PÁGINA UM

    Actualmente, preside à Fundació Periodisme Plural , a única organização sem fins lucrativos dedicada ao jornalismo na Catalunha, que foi fundada em fevereiro de 2013 por um grupo de jornalistas. Esta Fundação publica vários meios de comunicação, designadamente Catalunya Plural e El Diario de la Educación, El Diari de la Sanitat e El Diari del Treball.

    O jornalista também preside ao Conselho de Informação da Catalunha, um órgão de autorregulação dos jornalistas e que garante a aplicação das melhores práticas de ética e deontologia.

    Rius, que dirigiu a Associação de Jornalistas da Catalunha, entre 2007 e 2010, tem um doutoramento em Ciências da Comunicação e Jornalismo. Foi também professor de Jornalismo durante 25 anos na Universidade Autónoma de Barcelona.

    Josep Carles Rius / Foto: PÁGINA UM

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, realizada na sede da Associação de Jornalistas da Catalunha, em Barcelona, o jornalista faz uma análise sobre a evolução da crise que tem vindo a afectar a imprensa e o Jornalismo e os perigos que essa crise traz para a democracia.

    Josep Carles Rius alertou que a crise na informação chegou ao “fundo do poço” e isso é positivo porque, por vezes, é preciso ir ao fundo para se começar a reagir.

    Defendeu que, no campo da informação, vivemos numa nova era em que é preciso “criar ilhas de credibilidade”, designadamente através de projectos de jornalismo independentes — como é o caso, em Portugal, do PÁGINA UM — para voltar a aproximar o público da imprensa e restaurar a confiança e a credibilidade na comunicação social.

    Tem investigado a área do Jornalismo e a crise no sector. Não só investigou os problemas, mas também encontrou soluções. E a partir dessa análise que tem nos seus livros, quando é que começou esta crise de credibilidade da imprensa?

    Bom, eu penso que a imprensa escrita tem os seus grandes anos na década de 80 e 90, que, tanto em Espanha como em Portugal, coincidem com a recuperação democrática e são anos em que a imprensa tem um grande prestígio. E é esse o círculo virtuoso de ter uma função de serviço público e, ao mesmo tempo, ser um grande negócio. A imprensa foi um grande negócio. E, ao mesmo tempo, havia alguns editores que tinham uma certa consciência social e deixavam os jornalistas trabalhar.

    Penso que foi já nos anos 90 que o Jornalismo deixa de ser um contra-poder e começa a perder essa ligação com os cidadãos. Quer dizer, já não se escreve, já não se faz Jornalismo a pensar nos interesses dos cidadãos, mas nos interesses do próprio poder, porque o Jornalismo já tem os seus próprios interesses.

    Então, o que acontece é que chega a crise de 2008 e tudo isto é exposto. As pessoas descobrem que a imprensa não tinha falado, por exemplo, do tema da corrupção financeira e de tudo o que acabou por ser a causa da crise. Descobrem que a imprensa não fez o seu papel. E há uma grande crise de confiança que coincide com uma crise tecnológica. As grandes plataformas começam a ter impacto. O que elas fazem é pegar no negócio da publicidade. O negócio da publicidade sai para um intermediário; aquela publicidade que ia diretamente para os media fica nas plataformas.

    Livro de Josep Carles Rius publicado no ano passado. / Foto: D.R.

    Sim, na altura era o Yahoo!, por exemplo…

    Sim. Tudo isto leva à tempestade perfeita. A soma das crises deixa-nos com a crise dos media em 2008. Há também erros dos grupos de media. No caso de Espanha, a sua aposta na televisão privada, o que lhes causou um desgaste económico muito importante.

    A soma de tudo isso faz com que a imprensa esteja muito enfraquecida no momento da crise. Ao mesmo tempo, está a ser gerada toda uma nova geração de meios de comunicação, graças às novas tecnologias. No caso de Espanha, o encerramento do jornal Público, em 2012, levou à criação de 10 projectos jornalísticos diferentes. Isso muda o ecossistema mediático.

    Tudo o que aconteceu nessa altura ainda está a ser digerido. E, neste momento, temos mais meios de comunicação do que nunca, mais jornalistas a trabalhar como jornalistas do que nunca. Mas há mais precariedade do que nunca e mais fragilidade do que nunca; uma situação de precariedade e de fragilidade. Isto provoca um risco ético, no sentido em que alguns meios de comunicação social e alguns jornalistas recorrem a más práticas éticas para  conseguir audiência ou publicidade. Por exemplo, o que estávamos a falar [antes da entrevista] sobre da mistura de publicidade e informação; não que as pessoas não saibam se estão perante publicidade ou informação.

    E agora há esta palavra que é ‘conteúdo’ e que vale para tudo.

    Sim, sim. Conteúdo promovido. Tudo o que isto faz é degradar a qualidade dos media, de modo que a recuperação da confiança, que é a chave para realmente sair da crise, tem sido muito difícil e muito, muito complicada.

    Mas  vocês, aqui na Catalunha, conseguiram algo muito importante, que foi terem avançado para a solução. Disse que, no caso do Público, acabou por gerar 10 projectos que foram criados por jornalistas que saíram do jornal e há muitos mais. Quer falar um pouco sobre o que sucedeu aqui, na Catalunha?

    Bem, penso que esta crise é uma crise global da imprensa. Um dos principais países afectados foram os Estados Unidos, que tinham uma rede de imprensa local muito importante e coesa.  Cada cidade dos Estados Unidos tinha o seu próprio jornal.

    E o seu canal de televisão

    De televisão e de rádio e tudo isso unia a comunidade. Eram muito importantes para a comunidade. Esta soma de crises — crise tecnológica, económica, crise social — levou ao encerramento de muitos meios de comunicação social nos Estados Unidos e afectou a coesão da sociedade norte-americana.

    Site do Catalunya Plural.

    Penso que esta crise dos media acaba por explicar — ou é uma das múltiplas causas — a vitória de Trump em 2016. Como? Foi criado todo um mundo paralelo. Tudo e ninguém é informação. Toda uma onda emocional. Sem intermediários, longe dos meios de comunicação… Quer dizer, os meios de comunicação, como os sindicatos, como as instituições, como as ONGs [organizações não-governamentais], actuam como intermediários entre o cidadão e o poder. Se destróis isto  e se substitui por redes sociais…

    Que falam diretamente, sem filtro.

    Certo. Então, o que é que aconteceu em 2016?  Trump tinha toda a grande imprensa contra ele — o The Washington Post, o The New York Times — toda a grande imprensa e a maioria das cadeias de televisão. E, em vez disso, ganhou porque dominou este mundo das redes.

    Mesmo numa zona mais obscura da ‘web’, onde existia o fenómeno ‘Q’, que tinha muitos  seguidores…

    Sim, sim. E o papel que as igrejas evangélicas tiveram. Ou seja, foram muitas as causas, mas estava tudo um pouco fora do sistema que até então conhecíamos. Com toda aquela imprensa contra, ele ganha.

    E, naquele momento, aquilo teve um efeito positivo, que foi o de uma parte da população valorizar novamente a imprensa e as assinaturas do The New York Times e do The Washington Post dispararam.

    E a vitória de Trump foi considerada um acidente histórico. Mas não foi. É um acidente da história que em 2024 volte a ganhar?

    Portanto, já não há qualquer efeito benéfico com as assinaturas de jornais. A sociedade anti-Trump norte-americana está em choque, não está a reagir. A imprensa está em estado de choque.

    Jeff Bezos intervém no The Washington Post, mas da primeira vez não interveio. Isto agora é muito mais grave. E é o sintoma de uma situação de uma nova era. Na noite em que ele ganhou as eleições, Elon Musk  disse ao público: “agora, vocês são os media”. Claramente, uma declaração de intenções.

    Livro de Josep Carles Rius publicado em 2026. / Foto: D.R.

    Sim, a era em que os jornalistas não são necessários.

    Exacto, o Jornalismo não é necessário. É um ataque directo ao papel do Jornalismo. E isto tem réplicas não só nos Estados Unidos. É um fenómeno totalmente novo, a desinformação, que vai contra o Jornalismo tal como o conhecemos e que deixa o Jornalismo numa posição de fraqueza.

    Mas não há aqui também um outro problema, que é o facto de os jornais e da imprensa se terem muitas vezes alinhado com o poder? E de não serem contra-poder, não fazerem o seu trabalho?

    Sim, sim. Quando falámos da crise de confiança, o que se tornou evidente em 2008 com a crise, foi que as pessoas descobriram que os media não eram um contra-poder: faziam parte do poder. E, de certa forma,  quebrou-se a confiança aqui em Espanha. Quando foi o  [Movimento] 15-M, os protestos nas ruas, os jovens diziam: “a imprensa não nos representa”. Era uma crítica ao poder político, mas também aos media. E tudo isto ainda cá está, esta desconfiança.

    Nos Estados Unidos, estão a salvar alguns destes meios de comunicação locais muito importantes para as comunidades através de organizações sem fins lucrativos e fundações. No mundo anglófono, há uma grande tradição do papel das fundações e elas estão a voltar ao início, a comprar alguns meios.

    Muitas rádios, por exemplo, foram comprada por uma organização do magnata George Soros, na altura destas eleições presidenciais.

    Sim, sim. E, por exemplo, o principal jornal de Filadélfia, um jornal histórico, foi salvo por uma fundação.

    E isso é importante.

    Claro.  Havia dois modelos: o modelo do The Washington Post, comprado por um magnata,  ou o modelo de The Philadelphia Inquirer, que é o jornal histórico de Filadélfia, que foi comprado por uma fundação.

    Quiosque de jornais em Barcelona. A imprensa tem vivido uma forte crise económica que não se deve apenas à concorrência das plataformas tecnológicas. / Foto: PÁGINA UM

    Então, se estás nas mãos de um magnata, não és livre, porque no momento-chave em que querias apostar na Kamala Harris, ele não deixa, e depois entra na linha editorial. Foi o que ele fez [Jeff Bezos].

    Em vez disso, o The Philadelphia Inquirer continua lá, sem essas interferências. Por isso, é preciso tentar procurar elementos positivos. Penso que entender o Jornalismo não como um negócio, mas como um serviço público, e como um serviço sem fins lucrativos, como um serviço social; isso é positivo e isso é uma lição dessa crise. E foi isso que nós aqui modestamente tentámos fazer.

    E também, tecnologicamente, as grandes plataformas foram ou são parte do problema. Mas a revolução tecnológica também faz parte da solução, porque permite o lançamento de pequenos projectos liderados por jornalistas, como o vosso.

    Isto é um oceano de desinformação, mas depois é crucial ter ilhas de credibilidade, abrigos, e que o cidadão encontre esses abrigos. E esse oceano de desinformação, nós não o vamos mudar. Isto está cá para ficar. Faz parte das redes, porque aquela utopia em que vivíamos de liberdade de expressão para todos… Eles controlam as redes através de algoritmos, através da forma como manipulam. Mas as redes ainda têm um lado positivo para a liberdade de informação. E o grande dever, a grande responsabilidade dos jornalistas, é criar essas ilhas de credibilidade.

    E é por isso que é tão importante que haja projectos e esses projectos são agora tecnologicamente mais viáveis. É possível criar um site na Internet e intervir no debate público sem ter grandes recursos. Não tem de ser um grande jornal ou uma grande revista, uma cadeia de televisão. Mas, claro, é uma luta muito desigual, porque tens de estar aqui a lutar com todas estas tendências.

    E com grandes máquinas, grandes máquinas de ataque, de desinformação, de ataque aos jornalistas que querem fazer um trabalho sério.

    Claro, essas ilhas de credibilidade são ameaçadas por estas ondas.

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    Josep Carles Rius alerta que, com a nova Administração Trump, nos Estados Unidos, a liberdade de imprensa está em risco, o que é uma ameaça para a democracia. Mas também aponta ‘culpas’ da crise na imprensa aos jornalistas que se tornaram activistas, seguiram ondas emocionais em vez de fazer Jornalismo, e desiludiram o público. / Foto: Jørgen Håland

    Sim. E nós temos visto em Portugal que o PÁGINA UM tem sido alvo de um ataque de desinformação. Porque não querem que façamos Jornalismo. Foi algo que nos impressionou e chocou. Não estávamos à espera. Mas estava a falar aqui de projectos, projectos de Jornalismo para as comunidades. Que projectos são e como o avalias?

    Claro, quando falo de ilhas de credibilidade… Por vezes, há ilhas de proximidade. Numa cidade pequena há um meio de comunicação que é o espaço de confiança e credibilidade num determinado território. Há outras ilhas de credibilidade em comunidades. Nós concentrámo-nos nas comunidades que estão na linha da frente na defesa dos direitos humanos, dos direitos essenciais, da Educação, da Saúde e do trabalho digno. Nós temos jornais especializados nestas três temáticas.

    A nossa experiência — e já estamos a falar de uma experiência de mais de 10 anos —, é muito positiva em em termos de direitos fundamentais. Estas comunidades compreenderam a nossa intenção. Estamos a criar praças, espaços públicos de confiança, onde podem encontrar informação precisa e rigorosa. E, ao mesmo tempo, um espaço de encontro onde podem debater, publicar os seus blogues, publicar os seus artigos e interagir entre si — ou seja, revistas educativas, tanto em catalão como em espanhol.

    E disponibilizam isso?

    Claro. É onde as opiniões são trocadas, onde a comunidade se conhece. Veja-se o Diário da Educação: quase 50% do conteúdo é gerado pela própria comunidade através de artigos, blogues, reflexões. Acima de tudo, o nosso valor é criarmos o espaço para que ele seja encontrado. Obviamente, fazemos jornalismo especializado em Educação e damos-lhe essa informação. Mas, além disso, é uma praça pública, um local onde a comunidade se reúne e se encontra num clima de respeito e confiança. Os professores, por exemplo.

    A informação que os grandes meios de comunicação produzem sobre Educação é altamente condicionada pela necessidade de obter cliques, para terem audiência. Depois, distorcem a realidade da Educação, ou seja, um problema numa escola é ampliado porque isso dá audiência.

    Foto: D.R.

    Por outro lado, uma experiência positiva numa escola não acontece, não aparece, porque não recebe cliques e agora tudo isso está a acontecer na imprensa mainstream. É tudo uma questão de cliques.

    Depois, tem de se criar estes abrigos, com um espaço onde não julgamos. Não procuramos quantidade, procuramos qualidade. O nosso valor é que sejam públicos de professores, de professores universitários, de mestres, que comunicam.

    E não está sujeito a algoritmos nem nada.

    Claro. São espaços reservados onde, por exemplo, as newsletters são extremamente importantes, porque permitem aceder diretamente sem passar por uma rede social. Fazemos fóruns de cinema, reuniões, também fazemos de eventos presenciais para que a comunidade se possa reunir.

    E que tenham confiança no Jornalismo e nos meios, em termos daquilo que é a qualidade da informação. Uma entidade fidedigna, entidades fidedignas em termos de qualidade da informação, que é algo muito importante.

    Claro, claro. Este oceano, este mar imenso de desinformação, de discurso de ódio, manipulação, pós-verdade. Tudo isto está aqui: as redes, o TikTok, ou o que quer que seja.

    Estamos em 1984, como no livro.

    Sim, sim. Completamente. E vamos continuar. Não vamos conseguir mudar.

    Então, o que tem de se fazer é criar ilhas [de informação credível]. E depois, criar também a partir da sociedade. Por isso, é importante a Associação de Jornalistas [da Catalunha], o Conselho de Informação da Catalunha. A partir da sociedade civil também; procurar ter uma cumplicidade da sociedade. Para que a sociedade seja consciente, primeiro temos de dar-lhes instrumentos para que encontre essas ilhas de credibilidade, para que saibam que existem e que se pode refugiar ali.

    Depois, do ponto de vista político, temos de ser exigentes e pedir, por exemplo, os meios de comunicação social públicos… É importantíssimo que os meios públicos sejam responsáveis e sejam equitativos, transparentes e não sejam instrumentos do poder. Por isso, tem que se lutar pelos meios de comunicação social públicos.

    Sim, porque há algo de confusão entre o que é público e a política e o governo, que são separados. O público somos todos nós. Os que pagam os impostos. Isso é público e é necessário apoiar o Jornalismo por aí também; mas não é o governo ou os políticos. Mas tem havido um pouco de confusão. Um pouco não, muita.

    Em Portugal, também..

    Então, tem que se ter uma exigência constante.

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    A evolução da tecnologia também trouxe uma oportunidade aos media, e hoje é possível criar jornais e revistas digitais com baixo orçamento e que servem o interesse público. Foto: D.R.

    E acredita que esta experiência que é já um caso de sucesso, porque já tem uma década, é importante que seja um exemplo? Por exemplo, para aquilo que será a importância do Jornalismo para a democracia, que é um tema que falou no seu último livro. Por exemplo, mencionou o caso de Trump, mas temos aqui graves problemas também na Europa. No caso de Trump, temos também o problema com os media mainstream, que diziam, por exemplo, que Biden estava muito bem, o que não era verdade, e todos podiam ver isso. Pensa que os jornalistas também têm de seguir mais esse exemplo seu, e não aquele que foi feito nos últimos anos? Fazer jornalismo, não contra algo, mas pela democracia.

    Sim, é assim. Claro. Quando falamos das Ilhas de credibilidade, eu entendo que são ilhas de credibilidade onde o que impera é o Jornalismo. Mas pode-se criar ilhas que são refúgios ideológicos. Quer dizer, eu, diante deste mundo, crio um espaço onde só me comunico com os que pensam como eu e juntos defendemo-nos contra o inimigo, que são os que pensam diferente. O risco — e isso estaria mais no activismo — é que o Jornalismo não crie abrigos de Jornalismo, mas sim abrigos ideológicos. Pode haver ideologias que a ti te pareçam melhor, ou ideologias que consideras que, no caso, por exemplo, da extrema-direita, como o fascismo ou o neonazismo, que atentam diretamente contra a democracia. Por isso, penso que no Jornalismo temos de reivindicar ilhas de credibilidade jornalística.

    O que é que se passa aqui, o que é que vivemos? Antes de mais, temos de recordar constantemente é que sem democracia não há Jornalismo e sem Jornalismo não há democracia. Vimos isso na Rússia. Putin eliminou o Jornalismo, não foi? E o risco agora nos Estados Unidos também existe, e na Hungria existe e noutros locais.

    Temos que ser muito claros que temos que ser militantes da democracia. A democracia é fundamental, porque se não houver democracia, não há Jornalismo, não há liberdade de informação, nem de expressão. Então, isto é básico.

    Qual tem sido o grande problema? Nos últimos anos, tem havido uma série de ondas emocionais, estados de emoção. Nós, na Catalunha, experienciámos isso. Muitos jornalistas aderiram à onda de emoção em vez de dizerem: “não, não, temos de manter aqui o rigor da informação e não nos deixarmos levar por esta onda de emoção”.

    O caso do Brexit. O Brexit é um caso de uma onda emocional para os nacionalistas britânicos. Disseram à Europa: “nós somos melhores, Europa fora!” E agora estão arrependidos, mas o mal já está feito. No caso dos Estados Unidos, Trump está a cavalgar uma onda emocional que é toda a crise, certo?

    Da crise, da classe média americana, especialmente da América profunda, não das zonas costeiras e assim por diante, que está à procura de inimigos. E isso já aconteceu nos anos 30.

     Isto é uma repetição?

    Certo, e depois procuras o inimigo, procuras o imigrante. O Jornalismo não pode surfar nas ondas emocionais; é preciso enfrentar as ondas emocionais, mesmo que a família, o ambiente, os amigos estejam no meio da onda emocional. O que vivemos aqui na Catalunha com o processo foi uma onda emocional.

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    Josep Carles Rius defende que se devem criar ‘ilhas de credibilidade’ no espaço digital, onde o público pode encontrar informação credível e fiável. Essas ilhas são, por exemplo, projectos de jornalismo independente. / Foto: D.R.

    As famílias divididas.

    Sim, sim. Não foi uma só. Depois claro, desde o início que eu disse: “não, não. Cuidado!”

    Mas vimos a mesma coisa durante a pandemia ou na questão da Ucrânia ou de  Gaza. Quase não se pode fazer perguntas ou pedir dados. Na pandemia, alguém era considerado negacionista e anti-vacinas só por pedir dados! E em relação à Ucrânia, és  Putinista e, em relação Gaza, és considerado pró-Israel.

    Sim, sim.

    E isso é perigoso para o Jornalismo e, especialmente quando se trata de jornalistas, por vezes, ir ao encontro dessas emoções.

    Como as emoções têm tanto poder e também agora as pessoas têm tantas formas de se exprimirem, porque às vezes as emoções e a manipulação das emoções, mas agora podem exprimir as vossas emoções imediatamente.

    Através do Whatsapp ou de memes.

    Estamos numa manipulação das emoções, mas há também mais ferramentas para manipular essas emoções: algoritmos, as redes.

    Temos problemas ou situações muito antigas, que fazem parte do ser humano. O ser humano não mudou muito nos últimos 3.000 anos. Só que temos uns instrumentos super poderosos, como a inteligência artificial. Tudo isso torna o desafio, que nós jornalistas temos, muito mais complexo e mais importante para intervir e actuar.

    Assisti a alguns jornalistas, não só nos Estados Unidos, mas em Portugal, que confundiram um bocadinho, o ser militante da democracia com ser militante de Biden, ou de  Kamala Harris ou de Trump. E a democracia pode ser personalizada assim, em partidos? Como um jornalista pode ser militante da democracia e conseguir ver os factos de uma forma não emocional?

    Nós aqui, por exemplo, no Conselho de Informação da Catalunha, fizemos uma declaração muito extensa e contundente quando nas últimas eleições locais a extrema-direita teve muitos votos aqui em Espanha e especialmente na Catalunha. Porque aqui temos dois partidos de extrema-direita: o espanhol e o catalão. E muitos jornalistas, sobretudo dos meios de comunicação locais,  tiveram pela primeira vez de lidar com porta-vozes e políticos de extrema-direita. Agora estão presentes em quase todas as câmaras municipais. Os jornalistas locais estavam, pela primeira vez, a lidar com um discurso de extrema-direita.

    Penso que um jornalista tem de procurar a justiça, a honestidade, tudo para informar, não para ser um activista de uma causa, mas tem de ser claro sobre onde estão os limites.

    Estar informado também.

    Nesse caso, fizemos uma declaração muito forte, afirmando que não se pode tratar a extrema-direita como o resto dos partidos políticos, porque a extrema-direita no seu programa, no seu essencial, tem o ódio. Quer eliminar uma parte da população. Recorre a mentiras, nega a Ciência, vai contra todas as evidências de topo o tipo.

    Portanto, o jornalista tem de confrontar este discurso, não pode simplesmente pôr o microfone e fazer com que isto saia. Penso que há aqui que estabelecer alguns limites.

    A tragédia ocorrida em Valência gerou muita desinformação e foi um ‘abre-olhos’ para muitos, em termos da crise actual de informação que vivemos, segundo Josep Carles Rius. / Foto: D.R.

    Isso é algo que os jornalistas têm sempre de fazer, certo?

    Sim, sim, mas isto realço isso. É claro que outros podem tentar enganar-nos. Mas isto faz parte da política deles, faz parte do programa deles para enganar.

    Temos visto, pelo menos em Portugal, que muitos media se limitam a ser pé de microfone com a generalidade dos políticos. Não é também um mau hábito do jornalista? Porque colocam o microfone e esperam que o político fale. Mas agora o político é outro…

    Sim, sim, certo.

    Também é um despertar para muitos jornalistas.

    Sim, sim. Por isso, no caso da Catalunha, dos jornalistas, sobretudo dos jornalistas mais locais, foi um despertar absoluto. Porque de um dia para o outro encontraram-se com interlocutores que nunca tinham enfrentado antes. Que estavam a quebrar as regras.

    Então, o hábito de pôr o microfone e deixá-los dizer o que quiserem, estava a começar a ser perigoso, porque o que eles estavam a defender é a expulsão dos meus vizinhos, que são negros. Cuidado, isto é perigoso.

    E muitas vezes com mentiras ou com algo manipulado, com muitas imagens.

    Penso que houve uma mudança no caso de Espanha, nas últimas eleições locais, em que a aliança catalã, que é um partido pró-independência, mas de extrema-direita, entrou em cena. E o VOX consegue muitos deputados. Há uma mudança. E nós, no Conselho de Informação da Catalunha, produzimos um documento muito, muito duro e que não foi compreendido por toda a gente. Havia pessoas que diziam: “não, não, não; tens de tratar toda a gente da mesma forma”. Ou dizem que a extrema-esquerda está a fazer a mesma coisa. Não, a extrema-esquerda não quer expulsar os teus vizinhos. Ela pode ser muito rude, mas isto não.

    Sim, claro que não é a mesma coisa. Em todo o caso, por exemplo, na pandemia, testemunhámos a existência de discurso de ódio de políticos de extrema-esquerda, de políticos de extrema-direita, de centro, contra grandes cientistas mundiais. Cientistas que alertavam que o caminho a seguir era o da Suécia, que estava a fazer melhor a gestão da pandemia. Depois, as emoções tomaram conta de muitos jornalistas, que deixaram de ser isentos e independentes – um tema de que fala no seu livro. Temos de ter muito cuidado para não emitirmos involuntariamente discursos de ódio com o nosso ‘microfone’.

    Sim, sim.

    Durante a pandemia, foi um choque ver pessoas a ser vítimas de perseguição e de censura, porque não estavam alinhados com os políticos e com a onda emocional. Para os jornalistas é um desafio.

    Sim. Nós vivemos algumas situações que colocaram o Jornalismo à prova.

    Mas é positivo. Pensas que há um bom futuro para o Jornalismo e para os jornalistas?

    Penso que sim, mas sendo claro que o desafio é muito difícil. Não se pode ser incauto. Isso e vai depender da determinação e da vontade dos próprios jornalistas de encontrarem também cumplicidades com a sociedade, de ser exigentes politicamente.

    Agora há uma boa oportunidade com as novas leis europeias. A directiva de liberdade de imprensa [Media Freedom Act] é um bom marco. Mas cada Estado tem de a aplicar e veremos como será aplicada. E aqui temos que ser exigentes, temos de acompanhar e temos feito muitas coisas aqui. Estamos muito envolvidos na tentativa de fazer com que o governo use bem isto, aplique bem este quadro jurídico europeu.

    Porque pode ser bem aplicado ou mal, dependendo do uso que o poder político lhe quer dar.

    Claro que depende da vontade política.

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    Para Josep Carles Rius, o jornalista não pode ser apenas um pé de microfone. / Foto: Kane Reinholdtsen.

    E com toda esta crise de Informação, esta quebra de confiança que houve entre o público e os meios de comunicação social clássicos, pensa que há um futuro positivo, no sentido em que vamos conseguir sair disto com uma imprensa credível e com a população a entender que tem de a apoiar?

    Penso que, às vezes, temos que bater no fundo do poço para começar a agir.

    Pensa que chegámos ao fundo do poço?

    Penso que sim. Por exemplo, no caso da tragédia de Valência, toda a desinformação que houve… Foi um abre-olhos para muita gente.

    No caso do Trump, foi uma desgraça; está a ser um abre-olhos também. A situação na Sala Oval com Zelensky, teve impacto. O papel do Elon Musk também é revelador.

    Tem de estar a correr algo muito mal para começarmos a perceber que temos de reagir. E a chave aqui é a Europa. A Europa tem a capacidade de reagir, certo?

    Porque, nos Estados Unidos, os democratas e todas as pessoas que sentiram que perderam as eleições ainda estão em choque, mas vão reagir. Acredito que sim, e haverá decisões judiciais. E o The New York Times está a resistir.

    Para chegar aos jovens, a melhor forma é através dos professores e da comunidade educativa, designadamente via publicações especializadas, defende Josep Carles Rius.

    Mas claro, é preciso de mais pessoas reajam. Aqui, por exemplo, a onda emocional que tivemos com o processo que nos levou  a uma situação muito difícil, abriu muito os olhos das pessoas. E penso que a repetição do que aconteceu aqui seria impossível agora, porque muitas pessoas não aceitariam, sentiram-se enganadas.

    E o Brexit? O mal está feito, mas a sociedade agora aceita que estavam errados, que foram enganados por tudo isto.

    Bem, eu sou um optimista por natureza e penso que a sociedade vai reagir, mas nós temos um papel muito importante, como jornalistas, para manter os padrões éticos e criar estas ilhas de credibilidade.

    E os jovens, temos de pensar nos jovens que já não leem os meios de comunicação clássicos, nem veem televisão nem nada; é tudo TikTok.

    É por isso que penso que é muito importante chegar aos professores, para ajudar a formar os jovens. Chegar diretamente aos jovens, é muito difícil, mas há pessoas que, durante 6 horas por dia, chegam aos jovens e que são os professores. Por isso, é preciso cuidar dos professores, dar-lhes instrumentos para isso.

    Por isso, criámos há mais de 10 anos duas publicações de Educação para os professores, que dão aos professores ferramentas para formarem mediaticamente também os seus alunos. Os jovens que com 15, 20 ou 25 que estão no TikTok, quando chegarem perto dos 30, deixem o TikTok e passem para um jornal ou se informem melhor.

    Talvez o jornalismo também possa entrar um bocadinho nessas plataformas.

    Sim, sim. Isto é um desafio, mas penso que há três formas de chegar aos jovens: através do TikTok; através das famílias; e através dos professores — do mundo docente, não diria só professores, mas toda a comunidade educativa.

  • Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Todos os jornalistas que considerem viajar para os Estados Unidos devem adoptar medidas para proteger os contactos e informações que possam ter armazenados nos seus dispositivos electrónicos. Esta é uma das recomendações do Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que emitiu ontem um alerta dirigido aos profissionais da comunicação social que planeiem visitar aquele país.

    Segundo o alerta do CPJ, divulgado ontem, a Administração Trump deverá restringir as condições exigidas aos que entram no país, ao abrigo de questões de segurança nacional e protecção da população, estando planeadas restrições a nacionais de mais de 40 países, o que pode afectar também jornalistas.

    De acordo com o comunicado, apesar de a introdução de restrições de viagem ter sido adiada, a medida poderá surgir repentinamente e “as notícias já indicam que funcionários da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos estão a examinar a documentação de viagem dos visitantes com maior vigilância”.

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    Foto: D.R.

    Para o CPJ, o reforço de “controlo fronteiriço, a aplicação inconsistente e a ampla autoridade discricionária entre os agentes fronteiriços sugerem um ambiente imprevisível que justifica uma preparação proactiva”, com adopção de medidas de segurança por parte dos jornalistas.

    Por precaução, antes de entrarem ou saírem dos Estados Unidos, os jornalistas são assim aconselhados a apagar ou a fazer ‘backup‘, para contas seguras em ‘nuvem’, de todos os seus dados, contactos e informações que não queiram que as autoridades norte-americanas possam querer ‘vasculhar’.

    Devem também terminar a sessão em todas as contas e navegadores e eliminar todas as aplicações a que não gostariam que um agente de fronteira acedesse. São ainda aconselhados a rever o seu histórico de navegação e a eliminar quaisquer contas ou sites que não gostariam que outras pessoas vissem.

    “Os jornalistas que correm um risco elevado de serem detidos na fronteira devem considerar deixar os seus dispositivos pessoais e/ou de trabalho em casa e, em vez disso, transportar dispositivos separados e um novo cartão SIM”, aconselha o CPJ. Indica que estes dispositivos devem ter apenas as informações necessárias para a viagem e não devem estar associados a contas pessoais ou profissionais. Além disso, avisa que o jornalista deve estar “preparado para responder às perguntas dos guardas de fronteira sobre o motivo pelo qual atravessa uma fronteira sem os seus dispositivos pessoais ou de trabalho”.

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    Foto: D.R.

    Devem ainda analisar “o conteúdo de quaisquer aplicações de mensagens ou redes sociais nos seus dispositivos para garantir que não haja dados que possam comprometer” o próprio jornalista ou outras pessoas.

    O CPJ aconselha os jornalistas a “antecipar o aumento dos questionários por parte dos agentes fronteiriços sobre filiações políticas, histórico de trabalho e cobertura de temas sensíveis”. Se o trabalho do jornalista abrange questões politicamente sensíveis “que a administração dos Estados Unidos pode considerar críticas ou hostis, os agentes de fronteira podem questioná-lo”.

    Se o jornalista viajar de ou para um país afectado pelas restrições, ou se tiver dupla nacionalidade, ascendência ou outros vínculos com esses países, “poderá enfrentar um escrutínio adicional”, segundo o CPJ.

    Foto: D.R.

    Entre as medidas de segurança aconselhadas, o CPJ recomenda que o jornalista “considere de que forma o seu estatuto de imigração, país de origem ou destino e histórico de viagens anteriores o coloca em risco de ser travado na fronteira”.

    Sugere que o jornalista deve “identificar e manter uma lista de contactos de emergência, tais como consultores jurídicos de confiança e grupos de defesa da liberdade de imprensa que podem prestar assistência em caso de problemas”.

    Deve também levar a cabo “procedimentos de ‘check-in‘ com os principais contactos acordados antes da viagem” e certificar-se de que “eles conhecem os seus planos de viagem e podem fornecer suporte, se necessário”. Também deve manter “as informações de contacto de emergência em papel para o caso dos seus dispositivos serem confiscados”.

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    Num outro comunicado, o CPJ anunciou que vai divulgar no próximo dia 30 de Abril um relatório especial que examinará o estado da liberdade de imprensa e da segurança dos jornalistas nos Estados Unidos após os primeiros 100 dias do governo Trump.

    O documento “cobrirá a incidência de ataques direccionados contra jornalistas e organizações de comunicação social, abuso regulatório e problemas de acesso para jornalistas em trabalho nos Estados Unidos. O relatório “também examinará se as acções da Casa Branca criaram um efeito assustador entre os jornalistas locais em todo o país”.

    Estes comunicados e iniciativas do CPJ surgem num contexto de crescente tensão e animosidade recíproca entre a Administração Trump e os media ‘mainstream‘, depois de a Casa Branca ter adoptado novas regras de acesso dos jornalistas, com as mais recentes a limitar o acesso das principais agências noticiosas.

    black video camera

    Recorde-se que, em geral, os principais grupos de media no país têm adoptado uma posição mais favorável ao partido democrata face ao partido republicano e aos conservadores. Exemplos disso são as diversas notícias que desmentiam o evidente declínio da saúde mental do ex-presidente norte-americano Joe Biden e também o grande destaque que os grupos de media deram a informações que alegavam que teria havido uma ligação da Rússia com a campanha presidencial de Donald Trump em 2016, o que não se confirmou, mas serviu para ensombrar as campanhas de Trump.

    Por outro lado, um dos grandes aliados e apoiantes de Trump, Elon Musk, tem sido um dos maiores críticos da actuação dos media ‘mainstream‘, que o milionário acusa de serem tendenciosos. Mas o clima de ‘guerra’ entre Musk e os media ‘mainstream’ começou quando o líder da Tesla comprou a rede social Twitter, actual X, e restaurou a liberdade de imprensa naquela plataforma.

    Com o apoio de Musk a Trump, o clima de animosidade entre os media e o milionário escalou. Musk tem lançado fortes ataques aos media nas suas publicações na rede X e os principais meios de comunicação social têm dado destaque sobretudo a notícias críticas da Tesla e de Musk, chegando a emitir a informação falsa de que teria feito uma saudação nazi num comício da campanha presidencial de Trump.

  • Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    .Os eleitores já sabem que não precisam de levar caneta para escolher os seus partidos e candidatos quando se dirigirem às urnas no próximo dia 18 de Maio. E isto porque a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trata de tudo. Ou melhor, já adjudicou a uma empresa de brindes a compra de 105 mil esferográficas a pensar nas eleições para a Assembleia da República. E, prevenida, aproveitou, no mesmo contrato, para comprar mais 105 mil canetas para as eleições autárquicas agendadas para Setembro ou Outubro – não vá as outras gastarem-se todas.

    Em eleições que custarão milhões, as esferográficas são apenas uma gota de água: os contribuintes pagarão, em princípio, 23.764 euros (com IVA) pela compra da CNE à empresa Enterprom II – Brindes Publicitários, com sede na Charneca da Caparica, em Almada. Mas até aqui se consegue ser despesista.

    De acordo com o contrato assinado no passado dia 27 de Março, mas só ontem publicado no Portal Base, a empresa de brindes tem a obrigação de entregar 105 mil esferográficas até ao dia 4 de Abril. As restantes 105 mil terão de ser fornecidas até ao dia 1 de Agosto, a tempo da realização das eleições autárquicas.

    Fazendo as contas, cada esferográfica custa ao contribuinte 9,2 cêntimos (sem IVA). Ora, comparando com os preços de outros fornecedores nacionais com contratos efectuados com entidades públicas, sem incluir um eventual desconto de quantidade, encontram-se esferográficas ao preço unitário de 3,0 cêntimos (sem IVA). Pesquisando online, com fornecedores no estrangeiro, ainda se consegue encontrar canetas por preços inferiores quando adquiridas em grandes quantidades..

    Não sendo conhecido o caderno de encargos, não se sabe se existe algum tipo de preocupação ambiental na aquisição das canetas para os actos eleitorais. Contudo, não consta nenhum ‘selo’ de sustentabilidade no contrato publicado no Portal Base.

    Também não se sabe a razão pela qual a CNE não comprou directamente as canetas. A justificação para a compra das esferográficas ter sido feita sem concurso é a disposição legal do Código dos Contratos Públicos que abre a porta ao ajuste direto “quando o valor do contrato for inferior a 20 000.euros”.

    O preço a pagar pela CNE inclui porém, segundo o contrato, todos os “encargos” que a empresa fornecedora tenha com “deslocações, transportes, alojamento, equipamentos” e custos “relativos “decorrentes da utilização de marcas, patentes ou licenças” Abrange ainda encargos com “obrigações de garantias dos serviços prestados”. Convém referir que, por norma, as entregas em quantidade já incluem o transporte, como se pode verificar no caso consultado pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, no contrato das esferográficas está prevista ainda a “divulgação da campanha de esclarecimento nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”, mas não se explicita que campanha de esclarecimento se trata nem o motivo para uma fornecedora de esferográficas estar envolvida neste tipo de acções.

    Saliente-se que esta não é a primeira vez que a CNE compra esferográficas para as eleições. Nas anteriores legislativas, em 10 de Março do ano passado, a CNE também escolheu à Enterprom II, mas não se sabe quantas canetas foram adquiridas porque não existe contrato escrito para essa compra no valor de 10.578 euros.

    Poucos meses depois, a CNE também fez novo contrato por ajuste directo, desta vez para as eleições para o Parlamento Europeu. gastou mais 8.911,35 euros. A transacção foi efectuada a 9 de Maio do ano passado, também sem contrato escrito, pelo que não consta no Portal Base a quantidade de canetas que foram compradas. Pelos valores presume que possa ter sido a mesma quantidade.

    O PÁGINA UM tentou colocar algumas dúvidas junto de um porta-voz da CNE, André Vale, nomeadamente sobre o uso a dar às canetas e o porquê da compra duplicada de esferográficas para dois actos eleitorais tão próximos no tempo. Mas até à hora da publicação desta notícia ainda não tinha sido possível obter esses dados.

    De resto, a Enterprom II não se pode queixar da falta de encomendas públicas, quase sempre por ajuste directo, como se fosse a única empresa de brindes de Portugal. No Portal Base contabilizam-se 58 contratos com entidades públicas que já geraram á empresa, desde 2012, receitas de 945.975 euros. Apenas um dos contratos foi obtido por concurso público, numa adjudicação da Águas de Portugal no valor de 115.912 euros, realizada em 2023.

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    Este tipo de contratos são a ‘ponta do icebergue’ em termos de custos com a organização de eleições em Portugal. Como noticiou, recentemente, o PÁGINA UM, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT relativo ao envio e recepção de votos de eleitores residentes no estrangeiro que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45% face às anteriores legislativas.

    A este valor, somam-se outros, como um de 305 mil euros relativo a um contrato para ‘aquisição de serviços de apoio ao funcionamento de recolha e contagem dos votos dos eleitores residentes no estrangeiro’ que foi assinado ontem com a empresa Bravantic Evolving Technology. Este contrato foi também adjudicado por ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

  • Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    São já mais de 16 anos de ‘ligações fortes’, mas um processo em tribunal ameaça quebrar um vínculo negocial aparentemente perpétuo. Em Portugal, todos os arguidos e condenados em prisão domiciliária ou sob vigilância electrónica têm algo em comum: usam pulseiras electrónicas fornecidas pela SVEP – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas. A empresa portuguesa, com sede em Lisboa, tem sido a escolhida pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde pelo menos 2009, sobretudo através de ajustes directos, para fornecer instrumentos de controlo, monitorização e vigilância de quem, por ordem judicial, não pode sair de casa. E já recebeu 57,6 milhões de euros pelos serviços.

    O domínio da SVEP nos contratos de vigilância com pulseira electrónica está agora em causa porque uma empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça, travando o início da execução do contrato valioso entregue pela DGRSP à SVEP, válido até 2029. A consequência deste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 9 de Dezembro, não teve, para já efeitos no negócio da SVEP. A empresa portuguesa obteve entretanto três ajustes directos e já arrecadou perto de dois milhões de euros.

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    Foto: D.R.

    A SPEV — uma antiga empresa do Grupo Efacec, agora controlada por uma empresa familiar denominada JKGC Ventures, com uma pequena participação da israelita Elmotech — tem vencido os concursos públicos lançados desde 2009, que constam no Portal Base. Mas em 16 anos só houve três concursos públicos: em 2017, em 2021 e em 2024. Mas a empresa foi beneficiando também de sucessivas adjudicações por ajuste directo. Segundo os dados disponíveis no Portal Base contam-se 20.

    No concurso público mais recente, a empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça para contestar o contrato ganho pela SPEV. Convém referir que a SuperCom não consta da lista do Portal Base onde surgem as empresas que se candidataram ao procedimento concursal, que inclui, além da SPEV, a portuguesa Contactus, a polaca Enigma Systemy Informacji e a brasileira Synergye Tecnologia da Informação.

    Independentemente do processo em tribunal, os serviços prisionais decidiram celebrar o contrato com a SPEV no passado dia 28 de Fevereiro , prevendo-se o fornecimento anual de serviços de vigilância electrónica até 2029. Se for renovado todos os anos, a empresa receberá quase 20,6 milhões de euros, com IVA incluído, ao longo de cinco anos.

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    Foto: D.R.

    Este valor está abaixo do máximo previsto no concurso, que era de 24.319.737 euros, acrescido de IVA. Num anterior concurso, a SPEV também foi a escolhida para ficar com aquele negócio chorudo entre 2021 e 2025. E em meados de 2017 também ganhou um outro concurso para prestar serviços por dois anos e meio.

    Com o concurso mais recente a ir parar aos tribunais, a SVEP acabou por beneficiar de três contratos por ajuste directo, no valor global próximo dos dois milhões de euros, para garantir o funcionamento das pulseiras electrónicas por cinco meses, sempre com a fundamentação de que se tratava de uma “urgência imperiosa”.

    O primeiro ajuste directo, no valor de 582.171 euros (com IVA) foi assinado no passado dia 27 de Dezembro para a “aquisição de serviços de vigilância eletrónica, para execução de decisões judiciais, para o período de 01 de janeiro de 2025 a 14 de fevereiro de 2025”.

    Seguiu-se novo ajuste directo de igual valor, que foi assinado a 14 de Fevereiro, para abranger o período até 31 de Março. Mais recentemente, a 28 de Março, foi adjudicado novo contrato por ajuste directo, no valor 789.165 euros, para serviços a prestar até 31 de Maio.

    O serviço de pulseiras electrónicas prevê a monitorização de 1.100 indivíduos, vigiados por radiofrequência, e ainda 1.900 pessoas monitorizadas por geo-localização.

    Contactada pelo PÁGINA UM, os serviços de relações externas da DGRSP justifica os recentes ajustes directos por “o motivo de ‘urgência imperiosa’ [que] decorreu, e tem decorrido, da necessidade de assegurar a continuidade do serviço/fornecimento sem interrupções” em virtude da acção de “contencioso pré-contratual intentada após a realização de um concurso público com publicidade internacional”. A mesma fonte diz ainda que “as vicissitudes decorrentes da impugnação judicial impuseram a adopção de outros procedimentos, sem recurso à concorrência”, ou seja, o ajuste directo, mesmo se por valores bastante elevados.

    Segundo a DGRSP, “o motivo da escolha da SVEP para prestar este serviço prendeu-se com o facto de ser o actual fornecedor e, por esse motivo, o único habilitado a prestar o serviço de forma ininterrupta, ou seja, sem colocar em causa a missão da DGRSP”. Esta entidade destacou ainda a necessidade de manter o serviço em funcionamento, “em especial na parte que diz respeito às medidas de proibição de contactos resultante da violência doméstica, que representa mais de 60% da atividade relativa à vigilância eletrónica”.

    person holding Samsung Galaxy Android smartphone

    O PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos da empresa israelita SuperCom, a qual esteve envolvida em alguma polémica, por questões de respeito de privacidade, uma vez que durante a pandemia de covid-19 reconverteu os seus equipamentos e tecnologias para vender serviços de vigilância de pessoas em quarentena.

    Seja como for, até estar resolvido o conflito em torno do concurso público, a SPEV deverá continuar a facturar com os contribuintes, através de ajustes directos assinados de dois em dois meses.

  • Bolsas: ‘Trump crash’ na era da normalização do mal

    Bolsas: ‘Trump crash’ na era da normalização do mal


    O colapso das Bolsas mundiais nos últimos dias ficará na História, junto a outros como o da crise financeira de 2008 e o pânico causado pelas medidas da pandemia de covid-19. Começou no dia 2 de Abril, com a imposição de novas tarifas aduaneiras pelos Estados Unidos, o receio de uma guerra comercial e de uma recessão económica.

    Os jornais e TVs dedicam espaço e tempo a este tema com a fome de um tubarão que sente o ‘cheiro’ o sangue a pairar na água. Nas redes sociais somam-se os gráficos e publicações que tentam adivinhar o que vem a seguir, conquistando ‘likes‘ e partilhas.

    Afinal, é uma hecatombe digna de ter o seu próprio nome: ‘crise das tarifas’ ou ‘Trump crash‘, talvez. É só observar os gráficos (disponíveis no final deste texto) e percebe-se que a onda de vendas que atinge sobretudo activos de alto risco, como as acções, é forte e muito real. Isto apesar de, no médio e longo prazo, os principais índices bolsistas acumularem ganhos gigantescos.

    Os ‘pobres’ dos grandes fundos e bancos de investimento vendem activos de maior risco, desfazem posições e, ‘coitados’, somam mais-valias chorudas. Os que vivem da aposta na queda de títulos, enriquecem e celebram com os lucros obscenos. Os ‘desgraçados’ detentores de Bitcoin choram o tombo da rainha das criptomoedas, que ‘apenas’ valorizou 1000% nos últimos cinco anos.

    Começa a falar-se na eventual descida de taxas de juro pela Reserva Federal nos Estados Unidos e põe-se alguma água na fervura. A ver se o ‘sell-off‘ acalma. É provável que surjam acordos nas tarifas, incluindo com a União Europeia. E que se evite a guerra comercial.

    Olho com pasmo para as notícias e análises sobre este ‘crash‘. Olho com o mesmo pasmo para o ‘choque’ que muitos dizem ter sentido após assistirem a uma série televisiva que está na moda, sobre um adolescente assassino.

    Vivemos na era em que partes do nosso mundo se tornaram num grande jogo desumanizado. A vida de muitos adolescentes e jovens apenas espelha esse fenómeno. (Veja-se o caso da violação de uma menor em Loures, por três jovens ‘influencers’ que publicaram vídeos do crime na Internet e ninguém os denunciou, apesar de terem milhares de visualizações).

    Pacman arcade game

    Afinal, vivemos num mundo em que a pornografia está disseminada e é aceite como normal, mesmo a que brutaliza e subjuga, reforçando o conceito da mulher-objecto. Vivemos num mundo em que o jogo online é publicitado em larga escala, viciando milhões. O lucro vale tudo.

    O que isto tem a ver com o actual ‘crash‘ dos mercados?

    Quer se queira quer não, este colapso é uma profunda correcção num sistema inflaccionado artificialmente e depois de anos de máximos históricos em grandes índices bolsistas. Máximos alcançados graças a políticas que criaram uma economia artificial e sem substância, assente em dinheiro impresso por bancos centrais. E assente num mundo de zeros e uns. Em que os bens alimentares e a dívida de países inteiros são meros ‘activos’ num jogo a ser jogado por grandes ‘players‘ (e, cada vez mais, por máquinas, computadores, em busca de lucro).

    Vivemos num mundo em que é aceite que homens e mulheres, adultos, que grandes grupos e fundos financeiros apostem e lucrem com a queda de activos, incluindo acções de empresas em bolsa. Vivemos num mundo em que é considerado normal haver nos mercados de capitais produtos derivados, derivados de derivados. Tudo autorizado e regulado por governos, supervisores e reguladores.

    Vivemos num mundo em que a habitação é sobretudo um ‘activo’ para trazer lucro a carteiras de grandes fundos de investimento. Vivemos num mundo em que governos, incluindo em Portugal, criaram políticas que transformam casas onde deviam viver famílias em objectos valiosos a ser jogados em ‘jogos de imobiliário’. Tudo legal.

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    Vivemos num mundo em que se normalizou a ideia de que tudo isto é normal. Que é legal. E pelo meio criam-se ‘selos’ como o de ‘sustentável’ e ‘ético’ que são publicitados no LinkedIn e usados pelos fundos e bancos para vender produtos de investimento a aforradores e especuladores.

    A economia e os mercados de capitais formam hoje uma tapeçaria que inclui reguladores e governos, que legalizam as práticas e impõem esta forma de vida obscena e desumana. E inclui investidores que se prestam a trocar a alma por dinheiro, mesmo sem saberem em que estão a colocar as suas poupanças.

    Onde colocamos o nosso dinheiro, a nossa atenção, o nosso amor, diz muito de cada um de nós e dos nossos valores e prioridades.

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    Dir-me-ão que esta é uma visão puritana e utópica do mundo, da Economia e das finanças. Mas que sentido faz um mundo, em que a Economia e as finanças são desumanas e cujo principal objectivo é o lucro puro, a ganância? Um mundo em que a notícia é o ‘crash‘ após anos de recordes e lucros sucessivos e não a ausência de políticas para regrar o que já não serve a Humanidade.

    O que é, para mim, mais curioso, por estes dias de ‘crash‘ das Bolsas, é ver liberais, libertários, pessoas de esquerda e de direita, todos muito irritados com as quedas nos mercados. Uns porque aproveitam para partilhar o ódio por Trump e outros porque perdem dinheiro, incluindo nas criptomoedas (perdem, se venderem; até venderem não perdem nem ganham nada, na realidade).

    Por estes dias, penso no empresário que decidiu, um dia, há muito tempo, abrir o capital da sua empresa a investidores porque precisava de capital para investir. Penso nesses investidores que decidiram tornar-se accionistas de uma empresa a passar a ser um bocadinho donos de um negócio que poderia criar mais postos de trabalho e trazer sustento às famílias dos trabalhadores.

    E compreendo porque empresários retiraram as suas empresas de Bolsa.

    person holding babys hand

    As notícias hoje serão sobre o colapso dos mercados nos últimos dias. E sobre a culpa de Trump e das tarifas que impõe a importações, à sua política proteccionista. Os posts nas redes sociais serão sobre o ódio a Trump e a culpa de Trump.

    Não haverá notícias sobre a ganância. Nem sobre como os índices bolsistas conseguiram chegar aos níveis a que estão. Nem como pouco de humano já têm muitas das práticas financeiras e de investimento consideradas legais em muitos países ocidentais.

    Não haverá nas notícias nada sobre como vivemos na era dos vampiros modernos. Vivem e prosperam, não na sombra, mas debaixo das luzes da ribalta, respaldados por leis, governantes e reguladores que um dia trabalharão nos seus bancos e holdings como ‘chairman‘ ou apenas como ‘consultores’.

    man wearing watch with black suit

    De crise financeira, em crise financeira. De ‘crash‘ em ‘crash‘. De série em série na Netflix. Assim a Humanidade vai caminhando. Com os pés a pisar o tapete manchado de fome e do sangue das vítimas da desumanização do Mundo, de guerras e da pobreza.

    As tarifas de Trump, este ‘crash‘ bolsista, são apenas os sintomas da doença que atinge o mundo. E a cura todos sabemos qual é. E está em cada um de nós, que também somos consumidores, investidores, eleitores, pais.

    Pode começar por se perceber que este ‘crash‘ não foi o primeiro e não será o último. E que as notícias do dia, fugazes, que cobrem os assuntos pela rama, pelo seu mediatismo, escondem a origem do mal. Dos males do mundo. E enquanto se fingir que não se vê a crescente desumanização do mundo — seja nos mercados, nas finanças, na Economia, na política que persegue o migrante, na indústria da pornografia, no vício do jogo — a cura não chegará.

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    Porque não vivemos num mundo virtual. Nem somos feitos de bits e bytes e pixels. De zeros e uns. Não somos um número. Um código de barras. Um avatar. As empresas também não. Nem as casas onde moram pessoas. Por muito que se normalize isso, há um mundo real onde vivemos e existimos.

    Que este mundo seja dominado por agentes e políticas assentes na ganância, no lucro, na vaidade e no sofrimento de muitos é algo que não podemos continuar a permitir. Que os preços dos alimentos e das casas seja influenciado por especuladores, é algo que não podemos permitir. Porque pode ter-se normalizado isso. Mas não é normal. É desumano. E inaceitável.

    Elisabete Tavares é jornalista

    Gráficos com a evolução dos principais índices bolsistas norte-americanos, europeu e português:

    Nos últimos cinco dias, o Dow Jones, o Nasdaq 100 e o europeu Stoxx 600 desceram mais de 10% e o português PSI-20 recuou quase 10%. Apesar do actual colapso, os principais índices bolsistas acumulam fortes ganhos no médio e no longo prazo. / Fonte: Google/Morningstar

    Gráfico com a cotação do ouro (em libras/onça):

    Fonte: Gold.co.uk

    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lusa e as ‘cerca de 10 pessoas’ anti-Musk

    Lusa e as ‘cerca de 10 pessoas’ anti-Musk


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 19º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que afectou a cobertura dos media de um protesto contra Musk em Lisboa. Também se analisa uma ‘fake news‘ sobre o traçado do TGV, a hipocrisia de um jornalista do Polígrafo e ainda a decisão do Expresso de fazer duas primeiras páginas nesta edição.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Edifício-sede da Impresa vai servir pela terceira vez como ‘activo especulativo’

    Edifício-sede da Impresa vai servir pela terceira vez como ‘activo especulativo’

    Lá diz o ditado que não há duas sem três. Em 2018, em ano de aperto, a Impresa vendeu a sua sede, em Paço de Arcos, e ficou como inquilino. Em 2022, recomprou ao banco a quem vendeu. E depois destes dois negócios o grupo de media anunciou hoje que admite vender de novo as suas instalações, naquela que será a terceira operação envolvendo o mesmo imóvel.

    Esta possibilidade surge em dia de ‘más notícias’: a Impresa, que detém a SIC e o Expresso, revelou prejuízos recorde no ano passado de 66,2 milhões, quando em 2023 tinham sido de 2,0 milhões. Com as receitas praticamente estagnadas, o grupo de media atribuiu a descida nos resultados líquidos sobretudo a uma revisão em baixa do valor do segmento televisivo (SIC), que gerou uma imparidade de 60 milhões de euros. Ou seja, o seu activo encolheu. Com a dívida líquida a aumentar de 115 milhões de euros para 131 milhões de euros, o grupo anunciou que admite “a possibilidade de realizar uma operação de venda e subsequente arrendamento das suas instalações em Paço de Arcos”.

    Interior do edifício-sede da Impresa em Paço de Arcos. / Foto: D.R.

    Este anúncio mostra que o edifício-sede do grupo de media fundado por Pinto Balsemão tem servido, nos últimos anos, como um ‘activo especulativo’, cuja posse ou venda serve para buscar dinheiro fácil. A primeira vez que a Impresa vendeu o edifício foi em Junho de 2018, depois de o ano anterior ter sido catastrófico em termos de resultados económicos. Com essa operação encaixou uma receita de 24,2 milhões de euros, em ‘dinheiro vivo’, através de uma operação de  ‘sale e leaseback’, ficando como arrendatário do edifício. Este negócio foi comunicado aos investidores, com a publicação de uma informação no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e foi amplamente divulgada nos media.

    A solução de venda do edifício em 2018 foi também a escapatória depois de a Impresa ter falhado, no ano anterior, uma emissão de obrigações. Com BPI, o banco com ligação histórica ao grupo de Balsemão, a preferir não embarcar em novos financiamentos, e com a Caixa Geral de Depósitos a receber ajudas estatais, o grupo de Balsemão encontrou então no Novo Banco um novo amigo, apesar de a instituição bancária que sucedeu ao BES estar a receber injecções de capital dos contribuintes.

    Este negócio foi feito no mesmo ano em que a Impresa fez outra operação para tentar ‘salvar-se’ numa altura de crise, vendendo os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa escrita – nomeadamente as revistas Visão e Exame – à empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, que entretanto declarou insolvência e está em vias de implementar um plano de recuperação. Recorde-se que a compra das revistas à Impresa também foi financiada pelo Novo Banco, que arrisca ‘ficar a ver navios’ em relação aos 3,5 milhões de euros que emprestou a Delgado.

    Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa / Foto: D.R.

    Contudo, como o PÁGINA UM noticiou, a Imprensa recompraria o edifício ao Novo Banco em 2022, através de um negócio secreto. Apesar de ser uma empresa cotada em Bolsa, a Impresa também não informou os investidores, através de um comunicado formal, sobre a alteração da propriedade do seu edifício-sede, nem sobre o novo empréstimo de longo prazo contratado com o Novo Banco. O negócio também foi estranho.

    Como a Impresa não dispunha de recursos financeiros próprios, comprou o edifício com recurso a um empréstimo do Novo Banco. Ou seja, a instituição bancária emprestou o dinheiro para lhe ser comprado um activo, assumindo, ainda por cima, menos-valias pela transacção do imóvel. O Novo Banco nunca explicou as vantagens deste negócio.

    Segundo a Certidão Permanente da matriz do edifício-sede da Impresa, a venda do imóvel pelo Novo Banco à Impresa Office & Service Share – Gestão de Imóveis e Serviços foi efectuada em 23 de Dezembro de 2022. Simultaneamente, foi registada uma hipoteca sobre o edifício em nome do Novo Banco.

    Registo predial do edifício da Impresa. Em quatro ano, a Impresa recuperou a sua sede com um empréstimo do vendedor, que ainda fez um ‘desconto’ (ou uma assumida menos-valia) de 4,6 milhões de euros.

    Os detalhes do negócio não foram divulgados publicamente, mas o valor da hipoteca foi de 19.607.540,03 euros de capital – ou seja, bem abaixo dos 24,2 milhões de euros da transacção de 2018. No registo surge ainda que o Novo Banco garantiu um financiamento máximo de até 27.450.556,04 euros, o que pode indiciar que houve outros compromissos assumidos entre as duas partes. Mas, apesar de ter ‘recuperado’ a posse efectiva da sede, a Impresa submeteu-se à taxa de juro anual aplicada ao empréstimo de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades.

    Mas houve outro episódio em torno das instalações da Impresa em Paço de Arcos. Em Setembro de 2020, a Impresa tentou persuadir a Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente às suas instalações, em Paço de Arcos. Mas a autarquia indicou que preferia vender o terreno em causa ao efectivo dono da sede da Impresa, que era o Novo Banco.

    Assim, Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou negociar a compra do imóvel em nome do banco, para posterior transferência de propriedade para o grupo de media. Na proposta da Impresa, o Novo Banco compraria o terreno, com uma área de aproximadamente 2.000 metros quadrados e potencial construtivo de 800 metros quadrados, ficando garantido que a Impresa iria acabar por ficar dona do imóvel posteriormente. Segundo a Câmara de Oeiras, “o terreno em questão não foi alienado ao Novo Banco nem à Impresa”, tendo sido integrado numa venda em hasta pública.

    Em 2018, a Imprensa emitiu uma informação ao mercado, informando os investidores da venda do seu edifício-sede. Mas, em 2022, nenhum comunicado foi feito ao mercado. Para a CMVM, o mercado não precisava saber deste negócio e do novo empréstimo da Impresa através de um comunicado. A Impresa remeteu informações para os seus Relatórios e Contas, mas não se encontra nenhuma referência ou nota a explicar a operação de compra do seu edifício ao Novo Banco.

    Agora, com a Impresa a anunciar um prejuízo recorde e já sem activos tóxicos para despachar para uma nova empresa unipessoal como a que foi criada por Luís Delgado, o grupo põe na mesa fazer numa jogada de ‘engenharia financeira’, vendendo o edifício, possivelmente a um comprador que garantirá entrada de dinheiro ‘fresco’ nos cofres da empresa.

    Mas será mais um ‘remendo’ num grupo que opera num sector em crise sem fim à vista e com cada vez maiores fragilidades, como a submissão às exigências de contratos de parcerias comerciais que ‘ferem de morte’ a credibilidade jornalística e a confiança do público.

  • Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Os dois locais em Lisboa distam, entre si, apenas 3,9 quilómetros, mas não será por isso que a mudança de instalações dos serviços do Banco de Portugal da Avenida Almirante Reis para novas instalações, junto a Entrecampos, se prevê fácil. E nem será barata. Apesar de a mudança de cerca de mil funcionários do chamado Edifício Portugal para o Edifício Marconi ser temporária, porque está a ser projectada uma nova sede nos antigos terrenos da Feira Popular, a instituição liderada por Mário Centeno vai contratar serviços de transporte, com um preço base de 369 mil euros.

    De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM, o Banco de Portugal tem a decorrer um concurso para a contratação desta despesa, estabelecendo o caderno de encargos que “os serviços serão executados de forma faseada, em data a combinar entre as Partes, previsivelmente entre Abril de 2025 e Setembro de 2025”.

    Na lista de bens a transportar constam, além de equipamentos e material de 950 postos de trabalho com o respectivo mobiliário e computadores, um “piano, televisores, equipamentos de segurança e equipamento médico do Centro de Saúde e Medicina no Trabalho, a movimentar com os devidos cuidados”.

    O Banco de Portugal vai transferir temporariamente os seus serviços do seu edifício emblemático na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, para o edifício Marconi, junto a Entrecampos. / Foto: PÁGINA UM

    Nos equipamentos de segurança, estão incluídos três cofres e uma máquina de raio-x. Do equipamento de saúde, fazem parte cinco marquesas e até duas cadeiras de rodas.

    Também irão nas carrinhas de transportes e mudanças toda a documentação de arquivo e biblioteca que estão actualmente no Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, e um milhar de caixas de cartão com os pertences pessoais dos trabalhadores

    Um dos requisitos do Banco de Portugal perante a empresa de transportes a contratar é que se realize uma “reunião de kickoff“, a qual “será realizada 2 (dois) dias após a outorga do contrato” para, designadamente, “alinhar os objetivos e expectativas da prestação de serviços”.

    O edifício do Banco de Portugal na Avenida Almirante Reis encontra-se com andaimes e lonas desde 2021, após a queda de pequenas partes da fachada. / Foto: PÁGINA UM

    Recorde-se que esta mudança será temporária, visto que o Banco de Portugal firmou um acordo com a Fidelidade para adquirir um terreno no local da antiga Feira Popular de Lisboa, onde vai construir um edifício e ali concentrar diversos serviços.

    Esta verba para o transporte dos bens nas mudanças vem juntar-se a outras despesas já assumidas pelo Banco de Portugal na transferência para o edifício Marconi, que vão desde a compra de ‘cápsulas telefónicas’ por quase meio milhão de euros, a serviços de consultadoria no valor de 158 mil euros para, designadamente, ajudar os trabalhadores a mentalizarem-se a trabalhar num open space.

    Este contrato não será o único em vigor este ano referente a serviços de transportes e mudanças. Em Janeiro do ano passado, o Banco de Portugal adjudicou um contrato no valor de 568 mil euros à empresa Flamingo Mistério Unipessoal para prestar “serviços de transportes, mudanças, gestão de depósitos de património móvel, inventário e outros suportes logísticos”. No caso deste contrato, vai vigorar durante um prazo de 36 meses, mas é um mistério aquilo que vai abranger, porque o Banco de Portugal não incluiu o caderno de encargos no Portal Base, apesar dessa documentação fazer parte do contrato.

    Assim, no total, em serviços de transportes e mudanças, Mário Centeno vai gastar 937.260 euros apenas no espaço de três meses. Depois, quando o Banco de Portugal construir o seu novo edifício onde irá concentrar em definitivo os seus serviços, terá, de novo, de efectuar novas despesas milionárias com transportes e mudanças para o novo local.

  • Os jornalistas soldados de Ursula

    Os jornalistas soldados de Ursula


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 18º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que afectou os media na cobertura do anúncio de que a Comissão Europeia quer que União Europeia leve a cabo uma despesa recorde na compra de armamento. Também se analisa um caso de ‘cegueira’ do jornal Sol que publicou um artigo de opinião sobre a pandemia de covid-19 disfarçado de notícia.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.