Autor: Elisabete Tavares

  • Concertos ‘grátis’ dos James já custaram mais de meio milhão de euros ao erário público

    Concertos ‘grátis’ dos James já custaram mais de meio milhão de euros ao erário público

    São espectáculos realizados a convite de autarquias que visam promover os municípios — e os autarcas. Uma das bandas que tem facturado no último ano com concertos deste género é a banda britânica James, liderada por Tim Booth — tio da actriz portuguesa Maya Booth. Os seus concertos têm sido noticiados nos media como sendo de entrada “grátis”. Mas, na realidade, são pagos por todos os contribuintes. E não saem nada barato.

    No caso da banda britânica — que actua este Sábado em Penamacor —, no último ano, os seus três concertos de entrada “grátis” a convite de municípios custaram aos contribuintes a quantia de 518.937 euros.

    Os James actuaram em Vila Real no dia 5 de Julho. O concerto custou 194.832 ao erário público, mas a entrada era “grátis”. / Foto: D.R.

    O espectáculo desta banda — a qual se tornou popular nos anos 90 — que saiu mais caro aos bolsos dos contribuintes foi o que se realizou no dia 5 de Julho em Vila Real, a propósito das comemorações do centenário de elevação de Vila Real a cidade.

    Só este concerto garantiu aos James uma receita de 194.832 euros, com IVA incluído. A contratação feita pelo município de Vila Real foi fechada no dia 27 de Março, com a assinatura de um contrato por ajuste directo com a empresa Malpevent, Consultadoria e Produção de Eventos.

    Mas a banda agradeceu com a publicação de um vídeo do seu concerto em Vila Real nas redes sociais.

    De resto, como o PÁGINA UM noticiou, os custos dos eventos a realizar este ano no âmbito da comemoração do centenário de Vila Real iam já em meio milhão de euros no mês de Março e ainda havia contratos por publicar no Portal Base, a plataforma de registo das compras públicas.

    A banda britânica vai actuar hoje a convite da autarquia de Penamacor. Os contribuintes pagaram 183.270 euros por este concerto. Mas a entrada é “grátis”. / Foto: D.R.

    Um mês depois do concerto em Vila Real, os James actuam em Penamacor. O concerto está agendado para este sábado, dia 2 de Agosto, inserido na anual Feira Terras do Lince.

    A contratação foi formalizada no dia 30 de Junho através de um contrato por ajuste directo adjudicado pelo município de Penamacor à empresa Malpevent, Consultadoria e Produção de Eventos. O preço do concerto dos James ficou em 183.270 euros. É esse o valor pago pelos contribuintes para alguns poderem assistir a este concerto “grátis”.

    A autarquia de Penamacor, de resto, abriu os cordões à bolsa e, em pleno ano de eleições autárquicas, contratou ainda, para a Feira Terras de Lince de 2025, outro nome sonante. Os Gipsy Kings, com Nicolas Reys, actuaram ontem no evento pela “módica” quantia de 162.975 euros. A contratação foi efectuada no dia 2 de Julho num contrato por ajuste directo também adjudicado à empresa Malpevent.

    Foto: D.R.

    Em resumo, os contribuintes pagaram um total de 346.245 euros por estes dois concertos contratados pelo município de Penamacor, que tem apenas 4.797 habitantes. Ou seja, significa que estes dois concertos “grátis” custaram, na verdade, 72 euros por cada habitante do município.

    Os valores cobrados este ano pelos James aos municípios de Penamacor e Vila Real são mais elevados do que os cobrados à autarquia do Crato, no Verão do ano passado.

    A banda britânica actuou no dia 30 de Agosto de 2024 no Festival do Crato. A contratação da banda foi fechada a 19 de Junho de 2024, através de um contrato por ajuste directo adjudicado à empresa Bam! Bookings Management Unipessoal. O concerto gerou uma receita de “apenas” 140.835 euros para os James, que saiu dos bolsos dos contribuintes. Mais uma vez, segundo a imprensa, o concerto teve entrada “grátis”.

    Foto: D.R.

    Este ano, a banda ainda vai actuar, pelo menos, mais uma vez, em Portugal. Os James integram o cartaz do Festival de Vilar de Mouros e vão subir ao palco no dia 20 de Agosto. Mas aqui a entrada não é paga por todos os contribuintes. Só mesmo os que querem assistir é que terão de desembolsar o custo do bilhete diário do Festival, de 53,50 euros.

    Mas mesmo sem a receita obtida em Vilar de Mouros, os James já levaram mais de meio milhão de euros para casa graças a três generosos municípios portugueses.

    Assim, não é de espantar se no Verão do próximo ano houver mais concertos “grátis” da banda de Manchester a convite de municípios, apesar de 2026 não ser ano de eleições autárquicas. Basta que haja centenários para comemorar pagos pelos contribuintes e Feiras anuais com orçamento de luxo. Os James agradecem.

  • Para onde vais, Lisboa?

    Para onde vais, Lisboa?

    Tirana. Capital da Albânia. Passeando na rua, à noite, bancas de frutas tapadas com lonas permanecem à porta de alguns minimercados e mercearias, sem supervisão. Em alguns cafés, móveis das esplanadas ficam na rua toda a noite, sem correntes nem cadeados.

    Existe criminalidade em Tirana? Sim, como em todas as principais cidades. Mas alguns cenários em Tirana são já impensáveis em Lisboa, onde a real insegurança testemunhada diariamente pelos residentes e turistas contrasta com a quase invisibilidade do patrulhamento policial.

    Na madrugada desta terça-feira, a zona da Graça viveu mais uma noite de assaltos. Este bar na Travessa do Monte teve ‘sorte’. A janela estava fechada no trinco e os ladrões não conseguiram entrar. Mas os prejuízos pelos vidros partidos e cadeados estragados acumulam-se. Na Rua da Graça, a ‘casa dos crepes’ não teve a mesma sorte e foi mesmo assaltada. / Foto: D.R.

    Um exemplo. Na segunda-feira, o PÁGINA UM publicou a sua segunda reportagem sobre os ‘males’ que afligem a capital. Esta reportagem debruçou-se nos casos dos assaltos a casas no centro de Lisboa, perto da Graça, durante a noite, com as famílias a dormir.

    Na madrugada de terça-feira, a zona da Graça acordou e deparou-se com nova ronda de assaltos. A ‘casa dos crepes’, como é conhecida, viu a porta ser arrombada. Os ladrões conseguiram entrar. A manhã de anteontem foi de limpezas e com o proprietário a fazer contas aos estragos.

    Ali perto, na Travessa do Monte, um bar ficou com um vidro partido. Os ladrões não conseguiram entrar porque a janela estava fechada no ‘trinco’. Foi o que valeu. Os agentes da polícia estiveram no local a recolher provas. Mas ninguém tem esperanças de que os ladrões venham a ser apanhados e que tenham de pagar os estragos que deixaram para trás em mais uma noite de roubos na zona.

    Na Rua da Graça, os donos de lojas e cafés na zona já perderam a conta ao número de assaltos ocorridos na zona durante a noite. Além disso, há prejuízos causados por roubos feitos durante o dia.
    / Foto: PÁGINA UM

    “Pensámos que estava melhor, mas não. Os assaltos voltaram”, disse um dos proprietários de um dos estabelecimentos na Rua da Graça. Nem os quiosques de jornais escapam aos roubos. Um deles foi assaltado duas vezes só este ano. Na primeira vez, os ladrões foram bem sucedidos e conseguiram entrar e concretizar o assalto. Da segunda vez, deixaram o cadeado danificado. Para o dono do quiosque, foi mais um prejuízo, a juntar aos anteriores.

    Na movimentada farmácia, no Largo da Graça, junto ao quartel dos bombeiros, foi necessário contratar um segurança privado que agora previne roubos diurnos. Mas, mesmo assim, as funcionárias encontram alarmes no chão frequentemente. Um sinal de que alguns dos produtos expostos nas prateleiras já tinham ‘voado’.

    A esta onda de roubos durante o dia não será alheio o facto, de nas redondezas, se ter normalizado a instalação de tendas de sem-abrigo e toxicodependentes. O caso da degradação do Jardim da Cerca da Graça é testemunha disso.

    Tirana, Albânia. / Foto: PÁGINA UM

    Mas não são apenas os assaltos a casas, estabelecimentos comerciais e pessoas que sinalizam a tendência decadente da capital. Os montes de lixo espalhados por cada esquina e junto a ecopontos multiplicam-se pela cidade. A impunidade instalou-se. Além de lixo doméstico e de lojas e restaurantes, vêem-se sofás, móveis velhos, electrodomésticos, colchões, … Em algumas ruas, há vários ‘montes’ de lixos visíveis. E há a somar os sacos de obras e empreitadas na construção de empreendimentos de luxo e casas para vender a turistas a peso de ouro.

    Testemunhei situações em que funcionários da autarquia passaram para retirar lixos e entulhos a seguir ao almoço e, ao final da tarde, já lá estava mais lixo e entulho nos mesmos locais.

    Mas o maior problema é o tráfico de droga que prospera no centro de Lisboa. Se há tantos toxicodependentes é que por que há droga. Se há tantos consumidores, é porque há vendedores, traficantes. Não é preciso ser polícia para ver o consumo e o tráfico. É feito em plena luz do dia em alguns locais.

    Foto: PÁGINA UM

    Veja-se a tão falada Rua do Benformoso. Não se vê nenhum imigrante hindustânico entre os que estão sentados na escada do costume com cara de poucos amigos. A confusão e os distúrbios ali são diários. Não há vez que lá passe que não assista a confusão. Mas depois vemos o aproveitamento que existe para se atacar imigrantes hindustânicos.

    Tomar um café no Martim Moniz é uma dor de alma. Dá pena até pelos turistas que se acotovelam na longa fila para o eléctrico 28, sob o sol tórrido de Julho. Em 20 minutos, assisti a várias altercações violentas envolvendo pessoas claramente dependentes (drogas, álcool). Os funcionários dos cafés e lojas da zona mereciam uma medalha. Nem imagino o que passam ali, todos os dias.

    Foto: PÁGINA UM

    Jovens lisboetas apontam aquela zona como zona de passagem proibida à noite. E mesmo durante o dia, há ali ruas em que não entram, porque os assaltos são certos.

    Caminhando pela baixa lisboeta, o que ouço é o mesmo: muitos assaltos, muitos roubos. Muitos toxicodependentes. (E crimes violentos. Veja-se o crime hediondo noticiado ontem, sobre o corpo decapitado de um homem que foi encontrado perto do Rossio.)

    Isto são apenas exemplos. Chegam-nos testemunhos ao PÁGINA UM de lisboetas que vivem em diferentes pontos da cidade que relatam os mesmos problemas: assaltos; lixo e sujidade; toxicodependentes a viver nas ruas.

    No Jardim da Cerca da Graça são visíveis seringas em várias zonas do espaço. / Foto: PÁGINA UM

    Não é possível pensar que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e as juntas de freguesia conseguem resolver, por si só, sem apoio de outras entidades, os graves problemas que afligem a capital.

    É urgente um plano para salvar a cidade da crescente degradação. Não pode ser um plano que envolva apenas a autarquia e as juntas de freguesia. Há que envolver as autoridades policiais e outras entidades. Combater o tráfico de droga com mão-pesada. Multar de forma agressiva os que forem apanhados a entupir as ruas de lixo e monos.

    Não é possível que Portugal aceite ter esta Lisboa como cartão de visita para os turistas. E muito menos é aceitável que o país aceite ter esta Lisboa, neste estado decadente, para os seus residentes, imigrantes incluídos.

    Carlos Moedas enfrenta uma cidade com problemas complexos e que incluem evidentes focos de tráfico de droga e criminalidade generalizada. Mas o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não vai certamente conseguir resolver este tipo de problemas sozinho. / Foto: D.R.

    Olhando para o estado de algumas zonas da cidade, faz-me lembrar a Lisboa dos anos 80 e 90. E não falo das saudosas salas de cinemas e das maravilhosas piscinas públicas, que tantas alegrias traziam no Verão. Falo dos assaltos nas ruas, falo do Intendente da droga e da prostituição, de zonas como o Casal Ventoso, os bairros de barracas e casas pré-fabricadas. Em alguns aspectos, assistimos hoje a uma espécie de ‘déjà vu‘.

    Ver Lisboa assim causa tristeza. Afinal, o que aconteceu à cidade? Como chegou aqui? O mais fácil será atirar culpas para Carlos Moedas, mas é injusto e redutor. O mesmo vale para os vários presidentes das juntas. Porque quem coloca os monos e os lixos tem responsabilidade. Quem falha no controlo e na prevenção do tráfico de droga e da criminalidade tem responsabilidade. Quem aprovou políticas irresponsáveis que deixaram entrar imigrantes com perigosos e cadastro. Quem aprovou políticas desumanas que atiraram mais portugueses para a pobreza ou para o sobre-endividamento tem responsabilidades. Ou quem criou políticas desastrosas que aumentaram ainda mais a desigualdade.

    E todos nós temos responsabilidade pela cidade em que vivemos. Fazemos parte dela. Esperar que “os outros” resolvam tudo é um absurdo. Despejar os desgostos nas redes sociais pode ser bom, mas só é útil se envolver algum tipo de envolvimento cívico concreto para a resolução dos problemas.

    Os lisboetas não podem estar à espera que a autarquia e as juntas de freguesia resolvam todos os problemas que afligem a cidade. O lixo e ‘monos’ que entopem as esquinas de muitas ruas da capital não aparecem lá sozinhos. / Foto: D.R.

    O que temo é que Lisboa seja, neste momento, apenas um reflexo do país. Um sintoma de uma doença mais vasta que se alimenta, em parte, de políticas irresponsáveis, da falta de escrutínio e fiscalização mas também do conformismo e da falta de cultura cívica de muitos portugueses.

    Em 2025, Lisboa tem tiques de uma cidade dividida. De um lado os hotéis de luxo, os restaurantes ‘gourmet‘, os condomínios novos com vista e piscina. Do outro, o lixo, a insegurança, o tráfico de droga, as tendas dos sem-abrigo nos jardins. Uma cidade de primeiro mundo em que a desigualdade dispara a olhos vistos.

    Esta Lisboa desigual, insegura, decadente e suja normalizou-se. E, sinceramente, não penso que isso seja normal. Pois Lisboa não precisa ser como Tirana e passar a ter as bancas de fruta na rua durante a noite, ou ter os móveis das esplanadas sem correntes e cadeados. Mas isso não seria o ideal? Actualmente, a realidade é bem diferente. Se uma rua da capital não acordar com uma montra partida, já é bom. E isto não é normal.

    Elisabete Tavares é jornalista

  • ‘Nem no Brasil isto me aconteceu’

    ‘Nem no Brasil isto me aconteceu’

    Sobem de noite pelas escadas de incêndio dos prédios e entram nos apartamentos, enquanto as famílias dormem. Levam o que podem, sobretudo telemóveis, carteiras, tablets e computadores portáteis, consolas de jogos. No mês de Junho, numa só noite foram várias as casas roubadas numa rua no centro de Lisboa, perto da Graça.

    A Polícia de Segurança Pública (PSP) confirmou estes roubos e as invasões de domicílio. Mas não investigou nem procurou prender os ladrões nem recuperar os bens roubados.

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    Foto: D.R.

    O motivo avançado pela PSP para não procurar e deter os meliantes é o facto de as famílias que foram vítimas dos roubos não terem pedido um “procedimento criminal”.

    Não se sabe ao certo quantas famílias foram vítimas deste tipo de assalto naquela noite de Junho na mesma zona. A PSP indicou que apenas “foram registadas 2 (duas) ocorrências de furto em residência com recurso a escalamento através de janelas que se encontravam abertas”. O PÁGINA UM apurou que houve mais.

    Por outro lado, a PSP omitiu que, nas duas ocorrências que ficaram registadas, as janelas que estavam abertas situavam-se a uma altura de 10 e 15 metros. Para lá chegarem, os criminosos tiveram de passar por cima de estendais, correndo risco de vida, e percorrer cerca de dois metros em parapeitos de poucos centímetros.

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    Foto: D.R.

    Foi o caso da família de “João”, um imigrante brasileiro que acabara de se mudar para aquele apartamento, perto da Graça. O andar onde agora vivem corresponde a um quarto andar alto, na zona das traseiras. Numa manhã de Junho, a família acordou com um grito. Quando João se levantou, percebeu que faltavam objectos em casa. E havia coisas remexidas. Os ladrões deixaram também notas de dinheiro de brincar, de um jogo de tabuleiro, espalhadas pelo chão junto à cozinha. Não pertenciam à família. Tinham sido retiradas de outra das casas assaltadas no prédio.

    “Estou em choque. Nem no Brasil isto me aconteceu”. Durante pelo menos um mês, João não conseguiu dormir de noite. Ficou traumatizado. Na noite do roubo, estava a dormir com a sua mulher. A filha, bebé, dormia no quarto ao lado. “Não consigo deixar de pensar que entraram na nossa casa connosco a dormir. Andaram pela casa. A nossa filha estava a dormir sozinha no seu quarto.”

    “Por sorte”, não fizeram mal a ninguém. Nem à bebé. Levaram um telemóvel, um tablet, um portátil. O telemóvel do João não estava visível e escapou do assalto.

    Agora, João instalou um alarme com sensor que dispara ao mínimo movimento. Mas ainda não consegue dormir descansado.

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    Foto: D.R.

    Também foi assaltada outra família no mesmo prédio naquela mesma noite. E outras casas sofreram tentativa de assalto.

    Foi o caso da vizinha de cima do João, que naquela noite estava sozinha em casa com o seu bebé de poucos meses. O marido estava ausente nessa noite. Ouviu barulhos na zona das traseiras da casa. Estava alguém a tentar abrir as janelas e a mexer no puxador da porta. Acendeu as luzes e fez telefonemas. Estava apavorada.

    Mas, segundo apurou o PÁGINA UM, mais casas foram assaltadas ou sofreram tentativas de assalto na zona, na mesma noite e em outras noites. O modus operandi é similar: os ladrões saltam os muros que cercam as traseiras dos prédios; depois vão subindo pelas escadas de incêndio, andar por andar, em busca de janelas abertas ou portas mal fechadas. Mas não só. Em alguns casos, basta forçar ligeiramente e as janelas abrem. Nem pequenas janelas de casas-de-banho escapam. Numa das casas assaltadas este ano na zona, a entrada dos ladrões foi feita pela pequena janela da casa-de-banho. Também os andares que não têm estores a proteger as janelas são os mais propensos a ser alvo de intrusão.

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    Foto: D.R.

    O PÁGINA UM solicitou à PSP dados sobre o número deste tipo de assaltos, feitos com as famílias a dormir, que ocorreram este ano em Lisboa. Também quis saber se há zonas mais afectadas por este tipo de roubos ou se as áreas centrais, com prédios mais antigos e janelas menos seguras, são as mais afectadas. Mas ainda aguardamos pelas respostas.

    Na zona em redor da Graça e em Arroios, a situação não é nova. Mas segundo os múltiplos testemunhos que ouvimos, têm vindo a multiplicar-se estes casos de assaltos com as famílias a dormir. Nem todas as famílias fazem queixa na polícia. Até porque algumas só se apercebem que foram vítimas de roubo quando dão por falta de algum dos bens roubados.

    De resto, nestas zonas, nada se pode deixar nas traseiras de casa. Mesmo roupas estendidas no estendal ‘voam’ de madrugada.

    Lisboetas queixam-se de falta de patrulhamento, sobretudo durante a noite. / Foto: D.R.

    Do mesmo modo, ouvimos relatos que apontam que se tornaram comuns os assaltos a viaturas estacionadas na via. As de matrícula estrangeira são mais propensas a ter os seus vidros partidos, já que os ladrões procuram ver se os turistas deixaram algo de valor guardado na bagageira. Mas não há viatura que escape. Todas as semanas há roubos a carros na zona. Além de motas e bicicletas que são levadas ou que são danificadas pelas tentativas de roubo, ficando, por exemplo, sem rodas ou sem selins.

    Também os donos de estabelecimentos comerciais estão fartos dos roubos e dos assaltos. Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, os empresários têm falado na existência de um clima de insegurança. Alguns estabelecimentos já foram assaltados várias vezes. “Só na rua da Graça, na mesma noite, houve três montras de lojas partidas por assaltantes”, disse ao PÁGINA UM uma fonte de uma junta da freguesia.

    Foi mesmo criada uma petição, reunindo assinaturas de dezenas de proprietários de estabelecimentos destas zonas, a pedir um reforço de segurança e policiamento. “Abrimos as nossas portas todas as manhãs, sem saber se seremos as próximas vítimas”, lê-se no texto da petição. “Esta onda implacável de crimes não só coloca em risco a nossa segurança e a de nossos colaboradores, mas também abala a confiança e a tranquilidade dos nossos clientes”, adianta.

    Um dos estabelecimentos junto à Graça que foi alvo de assalto este ano. / Foto: PÁGINA UM

    Além da insegurança, a permanência de sem-abrigo e aumento de toxicodependentes na zona tem criado ainda mais problemas de segurança e distúrbios, e contribuído para a degradação de equipamentos e acumulação de lixos. É o caso da situação vivida no Jardim da Cerca da Graça, que foi objecto da primeira reportagem do PÁGINA UM sobre os ‘males’ que afectam a capital.

    “Nunca imaginei que viesse a ter estes problemas em Lisboa. É muito assustador”, lamentou João. A sua família foi uma das duas ocorrências registadas pela PSP após aquela noite fatídica. Foram aconselhados a apresentar queixa apenas para poderem accionar o seguro dos bens roubados. De resto, não esperam vir a recuperar os bens roubados ou que sejam detidos os ladrões que invadiram a sua casa durante a noite.

    A PSP indicou ao PÁGINA UM que só é feita uma investigação e recolhidas provas, como as impressões digitais, se as vítimas assim o solicitarem. “Sempre que ocorre um furto no interior de residência e, caso o lesado manifeste vontade de procedimento criminal, sendo detetados indícios de introdução ilícita e outros elementos probatórios, é acionada uma equipa de Inspeção Judiciária da PSP”.

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    Foto: D.R.

    Nestes casos, a PSP apontou que havia janelas abertas. E que não consta “qualquer referência nos registos policiais à colocação em perigo da vida de pessoas, nomeadamente de crianças”.

    Ou seja, fica-se à espera de uma tragédia para actuar. Até lá, os mesmos ladrões, possivelmente de forma organizada, irão continuar a entrar em casas, com as famílias a dormir, noite após noite.

    Contudo, a PSP “relembra que o conhecimento das ocorrências é fundamental para uma melhor monitorização da criminalidade e adequada afetação de meios”. Dos casos ouvidos pelo PÁGINA UM ocorridos na mesma noite em Junho, só dois reportaram à PSP o sucedido. Assim, “apela-se a todos os cidadãos que comuniquem formalmente quaisquer situações de que tenham sido vítimas ou testemunhas, reforçando o compromisso com a segurança de todos”. Na prática, quando mais queixas houver, maior a probabilidade de ser reforçado o patrulhamento policial.

    Os assaltantes entram nas casas pela noite e madrugada, através das escadas de incêndio. Aproveitam janelas abertas ou forçam ligeiramente janelas ou estores mais frágeis. Chegam a correr risco ao passar por cima de estendais de roupa a uma altura superior a 15 metros. / Foto: D.R.

    Indicou ainda que “a PSP mantém o policiamento regular e de visibilidade, ainda que de forma não contínua, garantindo uma presença preventiva e dissuasora no local, de acordo com os princípios da atuação policial em função do risco e da necessidade identificada”.

    No caso em concreto deste tipo de roubos com invasão de domicílio, “a PSP continuará a monitorizar a situação com atenção, ajustando a sua atuação sempre que os indicadores de segurança assim o justifiquem”.

    Na Graça, Arroios e redondezas, os residentes queixam-se do mesmo: há mais roubos, assaltos e insegurança. E poucas vezes vêm algum polícia ou carro da PSP a passar. Sentem que estão por sua conta e risco.

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    O PÁGINA UM também colocou questões ao Ministério da Administração Interna e à Polícia Judiciária mas remeteram o tema para a PSP, a quem caberá competências neste tipo de crime.

    Quanto às famílias vítimas de roubo, põem trancas às portas e às janelas, reforçam a segurança e passam a viver com o medo e o trauma. Para os ladrões, a via da impunidade continuará aberta. Nem sequer precisam de usar luvas ou máscaras. Não irão ser identificados nem detidos pelos crimes cometidos e pelos bens roubados.

  • Até os gelados são roubados neste jardim de Lisboa

    Até os gelados são roubados neste jardim de Lisboa

    Seringas, dejectos, lixo. É este o cenário que os visitantes do Jardim da Cerca da Graça encontram quando visitam o espaço, situado numa das zonas centrais da capital. A degradação do jardim acelera a olhos vistos.

    Ali, os assaltos são constantes e mesmo o café quiosque que se situa no local teve de se adaptar a este novo ‘normal’ no jardim, em que os roubos são mais do que frequentes.

    O Jardim da Cerca da Graça, em Lisboa, situa-se junto numa zona adjacente à Igreja da Graça. Foi inaugurado em 17 de Junho de 2015 pelo então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. Foi alvo de trabalhos de requalificação em 2019, mas muitos problemas de segurança persistem há anos e têm-se vindo a agravar.

    Depois de receber várias denúncias e alertas, o PÁGINA UM decidiu visitar o local. Desci as escadas que estão na entrada do jardim, junto à Calçada do Monte. À direita, decidi passar pelo café quiosque que existe no jardim. Pedi um café e um gelado. “Esse gelado não temos”, respondeu um dos funcionários. “Não temos gelados quase nenhuns. A arca foi assaltada. Tivemos de a mudar de local. Agora temos de a guardar na casa de banho todas as noites”. Antes, a arca de gelados estava no exterior, dentro de um pequeno abrigo de metal, fechado a cadeado.

    Mas não foram só os gelados a serem levados deste estabelecimento. Barris de cerveja também ‘voaram’. Nem as lâmpadas do quiosque escaparam aos assaltantes. Os clientes habituais, esses começaram a deixar de aparecer.

    Este início de reportagem não augurava nada de bom sobre o espaço. Os assaltos ao café quiosque acabaram por ser o mal menor do que encontrámos naquele jardim lisboeta.

    No parque infantil, o chão encontra-se repleto de dejectos de cães (ou pessoas), pontas de cigarros, lixo e isqueiros. Encontrei num dos escorregas uma pilha de lixo que inclui ‘restos’ de roubos: cartões bancários e de crédito, carteiras abertas. Seringas.

    O que encontrei confirma o que já nos tinha relatado um morador, imigrante brasileiro, pai de uma menina. “Levei uns amigos ao Jardim da Cerca no fim-de-semana e as nossas meninas foram para o escorrega e tem lá um abrigo de madeira. Estava lá um rapaz a consumir droga. Havia seringas. Fugimos dali.”

    O Jardim da Cerca da Graça no dia da sua inauguração. / Foto: D.R.

    Ao lado do escorrega maior, três tendas ocupam o espaço destinado a correrias e brincadeiras de crianças. A mesa redonda existente no parque infantil, outrora usada para piqueniques e festas de aniversário infantis, estava ocupada por três jovens de aparência hippie e descontraída a fumarem drogas ‘leves’. O cheiro similar a ‘haxixe’ sente-se em várias zonas do parque infantil.

    Nas mesas e cadeiras ao lado, na zona de ‘piquenique’, vários homens hindustânicos conversavam. Mas, testemunhas relataram que a zona de piquenique serve sobretudo para grupos consumirem álcool, designadamente ao fim da tarde e à noite. O parque encontra-se encerrado durante a noite, mas continua com actividade, incluindo consumo e tráfico de droga.

    Crianças no parque infantil, havia uma — um menino a brincar na ‘aranha’. Havia ainda duas adolescentes a andar nos baloiços, perto do parque que foi construído para se passear os cães. Junto a elas, nova tenda e uma ‘casa’ improvisada ocupavam um dos cantos do parque para canídeos.

    Caminhando de regresso ao relvado, um monte de cobertores e edredons repousava num dos ‘bancos’ longos de pedra situado junto a uma das ‘ruas’ do jardim. Ao fim dessa ‘rua’, mais tendas.

    Alguns turistas passavam incrédulos pelo jardim, maravilhados com a vista mas a comentar o “triste” estado do jardim.

    Passeando pelo espaço, são visíveis seringas, beatas, isqueiros, garrafas e latas de bebidas. Passaram a fazer parte da ‘paisagem’ daquele espaço verde da cidade. Os moradores deixaram, na sua maioria, de lá ir. “Já lá fiz a festa de anos da minha filha mas hoje não ponho lá os pés”, disse Joana, que reside na Graça. “Está uma vergonha e é perigoso. Não dá para os miúdos andarem no escorrega sequer quanto mais estar no relvado. É uma pena o que aconteceu a este parque”.

    Não há no jardim nenhuma zona que escape à degradação. Mesmo o ‘parque de areia’ para as crianças brincarem está impróprio para uso. Vários objectos, como isqueiros, e lixos diversos, sobretudo beatas, estão misturados com a areia.

    Os testemunhos são idênticos, à medida que ouvimos alguns dos residentes no bairro. “Só os turistas é que aturam aquilo. E alguns jovens e o pessoal que vai passear o cão. Mas não passeiam o cão no parque dos cães; deixam-nos fazer tudo na relva e depois a malta que se sente em cima da porcaria, se quiser.”

    De resto, os testemunhos que ouvimos deram conta de serem frequentes os assaltos no jardim. Os telemóveis são os objectos mais roubados, a par das carteiras e malas de senhora. Mas tudo vale. Alguém mais distraído que se descalçou no relvado, ficou sem os ténis num piscar de olhos.

    A Junta de Freguesia de São Vicente confirmou que recebe queixas frequentes sobre os problemas existentes no Jardim da Cerca da Graça, mas diz ser alheia ao caso, remetendo responsabilidades para a autarquia. O PÁGINA UM enviou ontem perguntas para o gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, e para o vereador com o pelouro dos espaços verdes, Rui Cordeiro, e ainda aguardamos pelas respostas.

    O jardim, inaugurado em 17 de Junho de 2015 pelo então presidente da CML, Fernando Medina, já foi alvo de trabalhos de requalificação em 2019. Na pandemia, houve períodos em que chegou a estar aberto apenas a quem tinha cão. Um polícia à porta impedia a entrada de crianças, jovens ou ‘adultos sem cão’. Na altura, o parque da EMEL, junto ao futuro hotel de luxo, serviu de parque infantil para os que queriam jogar à bola, andar de triciclo ou de trotineta.

    Hoje, o jardim é o espelho e o principal sintoma de uma ‘doença’ que tem levado à crescente degradação do bairro da Graça e que tem uma vertente social, ambiental e urbanística.

    São visíveis os amontoados de lixo que cobrem a colina junto à Calçada do Monte. Garrafas, roupas, vidros partidos misturam-se com plásticos, papéis, sacos e embalagens de comida sujas.

    No outro lado da estrada, o muro que ‘desce’ com a Calçada está coberto de grafitis e nas saliências existentes, onde pombos costumam ter ninhos, há agora garrafas de vinho e latas de refrigerantes.

    Os que arriscam deixar os carros estacionados na Calçada do Monte durante a noite encontram, frequentemente, as viaturas com os vidros partidos ou interiores remexidos. De resto, os assaltos a carros, roubos ou tentativas de roubos de motas e bicicletas estacionados na rua tornaram-se comuns.

    Seguindo em direcção à Graça, pela Rua Damasceno Monteiro, avista-se uma ruína, que é o que sobrou da ‘casa de electricidade’ localizada no antigo parque da EMEL, e que foi incendiada recentemente. Depois do incidente, funcionários da CML estiveram no local para ‘limpar’ a zona que tinha sido ocupada por um casal sem-abrigo. O homem passou a ser conhecido na zona por causar distúrbios e extorquir dinheiro a turistas no estacionamento. Antes da limpeza, o local acumulava diariamente objectos, roupas e lixo diverso.

    Também o parque de estacionamento existente do outro lado da rua foi ‘limpo’ na semana passada, tendo sido retiradas as tendas e lixo que se encontravam no local. Mas já lá estão tendas de novo.

    Estes dois parques de estacionamento foram encerrados há cerca de quatro anos para a construção de um hotel de luxo no antigo Quartel da Graça. O hotel, cuja abertura estava prevista para 2022, ainda nem uma telha nova tem em meados de 2025 e o projecto tem sido alvo de contestação popular.

    Com o passar do tempo, e dada a escassez de estacionamento na zona, um dos parques foi reaberto informalmente, não sendo gerido por nenhuma entidade. Os tapumes que se encontram a tapar os antigos parques de estacionamento servem agora de mictório ao ar livre e contribuem para o aspecto degradado da zona.

    “Eles vêm limpar isto e passado uns dias está tudo sujo de novo”, lamentou uma residente no bairro. “Ninguém tem mão nisto e está cada vez pior”.

    O sentimento de insegurança e impunidade instalaram-se. A par do lixo e da permanência de sem-abrigo e toxicodependentes na zona, somam-se os assaltos a quem passa na Calçada do Monte e também aos estabelecimentos comerciais.

    Os agentes da PSP que foram chamados no dia da retirada de tendas do parque de estacionamento ‘informal’, já tinham interagido várias vezes com os sem-abrigo residentes no local. Em breve, serão chamados de novo. As tendas voltarão a ser retiradas. E tudo se irá repetir sem se resolver em definitivo.

    Sem respostas e sem soluções, este bairro lisboeta assiste ao fenómeno esquizofrénico de ver nascer cafés gourmet ao mesmo ritmo em que surgem tendas de sem-abrigo e a insegurança cresce.

    Para as famílias que residem na zona, a realidade é que têm vindo a perder espaços urbanos, como o jardim comunitário onde podiam fazer piqueniques com as crianças. Em troca, ganharam insegurança, lixo nas ruas, a que acresce o movimento contínuo de tuk-tuks. É caso para dizer que a Graça já teve graça, mas parece que agora caiu em desgraça.

    Fotos: PÁGINA UM

  • Num país de barracas, a Catarina Furtado é o menor dos nossos problemas

    Num país de barracas, a Catarina Furtado é o menor dos nossos problemas

    Rita Matias e Catarina Furtado trocaram galhardetes por causa de barracas. A apresentadora e a deputada do partido Chega acusaram-se mutuamente de serem ignorantes. Matias aproveitou para criticar o facto de Furtado receber cerca de 15 mil euros de vencimento mensal na RTP.

    É este o país que temos. Uma deputada a lançar insultos. Uma apresentadora a lançar insultos. Ainda por cima, duas caras bonitas. O caso torna-se facilmente um dos assuntos da semana nas redes sociais e na imprensa. O povo vai entretido. A apresentadora promove mais um pouco a sua imagem — o que é excelente para angariar mais contratos de publicidade. A deputada ganha mais audiência e caça mais uns votos, até porque é candidata à Câmara de Sintra nas eleições autárquicas.

    Foto: D.R.

    Mas as barracas continuam por aí. E não há só barracas em Loures. E há quem nem sequer uma barraca tenha para viver. Há quem viva numa tenda. Num quintal. Num quarto pequeno com bolor, a dormir à vez em beliches. Na rua.

    Catarina deveria estar a receber 15 mil euros por mês numa TV pública, anos a fio? Obviamente que não. Um país com barracas, pobreza e um salário mínimo vergonhoso, pensões de reforma vergonhosas, nunca deveria permitir tal despesismo por parte da estação pública de televisão, a qual é financiada pela contribuição para o audiovisual que é cobrada aos consumidores de electricidade.

    Atenção: Catarina Furtado é muito talentosa e merece bem o seu vencimento milionário. Mas não o deveria estar a receber num canal público, mas num canal privado.

    Catarina Furtado. / Foto: D.R.

    Mas o caso do salário de Catarina Furtado é apenas um dos símbolos da mentalidade que temos tido em Portugal, em que o despesismo e as despesas públicas extravagantes se tornaram normais, a par da corrupção, do tráfico de influências e do compadrio.

    São roubos que são feitos aos contribuintes. Todos os dias. Todos os meses. Todos os anos. Ano após ano.

    Em 2025, Portugal é um país com barracas, encurralado pelo despesismo, pela corrupção e pelo conformismo.

    Para o Chega, ganhar em algumas autarquias vai ser uma prova de fogo. O nível de despesismo e excentricidades em alguns municípios representam muitos 15 mil euros multiplicados e distribuídos por almoços, jantares, esculturas, festas ‘grátis’, carros, prendas, brindes, viagens e acções de ‘team building‘ para ‘líderes’ da autarquia.

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    Foto: D.R.

    Vamos ver como se comporta o Chega em municípios que venha a liderar, e se Rita Matias vai condenar o eventual despesismo de novos autarcas do seu partido.

    Mas, saindo do universo das autarquias, passamos para um outro nível de gastos públicos e aí é aos milhões e milhões, com a TAP a ser a cereja no topo de um bolo que inclui bancos, empresas públicas falidas, fármacos que acabam no lixo, obras públicas que derrapam para o bolso de alguém… Um bolo que tem ajudado a construir muitas vivendas e a comprar apartamentos no estrangeiro.

    Mas o país vai andando. O povo, conformado. Porque a culpa “é dos governantes”. Eles que “resolvam”.

    Foto: D.R.

    E, assim, continuamos com barracas. Com pobreza. Fome. Com escolas geladas no Inverno, sem condições. Com esquadras a meter água da chuva. Com polícias mal pagos. Com professores exaustos e desanimados. Sem acesso a saúde condigna. Os partos a terem de ser feitos em ambulâncias, na auto-estrada.

    Estes são alguns dos motivos que levam o PÁGINA UM a ter como uma das suas prioridades fazer notícias sobre os gastos públicos. Porque sempre que fazemos notícias sobre contratos públicos milionários por ajuste directo, ou simplesmente com fins mirabolantes, conseguimos vislumbrar um pouco o que se passa com o ‘nosso’ dinheiro. Para onde vai. Como se esvai. Para o bolso de quem vai.

    Mas, apesar de ser o ‘nosso’ dinheiro, a maioria dos portugueses está-se ‘nas tintas’. Alguns, se calhar, têm é pena que não tenham amigos numa câmara municipal ou numa junta de freguesia para lhe fazer um pequenino ajuste directo ocasionalmente.

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    Foto: D.R.

    Em geral, os portugueses continuam a não querer saber. Mas, na hora de votar, alguns decidiram mudar o seu voto para o Chega, nas últimas eleições. Porque ‘querem mudança’.

    Pois, muitos leitores não vão gostar, mas tenho cá a ideia de que a verdadeira mudança só virá de cada cidadão, de cada munícipe. Virá de cada um se interessar pelo país, pelo seu município, pela sua freguesia. Pelos seus vizinhos, imigrantes incluídos. Votar não é suficiente, seja em que partido for.

    A mudança virá do envolvimento directo de cada um. De questionar os seus governantes locais sobre o que andam a fazer quando assinam tantos ajustes directos. Virá do associativismo. Do cooperativismo. Porque votar não chega.

    A mudança pode até passar por se começar a questionar a RTP do porquê de suportar, a peso de ouro, uma única apresentadora de TV. Mas não chega. Não chega, mesmo.

    Sede da RTP, em Lisboa. / Foto: D.R.

    Porque tirar Catarina Furtado da estação pública iria trazer poupanças. Quem sabe, até daria para contratar jornalistas e fazer notícias e reportagens que fossem verdadeiro serviço público — e não os pés de microfone que frequentemente vemos na RTP. Mas não iria criar casas em Loures.

    Repare-se que Catarina Furtado não furtou nada aos contribuintes. O seu único ‘crime’ foi ter tido a sorte de alguém na RTP achar que Portugal é um país com petróleo e que, portanto, tinha ordem para esbanjar à vontade os dinheiros públicos numa estrela de TV.

    Rita Matias tem razão em condenar um salário principesco na RTP, num país com barracas. Catarina Furtado tem razão em sentir empatia pelas famílias sem casa, em Loures. Andarem a insultar-se uma à outra na praça pública apenas dá lenha para a fogueira que alimenta o voto no Chega. Não traz casas a quem não tem.

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    Foto: D.R.

    Mas se este ‘conflito’ entre Rita Matias e Catarina Furtado trouxer casas a alguém que delas precise, então proponho que se erga uma estátua a ambas com a seguinte inscrição: “Duas grandes activistas pelo fim da ignorância”. Poderia até ser uma ‘obra’ a trazer ‘vida’ a uma qualquer rotunda ou jardim em Loures. Mas sem ter dinheiros públicos à mistura, nem envolver encomendas a escultores amigos do presidente da câmara.

    Podia fazer-se antes uma ‘vaquinha’ na Internet para as estátuas. Ou talvez para as casas das pessoas das barracas em Loures. Porque os dinheiros das autarquias e das juntas, os dinheiros do Orçamento do Estado, chegam para estátuas, festas ‘grátis’, luxos, extravagâncias, TAPs e bancos. E salários de apresentadoras ‘estrela’. Os dinheiros públicos não chegam para tirar gente de barracas. Para casas, já não há.

    Elisabete Tavares é jornalista

  • Imigrantes, ou os novos ‘não-vacinados’ que nos vão aniquilar…

    Imigrantes, ou os novos ‘não-vacinados’ que nos vão aniquilar…

    Em vésperas de entrarmos neste milénio, surgiu um filme que se tornou um fenómeno de culto. O protagonista queria saber o que era “a Matrix”. Para isso, teve de escolher entre tomar um comprimido vermelho ou um comprimido azul. Se tomasse o azul, voltaria para casa para viver a sua vida normal e acreditar no que quisesse. Se tomasse o vermelho, iria conhecer a verdade, que nada mais era do que a realidade.

    Nesta cena icónica, Morpheus, interpretado pelo brilhante actor Laurence Fishburne, revela a Neo (Keanu Reeves) que a Matrix não pode ser explicada, tem de ser vista em pessoa. Mas adianta-lhe uma informação: a verdade é que ele é um escravo, nascido numa prisão. Tal como todos os humanos.

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    A narrativa de “The Matrix” está assente na ideia de que a nossa mente está programada e que vivemos uma simulação. Para mim, uma das cenas mais interessantes do filme dos (então) irmãos Wachowski  (que agora são irmãs), é quando Morpheus e Neo entram num programa para se enfrentarem num treino de luta, pela primeira vez. Morpheus, procurando ensinar Neo a “sair da sua mente”, pergunta-lhe: “pensas que é ar o que estás a respirar?”

    Por esta altura, o leitor estará a questionar porque comecei este texto com cenas do filme “The Matrix” e o que é isso tem a ver com o título. Na realidade, a meu ver, tem tudo a ver. Passo a explicar o motivo: sair da Matrix ou da ‘roda do ratinho’ ou da roda de Samsara – que é definida pelo carma – implica, primeiro, ter consciência do que é a realidade e ter consciência sobre “o que” somos. Sem isso, sobra a alternativa de uma vida de escravidão e escuridão, na qual seremos fantoches à mercê de programas – narrativas.

    Uma das mais chocantes narrativas (ou programa) a que assisti ao vivo, que infectou como um vírus uma boa parte da opinião pública, dizia isto: os “não-vacinados vão todos morrer e vão matar-nos a todos”. Vi jornalistas, governantes, comentadores e actores de Hollywood a espalhar esta mentira. A exigir segregação. Os ‘não-vacinados’ foram segregados, odiados, perseguidos, excluídos. Desumanizados nos media, diariamente, por comentadores e jornalistas alheios a conceitos estabelecidos como a imunidade natural e ao princípio de ouro em Medicina, do consentimento informado. Tudo com base num programa malicioso que se tornou viral e que usava o medo como porta de entrada para se instalar.

    brown game pieces on white surface

    Já tinha acontecido antes na História. Mentiras (programas maliciosos) que se espalham e acabam no ódio. Na perseguição. Na segregação. Na exclusão. Na desumanização. Na chacina. No genocídio.

    Hoje, a mesma narrativa-padrão está a espalhar-se que nem fagulha em mato seco. As vítimas não são mulheres “bruxas”, nem hereges, judeus, ou negros. Também não são não-vacinados. Os novos alvos deste programa malicioso viral são: “os imigrantes”. Mas não são uns imigrantes quaisquer. A narrativa não abrange imigrantes franceses, norte-americanos ou finlandeses. Também não apanha imigrantes da maior parte dos países da América Latina. Os chineses também estão a salvo (para já).

    Nesta nova onda de maliciosa desumanização, os alvos são os “hindustânicos”. Em Portugal, acrescenta-se ainda os “brasileiros”. Em vários países europeus, este vírus de programação inclui ainda como alvos os imigrantes do Norte de África. São estes os novos “não-vacinados que nos vão matar a todos”, após o upgrade que houve do mesmo programa malicioso que circulou na pandemia.

    herd of lambs

    O mais curioso é que, hoje, fervorosos defensores do fascismo-sanitário se unem a “não-vacinados” para “eliminar” este novo “inimigo”. A sério. “Ovelhas” e “chalupas” unidos numa só voz, gritando: “deportação, já!”. A segregação como forma de separar os “puros” dos “impuros” foi substituída pela nova “solução”: a deportação.

    Na actual narrativa, todos os hindustânicos são perigosos pedófilos-violadores-terroristas. (Uma mesquita mais, e é o fim do mundo). Todos os brasileiros são líderes de gangs bárbaros tatuados, armados até aos dentes. Todos os marroquinos e argelinos são máquinas do mal em estado bruto que vieram para nos destruir.

    O rebanho está unido e finca o pé. Tal como na pandemia, os verdadeiros fascistas esfregam as mãos de contentes, gratos por estas novas ovelhas que lhes entraram pela quinta adentro. O fascismo continua vivo! Já não é o sanitário, é um ainda melhor.

    a pair of red and blue surfboards sitting next to each other

    Com a nova narrativa de polarização (agora opondo “europeus de gema” vs “imigrantes maus”) os conflitos ganham força, saltam para as ruas e já metem pedras, bastões e facas. Vai ser preciso “controlar a imigração” e investir em “segurança”. Finalmente, vai-se conseguir fazer o que na pandemia não se conseguiu: colocar um “QR code” no braço de cada europeu. Um chip. Para sempre. Mas, atenção, que é para “lidar com os imigrantes”. É para “o bem comum”. E, assim, tudo será digital por uma questão de “segurança”. Até o dinheiro.

    O que me espanta é que os “super inteligentes” “não-vacinados”, que conseguiram “não cair” na “maior operação de propaganda e manipulação de sempre”, acabaram por cair, que nem uns patinhos (ou ovelhas) nesta nova “maior operação de manipulação de sempre”.

    Dir-me-ão que são situações diferentes. Que não têm nada a ver. Mas esse é o “código” principal deste milenar programa malicioso que ataca humanos com mente não liberta. Passa a ideia subliminar de que “agora é que o perigo é real”. Aquele “inimigo” é mesmo muito mau. O rebanho fica entretido com um inimigo comum a abater. Um novo bode expiatório foi encontrado. E é perfeito.

    Mannequin doll hangs limply from a dark beam.

    Na pandemia, a narrativa era de que se não houvesse 100% de vacinados, morríamos todos. E que a covid só ia embora quando todos tomassem a nova vacina “segura e totalmente eficaz” e sem defeitos nenhuns. Agora, a narrativa é de que a culpa da falta de empregos decentes, de habitação, dos baixos salários, da insegurança, e do crime é dos imigrantes. Se não fossem eles, a Europa era um paraíso. Se não fossem os não-vacinados, não havia covid. Se não houvesse aqui hindustânicos e brasileiros, as mulheres estavam seguras e nunca eram discriminadas, assediadas, violadas, espancadas e mortas. O problema são as mesquitas e as igrejas evangélicas.

    Significa isto que não houve erros nas políticas de imigração? Significa isto que não há que rever as políticas nas fronteiras? Significa isto que não é preciso levar a cabo reais medidas de integração? Significa que não existem problemas? Claro que não. Mas a “culpa” não é dos “imigrantes”. É de anos de políticas extremistas nas fronteiras, que permitiram a entrada de migrantes sem filtro. É de políticas de imigração que não tiveram em conta que o sonho do multiculturalismo só se torna real se houver programas de integração realistas perante a necessidade de terem de coexistir culturas e religiões muito diferentes entre si. É de pactos que esconderam crimes e problemas envolvendo migrantes, o que criou maior desconfiança na população.

    Mas, em última análise, estamos todos (população em geral) no barco, porque elegemos os governantes e muitos até apoiam a abertura total das portas à imigração, sem cautelas. Agora, há que agir para: tirar migrantes de redes de tráfico que os exploram; reunir comunidades em torno da integração possível de tão grande diversidade de culturas; acautelar que crimes são fortemente punidos, sejam cometidos por estrangeiros ou europeus.

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    A verdade é que o grande problema da Europa não são os imigrantes. Longe disso. São as políticas de bancos centrais que alimentaram uma economia virtual e transformaram a habitação num “activo” especulativo de luxo. O problema é o custo de vida que disparou com confinamentos e guerras eternas, alimentadas por ambiciosos e gananciosos políticos. São os milhares de milhões de euros que estão a começar a ser desviados dos bolsos das famílias europeias (incluindo com criação de nova dívida) para serem transferidos para a gigantesca e muito lucrativa indústria do armamento. O problema são os europeus e os imigrantes a viver nas ruas. São as famílias a viver em quartos. São a uberização do mercado de trabalho e a normalização da precariedade. São a corrupção e os interesses que roubam todos: os europeus e os imigrantes. São os desincentivos à natalidade. É o défice democrático crescente. Poderia continuar.

    A imigração desregulada criou problemas que os governos da Europa precisam rapidamente corrigir com mão firme. Mas culpar os imigrantes pelo estado a que chegou a Europa é, no mínimo, ingénuo.

    Só que o programa malicioso já está instalado. As “ovelhas” já escolheram o seu lado. O rebanho está unido e segue junto na mesma direcção. Tudo está tranquilo para os pastores. Os media — frequentemente desavindos com a realidade e os factos — falham o alvo e preferem o disco-riscado que os faz repetir a lenga-lenga: é “extrema-direita” para aqui e “radicais” para ali. Simplesmente triste, observar a escravidão a que a comunicação social está votada.

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    O que se passa hoje, faz-me lembrar um outro filme de culto protagonizado por Keanu Reeves: “O advogado do diabo”. Neste filme de 1997, o diabo (Al Pacino) consegue seduzir o novato e brilhante advogado (Reeves) usando o grande ego e a vontade de vencer do jovem em ascensão de carreira. O advogado consegue libertar-se do diabo depois de quase perder a alma. Mas o diabo nunca desiste. Volta à carga. No final, seduz de novo o advogado, aparecendo desta vez como um jornalista que quer entrevistar e, assim, “tornar famoso” o jovem vaidoso. Ego, vaidade, ganância.

    Hoje, como na pandemia, usa-se o medo como isco. E o medo é ainda melhor “isco” do que a vaidade ou a ganância.

    E, assim, se não se está atento às armadilhas, se vai caindo nas ciladas. Pois a verdadeira luta não é por dinheiro, por fama, por poder. É mais do que isso. É pelas almas. Pela Humanidade. Pelo melhor que há em nós, humanos. Pela nossa Luz. Para nos mantermos escravos de uma roda que não para de girar.

    Já o escrevi antes e repito: as caças às bruxas são sempre de origem demoníaca. Seja de não-vacinados ou de imigrantes.

    a group of people standing in a dark room with a bright light

    No filme “The Matrix”, Morpheus faz uma outra revelação a Neo sobre a realidade. “Tens de perceber: a maioria destas pessoas não está pronta para ser desligada [da Matrix]. E muitas delas estão tão habituadas, tão desesperadamente dependentes do sistema, que lutarão para o proteger”. Até que, por fim, sejam libertadas da sua escravidão e percebam, de uma vez, que é sempre o mesmo “inimigo” que enfrentamos há milénios. Na pandemia e hoje.  

    É possível que cristãos, agnósticos, judeus, hindus e muçulmanos vivam juntos em paz? É. Se assim quisermos. Se encontrarmos objectivos comuns e colocarmos de lado as diferenças. É possível respeitarmos e aprendermos com outras culturas? Claro que sim.

    Vivemos na era do advento da Inteligência Artificial, que já está a dominar vastas áreas. Quanto mais depressa compreendermos onde é que temos de colocar o nosso foco, melhor. Permitirmos que nos distraiam, abre a porta à instalação de políticas “para o nosso bem” e quando delas nos quisermos libertar, aí sim, já poderá ser tarde.

    person holding clear glass glass

    E assim vai rodando a roda do ratinho. E assim, da segregação de não-vacinados à deportação de imigrantes se vai perdendo “a alma” mais um pouco. Se vai vivendo escravo sem saber. Está na altura de desinstalar esse programa. Porque juntos, europeus e “novos europeus” — imigrantes —, somos fortes. Juntos, nós humanos, somos fortes.

    “Wake up, Neo…”

    Elisabete Tavares é jornalista

  • Na hora da despedida, Centeno oferece ‘prenda’ milionária

    Na hora da despedida, Centeno oferece ‘prenda’ milionária

    O final do mandato de Mário Centeno à frente do Banco de Portugal está a ser marcado por polémicas que incluem duas nomeações de última hora e uma despesa na construção de um ‘elefante branco’. Mas Centeno não se ficou por aqui. Na hora de saída, ainda deu uma prenda milionária.

    A ‘bafejada’ pela sorte foi a sociedade de advogados Cuatrecasas, que ganhou mais um ajuste directo do Banco de Portugal, no montante de 861 mil euros, com IVA incluído. O contrato foi assinado no passado dia 17 de Julho e tem como objecto a “aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário”, com um prazo de execução de três anos.

    Mário Centeno. / Foto: D.R.

    O Banco de Portugal justifica o ajuste directo com o argumento de que não existe “concorrência por motivos técnicos”. Ou seja, a entidade liderada por Centeno diz assim que mais nenhuma outra sociedade de advogados a operar em Portugal tem capacidade para ser contratada pelo Banco de Portugal para prestar aqueles serviços de assessoria jurídica e patrocínio judiciário.

    E que serviços são esses? Não se sabe porque, como já é habitual, o caderno de encargos deste ajuste directo – onde estão os detalhes do procedimento – não está disponível na plataforma de registo dos contratos públicos, como teria de estar.

    Acresce que este contrato foi celebrado quando ainda está a meio o anterior ajuste directo celebrado com a Cuatrecasas. Isto porque a 30 de Outubro de 2023, o Banco de Portugal assinou um contrato no montante de 2,8 milhões de euros com a mesma sociedade de advogados, com um período de execução de três anos, que só termina no final de Outubro de 2026.

    Sede da Cuatrecasas, em Lisboa. / Foto: D.R.

    Também neste caso, o objecto do contrato foi a “aquisição de serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário”. A justificação usada pelo Banco de Portugal para não fazer um concurso público foi o mesmo argumento, de que mais nenhuma outra sociedade de advogados em todo o país tem capacidade para prestar aqueles serviços.

    De resto, são habituais os contratos por ajuste directo entre o Banco de Portugal e sociedades de advogados. No caso da Cuatrecasas, todos os contratos que ganhou junto do Banco de Portugal foi por ajuste directo.

    Ao todo, a sociedade de advogados assinou 10 contratos na última década com aquela entidade, facturando 12,7 milhões de euros. Uma espécie de ‘avença’ milionária que já tornou tradição e que se mantém agora por mais três anos. Isto se não surgir novo ajuste directo entretanto.

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    Foto: D.R.

    Mas a Cuatrecasas não é a única sociedade de advogados que tem beneficiado deste tipo de ajustes directos junto do Banco de Portugal. Tal como o PÁGINA UM noticiou, em 27 de Outubro de 2023, o Banco de Portugal fez um ajuste directo com a Vieira de Almeida, considerando, sem se preocupar em fundamentar, que era a única capaz de a assessorar no dossier Novo Banco. Contudo, três dias depois, passou-lhe um atestado de incompetência ao entregar um outro ajuste directo à Cuatrecasas, para assessoria ao dossier BANIF.

    Esta não é a única situação a marcar os últimos dias de Centeno nos comandos do Banco de Portugal. O antigo ministro das Finanças fez duas nomeações controversas. Assim, Centeno nomeou para um cargo de direcção no departamento de estatística do Banco de Portugal a mulher de um seu ex-secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, segundo noticiou o Eco. Também reconduziu o “amigo economista” Álvaro Novo no cargo de director do gabinete de apoio ao governador, apesar de estar a terminar o seu mandato como governador (que terminou a 20 de Julho).

    Além destas nomeações controversas, continua a polémica em torno do gigantesco custo do edifício que vai albergar a nova sede do Banco de Portugal. O ‘elefante branco’ deixado por Centeno representa uma despesa de centenas de milhões de euros para deslocar a sede do Banco de Portugal para os antigos terrenos da Feira Popular, em Entrecampos, Lisboa, os quais pertencem agora à chinesa Fidelidade.

    Foto: D.R.

    O Banco assinou um contrato-promessa de compra de edifícios para nova sede dando um sinal de 57,5 milhões de euros, sendo que o custo total pode ascender a 280 milhões de euros, segundo o Observador. Além disso, o contrato tem contingências de “alto risco”, que Centeno desvalorizou.

    A somar, há ainda custos de milhões que ficam a cargo dos contribuintes com o aluguer de escritórios no antigo edifício Marconi, junto à futura sede do Banco de Portugal. Foi para estes escritórios que foram transferidos os funcionários do Banco que trabalhavam no Edifício Portugal, na Almirante Reis, que necessita de obras de conservação da fachada. (Sobre este tema, e gastos extravagantes do Banco de Portugal, o PÁGINA UM tem escrito várias notícias que pode ler AQUI, AQUI, AQUI, AQUI, E AQUI.)

    A ‘queimar os últimos cartuchos’, Centeno termina assim o seu mandato ‘à grande e à francesa’, deixando para o novo governador um ‘elefante branco’ a construir, nomeações já feitas e, pelo menos, mais um ajuste directo entregue de mão beijada a uma poderosa sociedade de advogados.

    Entregues, ficaram também três milhões de euros, a que acresce IVA, à consultora Ernst & Young, que foram adjudicados através de dois contratos assinados a 25 de Junho e a 2 de Julho, ao abrigo de um “acordo-quadro”.

    O Banco de Portugal arrendou escritórios no antigo Edifício Marconi, situado junto aos terrenos onde se vai situar a futura sede do Banco de Portugal. Foi para este edifício que transferiu funcionários que se encontravam no Edifício Portugal, na Almirante Reis. Os custos com esta mudança temporária são da ordem dos milhões de euros, entre obras, rendas e compra de mobiliário e assessoria. / Foto: PÁGINA UM

    Nada de surpreendente numa entidade cujo responsável máximo é pago a peso de ouro, literalmente, com uma remuneração anual que supera em cerca de 50 mil euros a do presidente do banco central mais poderoso do mundo, a Reserva Federal dos Estados Unidos.

    Na quinta-feira, após a reunião do Conselho de Ministros, o Governo vai anunciar o nome escolhido para liderar o Banco de Portugal no próximo mandato. Seja Centeno ou outro, pelo sim pelo não, o ainda governador já garantiu que há pelouros entregues. E um ajuste directo de milhares de euros já distribuído.

  • Tribunal recusou proteger Luís Delgado

    Tribunal recusou proteger Luís Delgado

    Enganado pela Impresa, gestor falhado ou sem sorte, ou ‘testa-de-ferro’, – evidente é que Luís Delgado, dono da Trust in News (TIN), está desde esta sexta-feira em maus lençóis, depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste ter ordenado em definitivo o encerramento da actividade da sua empresa de media, que detém títulos como a revista Visão, a Exame e o Jornal de Letras.

    A decisão surge depois de semanas de impasse na homologação judicial do plano de insolvência apresentado por Delgado e aprovado pela maioria dos credores da TIN em Maio deste ano. Um dos principais motivos por detrás do ‘chumbo’ do plano pela juíza do processo prende-se com um factor relevante: o Tribunal recusou proteger Delgado de futuras acções de penhora e execução.

    Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, na assinatura do acordo de venda de um portfólio de publicações da Impresa Publishing, em 2018. O negócio acabou em dívidas superiores a 30 milhões de euros, sendo o Estado o mais prejudicado. / Foto: D.R.

    A juíza Diana Martins decretou o fim da TIN, não homologando o plano de insolvência, numa altura em que Delgado nem sequer estava sequer a cumprir as promessas que apresentou aos credores que aprovaram o plano que desenhou. Com a aprovação do plano, que necessitava da homologação do tribunal, o empresário voltou aos comandos da TIN, o que foi contestado pelos trabalhadores e gerou pontos de interrogação. O resultado foi que a empresa acumulou novas dívidas, nomeadamente junto dos trabalhadores, e não cumpriu com pagamentos de prestações.

    Este incumprimento ficou expresso num relatório elaborado pelo administrador de insolvência, com funções de fiscalização, André Correia Pais. O acordo não estava a ser cumprido. E os fundos prometidos surgiam a micro conta-gotas. Não chegava para pagar salários e as prestações em dívida.

    Mas o maior problema do plano, para o Tribunal, é que tinha uma cláusula que protegia Delgado de novas acções de penhora e execução. O dono da TIN é avalista em créditos do seu grupo. Uma espécie de ‘fiador’ ao qual os credores podem recorrer para recuperar dívidas da TIN.

    Delgado deu garantias em créditos da TIN, sendo, por exemplo, avalista no empréstimo que o Novo Banco concedeu à empresa para pagar boa parte do acordo com a Impresa na compra das publicações de Balsemão, em 2018. / Foto: D.R.

    Na decisão, divulgada hoje pela agência Lusa, e confirmada pelo PÁGINA UM, o Tribunal não quis aceitar a cláusula do plano que serviria para prejudicar credores e proteger Delgado.

    De acordo com o documento, “as alterações introduzidas pelo plano de insolvência não podem afectar nem a existência, nem o montante das obrigações dos avalistas, nem simplesmente o timing da respetiva exigência/cumprimento, pois que a referida norma, como vimos já, assegura que o credor, independentemente da posição que assuma na votação do plano, conserva os direitos de que dispunha contra os codevedores e terceiros garantes podendo deles tudo exigir em conformidade como regime obrigacional”.

    A juíza rejeitou a condição imposta pelo plano de Delgado que previa que enquanto o plano fosse cumprido, suspendia-se os direitos dos credores junto dos ‘fiadores’. Delgado exigia, como condição para executar o seu plano, que os credores ficassem impedidos de mover acções para cobrança de dívida ou execuções aos avalistas dos créditos. Segundo a decisão, esta condição constitui uma violação do regime jurídico das garantias pessoais, ou avais.

    woman holding sword statue during daytime
    Foto: D.R.

    Recorde-se que Delgado está a cumprir uma pena suspensa de cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado — um facto relevante que a Lusa continua a omitir nas suas notícias sobre a TIN. O único bem de Delgado que o Novo Banco — um dos credores — encontrou para penhorar foi um pequeno apartamento que, além de estar hipotecado, já estava penhorado.

    E, nas últimas três semanas, o empresário tem tentado travar em Tribunal novas acções de execução do Fisco, como o PÁGINA UM noticiou.

    Também a outra actual gerente, Cláudia Serra Campos, e um ex-gerente da TIN, Luís Passadouro, encontram-se a cumprir a mesma pena pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado e têm sobre si acções de execução. No caso de Passadouro, avançou hoje com uma acção no Tribunal Tributário para se opor a uma execução da Autoridade Tributário no valor de 2.285.93 euros.

    Foto: Captura de imagem do portal Citius

    Com a decisão de hoje, André Correia Pais passou a ter de novo o comando da TIN, mas a situação é grave, com responsabilidades milionárias a vencerem nos próximos dias, designadamente contribuições ao Fisco.

    Para os trabalhadores, o cenário mais provável, neste momento, com o encerramento da empresa, é de ser anunciado o inevitável despedimento colectivo. O plenário marcado para a próxima segunda-feira será difícil e contará com a presença de Correia Pais.

    Delgado afirmou à Lusa que vai recorrer da decisão do Tribunal de encerrar a TIN, que, dependendo do tipo de acção, pode não suspender a decisão judicial.

    Foto: Captura de imagem de vídeo do Canal Parlamento

    Depois de um calvário que se arrasta e que já envolveu um PER fracassado, só um milagre nos próximos dias pode salvar a TIN do seu destino final.

    O mesmo se aplica a Delgado que tem de encontrar uma forma nova para se ‘proteger’ das acções de execução actuais e futuras. Sendo que novas condenações por crimes fiscais e da Segurança Social o podem levar a ter de cumprir pena de cadeia efectiva pelos milhões em dívida acumulados ao longo de anos, apesar de a empresa ter um capital social de apenas 10.000 euros. Resta saber se foram acumulados por má gestão, traição de Balsemão, falta de sorte, ou falta de exame e visão.

  • 4,4 milhões de euros: Fisco aperta (ainda mais) o cerco a Luís Delgado

    4,4 milhões de euros: Fisco aperta (ainda mais) o cerco a Luís Delgado

    Com o plano de insolvência da Trust in News ‘por um fio’, e a falência em vias de se concretizar, a Autoridade Tributária (AT), um dos principais credores deste grupo de media com mais de uma dezena de títulos, apertou o cerco a Luís Delgado, fundador e único dono da empresa que detém títulos como a Visão, Jornal de Letras e Exame.

    Nas últimas três semanas, o empresário e comentador televisivo foi forçado a avançar com acções em Tribunal para travar duas acções de execução da AT no valor global de 4.379.296,32 euros, que serão respeitantes a uma parte das dívidas contraídas a partir de 2019.

    Ontem, segundo apurou o PÁGINA UM, Delgado avançou uma acção de oposição junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para tentar travar uma nova acção de execução referente a uma dívida fiscal de 2.285.093 euros da TIN.

    Luís Delgado encontra-se a cumprir uma pena suspensa de 5 anos pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada por uma dívida fiscal de cerca de 800 mil euros contraída pela sua empresa unipessoal, Trust in News, nos primeiros anos de operação. Mas as dívidas continuaram a acumular-se além daquele valor. / Foto: Captura de ecrã de imagens do Canal Parlamento

    A esta acção judicial de Delgado soma-se a um processo de impugnação que o dono da TIN intentou junto do Tribunal Tributário contra a AT devido a uma dívida fiscal de 2.094.203,32 euros.

    Tal como o PÁGINA UM já noticiou, o plano de insolvência apresentado por Delgado era a sua última ’tábua de salvação’ perante diversas acções de execução em curso por parte de credores de TIN, designadamente a AT e a Segurança Social. Apesar de ter um capital social de apenas 10 mil euros, esta unipessoal acumulou, estranhamente, dívidas superiores a 30 milhões de euros sobretudo junto do Estado, mas também do Novo Banco e da Impresa.

    Depois de ter incumprido com as condições do Processo Especial de revitalização (PER) no ano passado, agora Delgado também incumpriu com o plano de insolvência, como era previsível. Entretanto, com salários e subsídios em atraso, os trabalhadores do grupo decretaram uma greve por tempo indeterminado, que teve início no dia 20 de Junho, e alguns quadros têm vindo a sair.

    Delgado está a tentar travar novas acções de execução da AT por dívidas fiscais da TIN. / Foto: Captura de imagem da plataforma Citius

    No caso de Luís Delgado, além de estar a ser alvo de acções de execução, está a cumprir uma pena suspensa de 5 anos pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, mediante o compromisso de, nesse período, liquidar a dívida que levou à sua condenação. Também a outra gerente da TIN, Claudia Serra Campos e o ex-gerente, Luís Passadouro, foram alvos de acções de execução e encontram-se também a cumprir uma pena suspensa de 5 anos.

    O plano de insolvência foi aprovado no início deste ano, com Delgado a prometer injecções de fundos no grupo e comprometendo-se a cumprir com as responsabilidades fiscais, pagamento de contribuições à Segurança Social e ficando impedido de contrair nova dívida.

    Contudo, Delgado, que entretanto voltou a assumir a gerência da TIN após a aprovação do plano de insolvência, falhou com o cumprimento daquelas condições e o administrador de insolvência informou os credores sobre o incumprimento do plano, o qual não foi ainda homologado pela juíza do processo.

    Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, na assinatura do acordo de venda do portefolio tóxico de publicações da Impresa Publishing, que foi celebrado em Janeiro de 2018, aliviando a crise financeira em que se encontrava o grupo dono do Expresso e da SIC. O Novo Banco financiou a operação e também comprou no mesmo ano o edifício-sede à Impresa. / Foto: D.R.

    Com o plano de insolvência prestes a cair por terra, estás nas mãos dos credores da TIN e da juíza do processo de insolvência o desfecho da crise na dona da revista Visão. E, tal como o PÁGINA UM noticiou, a juíza do processo de insolvência concedeu, no passado dia 14 de Maio, mais seis meses para serem apresentadas provas que indiciem culpa dos gerentes no descalabro financeiro do grupo que detém mais de uma dezena e meia de títulos de media.

    Uma das várias dúvidas sobre a contabilidade da TIN prende-se com a existência de cerca de 14 milhões de euros em activos que Delgado atribui a receitas futuras. Esse montante está registado na rubrica “Outras contas a receber”, subsistindo dúvidas quanto à sua correspondência a um activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro. Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros.

    Por outro lado, Delgado atribuiu a si e aos outros dois gerentes salários de luxo nos primeiros anos de existência da TIN, numa altura em que a sua empresa unipessoal já acumulava dívidas.

    Parte de uma das capas recentes do Jornal de Letras, onde o desnorte já estava patente: na evocação a Camilo Castelo Branco foi usada uma gravura de Eça de Queirós / Foto: D.R.

    Contudo, apesar das acções de execução em curso contra Delgado, além de eventuais quotas detidas em sociedades, o dono da TIN não aparenta ter património imobiliário disponível para ser penhorado.

    O Novo Banco, que financiou Delgado na compra do portefólio de publicações Impresa, em 2018, ainda fez um levantamento de património de Delgado para eventual execução, mas só encontrou um pequeno apartamento num prédio em Alcântara, o qual já estava sob hipoteca e… penhora.

    Assim, o Novo Banco penhorou o que pôde, designadamente as marcas da TIN que ainda não tinham sido alvo de penhora por parte da AT e da Segurança Social. O banco ficou com penhora em primeiro grau de marcas como Jornal de Letras, que pode ter esta semana a sua última ida para as bancas.

    Foto: D.R.

    Curiosamente, ao contrário do que sucede com as marcas penhoradas pela AT e a Segurança Social, os títulos da TIN que estão agora ‘em nome’ do Novo Banco no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) surgem como estando livres de ónus. Só consultando o registo completo da marca é que se detecta o averbamento de penhora efectuado em nome do Novo Banco.

    O banco constituiu também penhora em segundo grau dos principais títulos da TIN, designadamente a Visão. No entanto, como o PÁGINA UM noticiou, Delgado registou marcas paralelas, que não estão sob penhora, incluindo os títulos Visão Digital e Jornal de Letras Digital. Outra marca que surge sem qualquer penhora é a Visão Verde.

  • ‘Um médico pode ensinar as pessoas a serem gestoras da sua própria saúde’

    ‘Um médico pode ensinar as pessoas a serem gestoras da sua própria saúde’


    Não se pode falar em Saúde e Medicina em Portugal sem se mencionar o nome do reputado médico Manuel Pinto Coelho. Aos 76 anos (a dias de completar os 77), Pinto Coelho é um dos médicos mais conhecidos do país, sendo o rosto da Medicina anti-envelhecimento em Portugal, defendendo medidas e técnicas de prevenção da doença.

    Com 50 anos de prática clínica, Pinto Coelho conta com 16 obras publicadas sobre temas relacionados com a Saúde, incluindo alguns bestseller, através dos quais procura “dizer às pessoas, como é que elas poderão fazer para ter saúde; para não ver mais tarde uma ‘bata branca’”.

    O seu livro mais recente é dirigido aos jovens — Eu escolho crescer com saúde! —, mas Pinto Coelho é sobretudo conhecido por trazer para Portugal técnicas e métodos da Medicina anti-envelhecimento, que visam alcançar uma maior longevidade. Técnicas e métodos que ensina nos seus livros e que põe em prática na sua clínica — Pinto Coelho Clinic – Live Longer (antiga Clínica Chegar Novo a Velho) —, a qual comemora este ano 10º aniversário.

    Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Pinto Coelho é ainda doutorado em Ciências da Educação e tem uma pós-graduação em Medicina Anti-Envelhecimento pela Universidade Autónoma de Barcelona.

    Manuel Pinto Coelho foi entrevistado na sua clínica, em Lisboa. / Foto: PÁGINA UM

    No início da sua carreira acumulou uma vasta experiência no combate à toxicodependência. Foi o responsável médico da equipa de futebol profissional do Sporting Clube de Portugal em 1881 e 1982. Hoje, é mais conhecido por ter introduzido em Portugal a Medicina Anti-envelhecimento, sendo membro da American Academy of Anti-Aging Medicine e membro da World Society of Anti-Aging Medicine. A sua clínica recebeu, em 2028, o prémio International Award in Excellence and Quality (IAEQ).

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Manuel Pinto Coelho fala sobre a sua carreira, a sua vida e o estado da Saúde em Portugal. Também comenta a mudança benéfica de políticas de Saúde nos Estados Unidos, que já está a gerar mudanças positivas na forma como multinacionais do sector alimentar fabricam os seus produtos.

    De resto, Pinto Coelho é em si um exemplo em matéria de saúde após a meia-idade. dedicado à família, teve seis filhos, sendo que duas meninas são fruto do casamento com a sua actual mulher, Daiana. Os restantes são já adultos. Um dos seus filhos, Bernardo, faleceu em Dezembro de 2021 aos 49 anos de idade. Sofria de Esclerose Lateral Amiotrófica. A sua foto está em destaque junto à sua secretária no consultório onde diariamente atende os seus pacientes.

    A Pinto Coelho Clinic comemora este ano o 10º aniversário. /Foto: PÁGINA UM

    Cumpre algumas regras e rituais religiosamente, incluindo fazer exercício físico, deitar cedo, acordar cedo e dormir uma breve sesta.

    Na sua clínica, em Lisboa, é um ‘entra e sai’ de pacientes, alguns bem mediáticos, em busca dos seus conselhos e tratamentos. Nos livros, transmite os seus conhecimentos e dicas a todos quanto queiram saber mais sobre como ser saudável e prevenir a doença. Espelhados nos seus livros, estão os 11 pilares em que assentam a sua prática clínica, designadamente nutrição, suplementação personalizada, cuidado com a saúde mental e espiritual, e qualidade do sono, além do crucial papel desempenhado pelo intestino.

    Num país em que se normalizou que os pacientes saiam das consultas com receitas para ‘aviar’ fármacos nas mãos, alguns dos conceitos médicos de Pinto Coelho valeram-lhe polémicas, chegando mesmo a ter de responder à Ordem dos Médicos. Mas manteve sempre as suas credenciais intactas. “Não tenho uma única sanção disciplinar lá registada”, frisou.

    Pinto Coelho sentado em frente à sua secretária no consultório onde atende os pacientes na sua clínica, em Lisboa. / Foto: PÁGINA UM

    A sua popularidade traz-lhe admiradores e também alguns poucos críticos. Não surpreende. Afinal, Pinto Coelho defende a antiga Medicina, “que era uma Medicina virada para a pessoa no seu conjunto”. Tal como salientou Pinto Coelho ao PÁGINA UM, antes, “havia uma perspectiva holística da pessoa”, em que “na Medicina, olhava-se para a pessoa — para a sua parte física, mas também para a sua parte mental, para a sua parte espiritual, para a sua parte social”.

    A ‘velhinha’ batalha entre os que defendem que o mais importante na Medicina é o ‘terreno’ (o paciente) e os que defendem que o mais relevante é o ‘contexto’ (o exterior). Este último conceito tem levado a melhor naquilo em que se tornou a chamada Medicina ocidental, muito comercial, que assenta especialização por partes do corpo e no recurso, muitas vezes abusivos, aos fármacos, sem se conseguir ver o paciente de forma integral. E que procura diminuir disciplinas respeitadas, mas que hoje são denominadas como ‘não-convencionais’ ou ‘alternativas’, como a Medicina Chinesa, a Osteopatia e outras.

    Duas das 16 obras publicadas por Manuel Pinto Coelho. / Foto: D.R.

    Como salientou Pinto Coelho nesta entrevista, “não é preciso ser agricultor ou lavrador para se perceber que o terreno manda mais do que a semente que lá pôs”. Mas mesmo na agricultura intensiva já se procura adulterar esse conceito numa era em que os agro-químicos e as multinacionais e interesses do sector agro-alimentar se cruzam com farmacêuticas e seus accionistas.

    Por isso, Pinto Coelho é um grande defensor de que deve cuidar do sistema imunitário — que é, aliás, tema de um dos seus livros mais conhecidos. Defende que cada um pode “ser gestor da sua saúde”.

    Nesta entrevista, deixou críticas à ausência de cadeiras importantes no ensino da Medicina na Universidade. Também abordou o tema da pandemia de Covid-19, a importância da vitamina D como prevenção e de como chegaram a ser censurados conceitos básicos, como o da imunidade natural. Comentou ainda o tema ‘tabu’ das novas vacinas mRNA, que considera serem diferentes das vacinas convencionais, “mais próximas das terapias genéticas do que das vacinas”.

    Manuel Pinto Coelho com os seus seis filhos, em Dezembro de 2020. / Foto: D.R.

    Sobre o tema das vacinas, deixou um elogio à decisão dos Estados Unidos de reformar a composição do grupo que assessora as políticas em matéria de vacinação no país. Recorde-se que o objectivo do novo secretário de Saúde norte-americano, Robert F. Kennedy Jr., é restaurar a confiança do público nas vacinas em geral, depois do de a confiança ter sido abalada devido aos efeitos adversos provocados pelas vacinas contra a covid-19 e também pela forma coerciva como foi imposta, em muitos casos, a toma daquelas novas vacinas, e sem o devido consentimento informado.

    Manuel Pinto Coelho comentou ainda, nesta entrevista, o seu recente envolvimento na política, como mandatário de Joana Amaral Dias como candidata à Presidência da República, com quem partilha ideias similares sobre Saúde. “Ela disse-me que sou o Robert F. Kennedy Jr. português. Tomara eu, um dia, poder ser considerado o Robert F. Kennedy Jr. português”, afirmou Pinto Coelho. “É, de facto, um elogio brutal que me faz, porque eu revejo-me em muita coisa que o Robert F. Kennedy Jr. faz”.