Autor: Elisabete Tavares

  • ‘A extrema-direita é só um sintoma de um modelo bipartidário PS-PSD’

    ‘A extrema-direita é só um sintoma de um modelo bipartidário PS-PSD’

    Ana Carvalho e Duarte Costa partilham a liderança do Volt Portugal, um partido de cariz federalista, que defende a criação de uma União Europeia mais forte, a funcionar a uma só voz. Ana Carvalho, tem 27 anos, é engenheira electrotécnica de formação e faz investigação na área das energias renováveis. Entrou no Volt em 2018, quando estudava na Alemanha, e teve um papel-chave no lançamento do Volt Portugal, tendo, em 2022, sido eleita co-presidente do partido. Duarte Costa, tem 35 anos, é especialista em alterações climáticas. Juntou-se ao Volt em 2021 e já foi candidato à Assembleia da República pelo círculo da Europa nas eleições legislativas de 2022. Actualmente, é também candidato às Europeias de 2024. Esta é a segunda entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE ANA CARVALHO E DUARTE COSTA, CO-PRESIDENTES DO VOLT, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Como é que o Volt Portugal vê o seu potencial para crescer no país, numa altura em que existem muitos partidos, mas que também há muito destaque que é dado a alguns mais do que a outros, em termos daquilo que é a percepção do público, nomeadamente nos media?

    ANA CARVALHO: Desde já deixe-me começar por agradecer ao PÁGINA UM o vosso convite. É óptimo, de facto, darem esta visibilidade aos partidos sem assento parlamentar. É um pouco o combater esta inércia democrática que há, de dar sempre a visibilidade aos mesmos. Só ouvimos falar dos mesmos partidos, não damos oportunidade aos portugueses de saberem que há alternativas àqueles que já lá estão.

    Quanto ao Volt, e a como nós estamos a planear crescer, a verdade é que nós temos aqui uma vantagem, porque o Volt é um partido europeu e, portanto, já somos um partido enorme. Somos um partido com mais de 30.000 membros em toda a Europa. Estamos presentes em 31 países, já temos eleitos a todos os níveis, desde o Parlamento Europeu, desde o Parlamento nacional, por exemplo, da Holanda e da Bulgária. E a nível municipal, também temos vários por toda a Europa. Mais de 100 eleitos, na verdade. E, portanto, o Volt Portugal – nós chamamos-lhe este “capítulo” do Volt Europa – também ganha com este crescimento.

    Ana Carvalho, co-presidente do Volt Portugal (Foto: PÁGINA UM)

    Em Portugal, há quatro anos éramos menos de 50 pessoas e já estamos na ordem de grandeza dos 500, por exemplo. Este crescimento tem sido exponencial. Agora, na altura das eleições, temos tido também imensa atenção, muito graças a podcasts e a iniciativas como a vossa, as quais agradecemos. E a verdade é que bebemos desse crescimento europeu. O movimento progressista está a crescer muito e aqui os portugueses estão a aderir a ele também. O Volt Portugal está a crescer um pouco por todo o país. Por exemplo, nestas eleições legislativas, vamos pela primeira vez participar em círculos eleitorais a que não tínhamos participado antes, como é o caso da Madeira.

    Participam em quase todos.

    ANA CARVALHO: Participamos em quase todos. Tivemos ali um azar e por falta de tempo não conseguimos ir ao círculo eleitoral de Bragança. É o único que nos falta; em todos os outros apresentámos lista. E, portanto, nos Açores, Madeira, fora da Europa… Em todos os distritos de Portugal continental, os portugueses vão poder votar no Volt.

    Vão aparecer no boletim de votos nesses círculos. E quais são as vossas ambições para estas eleições? Preveem que possa haver, de facto, um espaço para eleger candidatos?

    ANA CARVALHO: Sim, a resposta é clara. Nós queremos eleger a nossa candidata nacional, a Inês Bravo Figueiredo. Estamos a trabalhar para isso e até agora temos tido resultados muito bons.

    O partido, sendo um partido jovem, em Portugal já existe desde 2017, embora em termos oficiais exista desde 2020. Mas é um partido também que, pela sua liderança e não só, tem bastante jovens. Também as profissões e as áreas de formação… Estamos a falar, no caso da Ana, de engenharia e investigação e, no caso do Duarte, é um especialista em alterações climáticas. Estamos a falar de um partido, como diriam os jovens na minha época, “muito à frente”, face aos restantes?

    DUARTE COSTA: Sem dúvida. De novo, parabéns por esta iniciativa. Eu acho que o Volt é a maior inovação política desde o 25 de Abril em Portugal. Ou seja, em Portugal, e, já agora, também no resto da Europa. Nunca tivemos na Europa e em nenhuma parte do mundo europeu, pessoas de vários países a fazerem política em conjunto. A grande novidade que o Volt traz a Portugal é de termos políticas que foram pensadas por europeus de toda a Europa; e termos por aí a possibilidade de trazer boas práticas para Portugal. Acho que, estamos a um mês das eleições legislativas, esta é uma grande sede dos portugueses.

    Ana Carvalho e Duarte Costa, co-presidentes do Volt Portugal (Foto: PÁGINA UM)

    Temos problemas crónicos do século XX ainda no século XXI: a questão da desigualdade, a questão dos baixos salários, o tema da habitação que agora está ao rubro, porque não temos acesso à habitação para o poder de compra que temos, e uma série de outros problemas também de burocracia de um Estado ineficiente, a somar aos problemas do século XXI. O caso das alterações climáticas, que é um tema que me trouxe ao Volt e à política, mas também os outros temas do nível global, como a ameaça de guerra na Europa… A questão da economia global, que está a alimentar desigualdades e que temos grandes corporações que conseguem fugir aos impostos.

    Para nós darmos resposta a tudo isto, achamos, no Volt, que as estruturas tradicionais dos partidos nacionais e até de um modelo muito baseado nas fronteiras territoriais nacionais de soberania nacional, para dar resposta, é insuficiente. E essa insuficiência está à vista, porque não estamos a conseguir, na Europa, dar resposta a estes problemas. As pessoas estão incomodadas e desconfiadas até dos partidos tradicionais e isso leva ao quê? Ao crescimento dos populismos, que é outra das grandes marcas desta eleição em Portugal e que tem sido uma das grandes marcas das eleições nacionais que temos visto por toda a Europa, nos últimos anos. E é justamente para isto que o Volt quer ser uma solução, mas para isso precisa do apoio das pessoas em Portugal, em toda a Europa, que querem essas soluções, que querem essa mudança.

    Digamos assim, então, que o vosso adversário nestas eleições são os grandes partidos ou a abstenção? Ou ambos?

    DUARTE COSTA: Nós começámos esta campanha com uma ideia, como disse há pouco, muito para a frente. E que foi: nós propusemos uma frente progressista, ou seja, nós propusemos aos partidos novos progressistas que têm uma base, que são plurais… Não são próximos necessariamente uns dos outros, mas têm uma base comum.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Fala da Iniciativa Liberal, do Livre …

    DUARTE COSTA: E o PAN e o Volt. Estes quatro partidos são os partidos mais recentes em Portugal e, de facto, têm aqui uma forma de fazer política diferente. Querem mudar, querem trazer uma agenda própria, seja de baixar os impostos e simplificar o Estado, seja nas causas ambientais, seja nas causas sociais. O Volt fala muito bem com todos estes e queria, desta forma, que colaborássemos na nossa polaridade e nos apresentámos em conjunto para termos um peso eleitoral que possa, por um lado, romper com este bipartidarismo do PS e do PSD, que não está a dar resposta aos problemas dos portugueses e, por outro lado, ter um peso de travão ao crescimento do populismo, em especial da extrema-direita. E achamos que é nesta união, neste diálogo e nesta cooperação que nós podemos – progressistas e, como nós dizemos na nossa campanha, cidadãos de bom senso – ter peso nas matérias.

    Mas, infelizmente, essa frente progressista não foi avante porque nenhum dos três outros partidos quis avançar com ela. Alguns nem sequer nos responderam de todo. E, portanto, estamos aqui a lutar pelo nosso lugar na Assembleia da República, para ser essa força no Parlamento que coloca os outros partidos a colaborar e a fazer frente a estas duas ameaças, que é, obviamente, a extrema-direita e o populismo que ameaça mesmo as estruturas da democracia. Mas isto é só um sintoma; a extrema-direita é só um sintoma de um modelo bipartidário PS-PSD. E nós podemos tratar os sintomas ou podemos tratar a doença. E nós, neste caso, queremos tratar a doença.

    Também temos boas relações com o PS e com PSD, também temos um sentimento de gratidão porque são dois partidos responsáveis por trazerem a democracia a Portugal, porque foram os primeiros partidos do centro moderado no pós-25 de Abril. Mas não estão à altura dos desafios e mesmo as novas lideranças mudaram, e nós vemos, não somos só nós, acho que os portugueses em geral… Vemos nas ruas, nas redes sociais, que não há grande vontade de continuar com estes dois partidos. E nós estamos aqui para justamente começar a criar uma nova alternativa política a tudo isto, ao bipartidarismo, e ao populismo e radicalismo de direita. Também um pouco de esquerda, mas esse não está a ter tanto crescimento como o da direita. Portanto, o da direita é mais preocupante.

    Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes, representantes nacionais do Volt Portugal nas eleições legislativas de 2024 (Foto: PÁGINA UM)

    Tem havido um recuo grande no nível de democracia nos países do Ocidente, incluindo ao nível comunitário, com políticas que têm anulado direitos civis, liberdades. Também tem havido casos de negócios opacos, falta de transparência… O PÁGINA UM, por exemplo, tem acompanhado a contratação pública, em Portugal. Sentem que existe uma desconfiança face aos partidos que têm governado e que isso tem afastado as pessoas da política? Porque, apesar desses partidos que referiu terem contribuído e terem estado no início do nosso processo democrático, o que é certo é que isso também já foi há bastante tempo. Também se criaram vícios e temos os muitos casos de corrupção. Mas não só em Portugal. Mesmo ao nível da União Europeia, tem havido investigações e casos de corrupção. Como é que o vosso partido pode lidar com esta desconfiança e dizer aos portugueses “somos diferentes, não temos estes vícios e não estamos alinhados com este recuo da democracia que tem existido”?

    DUARTE COSTA: Acho que o Volt é um partido diferente de outros partidos também pela sua composição. Ou seja, quem é que tem reconhecido valor no Volt? Nós vemos, como disse no início, pessoas com quadrantes profissionais diferentes, pessoas com uma faixa etária diferente.

    Ou seja, não são os típicos carreiristas que vêm desde as jotas e que “nunca trabalharam”, como se costuma dizer.

    DUARTE COSTA: Exactamente. Enquanto noutros partidos há uma atracção por pessoas que estão à procura de uma carreira política, no nosso caso, como ainda não oferecemos carreiras políticas – isso depende daquilo que os portugueses nos quiserem dar -, oferecemos é um projecto político europeu que quer mudar a forma como fazemos política e como a política traz soluções para as pessoas. Eu sei que isto são frases vagas, depois podemos materializar com conceitos concretos. E eu acho que isso é uma grande diferença do Volt.

    Duarte Costa em campanha pelo Volt Portugal. (Foto: D.R./Volt)

    O outro aspecto é que somos um partido que quer aprofundar o projecto europeu. E agora, até como candidato às europeias em Portugal, e dando-lhe uma resposta à sua pergunta, uma das propostas que temos para as próximas eleições europeias… Para quem conhece o Volt, sabe que o Volt quer avançar para um modelo mais federal da União Europeia. Isto não significa perder soberania nacional. Na verdade, o que queremos é mais soberania e essa soberania é maior se for partilhada a 27, porque vamos ser mais. Mas no modelo federal nós temos duas coisas: nós temos mais democracia; portanto, temos os portugueses e os outros europeus a decidir os rumos comuns da Europa, e não apenas alemães ou franceses ou países mais influentes. E, por outro lado, temos uma estrutura política e jurídica para isso.

    Por exemplo, gostávamos de ter uma Constituição Europeia. Já temos o Tratado de Lisboa, que já tem um peso, mas gostávamos de ter um Tribunal Constitucional Europeu, que permite justamente garantir esses direitos e essas garantias e liberdades próprias de uma democracia liberal que promove os direitos humanos, e a sustentabilidade do Estado de Direito. Neste momento, nos Estados-membros e não só – muitas vezes até ao nível regional e local -, temos abusos desses direitos e não temos instrumentos jurídicos do nível europeu para garantir essa uniformidade. E é aí que um projecto europeísta verdadeiramente democrata e federalista faz toda a diferença.

    Claro que não é do dia para a noite que se muda a Europa para uma Federação, mas achamos que é esse o caminho. É esse o próximo passo orgânico para a União Europeia conseguir ser aquilo que nós queremos que ela seja, que é um espaço da democracia e da sustentabilidade do Estado de Direito e da influência destes valores no mundo inteiro.

    E em Portugal, têm várias propostas concretas, não só para desafios que são mais mediáticos, como a crise na habitação, a crise no Serviço Nacional de Saúde, mas também alguns aspectos que já falou; a necessidade de melhorar os rendimentos das famílias, a necessidade de também olhar para a questão fiscal. Quer detalhar algumas dessas vossas propostas? Nomeadamente, a questão de melhorar os rendimentos dos portugueses e aproximá-los daquilo que são os rendimentos a nível europeu, que seria muito bom. Não há nenhum português que não concordasse com essa medida.

    DUARTE COSTA: Sim, é uma das favoritas.

    ANA CARVALHO: No que toca às nossas propostas, e voltando aqui a esta componente europeia que temos, a verdade é que nós, para fazer as nossas políticas a nível nacional, vamos também buscar as boas práticas europeias e trazê-las para aqui. Por exemplo, mencionou o tema da habitação. Nós temos experts e contactos; outros “capítulos” do Volt, por exemplo, em Viena, na Áustria, em que a habitação pública está muito bem desenvolvida. E se forem ver o nosso programa eleitoral para as legislativas, vão lá encontrar esta boa prática de Viena, que é termos pelo menos 60% de habitação pública, muito baseada na prática das cooperativas. E, portanto, usar estes pequenos exemplos de como é que as coisas funcionam lá fora para aplicar aqui, a verdade é que funciona.

    (Foto: D.R./Volt)

    Que, aliás, é algo que já existiu em Portugal e que continua a existir, mas que depois se foi perdendo.

    ANA CARVALHO: Exactamente. Por vezes, não é preciso inventar a roda novamente. É preciso simplesmente que haja continuidade das medidas. Isto é um problema em Portugal, porque o facto de as legislaturas serem quatro em quatro anos e estarmos constantemente em rotação bipartidária destrutiva – porque os partidos que vêm a seguir aos outros não constroem sobre si próprios – não permite que haja crescimento global. E, às vezes, não é preciso reinventar a roda. É simplesmente voltarmos a ver o que é que funcionou, vermos o que é que está a funcionar lá fora e aplicar aqui.

    E em relação aos rendimentos, isso acontece também. Para já, o salário mínimo em Portugal é baixíssimo comparado com o resto da Europa. E procurar trazer o salário mínimo de forma a equilibrar com o resto da Europa, pelo menos com o nosso vizinho Espanha, seria uma boa ideia. Mas no nosso programa focamo-nos mais naquilo que chamamos o salário médio, que no fundo é elevar os salários em geral das pessoas. Temos várias medidas, como por exemplo, incentivos às empresas que tenham salários mais elevados, de forma também a diminuir o fosso salarial entre gestores de topo e os empregados dessas pessoas. E isto, mais uma vez, são práticas europeias que nos outros países vemos salários muito mais elevados do que aqui. No fundo, é procurar aplicar que funciona lá fora a Portugal. A nossa proposta é em 10 anos levar os portugueses a ter salários europeus.

    E também batalhando muito contra a questão de burocracia e do excesso de custos que tudo isso traz, e que também depois acaba por envolver uma outra proposta que têm, que é a questão de ajudar à criação de empresas; um empreendedorismo, e do contributo que isso terá também para o crescimento económico, não é?

    DUARTE COSTA: Sim, na verdade, para termos salários europeus, precisamos de ter uma economia que gera valor acrescentado no nível que outras economias europeias geram. E isto é muito importante para Portugal e para cada português, que tem um salário muito abaixo da média nacional. Não é uma questão de retirar impostos, porque se nós não pagássemos nenhuns impostos, iríamos ganhar ainda assim 12.000 euros abaixo da média europeia. Portanto, precisamos de gerar mais riqueza.

    Mas isto também é muito importante para a União Europeia. Porque a União Europeia, para ser um bloco económico influente e que ter tracção na economia global, não pode ser uma economia onde temos 12 países que que geram alta riqueza, que são muito prósperos, e depois temos 15 países que estão para trás, como Portugal. Portugal, e aqui falo sobretudo para os portugueses que estão em regiões que também estão a vê-los abaixo da média nacional – são essas as regiões que nós queremos pôr a União Europeia a desenvolver a um passo acelerado. Porque é aí que a União Europeia também, como um bloco, pode cada vez mais ser aquilo a que ela se propõe e cada vez mais influente. E esse ponto que mencionou do empreendedorismo, empreender significa realmente propor-se a criar algo novo, a inovação, propor-se a criar mais valor acrescentado. Temos várias ideias concretas. E agora, passando também para as europeias, mas para nós elegermos europeias, vamos precisar de eleger nas legislativas. Portanto, faz sentido falar de europeias.

    Inês Bravo Figueiredo, Mágui Lage (cabela-de-lista por Leiria) e Duarte Costa. (Foto: D.R./Volt)

    Mas as europeias estão aí já à porta também.

    DUARTE COSTA: São em Junho, não nos esqueçamos delas. Mas para as europeias queremos justamente dar um passo muito importante neste mercado comum que temos na Europa. Ou seja, todos sabemos que podemos viajar, podemos abrir empresas, podemos trabalhar muito facilmente na Europa, mas não temos um sistema interoperacional entre os países. Isto é um bloqueio.

    Por exemplo, se uma start-up portuguesa, por causa dos bloqueios administrativos e burocráticos, por causa das legislações nacionais, não tem acesso a um mercado de 450.000.000 de europeus, que é o espaço único da União Europeia, e da área económica exclusiva. Neste caso, as empresas têm um problema de competitividade em relação, por exemplo, a uma empresa americana ou chinesa que está a operar no mesmo mercado global, mas não tem o mesmo mercado doméstico. Provavelmente, tem um mercado doméstico de 10 milhões.

    Queremos uniformizar e criar uma one stop shop, ou seja, uma forma em que qualquer empresa, em qualquer ponto da Europa, consiga resolver os seus trâmites administrativos de forma coordenada. E isso é uma vantagem, termos uma União cada vez mais federal. Depois, queremos colocar também a União Europeia a triplicar o seu investimento em Ciência e em Investigação.

    Infelizmente, saiu há pouco uma notícia que o orçamento para o Horizon Europe, que é o principal programa de investimento em investigação em Ciência, vai reduzir porque não há dinheiro para investir em tudo o que é necessário neste momento, entre ajudar a Ucrânia e o Horizon Europe. E somos completamente a favor de ajudar a Ucrânia, mas precisamos do apoio dos portugueses e dos Europeus para realmente dar força à União Europeia e isto significa trazer mais financiamento para a União Europeia.

    Até porque a União Europeia tem perdido muito. Eu lembro-me de a União Europeia ser líder dos países europeus, mesmo na Escandinávia, líder em tecnologia, nomeadamente o sector das telecomunicações, tínhamos de facto aí uma pegada. E agora estamos muito aquém. E é bom que os europeus, e os portugueses, tenham consciência do que é que isso significa.

    DUARTE COSTA: Sem dúvida. Eu acho que a União Europeia, para seu próprio benefício, como eu estava a dizer, para ser relevante, precisa de alavancar a economia em países como Portugal. E precisa de fazê-lo, independentemente de se os nossos políticos nacionais sabem ou não sabem fazê-lo.

    Porque o que se passa com Portugal é que, apesar de nós termos milhares de milhões de investimento da União Europeia, como esses investimentos são decididos pelo nível nacional e muitas vezes com interesses eleitorais, esse dinheiro não está a fazer a diferença nas nossas vidas. Queremos que a União Europeia, independentemente da qualidade dos nossos políticos nacionais, consiga fazer isso por ela própria. Porque desenvolver Portugal e dar salários europeus aos portugueses é fundamental para que a Europa seja relevante no mundo inteiro. E isso passa, lá está, por esta questão da aposta na inovação, por esta questão de conseguir que quem cria uma empresa em Portugal consiga de facto ter acesso ao mercado de 450 milhões de habitantes.

    Depois, há todo o aspecto também da sustentabilidade e da neutralidade carbónica. E, de novo, esta é a área que me apraz. Costumo dizer quando comento estes temas na televisão ou na imprensa ou nas minhas redes sociais, que as alterações climáticas preocupam-nos muito, até porque nós vemos os impactos que elas têm, mas elas também são na verdade, a oportunidade e o apelo a criarmos aquele mundo que sempre sonhámos ter. Ou seja, uma economia verdadeiramente sustentável que não derruba a natureza e os limites do planeta.

    E aqui, achamos que esta transição climática, para a Europa, é uma oportunidade de ser líder no mundo. Já somos líderes no mundo, apesar de não estarmos à altura daquilo que é necessário. E isso significa todo um novo mar de oportunidades, de novas tecnologias, de novos negócios, de novas formas de nos relacionarmos com a natureza e que também tem um valor económico que também vai dar resposta aos desafios do emprego, do emprego com qualidade na relação qualidade/vida pessoal, também na questão dos rendimentos. E a Europa tem conseguido fazer essa evolução e nós queremos estabelecer metas ambiciosas.

    Queremos descarbonizar até 2040, queremos neutralidade até 2040, o que é antecipar em 10 anos o objectivo actual. Isso significa antecipar… Às vezes algumas pessoas quando falam comigo ficam um pouco preocupadas, porque isso vai ser mau ou uma pressão demasiado grande, ou vai ser muito caro, oneroso. Na verdade, não. Antecipar significa realmente colocarmo-nos já a ter esses benefícios que só podemos ter lá para a frente. Significa acelerar esta transição, o que significa termos mais rendimentos, mais empresas verdes, mais empregos, mais bem pagos. E termos esse mundo de sonho que eu estava a dizer, antecipadamente.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Há muitos anos que se ouve falar em ecologia e na necessidade de proteger o ambiente, e na questão do impacto da acção do Homem. Mas o que vemos, hoje, no discurso político, é: impostos e condicionar a vida das pessoas, enquanto as grandes indústrias, os grandes poluidores, os grandes interesses podem, de certa maneira, até lucrar. Estamos a ver isso no caso dos automóveis. Não se fala tanto num investimento forte em transportes públicos, na prática, nomeadamente fora dos grandes centros urbanos. Mas o que se fala é em trocar um veículo por outro. Para pessoas da minha idade, já olhamos um bocadinho com desconfiança para algumas destas políticas. Como é que pode um partido como o vosso, também trabalhar nesta vertente, de que haja uma garantia de que na política não há uma corrupção ou promiscuidade, ou uma tentativa de ir taxar as famílias, taxar o consumidor? Como é que se pode ter políticas sérias no combate às alterações climáticas e proteçcão do ambiente?

    DUARTE COSTA: Isso é outra inovação – e agora falo mesmo aqui a título pessoal – que eu encontrei dentro do Volt. Ou seja, como especialista em alterações climáticas e pessoa que está muito interessada nessa transição, aquilo que eu via e às vezes até pessoalmente me poderia agradar, eram estas políticas muito verdes e quase até proibitivas. E o que eu encontrei no Volt que gostei mais ainda, foi, cá está, é um partido que tem uma agenda muito ambiciosa, mas que não quer de todo ter uma agenda proibitiva. Ou seja, que tem uma lógica muito de incentivar o que está certo. A partir do momento em que temos os incentivos certos, podemos eventualmente penalizar o que está errado por forma a gerar receitas para financiar o que está certo.

    Mas é as grandes indústrias ou penalizar a família, o indivíduo?

    DUARTE COSTA: Não. Achamos, por exemplo, na questão dos transportes públicos, que não dá para penalizar o uso do carro se não houver uma alternativa de transportes públicos. Na questão da alimentação, não dá para penalizar a alimentação de base animal, por exemplo, que sabemos que tem um impacto mais negativo nos ecossistemas e no sistema climático, se não houver alternativas.

    Por exemplo, nestas eleições eu não vi ainda na comunicação dos outros partidos, sobretudo o Livre e o PAN que são partidos que têm uma agenda ambiental também como a nossa, bastante ambiciosa… Mas eu vejo que somos o único partido, até agora, que já está a comunicar o tema da alimentação como uma das nossas oito principais bandeiras; está nas nossas redes sociais, vão lá ver: nós queremos um Programa Nacional de Alimentação Vegetal. O que é que isto significa? Queremos que haja formação de chefs para que em todos os restaurantes um chef saiba preparar uma boa refeição vegana para que, independentemente de se a pessoa é ou não vegana todos os dias, possa fazer essa opção. E só fazendo essa opção, já está a ajudar muito, de certa forma.

    Queremos incentivos fiscais para os restaurantes e os estabelecimentos que já estão a trabalhar para que haja uma alimentação do futuro, uma alimentação climática, uma alimentação alinhada com a sustentabilidade. Queremos programas que ajudem a sensibilizar crianças nas escolas e novas ementas nos espaços públicos; sobretudo que são abastecidos pelo Estado, para que tenham essa alimentação de acordo com aquelas que são as metas do próprio Estado. Está na Lei de Bases do Clima, está nos discursos dos políticos, mas não está na ementa da escola primária pública, onde se calhar, o meu filho ou a minha filha estudam.

    (Foto: D.R./Volt)

    Que, aliás, comem muitas vezes é massa com massa, e não há verde nenhum, nem fruta.

    DUARTE COSTA: Exactamente, e acabam por não ter uma alimentação sequer equilibrada.

    Sim. E o que queremos é: se nós sabemos que do ponto de vista da Ciência, o que está não está bem, e Portugal de facto, neste campo da alimentação, as coisas não estão nada bem… Somos o país da União Europeia, com Espanha, que come mais carne por ano e por pessoa. Temos um impacto gigante na saúde das pessoas, nos nossos ecossistemas em Portugal, nos ecossistemas dos outros países ao estarmos a importar ração dos outros países, por exemplo, da Amazónia e do Brasil, que causam deflorestação, para alimentar os nossos animais em Portugal. Sobretudo quando temos uma situação de seca, ou seja, temos menos pastos, temos de gastar mais dinheiro em ração, estamos a aumentar as nossas importações e a perder dinheiro da nossa economia, para alimentar um hábito que nem sequer nos faz bem.

    Claro, isto está muito enraizado e se calhar, algumas pessoas estão a ouvir e estão a pensar “pronto, lá vem o discurso vegano, vão proibir de comer carne”. Não, não queremos proibir, o que queremos é que toda a gente tenha acesso. E quando eu digo acesso, significa que as alternativas vegetais têm de ter o mesmo preço ou ser mais baratas que as animais e têm que ter um sabor, uma experiência de alimentar gastronómica, digamos assim, tão bom ou melhor. Isto é possível e há imensas empresas e imensos negócios em Portugal e no mundo inteiro que estão a trabalhar nesta linha. E isto é um óptimo sector do futuro para nós apostarmos, e é isso que nós queremos que Portugal inicie.

    Ou seja, o Volt não está contra podermos ter o cozido à portuguesa, o que defende é, se calhar, mais couve no cozido à portuguesa.

    DUARTE COSTA: E, por exemplo, ter um cozido à portuguesa com enchidos veganos, com seitan, com outras experiências. Qualquer vegetariano e vegano em Portugal já há muitos anos que sabe como comer uma boa receita portuguesa “veganizada”. Sou vegano há quatro anos, e há três anos ou quatro anos, aliás, que o meu Natal é vegano. E partilho nas redes sociais o desafio vegetariano – que já agora, recomendo toda a gente a ir ver – e é possível ter um tofu com broa ou migas de tofu ou um tofu com todos saboroso e bom. A minha família, que não é vegana, come e gosta. E isto é só de Natal, mas há várias receitas que são possíveis. E eu acho que é por aí o caminho. Pelo planeta, pela nossa saúde, pela nossa economia. É já agora, também pelos animais.

    Então deduzo também – agora aqui uma provocação – que o Volt não estará muito contente com algumas das mais recentes políticas da União Europeia, nomeadamente a aprovação, por mais uma década do uso, do Roundup, o glifosato. E também a questão de um recuo grande naquilo que é o uso dos pesticidas, também um forte lobby, porque infelizmente também existem cada vez mais lobbies fortes ao nível da grande indústria a vários níveis, nomeadamente indústria farmacêutica e também na área agroalimentar. No tema de poder haver uma redução das restrições a nível comunitário dos organismos geneticamente modificados, que são três temas aqui, que se calhar não estão muito satisfeitos com o rumo que está a ter na Europa.

    DUARTE COSTA: Acho que essa pergunta é mesmo importante, porque é preciso que as pessoas saibam o que é que se passa no Parlamento Europeu, porque lhes diz respeito diariamente. Diz respeito ao que está no prato delas. Portugal é União Europeia. E a minha co-candidata Rhia Lopes trabalha no Parlamento Europeu, é assistente parlamentar nos Verdes Europeus. E aliás, essa é a motivação dela para ser candidata, porque há muita coisa que é aprovada no Parlamento Europeu sujeita a lobbies que, se a maioria das pessoas soubessem, jamais votariam esses partidos. E aqui falo, e é preciso mencioná-los, no caso de Portugal, tem sido o PSD, e se elegermos o Chega nas próximas eleições, vai ser igual. Aliás, em matéria agrícola, o PSD alinha-se com o Chega, ou seja, alinha-se com a extrema-direita. Qual é a sua lógica? Não é uma agricultura que beneficia as pessoas. A lógica é uma agricultura que beneficie certos agricultores. Estamos a falar dos grandes agricultores. E, se temos um pesticida que ajuda a ter mais lucro porque elimina doenças, elimina perdas de produtividade, mas com um custo enorme demonstrado pela ciência nos cidadãos, o Parlamento Europeu, por esses partidos que têm essa visão, aprova decisões que beneficiam esses agricultores, mas prejudicam a saúde de milhões de pessoas. Isto está documentado na Ciência, está documentado nos estudos, teve forte e reação e contraposição da parte dos Verdes Europeus – da família onde o Volt que já tem um parlamentar, se situa e de outras famílias – mas, infelizmente, ainda é essa família do centro-direita e da extrema-direita, aliás, neste momento do centro-direita do PPE, que tem mais peso.

    Portanto, de novo, se queremos melhor comida nos nossos pratos, temos de nos envolver na política europeia. Temos de votar nas eleições europeias, e não é só votar. Temos de mobilizar as pessoas à nossa volta – os nossos pais, os nossos avós, os nossos amigos – a perceber que têm de votar e têm de votar em projectos políticos – o Volt é um deles, mas há outros – em projectos políticos que os ajudem a ter uma vida melhor. Inclusive, o que é que está no prato, como é que conseguimos ter salários do nível que queremos, como é que conseguimos viajar na Europa de comboio em vez de avião. Uma série de questões, como é que conseguimos garantir a paz no nosso Continente…

    E ter saúde. Devo dizer, aqui é uma observação, mas para mim, com 49 anos, cresci muito com o tema da ecologia na escola. Quando andei na escola primária, falava-se na palavra ecologia e na defesa do ambiente. E estou chocada como é que, em 2024, como é possível estarmos, na Europa… Quando era pequena, pensávamos que, em 2024, já íamos ter os carros voadores. E não só não temos carros voadores ou algo do género, como ainda temos uma discussão de retrocesso ao nível de ainda estarmos a falar deste tipo de pesticidas, e de diminuir restrições ao nível dos organismos geneticamente modificados… Para a minha geração, é um choque.

    ANA CARVALHO: Por acaso, é interessante esta questão da geração, porque temos notado até, nos últimos tempos, uma crescente de membros que se juntam ao partido, não só em Portugal, mas também no resto da Europa, de pessoas mais velhas. No início, começámos a dizer que somos um partido jovem e a verdade é que os nossos representantes, eu e o Duarte, os nossos candidatos, somos pessoas mais jovens. Mas a nossa base partidária está muito baseada também em pessoas de gerações mais velhas que vêm ter connosco com esta conversa do clima e de proteger o planeta, que já tem ouvido falar durante tantos anos e que não têm tido, não têm visto uma acção na prática. Vêm ter connosco a dizer “eu estou um pouco farto que isto aconteça, quero de facto construir um mundo melhor para os meus netos ou para os meus filhos”. E há muita gente mais velha que tem vindo ter connosco, porque vê esta acção europeia climática que temos e que veem no Volt uma mudança, no fundo, para a acção climática concreta.

    Colocação de cartazes do Volt Portugal junto ao Saldanha, em Lisboa. (Foto: D.R./Volt)

    E eu, falando aqui das pessoas mais “velhas”, o que posso dizer é que é um contrassenso a Europa ter um discurso – e em Portugal, alguns partidos terem um discurso – tão forte ao nível da questão do combate às alterações climáticas, sempre dito num tom muito grave e muito sério – que é “a maior ameaça de todos os tempos” –, mas, depois, estão a discutir a ou ponderar questões tão graves como estas dos pesticidas, ou estão a prolongar por mais uma década um pesticida que é perigosíssimo. Há aqui um contrassenso, e a nível europeu temos um problema, ou não?

    DUARTE COSTA: Sim, eu acho que esta incoerência que eu estou a ouvir nas suas palavras é uma incoerência também a nível nacional. Temos um partido como o PS, que traz os temas climáticos, esteve associado a instrumentos legais como a Lei de Bases do Clima, e que, nas palavras, está no caminho certo e se calhar, quem conhece o PS sabe que não é só na área climática, em várias áreas. Ou seja, na comunicação, até faz sentido, mas, depois, assim que há um problema… Por exemplo, assim que tivemos o problema da invasão da Ucrânia, que levou ao aumento do preço dos combustíveis, uma das primeiras coisas que desapareceu de imediato foi a taxa do carbono e a taxa do carbono é o que está a financiar o Fundo Ambiental, que está a permitir que as pessoas possam ter bicicletas e bicicletas eléctricas a preços descontados, que está a permitir às pessoas poderem investir em eficiência energética nas suas casas, painéis solares…

    Portanto, quando de imediato favorecemos o preço dos combustíveis perante a transição climática há uma questão de incoerência. Aquilo que precisamos enquanto cidadãos – se calhar, nem todos vão concordar com esta visão, é normal, em democracia há uma pluralidade –  , mas aqueles que concordam, que não dá para continuar com o mesmo modelo económico, não dá para continuar a achar que, baixando o preço dos combustíveis a nossa sociedade vai funcionar melhor… Precisamos, sim, de libertar as pessoas da dependência do carro, de ter que ter uma factura de combustível todos os meses.

    (Foto: D.R./ Volt)

    Eu fico chocado em campanha, quando me desloco, sobretudo fora de Lisboa, e vejo pessoas que ganham o salário mínimo, mas que precisam de ter um carro e de gastar, se calhar, 300 euros do seu salário mínimo para ir trabalhar. E não vivem numa aldeia perdida no interior. Não. Trabalham, por exemplo, num centro comercial no Algarve. Podiam, perfeitamente, ter um transporte público e não têm, porque não existe, do ponto de vista nacional, sequer políticas para conseguirmos ter as deslocações intermunicipais asseguradas com transportes regulares. Acho que aí há uma crítica a apontar ao atual Governo e ao PS.

    Há uma falta de coerência que está a fazer aumentar este descontentamento com a classe política e até com os dois partidos de governo e está a alimentar os votos de protesto. O que o Volt quer é mostrar que o voto de protesto não vai ajudar nada, antes pelo contrário, é pior ainda, porque são pessoas muito menos preparadas. O que precisamos é de partidos que queiram trabalhar, que queiram, que tenham soluções. E temos várias e estamos a tentar comunicá-las às pessoas para que elas  deem a sua confiança e depois nós possamos fazer esse trabalho para elas.

    E, ao nível dos transportes têm propostas concretas para essas áreas. Até porque em algumas zonas – não estamos a falar só de Lisboa e temos no PÁGINA UM, leitores e ouvintes de todo o país – onde a pessoa, mesmo tendo acesso a transportes públicos, pode ter uma fatura superior a 100 ou 150 euros por mês para utilizar os diferentes transportes necessários para chegar ao trabalho.

    DUARTE COSTA: Sim, e na maior parte do país, fora de Lisboa e é mais vantajoso andar de carro, ter um carro do que andar de comboio. O Volt é muito ambicioso na questão do comboio em toda a Europa. Ser ‘volter’ quase significa ser um amante do comboio, porque nós temos mesmo políticas muito detalhadas. A nível europeu, queremos uma Agência Europeia para as ligações entre países de comboio e que seja a União Europeia a assegurar essa alta velocidade entre todos os países para que nós não precisemos de usar o avião em toda a Europa. Essa é uma meta que temos.

    (Foto: D.R./Volt)

    E,  a nível nacional, no nosso programa para as legislativas, desafio todas as pessoas, sobretudo aquelas que adoram comboios e que sonham com Portugal em alta velocidade e não só com ligações de comboio, a ver o nosso programa, porque, é revolucionário.

    Queremos ligar a linha do Oeste diretamente à Gare do Oriente e, com isso, ter um tempo de viagem de comboio – quem está em Torres Vedras, quem está em Mafra, quem está na região Oeste –  para Lisboa, e não precisar do carro e ser muito mais rápido, sem trânsito e muito mais barato.

    Na região Centro, queremos ligar Viseu, ter finalmente uma linha, uma estação de comboio e ligá-la à rede ferroviária nacional. Queremos fazer ligações paralelas. Por exemplo, quem está em Tomar e quiser ir a Leiria, não consegue fazer uma ligação direta, tem que vir até ao Entroncamento, trocar. Leva muito mais tempo. Faz todo o sentido ligar Tomar, Ourém, Leiria, Batalha, ligar a linha do Oeste.

    Temos várias propostas. No Algarve, temos uma linha fantástica, linha que liga Lagos a Vila Real de Santo António. É fantástica, mas tem um perfil muito lento. Vai ser eletrificada, mas com isso ganha apenas cinco minutos de viagem. O que precisamos é de duplicar estas linhas. Precisamos de ter comboios mais “expresso”, para que as pessoas possam ir de comboio e levar muito menos tempo do que ir de carro, com menos custos e, obviamente, sem emissões. E depois, obviamente, a alta velocidade é uma prioridade.

    Queremos uma terceira travessia também em Lisboa, para o Barreiro. Seria uma travessia ciclo-ferroviária, para bicicletas e para comboios. Essa travessia, só por termos um traçado muito mais lógico, para chegar a Espanha, ao Algarve e ao Alentejo, ia reduzir em 30 minutos o tempo de viagem. Porque a travessia actual é muito mais longa, mas também essa nova linha ia permitir que a margem Sul – quem está no Seixal Montijo, Barreiro –  tivesse muito mais acesso pelo comboio a toda a malha metropolitana de transportes públicos de Lisboa. E podia continuar a falar aqui do resto da país…

    ANA CARVALHO: O nosso programa é quase que um sinónimo de ferrovia para todos. Políticas que vão à região, à cidade. Repito aqui o desafio do Duarte: quem gosta de ferrovia, leiam nosso programa. Estamos à espera de feedback, também coisas que possamos melhorar.

    (Foto: D.R./Volt)

    Falaram há pouco da questão de desburocratizar, mas também têm propostas naquilo que é a adoção das melhores tecnologias e da Ciência, daquilo que se sabe, de evolução… Ainda não teremos os tais carros voadores que foi “prometido” um bocadinho à minha geração, mas já poderemos ter, pelo menos, algumas coisas diferentes no funcionamento em Portugal.

    ANA CARVALHO: Sim, é isso em todos os sectores. Por exemplo, há pouco falávamos do setor empresarial. No nosso programa apostamos muito também na digitalização, na desburocratização, e isto iria ajudar ao crescimento da economia, no sentido em que, num tecido empresarial em que temos 99% de pequenas e médias empresas, a verdade é que facilitar a vida às empresas é facilitar a vida aos portugueses, aos indivíduos.

    No nosso programa temos medidas como este Administrador Público de Empresa, que, no fundo, seria uma figura central que ajudaria a desburocratizar todo o processo de criação de empresas. No fundo, a ligação entre empresas e Estado.

    Também aplicamos a digitalização no setor da Saúde. Queremos muito maior digitalização no que toca à administração do Serviço Nacional de Saúde. E digitalizando um pouco em todos os setores, a verdade é que temos, não só, vantagens a nível climático, mas também vantagens para as pessoas, optimização de processos.

    Na questão da saúde, todos os anos há uma crise em Portugal. Chega o Inverno, somos sempre apanhados de surpresa com o mês de Janeiro. Somos sempre apanhados de surpresa com o pico de doenças do foro respiratório e é sempre o caos e é sempre uma surpresa. Têm propostas também para resolver… Passa em parte pela digitalização também?

    ANA CARVALHO: Passa muito pela digitalização, passa muito por tirar trabalho administrativo aos médicos e contratar mais pessoas administrativas que permitam que os médicos estejam a exercer o seu papel de medicina. Mas sim, digitalização do sistema do Serviço Nacional de Saúde.

    DUARTE COSTA: E depois passa também por apostar muito no nível local de atendimento, nas unidades de saúde familiar, que são fundamentais a para desobstruir as urgências. Como é que queremos fazer isto? Não é preciso reinventar a roda. Há muito trabalho que os médicos têm de fazer – profissionais de saúde, em geral, médicos e enfermeiros e outros, técnicos e auxiliares. Quem devia estar a cuidar dos utentes está muitas vezes a trabalhar com burocracia.

    Aliás, há alguns estudos que mostram que é no privado, a mesma pessoa, o mesmo médico, mesmo enfermeiro, consegue ter um atendimento que, às vezes, é mais do dobro ou do triplo de pessoas no público. Porquê? Porque no privado existe uma eficiência de administração maior do que no público. Também somos favoráveis a parcerias público-privadas na saúde, que funcionam. Há várias. Funcionam bem. Há outras que funcionam mal. É preciso avaliar o que está a funcionar bem, o que está a funcionar mal, criar regras muito rigorosas nesses contratos entre o Estado e os prestadores de serviços e garantir que, no final, as pessoas têm acesso a um cuidado a um atendimento célere.

    E eu acho que este aspecto da saúde digital é muito importante. Até pela nossa experiência noutros países. Na Europa é normal conseguir marcar uma consulta online. Em Portugal, no SNS ainda não é possível, em muitos casos. Nuns é, noutros não é, são regras que variam. Marcar uma consulta online, o médico ter acesso aos nossos resultados, sem nós termos que ir lá, mostrar os resultados de umas análises. Se conseguirmos aproveitar as novas tecnologias… Mesmo as teleconsultas, de telemedicina… Se o médico não precisar de nos ver fisicamente, nós poderíamos usar o tempo dos profissionais de saúde de uma forma mais inteligente e mais eficiente. E, na verdade, quando falo com médicos e enfermeiros e profissionais de saúde, normalmente a resposta que eu tenho é, por exemplo, nas urgências: temos médicos suficientes para atender aquilo que são urgências. O problema é que as urgências estão a fazer o trabalho dos centros de saúde e dos médicos de família.

    Pegando nesse tema da saúde, alguns países estão a ficar de pé atrás relativamente ao processo de introdução de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional que está a ser feito em paralelo com a criação de um Tratado Pandémico. A pandemia trouxe a necessidade de reforçar a colaboração entre os países e de optimizar algumas formas de funcionar. Contudo, a pandemia foi gerida de forma desastrosa em alguns países, o que é visível nos números do excesso de mortalidade, em que Portugal, infelizmente, é campeão, e é algo muito mau para nós. As alterações propostas reforçam os poderes da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma organização supranacional. E tudo pode ser uma crise sanitária: desde um fenómeno meteorológico, uma guerra… Como é que um partido como o vosso, que defende uma Europa mais forte, vê uma discussão em que a OMS, que tem a influência política de diversos países e é altamente financiada por privados, fica com mais poder? A Europa não fica fragilizada?

    DUARTE COSTA: Para que a Europa possa assegurar a defesa dos seus interesses, precisamos de funcionar mais como um bloco. Obviamente que não somos um bloco heterogéneo, ou seja, somos um bloco com muita diversidade. O que o Volt defende é que haja cada vez mais um espaço democrático e de debate interno para que consigamos, depois, ter uma posição global, uma posição de peso em órgãos internacionais, como  a OMS, e que representa esse interesse coletivo. Isto, obviamente, não é fácil, mas é justamente tendo processos como partidos como o Volt que estão em vários países e que constroem as suas políticas em conjunto, que isso pode ter cada vez mais peso.

    Se tivermos mais partidos nos outros espaços políticos, para além do nosso que é liberal, social, verde, que são pan-europeus, a Europa pode ser mais democrática. Neste caso, em concreto, é aqui um equilíbrio difícil. Porque a OMS, por um lado, tem essas influências de grupos de interesse. Por outro lado, é também uma organização que tem uma base científica muito importante, naquilo que é a avaliação de crises sanitárias e de problemas de saúde de nível global.

    Para nós, no Volt, é muito importante, na tomada das decisões, avaliar o que é que a Ciência diz sobre estes elementos. Como vimos na pandemia, nem sempre é possível ter o conhecimento científico porque há muitas coisas que vão além daquilo que é o nosso conhecimento. Neste caso concreto, o que acho que a União Europeia precisa de garantir é de ser essa influência a nível global, que garanta que as decisões da OMS são pautadas por Ciência e não por interesses económicos, seja de grupos farmacêuticos ou de outros. E isso é um papel muito importante e que muitas vezes a gente não se apercebe.

    Tem que haver escrutínio. Ou seja, uma das preocupações é que a OMS não tenha escrutínio. Não existe no Tribunal que possa depois escrutinar. A ação da OMS tem de haver da parte da Europa estar atenta e escrutinar é isso.

    DUARTE COSTA: A OMS tem a sua Assembleia composta pelos ministros da Saúde dos seus membros, que são os países do mundo inteiro. Tem um mandato com uma legitimidade democrática. Quer dizer, ninguém elege um ministro da Saúde. É apontado por um governo que, na maior parte dos países como o nosso, também não é eleito. O Parlamento é que é eleito. Se queremos aumentar o escrutínio ou se queremos aumentar a legitimidade democrática da OMS, talvez deveríamos ter as decisões que são feitas ao nível da OMS depois ratificadas pelos parlamentos. No meu entendimento,  tudo o que sejam decisões que venham do nível internacional para depois ser implementadas a nível nacional, passam pelos parlamentos, passam pela Assembleia da República. Acho que isso tem esse nível de legitimidade democrática.

    O que é importante na sua pergunta que me despertou a atenção é esta questão de as decisões que vamos tomar numa matéria tão importante, como saúde Internacional, têm por base o conhecimento científico ou estão sujeitas a lobbies e interesses de grandes grupos e muito influentes. E, isso, o que eu acho, é que a União Europeia tem que ser um garante internacional, quando muitos outros países, na esfera internacional, não são garante da democracia e da Ciência e do Estado de Direito, a União Europeia tem que sê-lo. E há muitos outros países fora da União Europeia e, sobretudo, países com os quais temos relações de proximidade muito grandes, porque temos laços históricos, sobretudo na América Latina, em África – estes países também esperam que a Europa tenha essa liderança de garantir esse primado da Ciência, da democracia, do Estado de Direito. Porque, para outros países, isso não existe, outros países que são autocracias, que são ditaduras. É o caso da China, o caso da Rússia. É até dos países que são democracias, como os Estados Unidos. Muitas vezes estamos a ver uma situação onde podemos ter um Presidente dos Estados Unidos nada alinhado com estes valores da democracia e dos direitos humanos e do Estado de Direito.

    Em todo o caso, tenho encontrado muitos testemunhos de desconfiança em relação ao processo democrático, às decisões políticas, devido ao rotundo falhanço da União Europeia na gestão da pandemia. Há países na Europa com um nível de excesso de mortalidade aterrador enquanto países que recusaram seguir o protocolo alterado da OMS, como a Suécia, têm um excesso de mortalidade residual. Depois, há os negócios opacos, as mensagens escondidas da presidente da Comissão Europeia sobre a compra de vacinas. Houve uma sensação, da parte de alguns europeus, do falhanço da Europa enquanto farol de respeito pelos direitos civis, pelo Estado de direito, pela democracia. Tivemos um certificado digital, apesar de não ter base científica absolutamente nenhuma. Estamos a falar de uma desconfiança que pode ser prejudicial também para o futuro.

    DUARTE COSTA: Não estou tão seguro que haja essa desconfiança em relação à União Europeia no que diz respeito à pandemia. Acho que a União Europeia deu um passo enorme para aquilo que é o seu modo de operação. A União Europeia, até 2019-2020, era uma União Europeia muito de base nacional. Como costumo chamar, era uma associação de primeiros-ministros. Portanto, temos ali 27 primeiros-ministros, líderes de governo, que se reuniam no Conselho da União Europeia e que tomavam decisões entre si, unânimes e a União Europeia vai seguir essas decisões. E, pela primeira vez, no meu entendimento –, e não foi só na pandemia, depois repetiu-se com Ucrânia… Também o Green Deal é um exemplo desse esforço da União Europeia de começar a ter uma voz de bloco. Na gestão da pandemia, comprámos vacinas em conjunto. Investimos em Ciência antes de termos as vacinas, fomos um dos maiores investidores em investigação para chegarmos à vacina com outros parceiros globais, o Canadá, os Estados Unidos, o Japão, outros parceiros da Europa.

    Campanha do Volt Portugal de apoio à comunidade LGBTQIA+. (Foto: D.R./Volt)

    Portanto, a Europa actuou a uma só voz e é visto pelo Volt como positivo.

    DUARTE COSTA: Eu acho que precisamos de ser pragmáticos em como avaliamos a União Europeia. A União Europeia não é perfeita, tem muitas imperfeições, sobretudo derivado desse modelo atual que nós queremos mudar no Volt que é: se for uma União Europeia que fale em nome de todos, mas esses todos são os 27 primeiros-ministros, portanto, não têm uma estrutura de mandatar a liderança Europeia a partir da decisão dos Europeus. Portanto, uma democracia europeia essencialmente, ou seja, com um Parlamento eleito pelos europeus, mas também por um Conselho da União Europeia que queremos que seja um Senado eleito pelos europeus, com um Presidente eleito ou uma Presidente eleita pelos europeus. E, portanto, que haja um compromisso de quem lidera a União Europeia com os europeus e não com necessariamente os primeiros-ministros. Os primeiros-ministros têm importância, são líderes nacionais e têm o seu trabalho a fazer e tem a sua influência nos processos europeus. Nós achamos que a União Europeia deve ter uma relação directa com os cidadãos e é isso que vai reforçar e melhorar a qualidade das decisões que são tomadas.

    Na pandemia, acho que houve coisas que ficaram aquém, mas acho que, no global, foi um momento em que a Europa se uniu. Porque percebemos que, para combater a pandemia, podemos combatê-la aqui em Portugal, mas se noutro país ao lado ou até distante, mas que está nas nossas relações, não combater efetivamente o vírus, vai afetar-nos na mesma. Portanto, demos as mãos, mostrámos união. Essa compra conjunta garantiu que países ricos não estavam mais à frente do que países mais pobres para ter acesso a uma vacina para proteger as pessoas. As decisões foram tomadas sempre com base no melhor conhecimento científico possível. Claro que há sempre coisas a aprender para trás, há casos de corrupção ou suspeitas de corrupção que são perigosos.

    (Foto: D.R./Volt)

    E censura de jornalistas e de cientistas. E assim se conseguiu criar um falso consenso, não só nessa questão da pandemia. Também na área de proteção ambiental e das alterações climáticas há alguns “consensos” em torno de alguns temas porque há estudos e há cientistas que são censurados. E isso na pandemia foi evidente. O epidemiologista mais citado do mundo, John Ioannidis, o mais conceituado, logo desde o início deu uma opinião diferente daquela que estava a ser imposta, nomeadamente em Portugal. Foi censurado, foi perseguido, foi ameaçado. Estou a dar este exemplo, mas poderia falar de outros cientistas sérios e independentes, ou seja, que não são pagos pela indústria farmacêutica. E há jornalistas premiados que alertaram precisamente para os fortes lobbies. Como é que a Europa se pode proteger, sobretudo em situações de crise, dos oportunistas? Como é que partidos como o Volt podem ajudar a combater esse vírus que é a promiscuidade, a corrupção, os lobbies que existem para que as políticas sejam feitas, muitas vezes com fins que não são para o bem público?

    ANA CARVALHO: É preciso votar em partidos diferentes. E voltamos ao início: se continuarmos a votar nos mesmos de sempre, não vamos ter ideias diferentes. Aliás, isto até é uma das leis da termodinâmica. Estamos aqui como um partido que traz ideias novas, traz pessoas novas. Somos pessoas com os nossos vários backgrounds, várias experiências, que não têm os vícios partidários e os dogmas ideológicos que outros partidos já com assento parlamentar…

    E os lobbies

    ANA CARVALHO: Exatamente. E que não sofremos impacto de lobbies. Votar no Volt é, de facto, trazer uma força política diferente à política portuguesa. E que tem práticas e políticas concretas baseadas na evidência, baseadas em boas práticas europeias. E e com isso, vamos melhorar a vida dos portugueses, de certeza.

    DUARTE COSTA: Sim, é só para complementar, em relação a esta parte dos lobbies, da corrupção e, já agora, falou aí do silenciar de jornalistas – e isso é uma coisa que me faz abrir os olhos e preocupar bastante, porque o jornalismo livre é um pilar, tem uma democracia liberal e isso para nós é muito importante no Volt. A nível europeu, para combater a corrupção e, sobretudo para combater esse lobby negativo, digamos assim, esse lobby com intenções privadas e não do interesse público, precisamos de transparência. Defendemos que todas as reuniões que são feitas com lobistas sejam registadas e que se conhece as influências que se está a tentar obter através dessas reuniões e nos processos legislativos em curso. Isto é muito importante, porque há lobbies que se estão a lutar por uma causa particular. Sobretudo, o enriquecimento ilícito, e por aí fora, e a lavagem de dinheiro – isso não é, de todo, aceitável e é um lobby ilegal.

    Mas há outras formas de lobby, por exemplo, quando nós temos ONGs [organizações não governamentais] a puxar para que a União Europeia seja mais ambiciosa na transição climática, esses lobbies são muito bem-vindos. É importante também para as pessoas que nos estão a ouvir perceber que fazer lobby não é necessariamente mau. O que é mau, é as intenções com que se aproxima de um decisor político para influenciar a sua decisão. Temos isso bastante claro, queremos transparência. Não queremos estas portas giratórias, como se costuma dizer – a pessoa que exerce um cargo, no seguimento de um cargo político, não pode exercer um cargo de direção, um cargo altamente remunerado, numa empresa ou numa área de decisão que vai beneficiar do facto de ter sido um decisor em nome de todos. Isso também é outra área muito clara.

    Finalmente, para salvaguardar o jornalismo livre, isto é muito importante. E também achamos que a União Europeia deve ter aqui garantias, porque vemos, em vários países, em vários Estados membros da União Europeia, abusos sérios e até diria que, nalguns casos, mais graves do que tem acontecido em Portugal, que também tem havido problemas contra jornalistas. Temos até o caso mais grave em Malta, de uma jornalista que foi assassinada e isto não pode acontecer num Estado de Direito. O que queremos é ter uma União Europeia que tem regras. Queremos ter órgãos de comunicação social europeus, trans-europeus, para que os europeus, em toda a Europa, possam saber o que é que se passa na sua União e não ter esta monotonia, digamos assim, esta exclusividade – se sou português, eu sei o que é que se passa em Portugal e, se calhar, se for ler online, vou saber um bocadinho [sobre o que se passa a nível] internacional. Não. Eu posso ter acesso, através de órgãos europeus, a saber o que é que se passa nos outros países e, com isso, ter aqui um contraditório, ou uma versão paralela daquilo que é que está a ser comunicado a nível nacional.

    O meu apelo, que faço aqui mesmo, importante – e para quem se revê nestas ideias –, não basta, hoje, em dia, votarmos no partido que queremos. Precisamos de fazer campanha por ele, precisamos de sair às ruas, nas nossas redes sociais, com os nossos amigos, com a nossa família, mobilizar toda a gente a votar – não é num partido qualquer – é num partido que se alinha com as nossas ideias. E a democracia precisa disso, porque quem está a lutar contra a democracia está a fazer esse trabalho. Está a fazer um trabalho muito bem feito. É preciso que se diga, infelizmente, fazem um bom trabalho para um projeto terrível e nós, do nosso lado, temos que fazer o mesmo para assegurar a nossa liberdade e o nosso futuro.


    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal para as Legislativas de 2024.


    N.D. Por um mal-entendido, do qual o PÁGINA UM será o único responsável (e mais ainda o seu director, o qual se penitencia), foi realizada uma primeira entrevista aos representantes oficiais do Volt Portugal para as eleições legislativas de 2024, Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes. Contudo, a ideia fundadora do projecto HORA POLÍTICA era entrevistar apenas os líderes dos partidos políticos, independentemente de serem candidatos nas próximas legislativas, da sua posição nas listas ou de integrarem coligações. Daí, por exemplo, se ter entrevistado os actuais (reconhecidos) líderes do PURP (Rui Lima) e do MAS (Gil Garcia) – que não concorrerão às legislativas de Março – e ter-se convidado os líderes de todos os partidos que integram a Aliança Democrática (AD), a Coligação Democrática Unitária (CDU) e a Alternativa 21. Embora assumindo o melindre da situação, propôs-se a realização de uma nova entrevista, desta vez aos co-presidentes do Volt, Ana Carvalho e Duarte Costa, aos quais agradecemos a aceitação nas circunstâncias de sermos ‘obrigados’ a descartar, por agora, a divulgação da entrevista feita a Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes. Pedimos desculpa a todos os envolvidos por esta situação.

  • ‘Portugal tem de decidir o seu rumo, o seu destino, e tem sobretudo de estar aberto para o Mundo’

    ‘Portugal tem de decidir o seu rumo, o seu destino, e tem sobretudo de estar aberto para o Mundo’

    Nascida em Luanda em 1977, Ossanda Liber iniciou a sua experiência política na Aliança, onde chegou a assumir a vice-presidência, mas desfiliou-se em Fevereiro de 2022, já depois de se candidatar como líder do movimento independente “Somos Todos Lisboa” às autárquicas de Setembro do ano anterior. Num processo com alguns percalços no Tribunal Constitucional, conseguiu criar a Nova Direita ainda a tempo das próximas eleições legislativas. Assumidamente soberanista, critica sem contemplações a esquerda e os ‘velhos’ partidos, e considera essencial um controlo total da imigração. Esta é a primeira entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE OSSANDA LIBER, PRESIDENTE DA NOVA DIREITA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Qual a sensação de criar um partido novo, um partido também que quer ser disruptivo num certo comodismo que por vezes existe na cultura portuguesa?

    É um grande desafio. Nem sei se tinha noção exacta do quão desafiante era criar um partido quando decidi iniciar o processo. Mas, felizmente, não estou a trabalhar sozinha, e isso ajuda bastante nos momentos difíceis para seguir em frente e manter o foco e o objectivo, que nos segurou e permitiu que tê-lo criado a tempo para concorrer a estas eleições, que são de grande importância para nós. Mas não é nada que não acontecesse já com os outros partidos, na maior parte das vezes; entre recolher os apoios… Nós recolhemos 10 mil assinaturas. Foram validadas somente sete mil e qualquer coisa, 7700, se não me engano; mas foram 10 mil pessoas a assinar. E numa altura em que a política está a cair em descrédito total, é mesmo muito difícil ter as pessoas a apoiar-nos. Não fosse o facto de as pessoas estarem com um sentimento de necessidade de mudança, teria sido quase impossível. As pessoas não querem ouvir falar em política, estão muito desiludidas, muito chateadas. Mas foi imposto aqui quase um sentimento de “olha, vamos testar outras propostas; não vamos ser nós a impedir que isso vá para frente”. E depois há uma questão muito portuguesa, que eu aprecio imenso: as pessoas gostam imenso de ajudar. Então, podem estar muito contrariadas, muito chateadas, desiludidas com a política, mas no final, com um belo sorriso, lá se vai conseguindo fazer com que as pessoas cedam. Esse foi naturalmente o maior dos nossos desafios: reunir essas assinaturas.

    Em todo o caso, já tinha também experiência na política. Foi vice-presidente do Aliança, também foi candidata em Lisboa. E essa experiência também lhe traz algum conhecimento para este novo desafio…

    Sim, para esta fase, em toda a preparação do processo, definitivamente. Assemelha-se muito ao processo necessário para a candidatura independente em Lisboa. Quando nos candidatámos como independentes, ao contrário do que acontece com os partidos (estão criados, indicam candidatos e já está), como independentes temos também de recolher muitas assinaturas. São 4.500 ou quatro mil, se não me engano, e recolhemos cinco mil assinaturas. Portanto, essa foi a primeira abordagem que eu tive com a política: ir à rua e convencer as pessoas de que tinha um programa simpático e, enfim, que era diferente. Tinha uma visão muito própria, e que contava com o apoio dessas pessoas para ajudar a levar essa visão à frente e apresentá-los portugueses. Então, essa experiência serviu-nos bastante agora, porque já sabíamos quais eram os pontos de resistência, como abordar as pessoas. Aprende-se muito com acção. É nisso que acredito. E nós começamos logo com uma acção com uma ousadia, de nos candidatarmos à Câmara Municipal de Lisboa. E isto valeu-nos imenso, de outra forma. Estou convencida que não teríamos conseguido criar o partido nos timings em que criámos – até porque basta ver os vários movimentos que, já há alguns anos, tentam criar um partido e não conseguem, simplesmente por não conseguirem reunir as assinaturas – sem essa experiência. Mas politicamente falando, as experiências anteriores permitiram aperfeiçoar a forma como devemos fazer políticas, adaptar ao nosso programa aquelas que são efectivamente as necessidades e expectativas das pessoas. Foi um processo de aprendizagem que agora vai continuar, mas chegámos a um ponto de maturidade que permite estar no combate.

    Falou do aparente divórcio entre os portugueses e a política. Há um descontentamento, uma tristeza e um afastamento. Entende existirem motivos para isso? Sente esse divórcio?

    Sim, claro que sim. Como não? Eu também sou cidadã. Antes de ser a responsável política por um partido, sou cidadã. E eu também partilho, com as pessoas, essa frustração. Por isso mesmo decidi convidar um grupo de pessoas para criar um partido político. Os partidos do arco da governação, vamos dizer assim, já não têm nada a oferecer, não conseguem. E isso não tem nada a ver com a qualidade das pessoas em si, individualmente. Eu prefiro não atribuir necessariamente a isso. Atribui-se ao facto de já ser impossível gerir partidos com aquela dimensão, com aqueles vícios de 50 anos de poder, sem alguma vez terem sido questionados. Houve sempre uma alternância, que garantiu poder, para uns e para os outros; portanto, para o PS e o PSD. E durou 50 anos. Portanto, o que é que isso faz? Cria vícios estruturais, nas próprias estruturas locais dos partidos, e dá aquilo que estamos a ver hoje: líderes que já não conseguem dirigir os seus partidos, já não mandam efectivamente nos partidos. Não conseguem levá-lo para um caminho. E, além disso, há o facto, também, de as pessoas dos partidos terem apostado estrategicamente – às vezes acho que erroneamente, mas ainda assim, fazem isso nos últimos anos – em líderes que, eu diria, são incapazes, fracos. Talvez precisamente para poder ir ao encontro de todos os interesses partidários, para não contrariar aquela via partidária. Talvez seja por isso, acredito que sim. Não temos, na política, coragem, não temos bravura, não temos espírito de combate. Ainda há dias ouvi o líder do PSD dizer: “eu não estou aqui na política para ser combatente”. Olha, que pena! Os portugueses precisam é de combatentes, de líderes que combatam pelo país. Portanto, essa desilusão [dos portugueses] está absolutamente justificada. Agora, há uma postura possível, e há muita desilusão. É desistir do país e dizer: “olha, paciência, entrego o país a quem quiser ficar com ele”. Ou então dizer: “não, este país também é meu e eu sou tão cidadão quanto estas pessoas; há pessoas certamente capazes, alternativas capazes aqui, vamos dar oportunidade a essas alternativas; não temos rigorosamente nada a perder”. Nós estamos numa fase em que devemos dar o benefício da dúvida, e é isso que eu tenho falado sempre quando estou na rua a recolher os apoios; é isso que transmito às pessoas, e elas percebem, por isso é que dão as assinaturas. É porque lhes digo: “não vamos desistir do país, porque o país é nosso, de todos nós, individualmente; cada um de nós tem um bocadinho desse país”. Não votar e não aceitar novas propostas, é exactamente isso que os partidos estabelecidos querem, aqueles que tanto mal têm feito a Portugal nos últimos anos. Não devemos ir por aí, e esta campanha também vai ser sobre isso; sobre explicar às pessoas que não devem desistir de Portugal, de forma alguma.

    Podemos depreender que, como líder da Nova Direita, acredita ser possível quebrar este círculo de poder que tem sido dividido entre os grandes partidos.

    Não só acredito, como eu acho que está em curso, sinceramente.

    Estamos aqui num fim de ciclo, numa mudança de regime, numa mudança?

    Eu acho que sim. Acho que estamos a iniciar. Atenção, não me parece que vão ser já nestas eleições que se definirá essa ruptura, mas parece-me que vai acontecer. É só observar a forma como as pessoas têm já dado crédito aos novos partidos, àqueles que emergiram nos últimos anos. Já é a demonstração de as pessoas começarem a abrir a mente. E é esse o mérito que eu atribuo, aliás, a esses partidos mais recentes: abrirem a mente dos portugueses, abrirem o coração, a alma dos portugueses, levá-las a pensar: “olha, vejam lá, não é assim, há aqui possibilidades e propostas”. Eu penso que é por aí.

    Olhando para o vosso programa, têm propostas muito específicas em várias áreas. Senti, pelo menos ao ler algumas das propostas, que traz algo de novo, qno debate em torno de alguns temas que se tornaram tabu.

    É verdade…

    Seja porque temos uma imprensa, em geral, muito conivente com aquilo que são as políticas dos partidos do poder, e, portanto, com esta cultura que se instalou, há temas que não é possível debater. E sabemos que, se tocamos nesses temas, saem logo os chavões, uns nomes, umas acusações, que certos temas são de extrema-direita. E há que desmontar um bocadinho isto e perceber ser possível debater-se. Aliás, é saudável em democracia. Quer falar de alguns temas? Por exemplo, o combate à cultura do cancelamento, ao combate ao denominado wokismo. O seu partido quer dar um murro na mesa e a trazer obrigatoriamente esses debates para cima da mesa?

    Sim, sim. Aquilo tem acontecido é que a esquerda tem imposto uma agenda. E tudo aquilo que sai da agenda determinada, decidida pela esquerda – socialismo e a extrema-esquerda também –, tudo que sai disso, é extremado, é adjectivado, é insulto. Isto é inaceitável. Quer dizer, o que é que é a política, senão um debate de ideias? É isso que é a política. É uma pessoa dizer: “olha, eu sou contra o aborto”; e outra dizer: “não, eu sou a favor”, e depois chegamos a um consenso que, de certa forma, acomode as expectativas dos portugueses. Portanto, é isso que deve ser a política. Não deve ser individualizar as coisas, não deve ser insultar as pessoas por trazerem esse debate. E depois, o que é que acontece? A direita não tem, nos últimos anos, sabido defender-se. A direita vai à boleia daquilo que é a agenda da esquerda, vai sempre em reacção. Não sou pessoalmente uma pessoa de reacção. Eu sou uma pessoa que olha para as coisas, com pragmatismo, e identifica os problemas e procura soluções. Portanto, sempre foi assim a minha vida; tanto na minha vida pessoal, como na minha vida profissional, sempre foi esse o meu papel: encontrar soluções. E os temas têm de ser abordados, porque senão vamos ficar esse tempo todo a perpetuar esse estado de bullying social, se quisermos, em que uns são os bonzinhos e outros são os maus da fita, porque falam nos temas. E isto é inaceitável. Por isso, eu e o meu partido vamos dar o nosso contributo nesse sentido. E esta questão do wokismo é uma delas. A partir do momento em que a esquerda defina que o caminho é um, aquilo passa a ser incontestável, e quem vier contestar é fascista, é extremista. Quer dizer, onde é que estamos? A esquerda tornou-se divisionista, tornou-se bastante sectária.

    Ossana Liber com dirigentes da Nova Direita, aquando da entrega das listas para as próximas eleições legislativas.

    E lucra com isso.

    Lucra em votos, é a forma de se manterem. Não têm ideias concretas para aquilo que as pessoas precisam efectivamente de resolver. A agenda deles passa por desestabilizar para depois aparecer como o salvador da pátria, o salvador das pessoas, o salvador dos desgraçadinhos. E então, de repente, acaba por colocar as pessoas num canto, as pessoas que supostamente defende, todas elas, desde os homossexuais, por exemplo – que dizem defender, mas, na verdade, só extremam mais a posição relação a essas pessoas. Ou em relação às crianças, que eles julgam que precisam da defesa, mas não dos pais nem da família, mas sim da escola ou dos partidos. Enfim, e até a questão racial que eles instrumentalizam e colocam as pessoas numa situação de exclusão social, porque estão todos os dias a gritar: “vocês são negros, vocês são coitados e, portanto, precisam da nossa proteção; nós estamos aqui para isso”, quando, na prática, a vida dessas pessoas não mudou em nada nos últimos anos. Aparecem lá para ver essas pessoas a solicitar o voto por altura das eleições. Ao longo do ano ninguém aparece. Este é um facto que eu digo com propriedade, porque conheço; conheço a situação. No fundo, é uma falácia, uma mentira, é uma agenda que não está aqui para salvar ninguém para defender ninguém; está só para defender os interesses políticos. Quando já não houver divisionismo, quando já não houver racismo, quando já não houver discriminação, que eles tanto impulsionam, já não há extrema-esquerda. Isto é uma agenda que precisa ser contrariada. E o que vemos na Assembleia da República? Vemos um partido à direita, no caso o PSD, que não se defende, que vai respondendo ocasionalmente às situações; a maior parte das vezes até por abstenção, por incrível que pareça. Nem sequer capaz é de se manifestar claramente contra essa ofensiva. E depois, por outro lado, temos o Chega que fala de forma inaudível. Ou seja, acaba por desacreditar aquilo que pretende defender, porque às pessoas aquilo soa a populismo. Atenção, eu não sou, como deve saber, a pessoa mais crítica relativamente ao trabalho do Chega; acho importante que exista, mas, de facto, não temos equilíbrio, não temos, naquela Assembleia da República, racionalidade à direita; não existe, não existe firmeza, firmeza nas convicções, não existe determinação. É fazer aquele espectáculo triste diariamente, como se fosse um circo, literalmente. A Assembleia da República está transformada círculo pelo qual todos contribuem e, no final do dia, não sai dali nada para resolver os nossos problemas, que se vão arrastando. Problemas essenciais arrastam, como a Saúde, a Educação, as forças de segurança, que estão neste momento na rua. Está tudo a arrastar, tudo aquilo que é importante; e estamos a discutir género. Nós pretendemos trazer uma abordagem simples e de soluções para a Assembleia da República. Há um problema: vamos à procura da solução. Esse é o papel dos políticos.

    E sem tabus e sem agendas, não é?

    Nenhuns. Falar sobre os temas todos, como eles são. Sobretudo fazer uma coisa que até agora a direita não foi capaz: é preciso denunciar essa investida da extrema-esquerda, o impacto que tem nas nossas famílias, na estabilidade, nos nossos miúdos, que estão totalmente baralhados. Neste momento, já põe as crianças contra os pais. Repreender um filho ou contrariar qualquer coisa já é um crime. Onde é que vamos parar? Que sociedade é está? A forma tradicional como vivemos, como educamos o nosso filho, agora está tudo errado. Nós somos todos maus da fita, os pais não estão à altura, não temos capacidade de cuidar dos nossos filhos. Isto não é viável. A esquerda [Bloco de Esquerda] tem o slogan: “não lhes vamos dar descanso”. Espero chegar ao ponto em que a Nova Direita esteja na Assembleia da República, e pode ter a certeza de que quem não lhes vai dar descanso somos nós.

    Quais são os seus objetivos actuais? Conseguir chegar à Assembleia da República? E para o futuro?

    O normal seria, para um partido que tem pouco tempo [inscrito no Tribunal Constitucional em Janeiro deste ano], embora estejamos a trabalhar há já algum tempo, esperar um resultado adequado ao tempo que estamos na política. Porém, há vários fatores e variáveis. Nós temos um programa, e o país precisa de um programa, as pessoas precisam de um partido que lhes diga: “olha, vamos falar sobre esses assuntos, estão aqui as soluções, vamos debater isso, vamos discutir, vamos levá-la à Assembleia da República”. As pessoas precisam disso e, por incrível que pareça, a esta data [N. D. a entrevista foi realizada a 30 de Janeiro], nenhum partido de direita… por acaso não é verdade; acho que foi há dois dias, se não me engano, se começou a apresentar os programas da direita; e à esquerda também foi no final da semana passada. Portanto, estamos a um mês e pouco das eleições e ninguém tem um programa sério. Quando se vai ver o programa que lá está, é mais do mesmo: não dá esperança, não dá futuro, não há nada.

    Mas perguntava-lhe quais são exactamente os vossos objectivos nestas eleições…

    Há um partido novo que já vem com as ideias muito consolidadas, não é? Mas também há sobretudo aqui uma urgência em reforçar a direita. E eu penso que os portugueses precisam disso, porque há alternativa à esquerda é a direita. Não há meio termo. E essa alternativa não se está a fazer, por motivos absurdos, por uma questão de egos dos líderes dos dois partidos da direita que estão na Assembleia da República, que não se entendem, que têm aqui uma oportunidade de ouro de contribuir para virar o país, e começar a dar uma outra perspectiva, um outro caminho ao país. Mas não fazem por uma questão de egos. Simplesmente, definiram linhas vermelhas, sabe-se lá porquê, como se, de facto, esse partido alguma vez tivesse estado no poder. No caso do PSD, está a fazer linhas vermelhas para o Chega; o Chega diz depois ao PSD, muito bem, se vocês forem para o poder, nós até podemos viabilizar, mas depois mandamos abaixo na primeira oportunidade. Quer dizer, que loucura. Claramente, não há, a esta data, se a configuração for essa, se eles assumirem a palavra que deram, que não se vão coligar, é inviável imaginar um Governo da direita. Daí que até pode se fazer um Governo, porque o PSD até vai procurar os seus parceiros que, atenção, já não acrescentam nada ao país, que já deram tudo aquilo que o país já rejeitou, inclusive nas últimas eleições, mas ainda assim investiu nesses parceiros. Mas não vai ser estável, porque, não há dúvida nenhuma, a direita vai crescer, toda junta. Portanto, alguém acreditar que seja possível um Governo de direita com um só partido não é viável. Daí que, voltando à questão das nossas expectativas, estamos a mais ambiciosos do que simplesmente fazer um caminho normal. Sabemos ser absolutamente imprescindível que a Nova Direita entre para a Assembleia da República, precisamente para criar essa ponte entre esses dois partidos, são duas máquinas que aí estão, mas que não nos servem para nada, não estão a servir os interesses de Portugal. Eu sei da minha capacidade de fazer pontes, e de fazer as pessoas sentarem-se à mesa, e conversarem por um interesse maior, que é o interesse do país. Espero somente que tenhamos o tempo e oportunidade de chegar ao máximo de portugueses possível para nos darem esse voto de confiança, e aí sim viabilizar essa mudança, porque, de outra forma, já sabemos o que vai acontecer daqui a dois anos, se tanto: novas eleições. E isto não é método, não é? E o país continua parado, estagnado, enquanto brincamos aos políticos. Nós temos a ambição de um resultado suficientemente expressivo para poder influenciar este Governo de direita que, provavelmente, se vai proporcionar, e sobretudo dar-lhe estabilidade. E também dar visão, que é tudo o que as pessoas precisam; uma visão de futuro, uma visão para jovens, uma visão para os velhos, uma visão para vida, para as famílias. Estamos expectantes que algumas pessoas que tivemos oportunidade de contactar e de conhecer o nosso programa votem em nós.

    Sente que a Nova Direita tem de desmontar um pouco a ideia de que a direita é má? Tem havido muito essa tentativa de colocar na população a ideia de que tudo o que é de direita é má. E hoje quase não se fala em direita. Tudo aquilo que não seja a agenda da esquerda e da extrema-esquerda, acaba rotulado de extrema-direita, e nem sequer se pensa mais nisso. O que é um absurdo…

    Isso é a propaganda, a máquina de propaganda da esquerda, que tem o controlo das nossas instituições. É terrível. Não se fez o 25 de Abril para isso, não é? A esquerda tem, de facto, o controlo de todas as instituições, das universidades, das escolas, das da imprensa; enfim, eles controlam tudo, é uma máquina autêntica, máquina de controlo e de propaganda. E, portanto, é natural que assim seja. A direita não tem tido lideranças, salvo algumas exceções, capazes de mobilizar o eleitorado da direita, de mantê-lo unido por forma a fazer frente a isso, porque as nossas liberdades estão em causa. Estão sempre apontar o dedo por causa das nossas escolhas, mas que coisa é esta? Como é possível que a esquerda venha dizer ao eleitorado: “vocês são todos uns idiotas, porque votam naquele partido; nós não queremos saber de vocês: vocês são os maus do país”? Onde é que estamos, não é? Qual é a diferença entre isto e um país do Terceiro Mundo, onde há um controlo absoluto.

    Temos cartazes [do Chega] a serem queimados, não é?

    Mas é exactamente isso: cartazes a serem queimados, pessoas a serem canceladas nas redes sociais. Quantas vezes tentaram fazer isso a mim? Eu vou logo avisando: não tentem cancelar-me, porque não vai acontecer; a mim não me cancelam. Eu tenho a minha palavra, sou livre, absolutamente livre. Felizmente, não tenho ‘malas’ políticas nenhumas, não tenho nenhum passivo político, não dependo da política para viver; portanto, comigo estão tramados, e não vai haver isso, não me vão cancelar e não me vão calar. Eu vou defender os meus interesses e os interesses daquelas pessoas que eu me proponho representar. Eu não quero que os portugueses se sintam intimidados, com medo no seu próprio país, porque existe um grupo de pessoas que não suporta a diferença, que não suporta as diferenças, que não suporta o debate, que tem medo de debater. Isso não é aceitável numa democracia, e eu espero a poder levar a minha voz corajosa para precisamente defender estas pessoas.

    E o acto de queimar cartazes, por exemplo, também é uma forma de intimidar a população…

    Claro que sim. Isso é um acto de desespero absoluto. A esquerda está a ver o que está a acontecer. Nós estamos a ver, eles também estão a ver. Esta é uma forma de intimidar, sem dúvida, mas a esquerda só trabalha assim, com a intimidação, não é com a com a esperança que trabalham; é com a intimidação.

    Com o medo…

    É com medo, é com: “olhem isto”. Aquela imagem é forte, é uma imagem num cartaz a queimar, a incendiar; é forte. No limite, as pessoas ficam com medo de ir votar. Pode ter impacto sobre algumas pessoas, que pensam: “se calhar não vou votar, e se calhar até queria votar naquele partido, mas não vou”.

    Vai dar confusão…

    Exactamente. E sobretudo distrai também. No partido Nova Direita, estamos a tentar passar aqui uma palavra, debater a limpo – ou seja, está aqui proposta, vamos falar sobre os temas que estão aqui em causa – e acabamos depois por não ter espaço, porque depois o espaço mediático é todo ocupado com esse tipo de coisas.

    Com este fumo…

    Puro fumo, não tem interesse nenhum na vida das pessoas.

    Então vamos falar das vossas propostas da Nova Direita. Tem um programa extenso. Há alguns temas que são mais mediáticos actualmente, e que são, se calhar um bocadinho mais centrais nas preocupações dos portugueses. Por exemplo, a crise do Serviço Nacional de Saúde, também a crise na habitação. Começando por estes dois temas, quais são em concreto as propostas que destacaria para resolver os problemas na Saúde e na habitação?

    Relativamente à saúde, o diagnóstico é relativamente simples: não há capacidade do Serviço Nacional de saúde para fazer face à demanda [procura]. E depois tem diante de si um serviço privado, que é bom; felizmente, até há uma alternativa privada, mas ao qual nem toda a gente consegue aceder. Se existe uma alternativa ao [sector] público, que permita efectivamente ser um complemento ao público, para ajudar o sistema nacional de saúde a fazer face à demanda, qual é a solução? Casar os dois; é ter a excelência em termos de capacidade – e até a capacidade de crescer, de se pagar, que normalmente o privado tem. Portanto, a ideia aqui é conciliar os dois [sistemas] para que nós, como cidadãos, possamos realmente escolher para onde é que queremos ir, se queremos ir para o público ou se para o privado. E como isso se faz? Através da cobrança de uma taxa moderadora para quem quiser ir para os privados – uma taxa razoável, 20 euros, já muito perto do que já estivemos a pagar nos hospitais públicos. Felizmente, há muita gente que tem a possibilidade de pegar nesses 20 euros, e depois o resto, naturalmente, seria um contributo do Serviço Nacional de Saúde. Isto automaticamente descongestionava e deixava espaço ao público para atender todas as outras pessoas, todas aquelas que, por um qualquer motivo, até mesmo por uma questão, não possam ir para o privado. E também para aquelas especialidades que são normalmente garantidas pelo público, porque o privado não faz tudo. E de repente tínhamos um serviço de saúde a funcionar. Aliás, só não se faz isso por uma questão ideológica, porque vende às pessoas que o Estado tem de fazer rigorosamente tudo. É isso que alimenta o socialismo, a ideia de que o Estado tem de fazer tudo, o Estado é o pai da Nação e que faz tudo pelas pessoas. Mas não é verdade. Temos aqui serviços privados fantásticos. Até porque o [Governo do] Partido Socialista, neste momento, já está a fazer isso. Não sei se já lhe aconteceu assim, mas a mim já, ter um serviço marcado no público e, de repente, recebo uma mensagem a dizer: “olhe, sua consulta afinal está marcada no hospital privado tal, a consulta ou exame, o que for. Portanto, neste momento, por baixo da mesa – como muito faz o socialismo quando não quer assumir publicamente que errou ao terminar com as com as parcerias público-privadas [PPP] – fazem isso, porque a situação está a chegar a um ponto inacreditável. A direita não tendo esse problema [ideológico], não tendo esse tabu de fazer recurso aos privados para ajudar, tem condições para implementar isso muito rapidamente. E isto felizmente é consensual à direita e, portanto, penso que a partir do dia 10 de Março seja possível implementar esta medida. E isto faz-se muito rapidamente: os privados estão muito habituados, já têm recebido pessoas do Serviço Nacional de Saúde. Temos serviços de excelência, temos empresários fantásticos nesta área e, portanto, pensamos que esta é a solução rápida, imediata, para resolver a questão, porque aquela história de tentar competir, para onde vão os médicos; os médicos são sempre tentados a ir para o privado, têm outro tipo de condições, têm mais vida, têm mais tempo para as suas famílias. As condições são, normalmente muito atractivas. O [sector] público dá outro tipo de estabilidade, mas o privado tem outro tipo de condições.

    Quanto à questão da habitação, esta é uma área que eu conheço. E é simples: não há casas suficientes, não há outra regra na habitação que determina os preços que não seja a lei da procura e da oferta. Na verdade, o problema é simples: não há casas suficientes, o mercado está esgotado, há muito mais gente à procura do que a oferta de casa. Portanto, tem de se fazer mais casas. É verdade que há outras pequenas medidas que podem ajudar – a descentralização e propor às pessoas irem viver para outras zonas –, mas Portugal está centralizado, neste momento, nas grandes cidades. E não é possível no imediato resolver desta forma, por isso temos de facilitar a construção, porque não nos falta espaço para construir, felizmente. Temos de encontrar aqui uma forma, um compromisso, com o Estado e com os privados, para que possam construir mais, construir em boas condições. Facilitar e desburocratizar os licenciamentos e atrair investidores do mobiliário, que é um sector muito difícil. Atenção, há momentos muito bons, mas há momentos muito difíceis para o sector imobiliário, para o sector da construção; portanto, é preciso também trazer alguns incentivos, trazer estabilidade legislativa. É preciso que as leis sejam estáveis e que não mudem todos os dois anos conforme a necessidades eleitorais do Partido Socialista. Não pode ser assim; tem de haver estabilidade para as pessoas investirem, porque realizar o lucro nesse sector leva tempo. Os incentivos que existem hoje são muito curtos. E a partir daí entram rapidamente casas para o mercado e resolvemos o problema. Vejamos: um senhorio só joga com os preços se souber que a pessoa que procura não tem escolha, porque senão ele é obrigado a baixar; isto não é mistério nenhum. Nós queremos sempre ter as casas arrendadas, quando somos proprietários das casas; se eu não tiver pessoas à procura, naturalmente baixo preço. E havendo pessoas a entrar para Portugal todos os dias, novas pessoas, então a única solução é haver mais casas. Esta é a abordagem que queremos ter na política: o problema é este, e a solução até já existe. Não estamos a inventar nada. Não é a Ossanda e a Nova Direita que estão a inventar essa solução: é a procura versus oferta, que se tem de resolver.

    Na Educação também tem uma proposta que passa pela implementação de um cheque-ensino, ou seja, que os portugueses possam também ter a possibilidade de escolha entre o ensino público e o ensino privado.

    O conceito é exatamente o mesmo. Na origem dos problemas está exactamente a mesma coisa: o Estado não tem essa capacidade para gerir tudo, para gerir tanta gente, não tem capacidade de ser tão competitivo nas condições que oferece a muitos professores. Há boas escolas privadas. A Saúde e a Educação são sectores que o Estado tem mesmo de assumir – eu sou por um Estado Social –, só que não vai assumir tudo sozinho porque não é capaz.

    E a verdade é que a elite política, e não só, recorre na Saúde e na Educação aos sistemas privados.

    Exacto. E então por que não se dá essa possibilidade aos portugueses? Não sou apologista de que as pessoas estejam a beneficiar de uma tarifa ou de propina quando têm possibilidade de pagar por inteiro. Eu acho que tudo tem de ser adequado às necessidades das pessoas, porque não tem de ser de forma discriminado. Nós vivemos num sistema social de solidariedade social e eu não me importo de pagar impostos, desde que sirvam precisamente para esse tipo de objectivos: garantir que as pessoas que não conseguem sejam ajudadas, e as que conseguem são capazes de contribuir.

    Hoje parece existir um sistema de castas, com uma parte da população que mal tem acesso a Saúde e à Educação dentro do que existe, e depois uma outra casta, digamos assim, que tem acesso ao ensino e à saúde no sector privado.

    Quando me falam em discriminação, muitas vezes é isso que eu digo. Nós temos um problema de grande discriminação social, porque quem não tem dinheiro tem mesmo muita dificuldade em crescer, em educar os seus filhos em condições minimamente compatíveis com as possibilidades do país. Portanto, na verdade, o que se faz é isto: esta pessoa nasce naquele bairro, cresce naquela escola – aquela escola onde, quando faltam professores, é mesmo dela que vamos tirar, porque está ali escondida, ninguém diz nada – tem um centro de saúde que é uma desgraça, mas não há problema; a pessoa está ali no seu gueto e, portanto, está tudo bem. É como se nada como fosse. Esse é o grande problema a resolver no mundo ocidental, que já não é aceitável. Sabe, eu nasci num país [Angola] que não é ocidental e que, ainda por cima, vinha de uma guerra e depois da independência começou uma guerra civil. Ainda apanhei na minha primeira infância, um serviço ainda bom, porque ainda era aquilo que vinha do tempo colonial, as coisas ainda estavam mais ou menos orientadas. Depois, a guerra veio interromper isso e deixou-se de formar pessoas, então era tudo mau. Sei muito bem o que é serviços que não funcionam. Eu sei muito bem o que é não ter hospitais em condições. Eu sei muito bem o que é as pessoas terem de esperar nos corredores. E eu nem era sequer de uma família particularmente pobre. Era uma família normal angolana, não há nada de espectacular, mas de facto imagino como seria com as pessoas que ainda tinham mais dificuldades do que a minha família. Portanto, eu sei o que é haver escolas que acabam por não ter um banco ou acabam por não ter um ar condicionado com aquele calor que faz. Ainda há dias denunciaram na imprensa uma escola que não tem sequer condições para aquecer as turmas e os miúdos têm de ir com cobertor. Eu vi tanto isso em África que, confesso, não estava à espera, de todo, em encontrar isso em Portugal. Quando cheguei a Portugal há 20 anos, não era nada disso. Os serviços do Estado sempre falham de alguma maneira, mas com os meus filhos eu tinha condições para os levar ao privado, mas eu optava por os levar ao [Hospital] Dona Estefânia, e quando estava em Coimbra, levava-os ao hospital de Coimbra. Estava contente, contentíssima, até porque meu pai é médico [cardiologista] e eu sempre tinha aquela cultura de que os hospitais públicos são melhores do que os privados. Hoje, se calhar, já não é razoável pensar assim. Mas eu, com as crianças, com aquelas doenças respiratórias, cheia de medos nos primeiros filhos, então sentava-me ali na Dona Estefânia, esperava minha vez e saía de lá com aquilo resolvido. Portanto, eu assisti a essa degradação e hoje chegamos a um ponto em que eu estou a fazer quase um déjà vu daquilo que vi na minha infância. É inaceitável para este país. Se havia algo que funcionava aqui, eu falava com o meu pai médico – faleceu há pouco tempo – e ele dizia-me: há pessoas que dizem que este país é pobre, mas quem dera a muitos ter a pobreza desse país. Porque tinha de facto a Saúde e a Educação que funcionaram muito bem durante muitos anos. E de repente…

    É uma questão de gestão de recursos?

    É uma questão de opções políticas, simplesmente. Isto é que custa mais. Não é por ser o pobre. Todos os dias dizem que o país cresceu; ainda hoje disseram que cresceu dois e não sei quantos por cento. Então, e para onde vai esse dinheiro? E serve a quem? Se não temos essa capacidade de segurar aqueles serviços básicos, que é para isso que pagamos os impostos. É isso que tem de mudar. Essas decisões políticas estão a condicionar a vida das pessoas, e eu espero que aquele eleitorado que tem alimentado, de forma inconsciente, naturalmente, mas que tem alimentado, esta máquina socialista, essa esquerda – que fazem mil e uma promessas e acabam por segurar as pessoas por meia dúzia de tostões –, e que agora estão a ser vítimas desta situação, se dêem conta daquilo que estiveram a alimentar durante esse tempo todo.

    Mas existem alternativas, ou seja, a resposta não passa só pelos grandes partidos, não é?

    Claro que claro que não, mas principalmente pelo facto de hoje os partidos grandes, nem que tivessem vontade, já não conseguem reformar. Todos os escândalos que se vêem na televisão é porque já não há controlo nenhum. São verdadeiras máfias instaladas localmente, e não e não há nada que se possa fazer porque já estão demasiado instaladas. Daí ser importante um recomeço. Esse recomeço tem de acontecer e só os partidos mais recentes, que não têm esse passivo nem esses compromissos, como é o caso da Nova Direita, podem efectivamente ainda fazer reformas, porque não devem favores a ninguém. Veja, por exemplo: em tempos houve uma situação de um de um deputado que saiu de um partido para o outro; e no dia em que sai, descobre-se que andava a declarar fazer falsas declarações de morada. Acha que o partido não viu? Acha que o PSD não sabia disso? E por que não fez nada? Só se lembrou de denunciar isso quando, por vingança, ele saiu? Porque está assim, porque é assim que está feito, neste momento, para assegurar aquela máquina. Os líderes partidários têm de fechar os olhos. Eles sabem que isso está a acontecer. Por isso é que é inviável pensar que são estes partidos que vão trazer as soluções. Não podem.

    Também é uma questão moral…

    Não é só moralidade, é soluções. Eu acho muito importante a manutenção dos valores morais, falo muito neles, mas neste momento de resolver os assuntos, sanar, pôr um travão a essa usurpação do país pelos partidos, porque os partidos enriqueceram. Desde o 25 de Abril enriqueceram, estão todos ricos, todos fantásticos, cheios de imóveis e tal. Quem empobreceu foi o povo. Por isso, fazemos algumas propostas. Isso levaria um programa a falar sobre elas, mas do ponto de vista da democracia, em si, também consideramos que passa por aí, uma espécie de reset, de recomeço. Pensarmos se queremos mesmo um sistema assente nos partidos e na sua agenda partidária ou se não valia a pena adoptarmos um sistema presidencial em que confiamos os destinos do país a uma pessoa que tenha, em princípio, um tipo de compromisso para com o país. Contra mim falo, não nasci em Portugal, pelo que, de acordo com a lei atual não poderia ser Presidente. Portanto, digo-lhe isto com franqueza, porque acredito que é necessário fazer esta reforma.

    Um outro tema no vosso programa é a reforma, digamos assim, da política de migração. E estamos a falar tanta da ‘fuga’ de jovens portugueses para fora, de jogos e pessoas com qualificações, como o inverso, isto é, pessoas que fogem de países onde há problemas. E aqui há uma política que se tem tentado fazer ao nível de uma inclusão destes imigrantes no mercado de trabalho e na cultura em Portugal. Qual é a vossa postura relativamente àquilo que deve ser a política em torno da imigração, ou seja, da entrada deste fluxo?

    Eu vou usar uma expressão popular: Portugal não é a casa da Mãe Joana. Percebe o que eu quero dizer. Todos os países soberanos têm de ter uma estratégia migratória.

    Mas essa posição é hoje muito mal vista…

    Temos pena, mas nós vamos falar sobre esse assunto. E, uma vez mais, eu tenho legitimidade. Eu sou uma portuguesa originária da imigração, portanto estou muito à vontade para falar sobre isso.

    Defende, portanto, algum controlo…

    Algum controlo, não; total controle. Soberania significa muita coisa. Não está só escrita num papel. Também significa que as instituições do país determinam aquilo que querem que aconteça no país, têm um plano e um projeto para o país, e que o respeitem. Neste momento não existe uma estratégia de migração, que pense em vários fatores, como a pertinência económica dos imigrantes. Como vamos alojar estas pessoas? Onde as vamos pôr? Como vamos incluí-las na sociedade? Como vamos garantir que são pessoas que não trazem problemas de criminalidade para Portugal? Isto tem de ser pensado, como é que isso se faz, para antecipar problemas.

    Pensa que há mesmo um descontrolo actualmente?

    Total, total. Começamos a ter algum retorno desse descontrolo quando se identificam pessoas de alta criminalidade. Se investigar, vai saber que a polícia tem identificado casos, porque há pessoas que podem ficar cinco anos em Portugal e ninguém saber que estão cá. Temos de ter um controlo, independentemente de estarmos inseridos num espaço comum, sobre quem entra em Portugal. Desde a origem, devemos saber se aquela pessoa, aquele candidato a imigrante, digamos, é pertinente para Portugal, porque assim evita aquelas questões: “olha, os estrangeiros estão a roubar o nosso trabalho; olha, nesta área, agora estão a privilegiar os estrangeiros, quando eu estou aqui e posso fazer esse trabalho, e por que foram buscar lá fora”. Enfim, esse tipo de discurso – às vezes exagerado, e muitas vezes exagerado – tem, em algumas situações, fundamento porque realmente não há uma estratégia. Uma vez mais, eu gosto de mencionar as minhas experiências. Quando eu cresci em Angola, e julgo agora também – já estou fora há muitos anos –, havia isso [controlo de imigração], sabe? E nunca ninguém chamou Angola de país racista. Experimente ir morar para Angola e vai ver as dificuldades para conseguir um título de residência. Eu não estou a dizer que seja ideal ser assim, mas, de facto, se aquele país, apesar de todos os problemas, se manteve seguro – é um país seguro, tem os seus problemas de criminalidade, como todos os outros, mas é sobretudo interna que acontece nos países que têm bandidos –, nunca teve grandes problemas de criminalidade porque soube sempre quem estava em território nacional. Sempre fez um filtro, sempre tinha uma estratégia clara de imigração. O país era muito apetecível na altura, e então, de facto, determinaram se algumas regras para que os interesses dos imigrantes não se sobrepusessem aos interesses dos próprios cidadãos. E é isso que nós temos de fazer em Portugal, simplesmente.

    Além da questão das grandes redes de criminalidade…

    Não só. Não estamos a falar só da criminalidade. Felizmente, há instituições externas que também controlam isso, e acho que aí mesmo a Polícia Judiciária e as nossas forças de segurança, apesar de tudo, vão conseguindo gerir, talvez por isso também estejamos ainda com alguma segurança.

    Mas Portugal precisa de imigração, de mão-de-obra, não é?

    Aquilo que estamos a propor é definir, primeiro, que imigração Portugal precisa do ponto de vista da pertinência económica. Qual o perfil dos imigrantes de que precisamos e queremos. Segunda, o critério da proximidade cultural, que parece um critério banal, mas não: garante a coesão social e garante que as pessoas vêm para cá por serem mais próximas. Se nós privilegiarmos quem é mais próximo culturalmente de Portugal, porque fala a língua, porque tem uma história em comum; se nós privilegiamos essa imigração, menos problemas teremos. Os nossos problemas de imigração só começaram quando começou a haver emigração do resto do Mundo, porque enquanto foram dos PALOPs, nunca Portugal se queixou da imigração.

    Mas isso não contraria aquilo que tem sido também a política ao nível da União Europeia, que tem levado os países a aceitar um ‘pacto’ no sentido da entrada em massa de imigrantes?

    Nós estamos a ver agora o resultado. Os países estão em pânico. Não há nenhum tema que se sobreponha, neste momento, ao tema da imigração na política europeia, mas isso tem um motivo: aquilo que se fez ao longo dos anos foi receber de qualquer maneira, sob pretexto de sermos a zona geográfica mais inclusiva, a mais amiga dos refugiados. E não é só por isso; também se deve ser a alguma dívida moral do Ocidente para com determinados países, acabando por abrir as portas de qualquer maneira. Mas isso não é justo, não é bom, e também lhe digo: não conheço nenhum imigrante em Portugal ou algum português proveniente da imigração que tenha interesse de que o país passe a ser inseguro. Aquilo que a esquerda diz é que falar agora da imigração é ser discriminatório, é ser racista. Eu convido-a, com seu microfone, a ir a um bairro de imigração perguntar se, para aquelas pessoas, interessa que Portugal receba pessoas de qualquer maneira, quando elas mandam os filhos de manhã para escola no autocarro, se elas têm receio que rebente uma bomba, que uma menina que venha da escola possa ser violada. Ou que o próprio emprego dessa pessoa – que já está aqui, que já está integrada, que está bem – seja posto em causa, porque, de repente, abre-se o país de qualquer maneira e entram números descontrolados e depois não temos controlo sobre o que essas pessoas requerem como habitação. Eu não sou apologista de que, neste preciso momento, seja este o maior dos problemas, mas pode vir a tornar-se. Está tudo muito centralizado nas grandes capitais, portanto é natural que quanto mais pessoas estiverem [cá], pior será o problema de habitação. Como não se tem nada disso em conta. Perguntem às pessoas se querem isto. Nós temos de falar claro.

    Temos conhecido algumas situações terríveis de imigrantes alvo de redes, que são trazidas para cá e depois vivem em condições de quase de escravidão, sem condições de habitação…

    Mas essa é a questão. Quem está, de facto, a ser racista, sabe quem é? É precisamente a esquerda, que abre as portas de qualquer maneira e não se importa se as pessoas vão viver para a rua. Isto não é contraditório o que eles dizem? Defendem tanto, tanto os interesses, mas não querem saber. As pessoas chegam e estão a morar em tendas; e sem falar que também já há portugueses a morar em tendas. Há imigrantes a morar, aos 15 num apartamento. Num apartamento não; quem dera!; num quarto. Num quarto moram 15 pessoas, 20 pessoas. Mas é isto que Portugal quer? É isso que é fazer bem? Não é. Com certeza que não é. A nossa proposta é: vamos controlar; é normal que os países controlem. É assim que é. Os países soberanos têm mesmo de definir as suas leis de imigração. E não é a Europa que nos tem de impor, não é a agenda europeia que deve contar. Nós temos os nossos próprios interesses, temos os nossos eixos de interesses, que não são necessariamente os dos outros países. [A imigração dos] PALOPs nós facilitámos, eu acho muito bem que assim seja, E depois a Europa pôs-se a gritar, que já não achava bem, quando, na realidade, quem traz para o território europeu grande parte da emigração problemática não é Portugal ainda. Mas neste momento está a começar, porque eles saem desses países, porque começa a haver movimentos contra essa migração de massas em todos os países. E onde se vêm refugiar, neste momento? A Portugal. Então, nós vamos ter esse problema em breve, e para sanar isso, para terminar isso, temos de começar já a definir regras nos nossos serviços diplomáticos. É para isso que servem, neste momento. Pagamos tanto por serviços diplomatas, mas não sabemos muito bem para servem, porque os portugueses que recorrem a esses serviços não são atendidos atempadamente. Muitas vezes preferem vir tratar do cartão de cidadão a Portugal, porque não conseguem tratar lá [nas embaixadas ou consulados], porque não os atendem? Portanto, não sei o que estão a fazer, se não controlam a imigração para Portugal, se não prestam serviço aos portugueses, eu não sei o que estão a fazer. Como vê, há muita reforma a fazer, mas tudo é exequível; só é preciso ter os políticos certos nos lugares certos.

    Algumas das medidas que têm falado, também são medidas que contrariam muito daquilo que tem sido a cultura e as políticas da União Europeia e da Comissão Europeia em concreto. E falou numa questão de soberania, e não é só na União Europeia e na Comissão Europeia que tem havido sempre pressão sobre os países para impor determinadas políticas. Por exemplo, temos, ao nível da Organização Mundial de Saúde a proposta de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional. Também a criação do Tratado Pandémico, e há, de facto, muitas dúvidas, e determinados defensores dos direitos humanos e dos direitos civis estão a colocar muitos pontos de interrogação devido à possibilidade de se criar um quadro que pode retirar soberania aos países para gerir, por exemplo, crises sanitárias. E vindo uma nova pandemia haver uma dificuldade de os países poderem tomar as suas próprias decisões. Como lida o vosso partido com tipo de intromissão?

    A intromissão, nesse aspecto, na questão sanitária, mas em todas, na questão militar, simplesmente põe em causa a soberania dos países. Vamos lá ver: a União Europeia era para ser uma União e não uma Fusão. É muito diferente. E uma União significa que os países mantêm a sua soberania, e depois partilham interesses comuns.

    E não é isso que está a acontecer…

    Há uma tentativa clara de uma fusão. Transferiu-se a soberania dos países para Bruxelas; Bruxelas decide a nossa vida e sem que sejamos chamados a opinar. Impõe as regras cá dentro. Nós somos claramente um partido soberanista. Portugal tem de decidir o seu rumo, o seu destino, e tem sobretudo de estar aberto para o Mundo.

    E integrado na União Europeia…

    Sim. Não ponho em causa, porque… a única coisa que nós exigimos é voltar àquilo que esteve na génese da União Europeia: era uma União Económica, se bem se lembra; não era para transferir o poder para lá. Hoje, ouço os nossos eurodeputados dizerem: “olha, aconteceu isso em Portugal; eu vou-me queixar à União Europeia”. Mas estamos a brincar ou quê? Então, mas é cidadão português ou cidadão de Bruxelas? Quem são aqueles burocratas de Bruxelas para decidirem aquilo que se passa em Portugal? Muitos deles nunca puseram cá os pés, nem sabem onde é que isto é. Portanto, nessa questão, nós somos absolutamente soberanistas… Sabe, fomos atraiçoados um bocado pelos acontecimentos, mas, de facto, a nossa primeira campanha teria sido para as eleições europeias de 9 de Junho. E agradava-nos muito, porque temos uma visão muito clara sobre como queremos ver Portugal, por uma razão: Portugal acomodou-se nessa questão da União Europeia, basicamente cedeu em soberania para ganhar dinheiro, um dinheiro que claramente serviu certamente para muita coisa, mas não serviu para o país se tornar soberano e próspero.

    Para poder resolver estas situações de crises que temos tido…

    É só mesmo isso para apagar fogos. É isso que tem sido. Houve algum desenvolvimento de infraestruturas, mas, se reparar, os grandes hospitais, por exemplo, não foram, foi depois do 25 de Abril que foram feitos. Nós temos uma visão muito própria sobre isso e a nosso caminho era para passar pela União Europeia e ir impor uma voz firme; dizer: “oh, meus senhores, Portugal existe; Portugal é um país soberano; e muito bem, nós estamos aqui para debater os temas de interesse comum, mas quem manda em Portugal são os portugueses”. Isso não significa fechar o país. Quando muita gente ouve falar em soberania, pensa que é fechar o país. Não, não, pelo contrário. Por acaso, eu até quero essa liberdade para Portugal por uma razão: isso vai permitir que Portugal reate o seu eixo histórico. Por exemplo, tem o seu eixo europeu – a União Europeia, estamos geograficamente aqui –, tem o eixo regional – que é a Península Ibérica, muito mal explorado precisamente por causa da União Europeia – e também tem o eixo histórico, toda essa portugalidade que anda por aí pelo Mundo, que nós abandonamos, que o país abandonou. Em muitos casos isso acontece porque estamos todos virados para a Europa, uma Europa francamente decadente, francamente decadente economicamente, em termos de valores e de segurança. É totalmente dependente, como vimos agora da guerra da Ucrânia, sem lideranças. E é esta que está, de certa forma, a gerir as nossas vidas.

    Está muito refém dos Estados Unidos…

    É verdade. Ela própria [União Europeia] também não é tão soberana quanto isso, porque depois vai a boleia da agenda americana. Isto não é método, e sobretudo numa fase em que o Mundo está a mudar, e está a mudar mesmo. É um facto; isso já não é uma miragem, não é algo que vá acontecer no futuro.

    Aliás, o vosso partido tem propostas – e não chegamos a falar nisto ainda – de haver um Ministério do Futuro e trazer para Portugal as tecnologias, as novas inteligências artificiais…

    Exacto. Esse sector é um dos reflexos, um dos testemunhos de que a Europa está enganada, está atrasada naquilo que está a acontecer no Mundo, não está a ver bem as coisas. Não existe uma grande tecnológica europeia. Não é inacreditável que, com 400 milhões de habitantes e sendo a segunda maior economia mundial, a Europa não tenha uma grande tecnológica? Aquilo que se faz na Europa são de empresas americanas. Portanto, a Europa está a ficar para trás. Portugal tem de olhar para isto e dizer: “ui, pronto, muito bem, não vamos abandonar os nossos compromissos, necessariamente, nós queremos continuar unidos aqui com os nossos irmãos geográficos; é fantástico, adoro viajar pela Europa, não ter de apresentar passaporte, gosto muito dessa ligação de estudantes; mas não parece que seja o melhor para Portugal, de facto, ceder a soberania, as decisões do rumo que Portugal quer dar ao país”. Acho que temos que reatar relações com o eixo histórico – estou sempre a referir esse eixo histórico, porque o capital de portugalidade que está a ser desperdiçado é inacreditável.

    Um Portugal mais forte vai também ajudar a criar uma Europa mais forte? Acredita que esse cada um dos países europeus tornar-se mais forte é positivo?

    É muito positivo. Aliás, o facto de a Europa estar a absorver a soberania é precisamente por causa do desequilíbrio que existe. Há dois ou três países, se quisermos, que alimentam a Europa toda. Não é razoável. Por isso é que a Europa não tem fundamentos para nos fazer acreditar que vai perdurar tal e qual ela como está hoje, em termos de União. Não é sustentável, dois ou três países a Europa.

    E já tivemos o Brexit…

    Sabemos que agora há movimentos, há políticos a emergir, a favor da saída da União Europeia. Não é o nosso [Nova Direita]. Por acaso não é o nosso. Nós consideramos ser possível ainda ir negociar as condições da nossa permanência na União Europeia. Mas não há como manter isto assim nesse estado. Para a nossa prosperidade, se me perguntar: “então, como vê a economia portuguesa?” Eu vou dizer-lhe, como toda a gente diz: “olhe, temos de baixar imediatamente impostos…

    … é uma das vossas propostas…

    E temos, e temos; é incomportável, até porque será um estímulo à produtividade, um estímulo ao mercado, um estímulo à economia, desanuvia as empresas, enfim, tem uma série de vantagens.

    Mais em concreto, pretendem baixar em 5 pontos percentuais o IRS, que é aplicado ao rendimento, e também uma forte redução da carga fiscal para as empresas…

    Exatamente, porque isto vai permitir que as empresas tenham alguma folga, tenham tesouraria, para pagar atempadamente. Temos de pensar que a base é muito má. As empresas portuguesas não têm dinheiro, e assim vai permitir dar outra dinâmica, dinamizar a economia. Mas não vai acrescentar valor, não vai dar riqueza, é preciso não nos iludirmos. Aquilo que vai dar riqueza e encontramos fontes de rendimento, o país tem de ganhar dinheiro, tem de produzir dinheiro. E como se faz no estado actual das coisas? Nada. Não temos nenhuma indústria, não temos indústria. Portanto, é preciso reindustrializar Portugal, em primeiro lugar; segundo lugar, em termos de recursos… Lembre-se que a guerra que está a acontecer hoje no Mundo é uma guerra de recursos. Países que têm recursos são os que vão mandar no Mundo. Ponto. É o caso da Rússia, com a sua energia; a China com recursos humanos; [os Estados Unidos da] América, que tem os seus recursos naturais. Esses é que vão sobreviver. É disso que se trata. A Europa é, infelizmente, pobre em recursos e em pessoas. E então como se sobrevive nesta transformação geopolítica? Criando, uma vez mais, uma certa soberania económica. E soberania económica não se traduz em dizer que só vamos viver do que se faz em Portugal. Isso não é viável, não é. Já chegámos a um ponto de organização a económica do Mundo em que isso já não é possível, mas podemos olhar para aquilo que nós temos, e pensar onde vamos buscar. É como fazemos nas nossas casas quando o dinheiro está a faltar. Dizemos: “eh pá, onde é que eu vou buscar? Qual é o recurso que eu tenho? Está a faltar a comida, e vou raspar ali o frigorífico ou produzir pão; não sei, mas tenho que dar de comer aos meus filhos”.

    Optimizar…

    Tem de se ter essa visão. Em concreto, propomos um recurso daquilo que nós já temos: o nosso mar, que hoje serve essencialmente para deslumbrar os nossos olhos e serve para turismo, mas pode servir para muito mais do que isso. Temos uma vasta área da Zona [Económica] Exclusiva e podemos aproveitar para várias coisas, para o sector naval, que já foi próspero, mas que agora se resume a uma indústria de mil e qualquer coisa funcionários. É absurdo. Estamos numa posição geográfica que nos permite, de facto, trabalhar na manutenção da náutica, e costumamos ser muito bons em tudo que é especialidade. Acredito que podemos desenvolver-nos a partir da:, temos em Viana do Castelo o estaleiro que nos permite também, se quisermos, arrancar com um projeto dessa natureza. Temos a questão da energia. A Europa – agora já menos claro, porque é flagrante a mentira – tem feito acreditar que é com as turbinas de vento e o sol, que é absolutamente intermitente, que vamos resolver os problemas energéticos. É uma grande mentira. Não vai acontecer. Nós propomos a energia nuclear, porque temos a matéria para isso. E sobretudo, porque é duradoura, que é estável, e permita a reindustrialização. Se tivermos uma energia barata teremos condições de sustentabilidade de todo este projeto que estamos aqui a apresentar. Mas ainda no mar – e saindo da energia nuclear –, temos a possibilidade de produzir energia através do mar. Ou seja, o mar serve para alimento – de facto, hoje comer peixe é para ricos, essa é que é a verdade – e serve para nos dar energia e serve também para o desenvolvimento da indústria farmacêutica, que é uma indústria muito rentável. Muitas das maiores empresas mundiais são farmacêuticas. E, de facto, há matéria-prima proveniente do mar que permite desenvolver a indústria farmacêutica. Enfim, temos aqui o nosso mar, e não usamos para quase nada, o que é totalmente absurdo. Portanto, é possível sair da situação em que estamos com os nossos próprios recursos.

  • Abram alas para o PNS: o político favorito da Imprensa!

    Abram alas para o PNS: o político favorito da Imprensa!


    Neste sexto episódio da segunda temporada do podcast Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares comenta a cobertura vergonhosa e descarada que a Imprensa faz em torno do novo líder do PS. Pedro Nuno Santos nem precisa fazer campanha eleitoral ou investir em ‘tempos de antena’. A Imprensa trata de lhe fazer a ‘papinha’ toda e não esconde o deslumbramento e posição de servitude.

    Acesso: LIVRE

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  • Vamos ‘salvar’ grupos de media ou vamos sustentar vícios e luxos?

    Vamos ‘salvar’ grupos de media ou vamos sustentar vícios e luxos?


    De um lado temos o Jornalismo e a Democracia. Do outro temos os grandes grupos de media, as suas parcerias comerciais e a constante propaganda política.

    Hoje, fala-se muito em ‘ajudar’ os media e em usar dinheiro dos contribuintes para ‘apoiar’ o Jornalismo. E confunde-se Jornalismo com os actuais grandes grupos de media, como Global Media Group, Trust in News e Impresa.

    Mas, desengane-se quem pense que financiar grupos de media é o mesmo que ‘salvar’ o Jornalismo e a Democracia.

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    Desengane-se quem pense que os grandes grupos de media são sempre sinónimo de Jornalismo, liberdade de expressão, de informação livre, plural e independente. (Basta constatar o facto de que teve de ser um órgão de comunicação social independente – o PÁGINA UM – a colocar acções em tribunal para obrigar entidades públicas e o próprio Governo a divulgarem informação que têm vindo ilegalmente a esconder dos portugueses).

    A realidade nua e crua é que, em geral, nos grandes grupos de media as parcerias comerciais multiplicam-se e crescem, enquanto jornalistas são despedidos e as reportagens são cada vez mais uma ‘coisa’ rara. Não há dinheiro para investigar e viajar em reportagem, mas há para bons salários para directores e administradores, carros topo de gama, cartões de crédito, almoços gourmet, avenças para comentadores amigos e para jornalistas que não incomodam o poder.

    Muitos bons jornalistas – dos que incomodam – são colocados na prateleira ou ‘dispensados’. (Sei de alguns que, estando em funções, têm sido impedidos de publicar ‘cachas’ por serem temas que não agradam aos ‘patrocinadores’). Estagiários baratos ou grátis que não fazem perguntas e executam na perfeição a cópia de comunicados de imprensa são ‘promovidos’.

    Pouco jornalismo se faz, hoje, nas redacções cheias de jornalistas ocupados a fazer ‘corta e cola’ de ‘takes‘ da agência Lusa ou de comunicados do Governo ou de empresas. O churnalism é uma realidade que envenena as redacções. As parcerias comerciais são a erva daninha semeada com a ajuda de directores que é, hoje, impossível de arrancar.

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    A realidade nua e crua é que os grupos de media vivem para os seus ‘clientes’, que são as empresas, bancos e entidades públicas que lhes pagam para fazer conferências, summits, tertúlias, talks, entrevistas e podcasts. Promovem-se líderes empresariais, marcas, produtos, campanhas, tendências…

    Mas vemos jornalistas a dizer que a crise nos media é um problema do ‘modelo de negócio’ e a culpa é da Internet e das redes sociais. Além disso, dizem que a culpa também é … dos leitores. Como se os jornalistas e os vícios dos grandes grupos de media não tivessem nada a ver com a crise no sector.

    A antiga directora do Público, Bárbara Reis, afirmou que “a elite portuguesa, incluindo médicos, professores e pessoas com boas reformas, desvaloriza a informação livre e independente”, referindo-se aos grupos de media. Ora, esta afirmação espelha bem a ‘bolha’ em que vive a maioria dos jornalistas que trabalham para os grandes grupos.

    Aquilo que os “médicos, professores e pessoas com boas reformas” desvalorizam é a mistura de notícias com conteúdos pagos, a mistura de entrevistas com parcerias comerciais e os suplementos patrocinados até ao tutano para vender peixe alheio. Aquilo que desvalorizam é noticiários que dedicam os primeiros 30 minutos a políticos. Ou a promoção descarada de empresas e partidos. Ou o ‘bajular’ em directo de certas personalidades.

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    A classe perdeu a noção da realidade, ao ponto de achar normal um congresso de jornalistas com mais de uma dúzia de patrocinadores, e em que jornalistas se ‘babam’ frente ao Presidente da República, num espectáculo desprestigiante e triste.

    O pudor desapareceu por completo. A classe dá-se conta da gigantesca promiscuidade com o poder político e económico?

    Há muito que os maiores grupos de media se divorciaram do público. Mas vivem naquela relação tóxica de ter pedido o divórcio, mas de quererem manter o público por perto. Não entendem por que motivo o público está a seguir em frente. Não entendem que o público se sente traído e partiu, sem olhar para trás.

    “Não compro jornais há anos”. “Ver telejornais, para quê? É só políticos e propaganda”. As frases de desgosto e lamento sobre o estado dos media em Portugal multiplicam-se pelos fóruns e comentários na Internet e nas ruas. Falando com jovens, a realidade é similar: “Ver notícias? LOL”, é uma das respostas que recebo quando pergunto a um universitário se lê jornais.

    Não tenho visto muitos jornalistas publicamente a colocar a mão na consciência e a admitir que nas suas redacções se faz cada vez mais do que ‘não é jornalismo’ do que o que ‘é jornalismo’.

    Aquilo que tenho visto é a hipocrisia atroz e patológica de se culpar apenas a Internet, as redes sociais e os problemas financeiros dos grupos de media pela grave crise que atinge o sector.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso,
    o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República.
    (Foto divulgada pelo Congresso dos Jornalistas; D.R.)

    A verdade é que jornalistas têm ficado em silêncio sobre o que se passa nas redacções. Já perdi a conta de jornalistas que me dizem que apoiam o trabalho do PÁGINA UM e que tudo vai mal nos grupos de media, incluindo a propaganda que fazem. Mas, depois, esses jornalistas fazem algo para acabar com isso? Confrontam a direcção? Enfrentam os CEOs? Recusam executar parcerias comerciais (quando delas se apercebem)?

    A verdade é que o terrível corporativismo da classe ameaça ajudar a acabar com ela. Jornalistas infractores, que mantêm actividades incompatíveis com a profissão, seguem como se tudo fosse normal. Jornalistas a executar contratos comerciais – sobretudo directores – prosseguem como se fosse tudo normal. Nas barbas da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas.

    Em Portugal, esta é uma prática tóxica – todos se calam para não ‘parecer mal’. E assim, se ‘lixa’ toda uma classe e a credibilidade do sector.

    Agora, os media e os jornalistas pedem dinheiro ao Estado e ajudas.

    A surgirem ajudas dos contribuintes – seja através de um Carlos Moedas ou de um Ministério governamental – servirão para pagar baixos salários de estagiários e alguns jornalistas destacados para fazerem ‘copy-paste’ de ‘takes’ da Lusa e comunicados do Governo.

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    As ‘ajudas’ servirão também para pagar carros topo de gama de administradores e directores, além das senhas de gasolina, despesas extra diversas, almoços, cartões de crédito, prémios anuais e os seus razoáveis salários.

    As ‘ajudas’ servirão para pagar avenças de comentadores pagos a peso de ouro ‘porque sim’ – do amigo, ao amigo do político ‘amigo’ – enquanto o estagiário é ‘esfolado’.

    As ‘ajudas’ servirão para financiar ‘vícios’ e formas de estar nos media que têm prejudicado a Democracia, o Jornalismo e beneficiado o poder político e económico (e ajudado alguns jornalistas, directores e administradores a construir piscinas na casa de campo).

    As ‘ajudas’ servirão para manter tudo como está, quando os leitores pedem mudança urgente nos media. As ‘ajudas’ servirão para tapar o buraco criado por negócios opacos e negociatas que correram mal.

    Há jornalistas que sabem disto, que dizem isto à porta fechada. Está na altura de os jornalistas se deixarem de atirar culpas e olharem para o que se passa nas redacções e nos seus grupos.

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    Não é só na Global Media que há contas e negócios a escrutinar. E na Trust in News? E na Impresa? E os milhões devidos ao Estado, à Autoridade Tributária, à Segurança Social? Aos bancos?

    Este cenário beneficia muito quem andar a ‘dar apoios’ ao Jornalismo. Sobretudo porque os apoios ajudam a que se faça ‘jornalismo’ apenas em algumas áreas que se quer. Esse condicionamento será a morte do Jornalismo.

    Já hoje é visível a tendência de se fazer ‘jornalismo de investigação’ apenas em certos temas para os quais ‘se pode ir buscar dinheiro e bolsas’. Aliás, toda a indústria do chamado ‘fact-checking’ não passa disso mesmo, uma oportunidade para ‘ir buscar uns milhares ou milhões’. Depois, tem é de se escrever o que se sabe que se espera que seja escrito… ou seja, a ‘verdade’ é só a que sai de Governos, comunicados ‘oficiais’ e pouco mais… Como se isto tivesse qualquer semelhança com Jornalismo, cujo ADN consiste precisamente em questionar… as autoridades e os comunicados oficiais.

    Agora, querem que se dê ‘apoios’?

    Esta tese das ‘ajudas’ públicas aos grandes grupos de media, além de usar um argumento falso – ‘salvar o Jornalismo e a Democracia’ – só vai servir para alimentar o ‘monstro’ em que se tornou a interferência comercial e política no sector. Falso argumento porque existe muita imprensa para lá dos grandes grupos, incluindo imprensa regional e projectos de jornalismo independente, como o PÁGINA UM.

    Esta tese de se vir a ‘ajudar’ os grandes grupos de media, faz-me lembrar o filme ‘O Exterminador Implacável’. A tese é de que se nada se fizer, ‘O Exterminador Implacável’ chegará para eliminar o ‘Jornalismo’. Acontece que no filme de culto protagonizado por Linda Hamilton e Arnold Schwarzenegger é precisamente na tentativa de se travar o aparecimento do ‘exterminador’ que se acaba por activar a fatídica Skynet e libertar o poder da inteligência artificial, que lança uma guerra contra a Humanidade.

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    Na tentativa de se ‘salvar’ o ‘Jornalismo, ‘ajudando grandes grupos de media, arrisca-se a que seja activada uma outra ‘Skynet’, com os grupos de media, ainda mais dependentes de ajudas financeiras externas – públicas e privadas –, ainda mais vulneráveis e condicionados, unidos numa cruzada contra os ‘dissidentes’ que questionem o poder político e económico.

    A ‘máquina’ dos media, financiada pela ‘máquina’ política e económica, seria aperfeiçoada para ‘eliminar’ todos o que ‘desobedecessem’ ao poder instalado e verdades ‘oficiais’, e a liberdade de imprensa e de expressão seriam apenas uma lembrança – tal como a Democracia .

    Ajudar os grandes grupos de media, como eles são hoje – com toda a promiscuidade e dependência comercial de entidades públicas e privadas – é impedir a sua urgente limpeza, mudança e transformação.

    Dificilmente, mantendo a actual promiscuidade com o poder político e económico e os actuais ‘vícios’ e salários e avenças de luxo, os grupos irão mudar. Pelo contrário, vão saber que, se quiserem sobreviver, têm de se ‘rebaixar’ mais.

    Sem se fazer esta ‘limpeza’, não há ajudas que valham para os ‘salvar’. Mas, se calhar, é isso que se quer. Num mundo em que os media são controlados por políticos e grandes grupos económicos, tudo é mais fácil.

    Num admirável mundo novo dos grupos de media financiados por ‘ajudas’, uma nova era nasceria em que a censura e o pensamento único seriam, em definitivo, a norma.

    Tal como no filme ‘O Exterminador Implacável’, arriscamos caminhar a passos largos para esse mundo em que mais ‘jornalistas’ se ajoelham perante o poder, fazem vénias a entidades públicas e privadas – sejam de saúde, tecnológicas, financeiras ou militares -, beijam a mão do Presidente da República e agradecem as ‘ajudas’. As ‘ajudas’ que os ajudam a não mudar.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O novo ‘Muro de Berlim’ que nos quer ‘proteger’ dos ‘fascistas’ e da ‘desinformação’

    O novo ‘Muro de Berlim’ que nos quer ‘proteger’ dos ‘fascistas’ e da ‘desinformação’


    Era um documento simples e fácil de compreender. Nele constava uma lista específica, ordenada, de casas com as respectivas áreas e preços. Havia na redacção quem não conseguisse entender o que lá estava escrito, incluindo uma jornalista que tempos depois acabou a escrever duas manchetes falsas que o jornal publicou.

    Infelizmente, ao longo de mais de 25 anos no jornalismo económico, constatei que este caso que aqui relato está longe de ser o único. A maioria dos jornalistas que encontrei não lida bem com números, tabelas, estatísticas – e factos científicos. Em muitos jornalistas mais jovens, junta-se a falta de ‘memória’ sobre acontecimentos históricos, como o ‘Muro de Berlim’, o qual era visto pelo regime soviético como essencial para ‘proteger’ o povo dos elementos e influências ‘fascistas’ e a sua ‘desinformação’.

    A baixa literacia em várias áreas, que afecta como um vírus a classe jornalística, é bem vista por governos e grandes empresas. Torna-se mais fácil fazer passar os comunicados de imprensa com números e dados falsos ou enviesados. Com jornalistas desgastados, cansados, com jornalistas com baixa literacia em áreas-chave, com ausência de pensamento crítico, é muito fácil transformar a imprensa em ‘colaboracionista’. E é isso que temos, hoje, em geral.

    person covering the eyes of woman on dark room

    A baixa literacia matemática, estatística, financeira – e também científica – não afecta apenas jornalistas. E o objectivo é que tudo se mantenha assim.

    Ainda no dia 21 de Dezembro foi chumbada no parlamento uma recomendação ao governo para que “dê a preponderância devida à literacia financeira em contexto escolar”. A proposta teve os votos contra do PS e do Bloco e a abstenção do PCP e do Livre.

    Manter a população na ignorância é bom para quem quer governar (ou lucrar a vender produtos e bens) sem grandes perguntas ou oposição.  

    Uma proposta sobre reforço da promoção da literacia financeira em contexto escolar foi chumbada.

    No caso dos jornalistas, se poucos souberem fazer cálculos simples, melhor. Se poucos (raros) souberem ler artigos científicos, compreender metodologias e interpretar dados, melhor. Viu-se na pandemia de covid-19 como a maior parte dos jornalistas demonstrou ser fácil de enganar. (Pudera. Se não conseguem contestar dados, fazer cálculos simples ou relacionar eventos da actualidade com a História…)

    Este terreno de baixos conhecimentos em áreas-chave, nomeadamente por parte de jornalistas, é ideal para a construção do novo ‘Muro de Berlim’, que está em marcha avançada. Como o muro erguido para dividir a Alemanha, que o regime soviético via como essencial para ‘proteger’ o povo de ‘más’ influências e ‘propaganda’ fascista.

    Desta vez, é um muro invisível mas bem real que está a ser erguido por um regime político ocidental capturado por interesses económicos, minado pela corrupção e conflitos de interesses, assente numa ideologia tecno-totalitária. Um regime que está a legalizar, através da aprovação de novas leis, a censura de jornalistas e de notícias verdadeiras, o silenciamento de ‘dissidentes’.

    Muro de Berlim. Antes era físico.

    O ‘combate’ à ‘desinformação’ e ao ‘discurso de ódio’ é a desculpa deste regime e desta ‘revolução cultural’ para reprimir o povo, a liberdade e a imprensa. Como no tempo do regime soviético e do Muro de Berlim que ‘protegia’ o povo dos ‘fascistas’ e da sua ‘desinformação’. As desculpas mudam. Os objectivos são os mesmos: reprimir, silenciar, vigiar e controlar.

    Um regime que premeia o lucro e a ganância (veja-se o caso, na União Europeia, da milionária compra opaca e suspeita de vacinas contra a covid-19, a recente prorrogação por uma década da autorização do uso do perigoso glifosato na agricultura ou as medidas políticas restritivas impostas na pandemia sem qualquer base científica, as quais levaram grandes empresas e bancos a obter lucros recorde e obscenos estes últimos anos, face aos danos gigantescos provocados à população e pequenos negócios).

    Um regime que promove guerras enquanto apoia o legalizar da repressão da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no espaço digital (e na saúde, através de actualizações previstas ao Regulamento Sanitário Internacional). Um regime que está a legalizar o silenciamento de ‘dissidentes’, pessoas com visões diferentes das do regime. Um regime que está a trabalhar para garantir que impedir alguém de circular ou aceder ao seu dinheiro será tão fácil quanto carregar numa única tecla.

    Um regime que está a legalizar o que em 2020 ainda não era legal: censurar; coagir; prender sem culpa; deixar alguém à fome, sem acesso ao seu dinheiro. Da União Europeia, passando por países como a Irlanda, o Canadá, o Brasil, as leis de repressão avançam.

    pasture fence, barbed wire, fencing

    Desta vez, não é um muro feito de betão, mas de leis, financiamento, regulamentos e cumplicidade entre o grande poder económico e político. Desta vez, o muro não tem arame farpado, mas normas, reguladores, grandes tecnológicas e comités políticos que podem decidir o que é ‘verdade’ e quem está autorizado a se expressar. Mas este muro tem o mesmo propósito: manter os cidadãos reféns do regime.

    Este novo muro de Berlim também não divide a Alemanha; ele está a ser construído em redor dos países do chamado mundo ocidental onde os cidadãos vivem cada vez mais controlados, manietados e vigiados – e não é para o seu bem.

    Os media têm um papel crucial em qualquer ‘revolução cultural’. Por isso, outra ‘pedra’ que está a ajudar a erguer este muro são os incentivos financeiros e políticos criados – as ‘cenouras’ – para que os media produzam notícias exclusivamente dentro das narrativas oficiais. São disso um exemplo os apoios para alegado ‘fact-checking‘ (que tem sido, em geral, muito tendencioso e com pouco rigor científico, por exemplo) ou apoios e contratos comerciais diversos vindos de entidades públicas ou privadas.

    question mark, pile, questions

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão é uma das ‘pedras’ necessárias para a construção do novo muro e está a ser implementada em diversos países e também na União Europeia, com a aprovação de directivas comunitárias criadas alegadamente para defender jornalistas e combater a ‘desinformação’ e o ‘discurso de ódio’, mas que conferem poderes às ‘autoridades’ que podem usar usados abusivamente para minar a democracia, os direitos digitais e o Jornalismo.

    Como em qualquer ‘revolução cultural’ – como a que está em marcha –, ‘para o bem de todos’, estão a ser criadas leis cuja consequência poderá ser o continuar da censura de notícias verdadeiras – que ‘desautorizam’ a versão ‘oficial’ –, o silenciamento de jornalistas e dos que questionem as políticas de governos e ‘autoridades’. Como nos regimes totalitários – fascistas ou comunistas.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Outra ‘pedra’ que está a servir para construir o novo muro é o acto de se ameaçar e intimidar os grandes espaços de informação digital (como as plataformas que operam rede sociais) – como o Digital Services Act na UE ou legislação drástica anunciada na Irlanda. Como aconteceu durante a pandemia, continua a ser eliminada informação verdadeira e silenciadas vozes que contrariam comunicados ‘oficiais’, sob o falso pretexto de ‘desinformação’ (para regimes totalitários, tudo o que não estiver alinhado com as narrativas oficiais é obviamente desinformação).

    Sob o comando de Ursula von der Leyen, antiga ministra da Defesa da Alemanha, os lucros de gigantes das indústrias farmacêutica, de armamento e do sector financeiro prosperam ajudados por dinheiros europeus. Além disso, sob o seu mandato, a Comissão Europeia implementou, desde 2020, medidas anti-democráticas, sem base científica, que deixaram um rasto de empobrecimento, doenças e excesso de mortalidade, tendo ainda violado direitos humanos e civis (como o apartheid infame do ‘passaporte de vacina’). Mais recentemente, têm estado a ser aprovadas directivas comunitárias que abrem a porta a abusos políticos e ataques à liberdade de imprensa, de expressão e direitos digitais.

    Nova legislação imposta para alegadamente proteger os jornalistas e os media contém artigos que, segundo alguns, são autênticos cavalos de Tróia e potenciais ameaças ao Jornalismo e a todas as notícias verdadeiras que as autoridades ou as Big Tech decidam classificar como ‘desinformação’. É o caso de legislação imposta no Canadá e o Media Freedom Act aprovado preliminarmente, em meados deste mês, na UE.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Artistas, actores, escritores, políticos, comediantes, cientistas, professores, jornalistas que falem algo que contrarie ou questione os comunicados ‘oficiais’, são postos de lado, difamados, cancelados, despedidos. São postos num novo Gulag invisível mas eficaz, onde são denegridos, difamados e ostracizados pelos media, não têm trabalho ou apoios públicos e são atirados para o deserto dos classificados como ‘teóricos da conspiração’.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Nos media, é bem visível a onda de se cobrir de forma idêntica os principais temas, além do recurso a insultar e enxovalhar ‘vozes dissidentes’ (lembram-se dos termos ‘chalupas’ ou ‘negacionistas’, ‘putinistas’, etc?) – a onda de ‘revolução cultural’ assente numa ideologia/religião minada de fanatismo.

    Factos e dados não valem nada nesta cultura actual, onde alguns temas ascenderam a categoria de ‘religião’ – seja na saúde, na Ciência, ou na política internacional. Os ‘dissidentes’ são difamados como sendo de ‘extrema-direita’ (em outros regimes eram ‘fascistas’ ou ‘comunistas’) ou com outras acusações falsas que visam apenas desacreditá-los. Os nomes e acusações mudam mas a táctica é a mesma.

    green and white typewriter on black textile

    Até factos históricos e literatura são ‘reconstruídos’ ou mesmo eliminados neste regime – esta revolução ‘cultural’ – que nasce com o novo muro.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Com identidade e dinheiro digitais – em desenvolvimento acelerado –, o controlo e vigilância potenciais são absolutos. Totais. E poderão ser meios usados abusivamente para restringir a liberdade e o acesso a rendimentos de ‘vozes dissidentes’.

    Um muro invisível aos olhos da imprensa, dos jornalistas cegos ou alinhados, mas um muro real. Tão real como um muro de betão e arame farpado e protegido por guardas armados.

    Como sucedeu tantas vezes na História, de forma silenciosa e gradual, um ciclo de totalitarismo ameaça estar à espreita. Do lado de dentro deste novo ‘Muro de Berlim’ não estão parte da Alemanha, ou países como a outrora subjugada Polónia pela Rússia, … Dentro deste muro de Berlim invisível estamos todos nós, ocidentais.

    Este muro não existia nos últimos anos, mas o início deste regime totalitário já era visível. Para implementar medidas anti-democráticas, desde 2020, foram violadas as leis fundamentais dos países. Foram detidos cidadãos, alguns com recurso a violência extrema, em certos países. Foram congeladas ilegalmente contas bancárias a cidadãos que questionaram medidas em países, como o Canadá. Foram impostos mandatos que violaram os direitos humanos e civis e que deixaram um rasto de mortes e mortalidade em excesso e doenças. A pobreza disparou e os mais vulneráveis foram dos mais prejudicados.

    Tudo foi feito de forma ilegal. As novas leis, o novo muro que está a ser construído, ameaça tornar todo esse tipo de violações ‘legais’ no futuro. A normalização da ideia iniciada na pandemia de que quem decide o que é ‘verdade’ não são jornalistas ou cientistas mas reguladores e ‘Big Techs’. A tentativa de eliminação do conceito de direitos humanos em políticas de saúde, bem como o adulterar do conceito de direitos digitais. A normalização da ideia de que não somos soberanos sobre o nosso próprio corpo. A legalização da ideia de que não somos guardiões nem educadores últimos dos nossos próprios filhos.

    E está em marcha a normalização do silenciamento de jornalistas – sob o falso pretexto de ‘desinformação’ – e até do encarceramento de jornalistas – veja-se o caso de Assange, jornalista e preso político num país do Ocidente.

    Memorial relativo ao Muro de Berlim

    O fanatismo, a ganância (por lucro e poder) e a ignorância foram a base para a instalação de regimes totalitários, para a repressão e para crimes contra a Humanidade.

    As novas ‘religiões’ criadas em torno de temas ‘incontestados’, o fanatismo alimentado pelos media, a ganância de grandes indústrias tecnológicas (e não só) e a ignorância são, hoje, de novo, os alicerces para a construção deste novo muro de Berlim.

    (Por falar em fanatismo que se sobrepõe aos factos científicos, veja-se, por exemplo, o caso do artigo científico que comprovou, de vez, a ineficácia do uso de máscara em crianças mas, ainda assim, apesar dos factos, os media citam, sem questionar, os que ainda recomendam erradamente o seu uso, perante os enormes malefícios causados a crianças).

    São novos fanatismos, ideologias totalitárias em pleno século XXI. Mas é, sobretudo, cegueira. Uma perigosa cegueira que contribui para ajudar este muro a levantar-se em torno do mundo ocidental. Um muro silencioso e invisível mas que está a erguer-se.

    Mas, tal como vivemos neste regime pré-totalitário, também surgiram, nos últimos anos, na sociedade ocidental, novas estruturas e plataformas em defesa dos direitos humanos e civis, novos meios de comunicação social independentes, processos na Justiça para aceder a informação escondida e combater os fanatismos, os actos de ganância e a censura.

    Se é verdade que um muro se está a erguer, também a sociedade civil está mais forte, hoje, do que estava em 2020, está mais organizada e preparada para lidar com ataques à democracia, à liberdade de imprensa e aos direitos humanos, civis e direitos digitais.

    photo of bulb artwork

    E, como diz o ditado, não se consegue enganar toda a gente, o tempo todo. E não se consegue comprar toda a gente, nem para sempre.

    O muro pode estar a ser construído, mas junto com ele está a erguer-se uma sociedade civil mais consciente e atenta. Estão a erguer-se estruturas – desde jornais independentes a organizações de profissionais e de direitos no mundo digital – que colocam em causa o novo regime que ameaça mergulhar o mundo ocidental numa ditadura comandada, não pela repressão política ou militar, mas pela repressão ideológica, tecnológica e financeira.

    E, se a sociedade civil prosseguir com o reforço dessas novas estruturas e organizações, no final, o mundo ocidental sairá mais forte e também mais consciente. Haverá mais consciência de que é urgente preservar o conhecimento acumulado e a História. E de que é preciso estar atento. Porque, afinal, mesmo com tudo o que a História nos ensina sobre os perigos das ditaduras e ‘revoluções culturais’ com censura à mistura, mesmo com toda a evolução científica e tecnológica, haverá sempre quem esteja disposto a tentar eliminar a democracia, a imprensa e o livre arbítrio. A tentar eliminar o que é preciso preservar a todo o custo: a liberdade.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.


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    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • O problema da Ordem dos Médicos com a Ciência

    O problema da Ordem dos Médicos com a Ciência


    Neste sétimo episódio da segunda temporada do podcast Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares comenta a crise anual que se vive no Serviço Nacional de Saúde a cada Inverno, quando há um pico de doenças do foro respiratório. Também comenta a estranha relação da Ordem dos Médicos com a Ciência. Num recente comunicado, citado nos media, a Ordem volta a contrariar as conclusões dos melhores artigos científicos e recomenda o uso de máscara, apesar da ausência de evidência científica sobre os seus efectivos benefícios e face aos danos na saúde que podem ser causados.

    Acesso: LIVRE

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  • Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)

    Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)


    Cá em casa, gostamos de ver o ‘velhinho’ filme Jurassic Park e as suas sequelas. Num dos filmes da saga, a fuga acidental de um dinossauro cheio de garras e armado de dentes afiados lança o caos num moderno parque temático, quando este se encontra apinhado, com milhares de visitantes.

    Um grupo de vilões com más intenções, que tinha já ‘um pé’ dentro da organização que geria o parque, vê naquela situação de crise uma oportunidade para tirar lucros e assume o poder. Nessa altura, vê-se então que o parque servia não só para entreter multidões de visitantes mas também servia interesses privados obscuros ligados à indústria de armamento. O principal cientista – que criava os dinossauros – estava comprado pelos ‘maus’ e era parceiro dos vilões.

    Este enredo faz-me lembrar o que se passa com a Global Media e com o estado dos grupos de comunicação social, em geral. Os ‘vilões’ já lá tinham um pé e apenas agarraram a oportunidade para assumir o controlo. Os interesses comerciais e também políticos, ou ideológicos, comandam.

    Imagem de uma cena do filme Jurassic World.

    A crise criou a oportunidade. Em geral, hoje não se faz Jornalismo nos media mainstream – ou os grandes órgãos de comunicação social que distribuem notícias para as massas. Eles são híbridos: produzem muitas notícias, reportagens e entrevistas que foram encomendadas, ‘conteúdos’ que são feitos no âmbito de contratos de parceria comercial, sem que os leitores/ telespectadores/ ouvintes percebam bem isso. Tudo nas barbas dos reguladores e do sindicato.

    Os interesses comerciais tomaram de assalto as redacções. Os directores de hoje são marketeers a moderar conferências e talks e estão demasiado próximos do poder político, económico e financeiro. Depois, os media mainstream têm uma agenda de cobertura de acontecimentos e temas que é dominada pela agenda política e agenda financeira e de empresas. Ou seja, a maior parte da agenda dos media é feita por … gabinetes de comunicação e spin doctors que trabalham para políticos e para empresas.

    Acresce a isso a praga do churnalism (sobre a qual já aqui escrevi aqui, no PÁGINA UM), o ‘corta e cola’ de notícias da Lusa, dos outros meios de comunicação social e de comunicados de imprensa e sobra pouco para fazer Jornalismo. Poucos jornalistas disponíveis, poucas páginas nos jornais, pouco tempo nos espaços informativos das TV’s e das rádios.

    sheep, flock of sheep, row

    Outro fenómeno é o facto de os grandes meios de comunicação social operarem segundo uma lógica de ‘manada’, ou de ‘matilha’, consoante as circunstâncias.

    Em ‘manada’, quando vão uns atrás dos outros na cobertura noticiosa. Onde vai um, vão todos. Se um cobre ‘assim’, o outro cobre ou não cobre ‘assado’ nem ‘cozido’. Todos parecem mais ou menos iguais.

    Em ‘matilha’, quando todos atacam um alvo em simultâneo. Estes ataques, na forma de blitz, são executados pelos media, mas muitas vezes não são meros acasos, mas ataques pensados e orquestrados por gabinetes de comunicação que trabalham para governos, organizações ou empresas e visam abater um concorrente, um adversário ou algo ou alguém que consideram ser uma ameaça aos seus lucros e interesses.

    Veja-se o que aconteceu quando nasceu o PÁGINA UM e publicou investigações na área da saúde, tendo de imediato sido alvo de uma campanha de difamação, com notícias falsas a serem divulgadas quase em simultâneo por muitos dos media mainstream nacionais.

    Hyenas in Savannah

    Este ‘hibridismo’ e modus operandi, além de trair o Jornalismo, tem sido extremamente nefasto para os jornalistas e para a Imprensa. E para os consumidores de informação. (Já sobre a actuação em ‘matilha’, obviamente que é condenável e abjecta a todos os níveis.)

    Tanto no caso da actuação em ‘manada’, como na actuação em ‘matilha’, falta algo importante: racionalidade; pensamento crítico; ética; e Jornalismo. A bestialidade tem vindo a tomar conta das redacções, engolindo jornalistas e o Jornalismo quase por inteiro. O histórico jornalista Fernando Dacosta falou, num debate recente, sobre o fenómeno do ‘jornalismo’ acéfalo. Esta postura acrítica de se estar nas redacções, longe dos tempos em que intelectuais enchiam os quadros de pessoal dos jornais.

    É neste cenário e contexto que chegamos então à grave crise na Global Media, dona de títulos como o histórico Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, o Jogo e o Dinheiro Vivo. (E aqui deixo uma declaração de interesses, pois fui jornalista neste grupo entre meados de 2017 e o final de 2021, assinando no DN, no JN, no DV e fazendo entrevistas na TSF.)

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Podemos falar, claro, na sucessão de accionistas que por lá foram passando, que, além de ligações políticas, também foram deixando um rasto de cortes e decisões ‘estratégicas’ destrutivas – como retirar o DN de banca. Podemos e devemos analisar a forma como a diminuição das redacções tem tido um forte impacto na qualidade do trabalho lá produzido. Não se fazem omoletas sem ovos. Ou na contratação, ao logo dos anos, a peso de ouro, de ‘estrelas’, jornalistas e comentadores ‘amigos’, que são, sobretudo, despesa. Este último ‘mal’, é comum em muitos meios mainstream nacionais.

    A explosão das redes sociais e do consumo de informação (e publicidade) no meio digital não explica toda a crise que afecta os grandes grupos de comunicação social. Há falta de dinheiro mas os grandes media nacionais também têm esbanjado dinheiro em ‘projectos’ e em ‘amigos’ e estão demasiado colados aos poderes instalados, tanto políticos como financeiros e empresariais. E isso nota-se.

    Para quê comprar uma subscrição num jornal que representa mais os poderosos do que os leitores? Para quê subscrever jornais que escrevem praticamente as mesmas coisas e publicam os mesmos ‘takes‘ da Lusa?

    egg, hammer, hit

    No meio do caos, os ‘vilões’ aproveitaram a oportunidade: corrompendo o trabalho das redacções; pondo de parte o Jornalismo; colocando na liderança directores que estão alinhados e até podem ganhar prémios por desempenho comercial. O Jornalismo sai derrotado. Os jornalistas que não são despedidos, saem desmoralizados, cansados.

    Na maioria dos grupos de comunicação social, os jornalistas não são respeitados. Os leitores não são respeitados. Prevalecem os interesses comerciais.

    José Paulo Fafe, presidente-executivo da Global Media, traiu-se a si próprio numa entrevista recente, ao mostrar o que pensa realmente dos jornalistas e dos jornais, ao referir-se a Pedro Almeida Vieira – jornalista, fundador e director do PÁGINA UM –, como ‘um tipo de um site’. O PÁGINA UM é um jornal digital, com notícias online, como também são as edições online do DN e do JN. Pedro Almeida Vieira já trabalhou no Expresso, na Grande Reportagem e no DN.

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    Para este tipo de CEOs de grupos de media, para muitos directores do departamento comercial, para políticos e banqueiros, os jornalistas são hoje uns meros ‘tipos de um site’ que eles usam a seu favor. Só os jornalistas ainda não perceberam isso.

    No filme Jurassic World, o ‘vilão’ mais perigoso não era, afinal, o dinossauro cheio de garras e dentes mas a rede de interesses militares e comerciais. Nos media, o ‘vilão’ mais perigoso não é o ‘dinossauro’ gigante que é o Google ou o Facebook – em relação aos quais existem ‘armas’ e soluções.

    Nos media, o maior ‘vilão’ é a rede de oportunistas que assaltou as redacções e colocou na liderança de jornais, rádios e TVs funcionários ‘alinhados’ para usar os meios de comunicação social em seu benefício, fazendo cobertura enviesada de temas e implantando assuntos e entrevistas sugeridas. Na pandemia, isso foi mais do que evidente.

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    Destruir o Jornalismo interessa a todos os que queiram ter mais poder e mais lucros. E isso tem estado a ser feito de forma sistemática nas redacções.

    No filme (alerta de spoiler), morre muita gente, entre trabalhadores do parque e visitantes. Morrem muitos dinossauros ‘bons’. Morrem também ‘vilões’, mas não todos. O cientista escapa num helicóptero topo de gama, junto com muitos ‘activos’ que roubou do laboratório. O parque fica destruído para sempre, sem qualquer réstia de credibilidade.

    No sector dos media, directores podem escapar para novos cargos dentro ou fora do sector, levando indemnizações simpáticas, depois de terem conseguido pagar casas novas e piscinas e alcançado a fama nas TVs. Jornalistas e comentadores ‘estrela’ também se ‘safam’ com outros ‘amigos’. Activos que ainda existam, são vendidos. Os jornalistas, esses ficam sem emprego. É o pagamento que recebem por terem fechado os olhos e ficado em silêncio durante anos, perante o subverter do Jornalismo e os assaltos às redacções pelos interesses comerciais e políticos. É o pagamento pelo facto de os jornalistas permitirem que os tratem anos a fio como ‘uns tipos de uns sites’.

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    No sector dos media, o assalto último ainda pode estar a ser preparado, se, aproveitando a profunda crise, uma voz sussurrar que o Estado deve ‘salvar’ grupos de media. Então, o poder político anunciará a criação de uma criativa ‘bondosa’ e ‘generosa’ solução que ‘alguém’ propôs, que passa pelo contribuintes injectarem mais dinheiro em grupos de media, depois das injecções já feitas durante a pandemia, do financiamento via publicidade estatal e ‘parcerias comerciais’ pagas por entidades públicas.

    Tudo isto para ‘o bem comum’, para o ‘bem’ do ‘jornalismo’, o qual será feito por ‘uns tipos’ desesperados quaisquer que, no final, acabarão, na mesma, por ser engolidos pelo dinossauro gigante e mau.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.

  • O novo aeroporto de Lisboa e a ‘Humanidade B’

    O novo aeroporto de Lisboa e a ‘Humanidade B’


    Neste quinto episódio da segunda temporada do podcast Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares comenta a possível escolha de Alcochete para a localização no novo aeroporto de Lisboa, que é uma contradição com as afirmações “amigas” do planeta que o Governo tem feito, e dada a importância internacional da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Fala ainda sobre a coincidência de temas como o novo aeroporto e o TGV surgirem em época de queda do Governo e escorregadela do Presidente da República… e em época pré-eleitoral, com um mal disfarçado piscar de olhos a possíveis empresários-apoiantes nas eleições.

    Acesso: LIVRE

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  • Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas

    Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas


    É um caso de marketing e de propaganda para totós. Ainda assim, jornalistas cobrem estes eventos como se fossem sérios e realmente produtivos, com o objectivo de se melhorar o mundo e as vidas de todos. Ainda assim, se fazem debates sobre esses eventos, como se realmente houvesse algo, de substância, para se debater no que lá se diz que se vai fazer.

    Um desses eventos é a “Cimeira do Clima” ou sobre o Ambiente, ou Alterações Climáticas… O nome do “espectáculo” pode ir mudando, mas o assunto é sempre o mesmo: líderes mundiais deslocam-se nos seus aviões para um local remoto do Mundo, para anunciar a “atribuição” de dinheiros e criação de fundos e medidas que vão melhorar a saúde do planeta e o futuro de todos os que nele vivem.

    Muitos comunicados de imprensa. Muitos discursos “inspiradores” e “assertivos” escritos pelas diversas equipas de comunicação e os melhores spin doctors. Os resultados são, invariavelmente, clichés como “não há humanidade B”, frase de António Costa nesta última Cimeira do Clima, citado na Lusa, frase que foi repetida até à exaustão pelos gabinetes de relações públicas do Governo, ou seja, os principais media do país.

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    Nestas cimeiras e conferências, os políticos de repente acordam para a causa ambiental e, tal como um cristão renascido, banham-se nas límpidas águas das diversas cimeiras do clima para sair delas discípulos da Nova Terra salva da poluição e imaculada. Pelo menos, até aterrarem de novo com os seus aviões nos países de origem e tudo voltar ao “business as usual“, que é como quem diz, ao andar de carro para cima e para baixo, conceder o licenciamento de empresas poluidoras e apelar ao consumo desenfreado para salvar empregos e “a economia”.

    Desde pequena que ouço falar na desertificação, na necessidade de se reduzir o consumo, na urgência de se poupar água e proteger o meio ambiente. Desde pequena que assisto a sucessivos governos portugueses e descurar a ferrovia e a despejar dinheiro dos contribuintes na construção de estradas (ou melhor, nas construtoras suas amigas que construíram as estradas).

    E todos os anos, sem excepção, assistimos a descargas ilegais em rios, a poluição diversa no mar. A investimentos estapafúrdios em obras e construção de monos com dinheiros públicos. Fecha-se os olhos a projectos poluidores porque criam empregos? Baixam-se os requisitos ambientais para atrair aquele investimento na fábrica que até foi classificado de PIN (projecto de interesse nacional)? Autoriza-se o abate daquelas árvores protegidas para aquele empreendimento de luxo? Dá-se o OK a mais um campo de golfe em zona onde falta a água? Avança-se com a construção de um novo aeroporto em zona de migração e nidificação única na Europa? Olha-se para o lado para o uso de pesticidas que acabam com espécies de relevo e causam cancro? Arrasa-se aquele rio selvagem e aqueles ecossistemas para construir mais uma barragem?

    O presidente da COP28, o Sultão Al Jaber. A cimeira teve este ano lugar no Dubai, capital dos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.

    E incentiva-se ao consumo. Muito consumo. A quantidade de embalagens e lixos produzidos hoje é estonteante. Avassaladora. Os governos lucram com isso através dos diferentes impostos cobrados. O ambiente é que se lixa, tal como todos nós. E o planeta.

    Desta vez, Costa pediu acção mais rápida e ambiciosa. Todos concordaríamos com isso, se não tivéssemos visto o que Costa fez, por exemplo, na gestão da pandemia de covid-19, desde 2020. Mas, como vimos e sentimos na pele e nos bolsos o que fez, o que lemos nessa intenção do “rápido e ambicioso” é isto: muitos vão encher os bolsos (de novo) e nós vamos ficar agarrados aos problemas e aos prejuízos. Além do atropelo que fez à Constituição da República.

    Ou seja: há o risco de um acelerar no caminho da destruição da democracia, por via de leis e medidas inconstitucionais, e um novo o empurrão para fortes cargas de impostos sobre “poluidores”, que vão acabar por cair afinal sobre os consumidores finais. Há o risco de se inventarem mais “políticas verdes”, mas que irão beneficiar empresas amigas. Vão anunciar-se regras que serão aplicáveis aos comuns dos mortais, enquanto os que têm amigos e cunhas serão poupados.

    O primeiro-ministro, António Costa, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, na COP28, que este ano se realizou no Dubai. (Foto: D.R.)

    Talvez porque acompanhe os mercados de capitais há várias décadas, desconfio destas promessas “verdes” que até agora renderam milhares de milhões a fundos e “veículos” de investimento, filantropos, fundações e políticos a vender este peixe da economia “verde” e trouxeram mais e mais problemas ao planeta e às populações.   

    Estas cimeiras do clima ou do ambiente fazem-me também lembrar os congressos dos jornalistas (vai-se agora para o 5º Congresso). Fala-se muito e não se muda nada. Fala-se muito, mas não se mexe naquilo que se precisa mesmo mexer para que haja mudanças.

    Na política, continua a promover-se o crescimento eterno das economias e a cultura de consumo, como se isso fosse racional ou sensato. O crescimento eterno do Produto Interno Bruto, vendido nos telejornais como sinal de sucesso político…

    Nos congressos de jornalismo fala-se que o sector está em crise, os jornalistas são mal pagos e até que há disparidade de salários e promoções entre homens e mulheres. Mas, hoje, há que assumir, que os jornalistas não têm quase nenhum poder e estão alinhadíssimos com o poder político e empresarial.

    Cartaz do 5º Congresso de Jornalistas, criado pelo ilustrador e cartoonista André Carrilho com base no lema “Jornalismo, Sempre” do evento que vai decorrer de 18 a 21 de janeiro de 2024.

    A liberdade de imprensa está ameaçada (sobretudo, desde 2020) e há notícias verdadeiras a serem censuradas no mundo digital. Os grupos de comunicação social estão vendidos (rendidos) às “parcerias comerciais” (conteúdos e eventos patrocinados por entidades públicas ou privadas). Directores de jornais, revistas, TVs e rádios fazem o papel de entertainers e apresentadores em eventos e conferências e actuam como embaixadores de políticos, de reguladores, de figuras da autoridade e todos os “clientes” que pagam as “parcerias comerciais” aos seus grupos.

    As redacções estão magras, mas cheias de jornalistas e estagiários que fazem copy/paste (churnalism) das notícias da Lusa e de comunicados de imprensa. Não há tempo (nem pensamento crítico) para mais. E há que falar nos jornalistas que têm empresas e funções incompatíveis com a profissão. Nos grupos de comunicação social com “clientes” que lhes pagam para escrever “notícias” e fazer eventos sobre os quais depois escrevem (sempre) favoravelmente. E há que falar na evidente subserviência do sector em geral face ao poder, seja do Governo, de autoridades, de reguladores, de direcções-gerais, da Comissão Europeia, (como, de resto, se viu na pandemia).

    Além de que se tem obrigatoriamente de falar na falência completa de reguladores e dos que deveriam ser vozes em defesa da profissão e do sector, com destaque para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Mas também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social só tem actuado quando sente pressão. E o Sindicato de Jornalistas tem ficado em silêncio perante irregularidades e situações de promiscuidade inaceitáveis.

    A lista de patrocinadores do Congresso é extensa.

    Como jornalista, ao longo dos anos sempre me mantive afastada de congressos e do corporativismo patente no sector da comunicação social. Não me identifico com operações de autopromoção, nem com os silêncios sobre os problemas graves, como as “parcerias comerciais”, nem com a cultura das palmadinhas nas costas enquanto o sector arde.

    A meu ver, na defesa do ambiente e do planeta e na defesa do jornalismo existe algo em comum: jamais serão defendidos por políticos do actual establishment, nem pelas grandes indústrias, por bilionários donos de multinacionais ou filantropos com um histórico ético duvidoso. Nem por jornalistas que há muito se vergaram perante dinheiros públicos, privados ou de fundações, com medo de perderem o emprego, a nomeação a prémios e bolsas, além dos que não escondem agendas ideológicas.

    Nem a defesa do planeta, nem a defesa do jornalismo irão ser feitos por aqueles que têm contribuído para criar os problemas existentes, seja pelas suas acções seja porque pactuaram com os ataques, ficando em silêncio.

    O jornalista Pedro Coelho, em declarações à RTP Madeira, numa visita àquela região para promover o 5º Congresso dos Jornalistas.

    Num mundo de árvores de Natal de plástico, enfeitadas de bolas e fitas de fantasia em material sintético, o jornalismo é hoje um adereço brilhante para vender frases bonitas sobre como políticos e bilionários que contribuíram para nos trazer ao desastre, são agora os maiores defensores do ambiente e da vida no planeta.

    Num mundo de cimeiras do clima da tanga e congressos dos jornalistas da treta, temos de começar a pensar se está na altura de deixarmos de ser totós. Em relação aos políticos, aos media que destroem o jornalismo e em relação ao que podemos fazer sobre o futuro do planeta e do jornalismo.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vai Portugal responder à OMS?

    Vai Portugal responder à OMS?


    Neste novo episódio do Caramba, ó Galamba, a jornalista Elisabete Tavares fala sobre a data-limite para os países poderem dar uma informação à Organização Mundial da Saúde. Comenta ainda a aproximação da aprovação do Tratado Pandémico e alterações de relevo ao Regulamento Sanitário Internacional. Isto num contexto em que é evidente a falta de coragem dos políticos portugueses (sobretudo da oposição) para falar sobre o modo como interesses privados e lobbys financiam e sustentam (e influenciam) as políticas da OMS, com as consequências trágicas que se viram desde 2020, sobretudo para os mais pobres.

    Acesso: LIVRE

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