Autor: Elisabete Tavares

  • Caso Assange: “Isto é a criminalização do Jornalismo”

    Caso Assange: “Isto é a criminalização do Jornalismo”

    O desfecho (aparentemente feliz) de 14 anos de perseguição a Julian Assange, deixa um sabor agridoce na boca dos defensores da liberdade de imprensa e do jornalismo. Advogados do fundador da WikiLeaks alertam que a acusação dos Estados Unidos contra Assange constitui um “arrepiante precedente” que criminaliza a actividade dos jornalistas e põe em causa a liberdade de imprensa. O jornal britânico The Guardian avisa também que está criado um grave precedente que ameaça a imprensa. Já a secretária-geral da Amnistia Internacional considerou que “o espectáculo global de anos das autoridades norte-americanas” causou “danos históricos”. Julian Assange regressou entretanto à Austrália onde se reuniu com a mulher, Stella. Pelo caminho, o jornalista compareceu no tribunal de uma ilha no Pacífico, em território dos Estados Unidos, aceitando um acordo, considerando-se culpado de ter recebido e publicado informação confidencial, algo que, para as autoridades norte-americanas, constitui uma violação da Lei de Espionagem, mas cuja revelação pública é uma das funções obrigatórias de qualquer jornalista.


    Para os Estados Unidos, Julian Assange cometeu um crime: publicou informação confidencial, praticando assim um comum acto de jornalismo. Para os advogados do jornalista e fundador da WikiLeaks, a acusação de que Assange foi alvo por parte dos Estados Unidos criou um precedente grave que pode agora ser usado contra todos os jornalistas.

    Visto por muitos como um herói dos tempos modernos, Assange aceitou um acordo com os Estados Unidos para poder sair em liberdade, pondo fim a uma batalha legal que incluiu a sua detenção, nos últimos cinco anos, em condições duras, numa prisão de alta segurança no Reino Unido. “Para obter a sua liberdade, Julian declarou-se culpado do crime de conspiração para fazer espionagem por publicar provas de crimes de guerra e abusos de direitos humanos por parte dos Estados Unidos e irregularidades cometidas pelos Estados Unidos em todo o Mundo”, disse ontem Jennifer Robinson, advogada de Assange, numa conferência de imprensa. “Isto é jornalismo. Isto é a criminalização do jornalismo e, apesar do acordo não constituir um precedente jurídico, não é uma decisão de um tribunal, a acusação em si cria um precedente que pode ser usado contra o resto dos media”, alertou.

    Julian Assange à saída do tribunal em Saipã, nas Ilhas Marianas do Norte (território dos Estados Unidos), já como um homem livre. (Fonte: D.R.)

    Assange foi finalmente libertado da prisão de alta de segurança de Belmarsh, no Reino Unido, na segunda-feira, após um acordo em que o jornalista se declarou culpado de ter divulgado informação confidencial. A caminho da sua terra Natal, a Austrália, Assange compareceu perante um tribunal em Saipã, nas Ilhas Marianas do Norte, território dos Estados Unidos, para ouvir a sua sentença. Foi o fim de uma batalha legal que durou 14 anos e que incluiu a detenção de Assange em condições de quase isolamento numa minúscula cela em Belmarsh, no Reino Unido.

    Barry Pollock, que também é advogado de Assange, deixou um aviso, falando aos jornalistas após a sessão em tribunal: “o que cria um arrepiante precedente é a acusação”.

    “O tribunal, hoje, concluiu que nenhum dano foi causado pelas publicações do senhor Assange, sabemos que eram motivo de notícia, sabemos que foram citadas pelos maiores media no planeta e sabemos que revelaram informação importante. A isso chama-se jornalismo”, afirmou. Salientou que, “o que é arrepiante, é os Estados Unidos perseguirem o jornalismo como um crime”.

    Assange enfrentava 18 acusações, sendo acusado pelos Estados Unidos de ter violado a lei de espionagem do país. Assange deu-se como culpado de uma acusação. “Sim, ele recebeu informação confidencial de Chelsea Manning [ex-analista de informação militar dos Estados Unidos] e publicou essa informação. Isso não deveria ser um crime”, frisou Barry Pollok.

    Os advogados de Assange, Jennifer Robinson e Barry Pollock, à saída da sessão do tribunal que colocou um ponto final no pesadelo do jornalista.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da Reuters)

    Mas outras vozes se levantaram a alertar para o grave precedente que a acusação sobre Assange levanta. No Reino Unido, o jornal britânico The Guardian publicou num Editorial a sua opinião sobre o desfecho da acusação contra o fundador da WikiLeaks: “bom para Julian Assange, não para o jornalismo”. O jornal considera que “este caso continua a ser alarmante, apesar da sua libertação” e que “a batalha pela liberdade de imprensa deve ser prosseguida com determinação”.

    De resto, Stella Assange, mulher do fundador da WikiLeaks, afirmou anteontem, citada pela Reuters, que o objectivo agora, após a libertação do marido, será “pedir um indulto” para Assange, já que “o facto de haver uma confissão de culpa, ao abrigo da Lei de Espionagem [dos Estados Unidos], em relação à obtenção e divulgação de informações de defesa nacional é obviamente uma preocupação muito séria para os jornalistas”.

    Recorde-se que Assange esteve privado da sua liberdade durante 14 anos, tendo sido acusado de violação pela Suécia, e perseguido pelos Estados Unidos, que o queriam extraditar do Reino Unido para ser julgado pela justiça norte-americana. A acusação por parte da Suécia acabou por ser retirada. Nos últimos cinco anos, Assange esteve na iminência de ser enviado para os Estados Unidos para ser julgado por violação da lei de espionagem.

    Stella Assange falou aos jornalistas numa conferência de imprensa, após a chegada do marido à Austrália, e agradeceu aos apoiantes da campanha internacional que foi levada a cabo para libertar o jornalista.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da conferência de imprensa)

    Sob o seu comando, a WikiLeaks divulgou informação que expôs crimes de guerra e violações dos direitos humanos cometidos pelos Estados Unidos, que incluíram o assassinato de civis e jornalistas.

    Mas defensores de Assange também consideram que o jornalista foi sobretudo um preso político, por ter feito afirmações como esta, contra a promoção de guerras pelos Estados Unidos: “o objetivo é usar o Afeganistão para lavar dinheiro das bases fiscais [erário público] dos Estados Unidos e da Europa através do Afeganistão e voltar para as mãos de uma elite de segurança transnacional”. Assange também disse que “o objetivo é uma guerra sem fim, não uma guerra bem-sucedida”.

    Críticos de Assange têm falsamente acusado o fundador da WikiLeaks de estar a ‘trabalhar para os russos’, nomeadamente por ter divulgado e-mails prejudiciais para Hillary Clinton, quando era candidata democrata à Presidência. Outros contestam que Assange seja jornalista.

    Certo é que os principais media, jornalistas e organizações representativas da classe jornalística, nomeadamente a International Federation of Journalists, e da imprensa fizeram parte da campanha massiva pela libertação de Assange.

    Lula da Silva, presidente do Brasil, celebrou a libertação de Assange, mas foi de imediato criticado por permitir haja jornalistas perseguidos no seu país.

    Também organizações de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional, apelaram à libertação do jornalista. Em reacção à libertação de Assange, a secretária-geral da Amnistia Internacional deixou críticas aos Estados Unidos. “O espetáculo global de anos das autoridades norte-americanas empenhadas em violar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão ao dar o exemplo de Assange por expor alegados crimes de guerra cometidos pelos EUA causou, sem dúvida, danos históricos”, afirmou Agnès Callamard, citada num comunicado da organização. Adiantou que a Amnistia Internacional acredita “firmemente que Julian Assange nunca deveria ter sido preso em primeiro lugar”, lembrando que a organização tem “continuamente pedido que as acusações fossem retiradas”.

    Várias figuras públicas e políticos celebraram a libertação de Assange, nomeadamente Lula da Silva, presidente do Brasil, que escreveu na rede X: “O mundo está um pouco melhor e menos injusto hoje. Julian Assange está livre depois de 1.901 dias preso. Sua libertação e retorno para casa, ainda que tardiamente, representam uma vitória democrática e da luta pela liberdade de imprensa”. Mas o presidente brasileiro foi de imediato criticado por permitir que estejam a ser perseguidos jornalistas no seu país.

    Também o candidato à presidência dos Estados Unidos Robert F. Kennedy Jr. classificou Assange como um “herói de uma geração” e lamentou que os Estados Unidos tenham conseguido “criminalizar o jornalismo e alargar a sua jurisdição globalmente a não-cidadãos” norte-americanos. “Julian teve que aceitar isso [um acordo]. Ele tem problemas cardíacos e teria morrido na prisão. Mas o Estado de segurança [os Estados Unidos] impôs um precedente horrível e desferiu um grande golpe na liberdade de imprensa”, escreveu na rede X.

    Assange na sua chegada à Austrália, onde se reuniu com a sua mulher, Stella, agora em liberdade. (Foto: D.R.)

    Em Portugal, Mariana Mortágua e os deputados do PCP no Parlamento Europeu expressaram solidariedade com Assange. Já o primeiro-ministro, Luís Montenegro, no dia em que foi anunciado que Assange foi libertado, difundiu apenas palavras em defesa de media portugueses que foram banidos na Rússia, mas ficou em silêncio sobre a libertação de um jornalista que esteve detido em condições duras no Reino Unido por fazer aquilo que cabe aos jornalistas, que é investigar e divulgar informação. Nenhum outro partido com assent0 parlamentar fez qualquer menção à libertação de Assange. No meio jornalístico, nenhuma palavra veio da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista nem do Sindicato dos Jornalistas.

    Certo é que o desfecho feliz da perseguição a Julian Assange deixa um sabor agridoce na boca dos defensores da liberdade de imprensa e do jornalismo.

    Em entrevista ao PÁGINA UM, em Abril passado, Stella Assange já tinha alertado que o caso do seu marido era apenas um dos sinais alarmantes da crescente tendência de se querer eliminar a liberdade de imprensa e censurar.

    De resto, na Europa tem vindo a ser implementada legislação, como a nova directiva para os media e a directiva sobre serviços digitais, que tem merecido críticas por abrir a porta ao amordaçar de jornalistas e agrilhoar da liberdade de expressão. [Sobre este temas pode ler mais AQUI e AQUI].

    (Foto: D.R.)

    Mais recentemente, uma proposta de lei da Comissão Europeia causou polémica por permitir o fim da privacidade das mensagens digitais de todos os europeus, incluindo as mensagens encriptadas. A proposta, que anuncia como objectivo o combate à partilha de conteúdos relacionados com abuso sexual de menores, deveria ter sido votada no dia 20 de Junho em sede do Conselho Europeu, no Coreper, mas foi colocada em banho-maria devido à celeuma pública que levantou.

    Certo é que, apesar de a libertação de Assange ser uma notícia positiva para a comunidade jornalística e a imprensa, os defensores da liberdade de imprensa têm uma longa batalha pela frente e a hora de enterrar o machado de guerra não será para já. Pelo contrário. Se os defensores do jornalismo e da liberdade de imprensa têm um motivo para dar ‘vivas’, por Assange estar livre, em simultâneo, a altura não é para baixar a guarda. Os alertas dos advogados de Assange e de outros é de que lutar pela liberdade de imprensa passou a ser uma prioridade nestes tempos em que, da Casa Branca à Comissão Europeia, se quer dificultar a vida aos jornalistas ou mesmo tornar a profissão de jornalista ilegal no mundo ocidental, reservando a actuação dos media a divulgação de comunicados e propaganda oficial.


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  • Assange finalmente livre

    Assange finalmente livre

    Julian Assange, jornalista e fundador da WikiLeaks, foi libertado ontem da prisão de alta segurança de Belmarsh onde estava detido há cinco anos no Reino Unido e vai regressar à Austrália. O jornalista esteve privado da sua liberdade durante mais de uma década e enfrentava a extradição para os Estados Unidos que o queriam julgar por ter divulgado informações confidenciais. Na liderança da WikiLeaks, Assange expôs crimes de guerra e violações de direitos humanos perpetrados pelos Estados Unidos. Para sair da prisão, Assange aceitou dar-se como culpado de ter acedido e divulgado informação confidencial. Esta acusação dos Estados Unidos contra Assange, bem como a conivência do Reino Unido em todo o processo de detenção do jornalista, são vistos como uma mancha para estes dois países e também como uma ameaça à liberdade de imprensa, já que constituem um grave precedente que abre a porta a novas perseguições de jornalistas no futuro.


    Julian Assange foi finalmente libertado da prisão de alta de segurança de Belmarsh em que se encontrava detido no Reino Unido e vai regressar a casa, na Austrália, depois de uma batalha judicial de 14 anos com as autoridades britânicas.

    O jornalista e fundador da WikiLeaks enfrentava a ameaça de ser extraditado para os Estados Unidos e, para ser libertado, aceitou dar-se como culpado de conspiração para obter e divulgar documentos confidenciais de defesa nacional dos Estados Unidos. Assange estava a ser acusado e perseguido por ter exposto crimes de guerra e violações dos direitos humanos cometidos pelos Estados Unidos.

    Julian Assange na sua chegada hoje a Banguecoque, Tailândia, numa paragem para reabastecimento.
    (Foto: Captura a partir de vídeo divulgado pela WikiLeaks)

    Assange, de 52 anos, esteve detido mais de cinco anos numa prisão britânica de alta segurança, depois de ter estado escondido na embaixada do Equador em Londres durante sete anos, enquanto enfrentava acusações de violação na Suécia e lutava contra acusações por parte dos Estados Unidos e a ameaça de extradição para este país.

    A libertação foi divulgada ontem pela WikiLeaks que numa mensagem na rede social X escreveu “Julian Assange está livre”, acompanhado de um comunicado da organização.

    A organização divulgou também um vídeo do momento em que Assange embarcou num avião no aeroporto de Stansted e tem vindo a tornar públicos outros vídeos com o jornalista.

    Assange irá comparecer perante um tribunal em Saipã, nas Ilhas Marianas do Norte, um território dos Estados Unidos no Pacífico, esta noite (manhã de quarta-feira no local), onde será decretada a sua sentença e será condenado a 62 meses do tempo já cumprido.

    Stella Assange apelou hoje ao público para que acompanhe a viagem do marido, “no caso de algo correr mal” e adicionou o link do voo de Julian Assange.

    “O voo VJ199 de Julian Assange aterrou em Banguecoque e em breve irá descolar novamente e voar para o espaço aéreo dos EUA, onde comparecerá perante um juiz norte-americano. Por favor, siga #AssangeJet, precisamos de todos os olhos no seu voo, no caso de algo correr mal”, escreveu Stella Assange na rede X.

    A libertação de Assange é uma das notícias do dia a nível mundial e mesmo nos media mainstream há uma alargada cobertura do acontecimento.

    Stella Assange tem sido o rosto da campanha em defesa da libertação do marido, Julian. Em entrevista ao PÁGINA UM, em Abril, Stella Assange falou sobre as condições em que o jornalista estava detido e deixou alertas sobre a perigosa tendência no mundo ocidental de se censurar a imprensa e condicionar a liberdade de expressão. (Foto: D.R.)

    Contudo, apesar da notícia ser positiva e a libertação de Assange estar a ser celebrada, defensores da liberdade de imprensa e dos direitos humanos temem que tenha sido criado um precedente grave que vai servir para perseguir, censurar e silenciar jornalistas.

    “Vamos pedir um indulto, obviamente, mas o facto de haver uma confissão de culpa, ao abrigo da Lei de Espionagem [dos Estados Unidos], em relação à obtenção e divulgação de informações de defesa nacional é obviamente uma preocupação muito séria para os jornalistas”, disse Stella Assange citada pela Reuters.

    No seu comunicado com o anúncio da libertação do seu fundador, a WikiLeaks recordou que a organização “publicou histórias inovadoras de corrupção governamental e violações dos direitos humanos, responsabilizando os poderosos pelas suas ações”. Adiantou que, “como editor-chefe, Julian pagou severamente por esses princípios e pelo direito do povo de saber”.

    O preço que Assange teve de pagar foi alto e incluiu estar, durante cinco anos, confinado a uma cela de seis metros quadrados, isolado 23 horas por dia, e longe da mulher e dos seus filhos.


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  • Autoridade Tributária: assessora externa passa a ganhar mais do que a directora-geral

    Autoridade Tributária: assessora externa passa a ganhar mais do que a directora-geral

    A presidente da Associação dos Profissionais de Protecção e Segurança de Dados (APDPO), Inês Oliveira, foi contratada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) através de um ajuste directo usando uma polémica norma do Código dos Contratos Públicos que dificilmente se aplica a tarefas concretas como as de encarregada de protecção de dados. Mas essa não é o única questão: o contrato assinado este mês, com uma duração previsível de três anos, coloca Inês Oliveira a ganhar mensalmente mais do que a directora-geral do Fisco. E sem ter exclusividade. O contrato, que envolve pagamentos mensais, funcionando como uma avença, é de quase 194 mil euros, a que acresce o IVA, garantindo assim à assessora externa um rendimento anual superior a 64 mil euros, que se transforma em 4.600 euros se considerados 14 meses. A AT não quis explicar ao PÁGINA UM a necessidade de contratação externa de um encarregado de protecção de dados, até porque essa tarefa já esteve entregue a funcionários da ‘máquina fiscal’, incluindo uma subdirectora-geral, sem custos acrescidos.


    Já diz o ditado que não há duas sem três. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) celebrou o terceiro contrato por ajuste directo com uma assessora externa que, desta vez, não apenas conseguiu prolongar o ‘vínculo’ por três anos como passar a ganhar mais do que um director-geral em funções no Estado. Mais: Inês Oliveira, a contemplada, conseguiu renovar uma vez mais a avença iniciada em 2023, mas agora prolongada até Junho de 2027, para trabalhar como “encarregada de Protecção de Dados” para a AT, sem ter de enfrentar qualquer concorrência.

    Mas recuemos para perceber como Inês Oliveira, que preside à Associação dos Profissionais de Protecção e Segurança de Dados (APDPO), recebeu agora este contrato público que a vai colocar a ganhar 64 mil euros por ano durante o próximo triénio. Tudo começou em finais de Novembro de 2022, quando esta consultora foi nomeada ‘encarregado de protecção de dados’ da AT por um despacho assinado pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendes. Até aí, as funções eram exercidas por uma técnica superior da AT.

    Inês Oliveira, encarregada de Protecção de Dados da AT e presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais de Protecção de Dados (APDPO), num vídeo do Centro Nacional de Cibersegurança.

    Nesse despacho, a “designação da mestre Inês Oliveira Andrade de Jesus como encarregada da proteção de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira” era justificada “por reconhecidamente deter as qualidades profissionais e as aptidões necessárias ao desempenho das inerentes funções”. Este despacho revogara a nomeação ocorrida em Abril desse ano de uma técnica superior do quadro de pessoal da AT, ou seja, o Governo decidiu escolher uma opção que custava mais dinheiro público para uma função que exige conhecimentos medianos nesta área, uma vez que se circunscreve à aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados. Em anos anteriores, mais precismanete em 2017, chegou mesmo a ser indicada uma subdirectora-geral para esta função, que acumulava com a supervisão da Justiça Tributária e Aduaneira.

    Na sequência desse despacho, e para formalizar a contratação de Inês Oliveira, foi feito um primeiro contrato público em 17 de Janeiro do ano passado no valor de 25.200 euros, a que acresceu IVA, com a duração de um ano. Nessas circunstâncias, a remuneração mensal foi de 2.100 euros. Mas, em 12 de Junho de 2023, ou seja, antes do fim do primeiro contrato, seria celebrado um novo, e também por de 12 meses, que serviu somente para fazer ‘disparar’ a avença, que avançou para os 61.900 euros. Esta segunda avença garantia assim uma remuneração mensal já de 5.158 euros.

    Agora, com o terceiro contrato por ajuste directo, Inês Oliveira garantiu um rendimenro de 193.853,94 euros, a que acresce o IVA, por um prazo de três anos. Neste novo contrato, celebrado no passado dia 14 de Junho, a avença garante um vencimento mensal bruto de 5.384,83 euros. Caso se considerem 14 meses, a avença será de 4.600 euros. Este valor é superior à remuneração base de 4.009,89 euros paga, em regra, a um director-geral.

    Helena Borges, directora-geral da AT.
    (Foto: Captura a partir de vídeo de uma audição no Parlamento).

    O caderno de encargos deste contrato não está disponível no Portal Base, como deveria, pelo que não se sabe em detalhe as tarefas que a assessora irá cumprir e em que moldes, nomeadamente em matéria de cumprimento de horário de trabalho e qual será o local onde desempenhará as tarefas de “encarregada de protecção de dados”. Sabe-se sim, porque está no contrato, que o pagamento das verbas será “efectuado em prestações mensais”. Assim, até ao final de 2024, Inês Oliveira vai receber 37.693,82 euros, correspondente a um pouço mais de seis meses . Em 2025, irá auferir a soma de 64.617,98 euros, valor que se repete em 2026. Em 2027, ainda terá a receber o valor de 26.924,15 euros. O contrato pode, contudo, ser ou não renovado em cada ano, “até ao limite de duas renovações”.

    A justificação avançada para a não realização de concurso nesta contratação, onde existe concorrência – ou seja, mais pessoas para exercer esta tarefa – é uma norma de execpção do Código dos Contratos Públicos que possibilita o recurso ao ajuste directo quando “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação, nos termos do disposto no artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”.

    Na verdade, esta norma ten sido abusivamente usada em muitos contratos, sobretudo na área jurídica, quando se pretende contratar por ajuste directo uma sociedade de advogados ‘amiga’, porque aí as tarefas futuras a executar podem ser, de facto, desconhecidas ou imptrevisíveis. Mas num caso de tarefas de análise de situações em que está em causa a aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados não existem grandes dúvidas sobre as tarefas a executar. O PÁGINA Um contactou o Tribunal de Contas no sentido de saber se existe jurisprudência sobre esta matéria, mas não obteve ainda qualquer resposta.

    Saliente-se que Inês Oliveira desempenhou durante pelo menos uma década diversas funções como consultora da Direção-Geral da Política de Justiça, sempre em comissões de serviço, tendo sido encarregada de proteção de dados sem pagamentos-extra. Agora, como consultora externa, e sem exclusividade, deu um salto remuneratório bastante assinalável.

    A AT, contactada pelo PÁGINA UM através do Ministério das Finanças, não esclareceu o motivo para o recurso a uma assessora externa paga a ‘peso de ouro’ para desempenhar as mesmas funções que, até 2023, era desempenhadas por uma técnica superior da mesma entidade.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • A importância do combate à desinformação oficial: um exemplo

    A importância do combate à desinformação oficial: um exemplo


    Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia (CE) para ‘os Valores e Transparência’, certamente que não esperava ser desmentida em público tão prontamente. Mas foi isso mesmo que aconteceu esta semana, quando a responsável da CE decidiu publicar um “esclarecimento”.

    Em causa está uma nova regulação polémica que iria ser votada na passada quinta-feira, dia 20 de Junho, em sede do Conselho Europeu, e que foi anunciada como tendo como objectivo o combate à partilha de conteúdos relacionados com abusos sexuais de menores. Mas críticos da regulação, conhecida como ‘Chat Control 2.0’, apontam que se trata de um ‘cavalo de Tróia’ que vai acabar com as mensagens encriptadas e eliminar a privacidade das comunicações digitais de todos os europeus, como noticiou o PÁGINA UM.

    Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para ‘os Valores e a Transparência’. (Foto: D.R.)

    A proposta de lei surge numa altura em que na Comissão Europeia floresce um ideia que ameaça provocar um retrocesso civilizacional ao nível dos direitos humanos e civis. Trata-se de uma ideia que também tem vindo a ser semeada pela própria vice-presidente da CE: a ideia de que a ‘segurança’ é tão importante quanto o direito à privacidade. Ninguém decente questiona a importância de se combater e travar a partilha de conteúdos com abusos de menores, um crime hediondo. A questão é quando se admite que a solução é eliminar o direito à privacidade a todos os cidadãos. [Sobre este tema escreverei um outro texto em breve.]

    A celeuma que a proposta de nova regulação gerou foi tanta que acabou por ser retirada da agenda de trabalhos do Coreper, onde iria ser votada, e não tem ainda data para nova deliberação.

    No seu “esclarecimento”, publicado na rede social X, Věra Jourová tentava desacreditar os muitos críticos da proposta, entre os quais se contam os líderes de empresas de mensagens como Whatsapp e Signal e também políticos e académicos.

    “Deixem-me esclarecer uma coisa sobre o nosso projeto de lei para detectar abuso sexual infantil online #CSAM“. A nossa proposta não é quebrar a encriptação. A nossa proposta preserva a privacidade e quaisquer medidas tomadas devem estar em conformidade com as leis de privacidade da UE”, escreveu Jourová.

    Imediatamente, a vice-presidente da Comissão Europeia foi desmentida através de uma nota de contexto, ou ‘nota de comunidade’, que foi adicionada ao seu comentário. As notas de contexto são uma ferramenta da rede X que permite que haja uma rápida contextualização (ou desmentido) por parte da comunidade de utilizadores. “A proposta de vigiar todas as comunicações digitais de todos os europeus não preserva a privacidade. É condenada por académicos, reguladores de protecção de privacidade e peritos jurídicos internos do Conselho da União Europeia pela sua grosseira violação de privacidade”, diz a nota que é complementada com ligações para diversas fontes.

    Mas a nota de contexto foi actualizada mais tarde e a vice-presidente da CE passou a ser desmentida … por si própria. “A senhora Jourová disse que a proposta de lei quebra a encriptação. Ela disse isso hoje”, lê-se na nota de contexto mais recente, que é fundamentada num vídeo com declarações da própria responsável da CE.

    A publicação que partilhou o vídeo transcreve as declarações de Jourová: “mesmo as mensagens encriptadas podem ser quebradas”. [Pode ver o vídeo original na íntegra AQUI]. A publicação acrescenta ainda: “a vice-presidente de Transparência da UE mina as declarações da UE de que #ChatControl não quebra a encriptação na Cimeira de Proteção de Dados da UE“, um evento que decorreu no dia 20.

    Mas Jourová foi também desmentida pela presidente da Signal Foundation, entre outros, que se mostraram desconcertados com o “esclarecimento” da vice-presidente da CE.

    A presidente da Signal Foundation republicou a publicação de Jourová desmentido a responsável da CE com o comentário: “respeitosamente, a sua proposta quebra a encriptação”. Adicionou que teria “prazer em gastar o tempo que precisar a rever com o máximo de detalhes que se sentir confortável sobre como exatamente isso quebra a encriptação e por que isso é tão perigoso”.

    Aliás, a Signal já tinha alertado que se esta legislação for aprovada, a empresa deixará de operar no espaço europeu.

    Esta situação serve para reflectir sobre o que se passa nos dias de hoje, em que as fontes governamentais ou oficiais de entidades públicas, organizações internacionais e autoridades diversas, raramente são escrutinadas pelos maiores órgãos de comunicação social. O que colocam nos seus comunicados de imprensa ‘é Lei’ para os media. O que dizem nos seus discursos ‘é inquestionável’ para os media. E quem questionar ou é da extrema-direita ou é classificado como pertencendo a um grupo específico ‘nefasto’ qualquer. Quem questionar é alguém que faz “desinformação”, na óptica dos media dos dias de hoje.

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    Os media hoje fazem, em geral, pouco ou nenhum escrutínio de comunicações e anúncios de entidades como a Comissão Europeia ou a Organização Mundial de Saúde, por exemplo, cujos comunicados são recebidos nas redacções como ‘a Verdade’ única e absoluta. (Foto: Freddy Kearney)

    Ou seja, há uns anos, ainda se podia contar com os media, em geral, para contradizer e apanhar políticos e autoridades a mentir. Hoje, com raras excepções, já não é assim. Governos, Comissão Europeia, autoridades diversas, sabem que a maioria dos principais meios de comunicação social não vai contrariar absolutamente nada do que disserem. São raras as ocasiões, nos últimos anos, em que os media mainstream fizeram escrutínio real de comunicados, de políticas e de anúncios de entidades como a Comissão Europeia, a Casa Branca, ou outra, incluindo a ‘suprema’ Organização Mundial da Saúde ou a Direcção-geral de Saúde, que estão colocadas pelos media num pedestal, como se de divindades supremas se tratassem. O mesmo sucede com multinacionais e empresas de certas indústrias, como a farmacêutica. Já viu algum grande jornal a verificar as afirmações da Pfizer, por exemplo?

    Claro que para este lodo tem contribuído a situação financeira deficitária de grandes grupos de comunicação social. [ Veja-se o caso português]. Cada vez, dependem mais das chamadas parcerias comerciais com entidades públicas e privadas. Além da falta de transparência (também por culpa dos reguladores), a situação não augura uma melhoria. Pelo contrário: paira no ar o perigo de grupos de comunicação social ou títulos virem a ser alvo de ‘resgates’ ou de financiamento público no futuro.

    Por outro lado, os meios de comunicação social independentes, com jornalistas experientes mas com menos recursos humanos e financeiros – como o PÁGINA UM – fazem escrutínio, mas centram-se em alguns temas. Não conseguem ‘ir a todos’.

    A acrescentar aos media dóceis e domesticados junta-se uma indústria de supostos ‘verificadores de factos’, os quais têm demonstrado que nem sempre são imparciais e em muitos temas alinham com o comunicado oficial, o press release, o discurso do político ou autoridade, em resumo, alinham com a propaganda. Com algumas excepções, não fazem verdadeiro escrutínio. Alinham com os dogmas do momento, tal como os media.

    Aliás, ‘verificadores de factos’ usariam a frase de Jourová publicada na rede X para poder classificar como falsa qualquer notícia que mencionasse críticas à proposta de lei colocada na mesa pela CE!

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Existem muitas tácticas para conseguir criar uma cortina de fumo sobre a verdade e ajudar os verificadores de factos a perseguir … os factos e a classificá-los como falsos.

    Aconteceu, por exemplo, com toda a campanha elaborada para censurar a tese de que a covid-19 teve origem num laboratório. E-mails que foram tornados públicos, recentemente, são relevadores sobre como um artigo foi publicado numa publicação científica para desacreditar a tese de que a covid-19 poderá ter surgido de um laboratório. Os e-mails sugerem que o ‘guru’ da gestão da pandemia nos Estados Unidos, Anthony Fauci, teve conhecimento e esteve ligado à criação desse artigo. A organização liderada por Fauci tinha interesse no tema: tinha financiado pesquisa controversa no laboratório em Wuhan, na China. Fauci negou o seu envolvimento, apesar do e-mail de um seu assessor que o implica no caso. Mas, certo é que, com o artigo publicado e a activa colaboração dos media e dos chamados ‘fact-checkers‘, o ‘problema’ estava resolvido. A tese de que a pandemia teve origem num laboratório foi censurada nas redes sociais e plataformas na Internet e ridicularizada nos media. O mesmo tem sucedido com muitos outros temas.

    É assim que tem funcionado a rede que protege os ‘dogmas oficiais’ enquanto espezinha os factos e impede o apuramento da verdade. Quando não se consegue manter o ‘dogma’, tem-se recorrido ao plano B: politizar os temas, forjar facções, tribos, e acusar os críticos de serem ‘conservadores’ ou mesmo da ‘extrema-direita’ (chegando a recorrer à difamação e ao insulto).

    Por isso, é tão refrescante ver uma vice-presidente da Comissão Europeia ser desmentida publicamente de forma tão pronta. Não quer dizer que defenda as notas de contexto do X como sendo infalíveis. Estão longe de ser perfeitas. Mas são uma ferramenta plural e em que toda a comunidade pode intervir, apesar de já estar a haver uma batalha para as controlar. É que, como se sabe, mais do que nunca, dominar a mensagem que chega ao público é o verdadeiro poder. Por isso, tem havido tanta censura e tanta pressão para impedir que informação rigorosa e verdadeira chegue ao público em diversas matérias cruciais para políticos e para grandes multinacionais.

    Se ferramentas como as notas de comunidade servirem para trazer maior transparência e contrariar o lodo de propaganda que chega hoje ao público em massa através dos media, é positivo.

    Preferia, naturalmente, que fossem os media e os jornalistas a fazer o seu trabalho de escrutinar comunicados oficiais e discursos e de questionarem as versões de Ursula von der Leyen, de Jourová, de Anthony Fauci, de Tedros Adhanom, director-geral da OMS. Estamos muito longe desse escrutínio ser feito pelos principais media.

    Mas, para já, enquanto as redacções dos maiores órgãos de comunicação social alinharem com os ‘dogmas oficiais’, percorrendo o caminho para a sua autodestruição, a desinformação proveniente de fontes oficiais vai continuar a florescer e a prosperar. E é uma das principais ameaças à democracia e ao modo de vida dos europeus. Precisa ser combatida. Por todos. Se tiver de ser através de notas de contexto em redes sociais, assim seja.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Empresa ‘varre’ 1,8 milhões de euros do Município de Coimbra em ajustes directos

    Empresa ‘varre’ 1,8 milhões de euros do Município de Coimbra em ajustes directos

    A Câmara Municipal de Coimbra pagou quase 1,8 milhões de euros à JMC-Serviços de Limpeza depois de ter entregado, sem concurso, cinco contratos sucessivos a esta empresa, nos últimos 10 meses. O último ajuste directo foi assinado no dia 6 de Junho e garantiu à empresa um encaixe de 823.300 euros para prestar “serviços de limpeza das instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho de Coimbra”. Em resposta a questões do PÁGINA UM, o Município justificou a adjudicação dos contratos à JMC como uma solução de recurso após ter ter efectuado dois concursos urgentes que ficaram “desertos”. Entretanto, um concurso internacional que a autarquia lançou em Dezembro, ficou, na semana passada, em ‘águas de bacalhau’.


    Limpinho e sem espinhas. A JMC-Serviços de Limpeza, uma empresa com um capital social de 5.000 euros, com sede em S. João da Talha, não teve de enfrentar concorrência para facturar 1,89 milhões de euros em 10 meses. A Câmara Municipal de Coimbra adjudicou àquela empresa, em catadupa, cinco contratos por ajuste directo sucessivos para a prestação serviços de limpeza de instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho.

    Segundo a autarquia, a entrega do ‘serviço’ directamente à JMC foi a solução de ‘recurso’ encontrada, depois de ter organizado dois concursos que ficaram “desertos”, sem nenhuma empresa a mostrar interesse.

    Quem ganhou com o ‘deserto’ aparente de concorrentes foi a JMC que, só no mais recente contrato com aquele Município facturou 823.300 euros, num contrato que foi assinado no dia 6 de Junho pelo presidente da autarquia, José Manuel Silva, com um prazo de execução de 147 dias. Trata-se do maior contrato que a empresa já obteve com entidades públicas.

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    Mas o primeiro ajuste directo que a JMC angariou junto do Município de Coimbra foi a 8 de Agosto do ano passado. Naquele contrato, a empresa facturou apenas 6.339 euros para prestar “serviços de limpeza dos edifícios municipais sitos na Rua Ferreira Borges n.º 12 e n.º 22” durante três meses.

    Mas, eis que, a 5 de Novembro de 2023, a empresa ganhou novo contrato sem concurso. Desta vez, facturou 480 mil euros da autarquia para efectuar a limpeza de instalações municipais e escolas públicas do concelho.

    Seguiu-se, a 6 de Fevereiro deste ano, novo ajuste directo de 240 mil euros para a prestação dos mesmos serviços, contrato que voltou a repetir-se a 6 de Abril, num ajuste directo do mesmo valor do anterior.

    Em todos os contratos, a justificação para o ajuste directo é o “artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do Código dos Contratos Públicos“, que autoriza o ajuste directo “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    Em Coimbra, além dos contratos com a Câmara Municipal, a JMC tem no Portal Base seis contratos registados com a Universidade de Coimbra, entre 2019 e 2022, com valores que vão dos 4.152,08 euros aos 55.004,80 euros, dos quais quatro foram por consulta prévia, um por ajuste directo e outro por concurso público. No total, a JMC tem 149 contratos efectuados com entidades públicas desde Março de 2017, numa receita total de 13,4 milhões de euros.

    José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal de Coimbra.
    (Foto: António Honório Monteiro)

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, a autarquia justificou a entrega dos contratos directamente à JMC como solução de ‘recurso’, após ter lançado dois concursos urgentes “que acabaram por ficar desertos”.

    Segundo a autarquia, “em outubro do ano de 2023, a Câmara Municipal encontrava-se a preparar o concurso público internacional para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais e de estabelecimentos de ensino”, mas “com a transferência de competências no domínio da saúde para o Município, tornou-se necessário alargar o objeto da aquisição destes serviços de limpeza de forma a abranger os estabelecimentos de saúde”. Assim, “a preparação do concurso tornou-se mais complexa e morosa, não podendo a tramitação do mesmo estar concluída a tempo do final do contrato de limpeza, na altura em execução, para os edifícios municipais e escolas”.

    Explicou que, “consequentemente, de modo a colmatar as necessidades que, entretanto, se iriam fazer sentir, nomeadamente para obstar a que tanto as instalações municipais, como os estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde ficassem sem serviços de limpeza, foram abertos dois concursos públicos urgentes, os quais acabaram por ficar desertos”. Adiantou que estes dois concursos “os potenciais interessados consideraram que o período então previsto para execução do contrato não justificava o investimento no equipamento de limpeza que o contrato impõe e, por isso, não apresentaram propostas que se continham nos limites dos preços base então definidos”.

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    O Município de Coimbra garante ter lançado dois concursos urgentes em Outubro de 2023, os quais ficaram “desertos”.

    O Município justificou que, “foi feita uma consulta informal ao mercado, tendo-se mostrado interessada a empresa JMC Serviço de Limpeza, Unipessoal Lda., a qual já tinha prestado serviços de limpeza em instalações municipais”, no ajuste directo que a empresa conseguiu em Agosto de 2023. “Consequentemente, foi feita a adjudicação por ajuste direto à JMC, enquanto decorria a preparação/instrução/tramitação do concurso público internacional, entretanto lançado em dezembro/2023”, adiantou.

    Questionada sobre como foram calculados os montantes dos contratos adjudicados à JMC, a autarquia indicou que os valores tiveram “em conta a inclusão de novos locais de limpeza, a atualização da remuneração mínima mensal garantida e eventuais flutuações de preços, incluindo o pagamento de subsídios legalmente exigíveis, bem como do facto dos dois concursos públicos urgentes”, os quais ficaram desertos.

    Resta saber se a JMC vai continuar a somar ajustes directos em catadupa junto da Câmara Municipal de Coimbra. Nas respostas ao PÁGINA UM, a autarquia referiu que “lançou o concurso público internacional para Aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde, a 4 de dezembro de 2023, tendo o anúncio de abertura sido publicado na 2.ª série do Diário da República (n.º 20637/2023) e no Jornal Oficial da União Europeia (n.º 2023/S 233-733466)“.

    Posteriormente, o Município esclareceu que, “por deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 14/06/2024, foi tomada a decisão de não adjudicação do procedimento deste Concurso Público com publicidade internacional para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos”.

    Segundo a autarquia, “por circunstâncias imprevistas (nomeadamente, relacionadas com a transferência de competências na área da saúde para o Município), será necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, tendo tal decisão determinado a revogação da decisão de contratar, conforme previsto no artigo 80.º do mesmo diploma legal”.

    Explicou que “esta decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos, e consequente revogação da decisão de contratar, foi comunicada aos concorrentes em 20/06/2024 na plataforma de compras públicas Vortal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos”.

    Um dos Centros de Saúdes existentes em Coimbra. O Município justifica os sucessivos ajustes directos à JMC com o facto de ter de preparar um concurso que será mais complexo para incluir a limpeza de estabelecimentos de saúde que passaram para a sua competência em Janeiro deste ano. Mas, desde Outubro, que a autarquia sabia desta alteração.

    O Município adiantou que está a “ser preparado o novo concurso público internacional para aquisição de serviços de limpeza das instalações municipais e dos estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho de Coimbra e aquisição de serviços de limpeza para os estabelecimentos de saúde do concelho de Coimbra que transferiram para a tutela do Município de Coimbra, a partir de 01 de janeiro de 2024, cujo lançamento no mercado se prevê que ocorra a curto prazo”.

    Em resumo, deste Outubro de 2023 que a autarquia sabia da transferência de competências no domínio da saúde para o Município, o que tornou-se necessário alargar o objeto da aquisição de serviços de limpeza de forma a abranger os estabelecimentos de saúde. Em Dezembro, lançou o concurso internacional. Seis meses depois, não adjudicou o procedimento invocando que precisa alterar condições do concurso para abranger a limpeza de estabelecimentos de saúde. A autarquia não esclareceu por que motivo não interrompeu este concurso internacional e deixou que o mesmo corresse até Junho.

    Dado que o contrato em vigor com a JMC tem um prazo de cerca de quatro meses, é provável que seja feito um ou mais contratos através de ajuste directo com esta ou outra empresa, invocando motivos de “urgência imperiosa”.


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  • União Europeia debate regulação polémica sobre vigilância automática de mensagens

    União Europeia debate regulação polémica sobre vigilância automática de mensagens

    Com o objectivo de combater a partilha de conteúdos relativos a abuso e exploração sexual de menores, o Conselho Europeu iria decidir esta quinta-feira se dava o aval à nova legislação proposta pela Comissão von der Leyen. Mas a proposta acabou por ser retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. A iniciativa tem, intrinsecamente, objectivos nobres, mas também um ‘senão’ que causa polémica: abre a porta ao fim da privacidade das comunicações online dos europeus – que existe e é protegida constitucionalmente nas comunicações analógicas (como as cartas) – e põe em causa a protecção de dados, incluindo nas aplicações de encriptação. Os críticos da legislação alertam que a nova regulação acabará por ser eventualmente usada para instalar um mecanismo de vigilância em massa similar ao que sucede na China. Também alertam que as alterações criarão uma vulnerabilidade explorável por piratas informáticos ou por países hostis para roubar dados, incluindo segredos de Estado. Empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, como a Signal, já sinalizaram que abandonarão o mercado europeu se a legislação vir a luz do dia.


    O Conselho Europeu tinha agendada para esta quinta-feira, dia 20 de Junho, a análise de uma proposta de nova legislação comunitária que visa combater a partilha de conteúdos relacionados com abuso sexual de menores por meios digitais. Mas a proposta foi retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. Apesar da bondade da nova regulação – conhecida por ‘Chat Control 2.0’–, a proposta está a receber críticas por ser um ‘cavalo de Tróia’ que implicará a vigilância em massa, sem prévia autorização judicial, de todo os europeus e não apenas dos criminosos e pedófilos.

    Além disso, a ser aprovada esta legislação, que sob a forma de directiva terá de ser transposta a legislação de todos os países comunitários, pode ainda aumentar os riscos de roubos de dados e ataques de piratas informáticos ou uso da vulnerabilidade criada por parte de países hostis, afectando mesmo segredos de Estado. Por outro, a possibilidade de aceder a qualquer tipo de mensagens digitais de qualquer pessoa coloca em causa aspectos de privacidade e colide mesmo, pelo menos no caso português, com o Código Penal.

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    Com efeito, o artigo 194º do Código Penal português, sobre os crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, prevê que “quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias”. E, em seguida, salienta que “na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento”.

    A nova regulação comunitária, a ser aprovada, abrange todo o tipo de comunicações, incluindo fotografias e mensagens privadas trocadas através de aplicações. Uma reunião dos ministros do Interior dos países comunitários já teve lugar na quinta-feira da semana passada para debater o tema e a Presidência do Conselho Europeu já anunciou que amanhã haverá amanhã uma proposta actualizada na reunião com representantes dos Governos dos Estados-membro.

    Recorde-se que a proposta inicial da Comissão Europeia foi apresentada em 2022 e já sofreu diversas alterações para amenizar as preocupações em torno da invasão de privacidade, mas, aparentemente, não conseguiu eliminar os receios sobre o fim absoluto da privacidade digital na União Europeia. As principais empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, nomeadamente a norte-americana Signal e suíça Threema, ameaçam deixar de operar no espaço europeu se a nova regulação entrar em vigor.

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    Caso seja aprovadas, as novas regras substituirão o chamado ‘Chat Control 1.0‘, aprovado em 2021 – – que já permitia às plataformas digitais vigiarem comunicações dos seus utilizadores para detectar e combater o abuso sexual de menores no espaço digital. Mas a proposta conhecida aponta para a implementação de pesquisas automáticas a todas as pessoas, independentemente de qualquer suspeita, bem como a rastreio de ‘chats’ privados em busca de conteúdos ilegais. Esta pesquisa generalizadas implicará, na prática, o fim absoluto do segredo de qualquer partilha de mensagens, de fotografias e de conteúdos, incluindo em plataformas com encriptação ponta-a-ponta. É certo que qualquer utilizador de uma plataforma pode recusar este controlo, chamado ‘upload moderation’, das suas conversas privadas, mas nesse caso ficará impedido de enviar ou receber imagens, vídeos e ligações para páginas na Internet (URLs).

    Além de plataformas de mensagens, também outros críticos da proposta fizeram alertas sobre a violação de privacidade e de direitos fundamentais e sobre o facto de que a nova regulação choca com legislação em vigor no espaço europeu. Cerca de cinco dezenas de políticos de países europeus, incluindo da Alemanha, da Áustria e do Luxemburgo, de partidos que vão dos Verdes ao Volt, publicaram uma carta dirigida aos respectivos governos a pedir que recusassem a proposta.

    Em comunicado divulgado anteontem, a presidente da Signal, Meredith Whittaker, foi taxativa sobre esta intenção da Comissão Europeia, destacando que “obrigar que se vigie em massa as comunicações prejudica, fundamentalmente a encriptação”, independentemente do modelo, criticando também os jogos de semântica. “Podemos chamar-lhe um ‘backdoor’, uma porta da frente ou ‘upload moderation’, mas seja o que for que lhe chamemos, cada uma destas abordagens cria uma vulnerabilidade a ser explorada por hackers e países hostis, removendo a protecção e colocando em seu lugar uma vulnerabilidade de alto valor”, argumentou a líder desta plataforma lançada por uma fundação norte-americana em 2018 e que conta com 40 milhões de utilizadores a nível mundial, acrescentando que, ao contrário do que têm defendido muitos políticos, a “criptografia de ponta-a-ponta protege todos e consagra a segurança e privacidade”.

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    Edward Snowden, que denunciou o programa ilegal de vigilância da agência norte-americana NSA, classificou a proposta “uma medida terrível de vigilância em massa”. (Foto: D.R.)

    Por sua vez, Will Cathcart, director do Whatsapp, detido pela Meta, também deixou um aviso sobre o risco de um ‘scan’ das mensagens dos utilizadores acabar com a encriptação. “Pelas mesmas razões de antes, a análise de mensagens de pessoas como a União Europeia está a propor elimina a encriptação. É vigilância e é um caminho perigoso”, afirmou numa publicação na rede X.

    Também Edward Snowden – o conhecido ex-analista da CIA que denunciou a campanha de vigilância ilegal da agência norte-americana NSA – , alertou, numa publicação na rede social X (antigo Twitter), que a proposta da Comissão Europeia representa “uma medida terrível de vigilância em massa”. Num comentário ontem ao comunicado da presidente do Signal, Snowden não poupou palavras: “Os apparatchiks da União Europeia pretendem introduzir sorrateiramente uma terrível medida de vigilância em massa, apesar da oposição pública UNIVERSAL (nenhuma pessoa pensante quer isso), INVENTANDO UMA NOVA PALAVRA para isso – ‘moderation upload‘ – e esperando que ninguém aprenda o que significa até que seja tarde demais. Travem-nos, Europa!”.

    [Notícia actualizada esta quinta-feira com a informação de que a votação da proposta foi adiada, não tenho ainda nova data agendada.]


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • ‘Amar depois de Amar’: Suicídio de jovem em novela custa 15 mil euros à TVI

    ‘Amar depois de Amar’: Suicídio de jovem em novela custa 15 mil euros à TVI

    Demorou cinco anos mas o regulador dos media decidiu castigar a TVI por ter emitido um suicídio de um jovem numa novela em horário nobre, violando a Lei da Televisão, no que se refere à protecção de crianças e adolescentes face a conteúdos impróprios para a sua idade. Ainda assim, a ERC foi branda e a multa aplicada, de 15.000 euros, é próxima do montante mínimo previsto. Para sustentar a condenação, o regulador considera que a TVI foi negligente e violou a Lei. Além disso, tem “antecedentes contraordenacionais”, com coimas aplicadas. O regulador defende, na sua deliberação, que “a atuação da ERC não preconiza uma higienização do espaço público relativamente a matérias como o suicídio ou outra, numa atitude paternalista perante crianças e adolescentes”, mas defende que “cabe aos cuidadores destes decidir sobre os conteúdos a que estes podem assistir, de acordo com os valores de cada indivíduo”. Não foi possível apurar se a TVI recorreu judicialmente da condenação da ERC. Recorde-se que um dos protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ foi o conhecido actor Pedro Lima, que tragicamente morreu de aparente suicídio em 20 de Junho de 2020.


    A multa podia chegar aos 75.000 euros mas o regulador dos media foi brando na aplicação de uma sanção, quando decidiu condenar a TVI, da Media Capital, pela violação da Lei da Televisão, após a estação de Queluz ter emitido conteúdo considerado impróprio para crianças e adolescentes numa telenovela emitida em horário nobre.

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a TVI a pagar uma coima de apenas 15.000 euros (o mínimo possível seria 10.000 euros) por ter emitido um suicídio de um jovem (interpretado pelo actor Lucas Dutra), num dos episódios da telenovela ‘Amar depois de Amar’ em horário nobre, num programa que tinha apenas a classificação de ser apropriado para maiores de 12 anos.

    Além da multa próxima do valor mínimo, o regulador tomou a decisão quase cinco anos após o ocorrido, já que a cena polémica foi para o ‘ar’ no episódio 31 daquela novela, no dia 29 de Julho de 2019. A ERC tomou a actual deliberação na sequência de uma queixa do IAC-Instituto de Apoio à Criança, que deu entrada no regulador a 2 de Agosto de 2019. A queixa surgiu depois de o IAC ter recebido uma denúncia no seu serviço SOS – Criança relativa a conteúdos exibidos na telenovela ‘Amar depois de Amar’, alegadamente “impróprios ao público infantil”, refere a ERC na deliberação adoptada em 15 de Maio mas só agora divulgada.

    Na cena do suicídio, o jovem personagem ‘Tiago’ começa por surgir a preparar-se e a vestir-se antes de suicidar.
    (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    A ERC deu como provado que a TVI violou, “a título negligente”, o artigo 27º da ‘Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido’ (LTSAP) referente aos ‘Limites à liberdade de programação’, mais concretamente o número 4 deste artigo, o qual determina que “a emissão televisiva de quaisquer outros programas susceptíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes deve ser acompanhada da difusão permanente de um identificativo visual apropriado e só pode ter lugar entre as 22 horas e 30 minutos e as 6 horas”. Isto porque a cena potencialmente chocante foi emitida antes das 22H30.

    Em causa, está uma cena em que o personagem ‘Tiago’ se suicida devido a um desgosto amoroso provocado por ‘Aline’ (interpretada pela actriz Teresa Tavares). Segundo a ERC, “pelas 21h54m15s, aos 00h03m:00s da emissão do episódio 31.º visualiza a cena em que o jovem de 16 anos, enquanto ouve música, arranja-se em frente ao espelho. Veste uma t-shirt de desporto que tem o seu nome nas costas e coloca perfume. Depois, com expressão fechada, dirige-se para outra divisão da casa, onde é visível uma corda pendurada no teto de onde pende uma laçada feita com corda e uns collants pretos”.

    A seguir, “aos 00h04m15s da emissão, a cena mostra o jovem a subir para uma cadeira para ficar ao alcance da laçada e coloca-a sobre o rosto para sentir o cheiro dos collants. Retira o telemóvel do bolso e olha por alguns instantes para a fotografia de uma mulher (com cerca de 40 anos, com quem o jovem tivera uma relação amorosa e que motivou o desgosto de amor). O jovem acaricia a fotografia no ecrã e deixa que o telemóvel caia no chão, para colocar a laçada no pescoço.”

    O suicídio do personagem ‘Tiago’ foi emitido no episódio 31 da novela “Amar depois de Amar”, no dia 29 de Julho de 2019. O personagem sobe a uma cadeira e enforca-se devido a um desgosto amoroso. Nesta cena, o jovem é encontrado pelo pai, Ângelo, quando já se encontra morto. O episódio polémico foi retirado do site da TVI mas a cena do suicídio está disponível na página da TVI no Facebok. (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    A cena prosseguem e o “corpo do jovem é então encontrado pelo progenitor, aos 00h05m56s da emissão
    do episódio 31. Às 22h11m, é visível, por breves segundos, a imagem do rosto do jovem, morto, com a laçada ao pescoço […], sendo o jovem abraçado pelo progenitor [‘Ângelo’, interpretado pelo actor Pedro Almendra] que, em pranto e desespero, segura o queixo do jovem”.

    Na sua defesa junto da ERC, a TVI requereu “o arquivamento dos presentes autos por entender que não
    praticou qualquer infração”. Sustentou que “o episódio aqui em causa não desconsidera a elevada sensibilidade da temática do suicídio, não exibe detalhes do momento do suicídio, não é excessivo, não
    apresenta o suicídio como uma solução para os problemas da vida, nem omite o contexto de dor emocional causada a terceiros com tal comportamento”. Adiantou que o “programa em causa não é direcionado, nem total nem parcialmente, a crianças e jovens.

    Os argumentos caíram em ‘saco roto’, já que a ERC condenou a TVI por considerar que “os factos ocorreram porque a Arguida não foi diligente na análise da conformidade do conteúdo do programa com a legislação em vigor, não tendo conduzido o procedimento de verificação e validação com o zelo que podia e que era capaz”. Além disso, “a Arguida possui antecedentes contraordenacionais, tendo já sofrido as seguintes condenações, por decisões transitadas em julgado”.

    O regulador explica que “a atuação da ERC não preconiza uma higienização do espaço público relativamente a matérias como o suicídio ou outra, numa atitude paternalista perante crianças e adolescentes”. Salienta que “o que se defende é que, respeitando a programação os limites balizados pelos direitos, liberdades e garantias individuais e pelo livre desenvolvimento da personalidade dos menores, cabe aos cuidadores destes decidir sobre os conteúdos a que estes podem assistir, de acordo com os valores de cada indivíduo”.

    Um dos principais protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ foi o conhecido actor Pedro Lima (à esquerda), que faleceu tragicamente por aparente suicídio na Praia do Abano, em Cascais, a 20 de junho de 2020. (Foto: D.R./TVI)

    O regulador sustenta que, “analisado o conteúdo da cena respeitante ao episódio 31.º da novela ‘Amar depois de Amar’, à sua transmissão pelas 21h50mn do dia 29 de julho de 2019 e atendendo” a várias normas de protecção de crianças e adolescentes, “verifica-se assim o preenchimento de vários desses critérios, comprovando a violação do artigo 27.º, n.º 4” da LTSAP.

    As normas invocadas pela ERC são: o dever de proteção da formação da personalidade de crianças e adolescentes versus a exibição de uma cena de um comportamento de suicídio, em que se visualiza os meios para a realização do mesmo e sendo perceptível o motivo subjacente à decisão de opção pelo suicídio, apresentado como a única solução sem haver elementos de discussão ou introdução estratégicas para lidar com este comportamento imitável; o género televisivo em causa – telenovela de horário nobre; e ainda ao enredo que abordava vários temas sensíveis em que sua a transmissão carecia de especial cuidado e acompanhamento.

    Excerto da deliberação da ERC adoptada em 15 de Maio mas só agora conhecida.

    Não foi possível apurar até ao momento se a TVI recorreu da decisão da ERC mas consultado o portal online onde consta a distribuição de processos, não se encontrou uma acção da estação de Queluz contra o regulador dos media. Sabe-se é que o episódio 31 daquela novela foi mesmo apagado do site da estação de Queluz. Contudo, a cena do suicídio mantém-se disponível, de forma destaca do episódio 31, na página da estação de TV na rede social Facebook.

    Como recorda a ERC, a referida novela incluía “a aposição da sinalética etária “12 AP”, o que significa que é um programa destinado a indivíduos com mais de 12 anos, recomendando-se o aconselhamento parental (AP) de acordo com a Classificação de Programas de Televisão assumida no âmbito de um Acordo de Autorregulação subscrito pelos operadores SIC, RTP e TVI”.

    Mas esta novela, como outras, contém diversas cenas chocantes para públicos sensíveis, incluindo crianças e jovens. Logo no episódio 32 da mesma novela, ‘Ângelo’, o ‘pai de Tiago’ enfia uma arma de fogo na boca da amante do filho, Aline e, mais adiante, acaba por disparar três tiros para ‘desfazer’ o pé da antiga amante do filho.

    Numa cena violenta emitida no episódio 32 da novela ‘Amar depois de Amar’, o ‘pai’ de ‘Tiago’, ‘Ângelo’, coloca uma arma de fogo e ameaça matar a antiga namorada do filho, ‘Aline’, acabando por lhe desferir 3 tiros para um dos pés. ‘Aline’ acabará por se suicidar mais tarde, num outro episódio da novela. Não foi possível confirmar a que horas foram emitidas estas cenas também susceptíveis de chocar crianças e adolescentes. (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    No episódio 63, ‘Aline’ acaba por se suicidar, numa cena carregada de desespero e choro, com a personagem a recordar ‘Tiago’, com fotos do jovem a serem projectadas numa parede. Não foi possível ao PÁGINA UM confirmar a hora a que estas outras cenas violentas foram emitidas pela TVI. Contudo, é frequente haver cenas carregadas de drama e violência em novelas na TV.

    Recorde-se que um dos principais protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ era o conhecido actor Pedro Lima, que faleceu tragicamente por aparente suicídio na Praia do Abano, em Cascais, a 20 de junho de 2020, num caso que se foi amplamente divulgado nos media.


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  • Europeias: terramoto em França e na Alemanha. PS vence em Portugal

    Europeias: terramoto em França e na Alemanha. PS vence em Portugal

    O presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz são dois dos grandes derrotados das eleições para o Parlamento Europeu, que ficam marcadas pelo avanço de partidos populistas e da extrema-direita. Macron surpreendeu com o anúncio de que vai dissolver o Parlamento e convocar eleições, depois dos nacionalistas da Frente Nacional, de Marine Le Pen, terem alcançado o melhor resultado de sempre nestas eleições, conquistando 31,5% dos votos em França, um aumento de 10 pontos percentuais face às eleições de 2019. O partido centrista de Macron alcançou em redor dos 14% dos votos. Partidos populistas e de extrema direita também alcançaram ganhos na Alemanha, Áustria e Países Baixos. Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo anunciou que vai apresentar a sua demissão amanhã depois do seu partido, Open VLD, ter sido amplamente derrotado nas eleições regionais, nacionais e europeias, que decorreram hoje em simultâneo no país. Em Portugal, o PS venceu as europeias, seguido da coligação AD (PSD/CDS), com o Chega a conquistar 2 mandatos, a ficar aquém do apontado por sondagens.


    Tal como já era esperado, as eleições para o Parlamento Europeu ditaram uma viragem para a direita mais dura, conservadora e nacionalista nomeadamente em França, Alemanha, Áustria e Países Baixos. Portugal não acompanhou essa tendência já que os partidos do arco de governação PS e PSD (através da coligação AD, com o CDS) lideraram nos votos conquistados.

    Em França, o presidente Emmanuel Macron anunciou a dissolução do parlamento e vai convocar eleições legislativas antecipadas, depois de a Frente Nacional de Marine le Penn ter alcançado cerca de 31,5% dos votos nas eleições europeias, mais do dobro dos 14% que terão sido alcançados pelo partido centrista de Macron.

    Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo, um liberal, afirmou que vai pedir a sua demissão amanhã, após os resultados desastrosos nas eleições regionais, nacionais e europeias que decorreram hoje em simultâneo. O partido de direita N-VA foi o principal vencedor das eleições, seguido do Vlaams Belang, de extrema-direita.

    blue and yellow star flag

    Na Alemanha, o partido de extrema-direita Alternative für Deutschland (AfD) conquistou mais votos, crescendo para cima dos 14,2% face aos 11% alcançados em 2019. Os partidos da coligação do Chanceler Olaf Scholz registaram resultados desastrosos, com cerca de 14,6% dos votos. Na liderança, a coligação de partidos de centro-direita liderou na urnas, com um resultado em torno dos 30,9%.

    Em Portugal, já com todas as freguesias apuradas, o PS venceu, elegendo 8 dos 21 deputados portugueses que irão para o Parlamento Europeu. A coligação PSD/CDS elegeu 7 deputados, o Chega terá 2 eurodeputados, tal como a Iniciativa Liberal enquanto o Bloco de Esquerda e a CDU (PCP/PEV) conseguiram eleger um deputado cada. Votaram 37,9% dos 10,5 milhões de eleitores inscritos, acima dos 31,5% em 2019, quando o PS elegeu nove eurodeputados, o PSD seis, o Bloco de Esquerda e a CDU dois cada, e o CDS e o PAN um cada.

    Nas eleições europeias em Portugal, o dia de hoje ficou marcado por polémicas afirmações de Marta Temido, ao fazer apelos directos ao voto em dia de eleições. O caso gerou duas queixas junto na Comissão Nacional de Eleições, a qual anunciou que a cabeça-de-lista do PS pode ter feito propaganda eleitoral, o que não era permitido quando os portugueses estavam a a votar.

    Em termos gerais, o Partido Popular Europeu mantém-se como o maior partido no Parlamento Europeu, com 191 dos 720 eurodeputados eleitos, o que coloca num bom caminho um eventual segundo mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia. Mas a antiga ministra da Defesa da Alemanha terá de convencer mais grupos políticos para obter a maioria de 361 votos necessários para a sua recondução no cargo.


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  • ‘Estas eleições são uma batalha pela democracia na Europa’

    ‘Estas eleições são uma batalha pela democracia na Europa’

    Advogado e ex-deputado do PCP, João Oliveira, de 44 anos, é o cabeça de lista da Coligação Democrática Unitária (CDU), que junta o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista Os Verdes (PEV), nas eleições para o Parlamento Europeu. Em entrevista ao PÁGINA UM, o membro da Comissão Política do Comité Central do PCP criticou o facto de a União Europeia estar a servir, sobretudo, os interesses das multinacionais, incluindo nas suas políticas agrícolas e ambientais. Por outro lado, considera que a alternativa ao crescimento da extrema-direita e do populismo não são o federalismo nem o neoliberalismo, já que “convivem” bem entre si e convergem em diversas matérias. Esta é a 14ª (e última) entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Estas eleições para o Parlamento Europeu representam uma batalha pela defesa da democracia na União Europeia. Este é o aviso deixado por João Oliveira, cabeça-de-lista da Coligação Democrática Unitária (CDU), que reúne o PCP e o Partido Ecologista Os Verdes (PEV). Em entrevista ao PÁGINA UM, o ex-deputado do PCP adiantou que a alternativa face às ascensão da extrema-direita e do populismo na Europa não é o federalismo nem o neoliberalismo, porque convergem em vários temas.

    “O Pacto para as Migrações, que foi aprovado com esse amplo consenso entre todas essas forças políticas, é talvez o melhor exemplo da forma como os socialistas, populares europeus, liberais e extrema-direita convivem todos e se articulam entre si”, disse o candidato da CDU.

    “Nenhum partido da extrema-direita põe em causa os interesses das grandes multinacionais, nenhum partido da extrema-direita põe em causa ou neoliberalismo. Isso corresponde a uma identificação de políticas e, não é por acaso, que a senhora Ursula von der Leyen [presidente da Comissão Europeia], que pertence ao Partido Popular Europeu, à família politica do PSD e do CDS em Portugal, não deixa de ter entendimentos com os liberais, com os socialistas, e inclusivamente com a extrema-direita”, apontou.

    João Oliveira, cabeça-de-lista da CDU (PCP-PEV) nas eleições para o Parlamento Europeu.
    (Foto: D.R.)

    Por isso, João Oliveira acredita que a CDU vai alcançar “bons resultados” nestas eleições europeias. Recorde-se que, nas eleições para o Parlamento Europeu de 2019, a CDU elegeu dois eurodeputados: João Ferreira e Sandra Pereira.

    Para João Oliveira, o crescimento “de forças reaccionárias” na Europa “tornam esta batalha eleitoral numa batalha pela democracia” e “também na dimensão económica, social e cultural”.

    Defendeu que o “verdadeiro desafio” que os europeus enfrentam é o rompimento “destas políticas de favorecimento das grandes empresas, das multinacionais, dos grandes grupos económicos e financeiros os quais a União Europeia serve”. Destacou que a CDU defende “a construção de uma Europa dos trabalhadores e dos povos”, mais “orientada para melhorar as condições de vida dos povos, garantir justiça social, garantir o progresso e desenvolvimento dos países”.

    João Oliveira (ao centro), Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP (à direita), e Mariana Silva, porta-voz do Partidos Ecologista Os Verdes (à esquerda). (Foto: D.R.)

    O candidato da CDU também defendeu que a soberania de Portugal deve ser respeitada, com as decisões a estarem mais colocadas nas mãos dos portugueses, incluindo na política monetária e relações externas com outros países, mas não só. “É incompreensível que o caminho que esteja a ser apontado para a União Europeia na saúde seja o de concentrar ainda mais poder nas instituições europeias, para satisfazer as grandes farmacêuticas e as grandes multinacionais  dos medicamentos e dos grupos económicos que fazem o negócio com a doença”, lamentou.

    Também na defesa do ambiente, frisou que existem vários exemplos “em que nós verificamos os grandes interesses económicos que estão em jogo e que determinam muitas das decisões políticas, desconsiderando as questões ambientais”. Neste tema, a CDU defende que “a resposta aos problemas ambientais esteja articulada com a resposta aos problemas económicos e sociais, e em que o ambiente se defenda, em vez de ser comprado e vendido” e usado como pretexto para criar fortunas e novos negócios.

    Esta é a 14ª (e derradeira) entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


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  • ‘Todos somos racistas. O racismo é um mecanismo humano relativamente à diferença’

    ‘Todos somos racistas. O racismo é um mecanismo humano relativamente à diferença’

    O advogado Rui Fonseca e Castro, de 50 anos, é o cabeça-de-lista do partido Ergue-te nas eleições para o Parlamento Europeu. É também o presidente da Associação Habeas Corpus, a qual fundou em 2021. O antigo juíz ficou conhecido pelo seu activismo durante a pandemia de covid-19 contra as medidas impostas em Portugal, e que o levou à expulsão pelo Conselho Superior da Magistratura. Numa entrevista polémica ao PÁGINA UM, enquadrada na série de conversas com as forças partidárias (reconhecidas pelo Tribunal Constitucional) que concorrem às Europeias, o cabeça-de-lista do partido nacionalista e de extrema-direita acusa a existência de uma transferência de soberania para o exterior lamentando a perda da noção de patriotismo de outros tempos. Esta é a 13ª entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Portugal tem vindo a perder soberania para entidades supranacionais e está a ser atacado e destruído por dentro. Este é o retrato que Rui Fonseca e Castro, cabeça-de-lista do Ergue-te, faz da actual situação do país.

    “Estamos num país ocupado por um regime que é inimigo dos portugueses”, disse o candidato daquele partido nacionalista em entrevista ao PÁGINA UM. E lamentou que “hoje em dia, a noção de patriotismo é [saber] se a Selecção ganha ou perde”.

    Segundo este advogado, que esteve envolvido num mediático processo de expulsão de juiz pelo Conselho Superior da Magistratura, hoje, “o Estado funciona como um extractor de riqueza”, que transfere dinheiro dos contribuintes para as “elites”, sem a população ter noção daquilo que se passa. E exemplifica: “Para a maioria das pessoas as vacinas foram gratuitas”.

    Rui Castro, cabeça-de-lista do partido Ergue-te nas eleições para o Parlamento Europeu.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Rui Fonseca e Castro defendeu também que “precisamos desenvolver o nosso sector produtivo, a nossa indústria”, para que a economia cresça, mas defendeu que, para isso, há que acabar com proibição de uso de energia, referindo-se às medidas que visam acabar com o recurso a fontes de energia fósseis.

    Sobre a imigração, o cabeça-de-lista do Ergue-te disse que é contra a abertura do país a imigrantes não europeus e avisou que não haverá integração dos migrantes que têm entrado em Portugal. “Defendo posições discriminatórias com base na nacionalidade portuguesa, em Portugal”, disse o candidato. “Portugal é a nossa casa e na nossa casa deixamos entrar quem nós queremos”, afirmou.

    Falando sobre o seu futuro na política, Rui Fonseca e Castro disse que esta sua candidatura é um primeiro passo e pretende continuar. “Não estou, neste momento, filiado no Ergue-te e, por minha vontade, sim [prosseguia a sua actividade na política]”, afirmou

    (Foto: PÁGINA UM)

    Caso seja eleito como eurodeputado, Rui Fonseca e Castro garantiu que o Parlamento Europeu ficará mais animado. “Em primeiro lugar, iria imprimir o meu estilo no Parlamento Europeu. Ficaria mais animado não ficaria tão monótono”, afirmou.

    Para o candidato do Ergue-te, existem muitos dogmas no Parlamento Europeu, uma lógica “de pensamento único em que se discute sem contestar dos dogmas”.

    Nesta entrevista, o cabeça-de-lista do Ergue-te também deixou, a sua perspectiva sobre um recente incidente ocorrido junto à sede do Bloco de Esquerda, em Lisboa, durante uma acção de campanha.

    Esta é a 13ª entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


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