Um homem pode ser um herói ou um vilão, dependendo de quem relata a sua história. Neste livro de memórias relatadas na primeira pessoa e recolhidas pela sua enteada (Isabel Lindim), Carlos Antunes sai, sobretudo, com a imagem de alguém que nunca se conformou com as coisas.
Sem dúvida, que Carlos Antunes, que liderou com outra dissidente do PCP, Isabel do Carmo, a criação das Brigadas Revolucionárias (BR), será um vilão para muitos, ou mesmo um terrorista. A organização esteve por detrás de vários atentados e assaltos. Também para a PIDE, a polícia política do Estado Novo, era visto como um delinquente perigoso.
Para muitos da extrema-esquerda, Carlos Antunes, será um herói, bem como todos os que participaram nas acções da BR. As actividades da BR mantiveram-se mesmo após o 25 de Abril e acabaram por ser seguidas e ainda mais radicalizadas pelas FP-25.
Carlos Antunes não queria ir para a tropa. A clandestidade salvou-o do serviço militar. O seu caminho ficou traçado. Acreditava ser um pacifista (“e ainda hoje tenho essa mania“, afirmou, citado na obra).
Para mim, nascida em Abril de 1974, é surreal (e aterrador) ler os relatos de quem fez testes a bombas na serra da Arrábida, em preparação para assaltos e atentados. Mas ler este livro é isso: ver, por dentro, como foi que actuaram alguns destes militantes de extrema-esquerda na luta contra a ditadura e mesmo depois da chegada da democracia. O que sentiam, como viviam, com quem falavam e se relacionavam.
Ler esta obra pode causar indigestão a alguns. Pode deixar outros inspirados. Será útil para investigadores e historiadores. Permite ter um vislumbre, a partir de dentro, de um movimento que se radicalizou na busca de uma sociedade que queria que fosse mais justa e solidária, nomeadamente com os povos das antigas colónias ultramarinas.
Numa altura em que políticas e ideologias de raiz totalitária renascem nos governos no poder de países do Ocidente, nomeadamente na Europa, esta pode ser uma obra para se reflectir. Vivemos, actualmente, numa era em que regressam a censura, a eliminação da liberdade de expressão, a perseguição a “dissidentes”. Hoje, os meios de censura e perseguição são as leis e o silenciamento das opiniões no espaço digital. A cultura de cancelamento e ostracização laboral, económica e social. A propaganda nos media está em níveis máximos. Vivemos in loco a obra distópica ‘1984’, de George Orwell. Por isso, o conhecimento da História é cada vez mais relevante. Para que não se caia nos mesmos erros. Nem no lado dos governantes e ditadores, nem do lado de quem combate as ditaduras. Para que o futuro possa ser moldado, não por ditadores nem por extremistas e radicais, mas por inconformados moderados.
Foram duas das empresas acusadas pela Autoridade da Concorrência no ‘cartel das cantinas’, há 13 anos. Mas só com o município de Sintra, o consórcio constituído pelas sociedades ICA e Nordigal tem enchido o tabuleiro em contratos por concurso público mas misturados com ajustes directos com vista ao fornecimento de refeições escolares. No município liderado por Basílio Horta já se tornou mesmo um hábito vencer-se um concurso público mas, no mesmo mês, conseguir um ajuste directo milionário para o mesmo tipo de serviço. A autarquia garantiu ao PÁGINA UM que nunca os dois contratos ficam activos em simultâneo. Sem fiscalização, fica sem se saber se há facturação dupla e duplo pagamento. Além disso, a inflação das refeições escolares disparou: comparando com o contrato que vigorou até ao ano lectivo de 2023/2024, o preço de cada lanche cobrado pelo consórcio quase duplicou para os próximos três anos, enquanto cada almoço sofreu um aumento de 30%. Globalmente, desde 2015, a Câmara de Sintra já gastou mais de 87,6 milhões de euros na compra de refeições escolares à ICA/Nordigal.
Neste mês de Setembro, começa um novo ano lectivo para a generalidade dos níveis de ensino, e recomeça também um dos mais apetecíveis negócios do país que movimentam milhões: o fornecimento de refeições escolares pagas pelas autarquia. Mas Sintra, o concelho do país com mais jovens em idade escolar, destaca-se por uma particularidade, que não se resume apenas ao (elevado) valor do contrato, mas sim ao estranho facto de, em Setembro, ter o fornecimento de refeições ‘suportado’ por dois contratos: um por concurso público com três anos de duração e outro por ajuste directo com a duração de apenas um mês. Ambos beneficiaram a mesmo consórcio, constituído por duas das principais empresas do sector, a ICA e a Nordigal.
Comecemos pelo concurso público. Num negócio com direito a prato principal e sobremesa, este agrupamento empresarial ganhou, em Agosto passado, o contrato do município de Sintra, com uma duração de três anos por 35.471.520 euros com vista ao fornecimento de refeições nas escolas do primeiro ciclo e pré-escolar. No contrato surge especificamente que a data prevista de início é 1 de Setembro (domingo passado), mas como está dependente de visto para ser válido, a autarquia liderada por Basílio Horta foi a correr fazer um ajuste directo de mais de 921.300 milhões de euros para o mesmo mês. Em teoria, o mês de Setembro pode vir a ter dois contratos em vigor para o mesmo serviço.
Sintra: um poço sem fundo de recursos financeiros para o pouco transparente negócio das refeições escolares. (Foto: D.R.)
A duplicação de contratos que se ‘atropelam’ no tempo não é uma novidade em Sintra. O consórcio ICA/Nordigal já em 2021 tinha beneficiado do mesmo menu por parte da autarquia de Basílio Horta: ganhou concurso e teve direito a um ajuste directo extra, mesmo sabendo-se que o município teve ‘todo o tempo do mundo’ (três anos) para preparar um concurso público com adjudicação a tempo de receber visto do Tribunal de Contas. Ignora-se como se processaram os pagamentos.
No caso dos dois contratos agora adjudicados, o município de Sintra lançou um concurso público para contratação do serviço de fornecimento de refeições escolares nas escolas do primeiro ciclo do ensino básico e pré-escolar da rede pública do concelho. Este contrato de quase 35,5 milhões de euros, sem IVA, adjudicado ao agrupamento constituído pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar e pela Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, foi assinado a 13 de Agosto, sendo válido por 12 meses, mas prorrogável, em condições normais, até 36 meses. Os gastos máximos estipulados são de 4.598.160 euros em 2024, de 11.823.840 euros em 2025, de 11.823.840 euros em 2026 e de 7.225.680 em 2027.
O preço fixado contratualmente é de 75 cêntimos por cada lanche da manhã e da tarde (0,85 euros, com IVA), de 2,97 euros por cada almoço (3,36 euros com IVA a 13%) e de 3,60 euros por cada refeição fora do período regular (4,07 euros com IVA).
(Foto: D.R.)
Ora, 10 dias depois da assinatura deste contrato, o município assinou um novo contrato com o ICA/Nordigal, mas por ajuste directo. O segundo contrato visa a prestação do serviço nos exactos moldes do contrato por concurso público, mas apenas por um período de quatro semanas, a começar a 1 de Setembro e envolvendo a quantia de até 921.300 euros, o que, com IVA, totaliza 1,o4 milhões de euros. Note-se que em grande parte das escolas a actividade lectiva inicia-se apenas entre os dias 12 e 16 de Setembro.
Ao PÁGINA UM, o município de Sintra justificou o ajuste directo com um dos expedientes mais recorrentes: “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, […] e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. No entanto, é difícil compreender como não se possa imputar à entidade adjudicante (autarquia de Sintra) a responsabilidade por inexistência de visto do Tribunal de Contas para um contrato que saiu de um concurso público que teve três anos para ser preparado.
Mas o município garantiu que “em situação alguma os dois contratos estão ativos em simultâneo, pelo que está garantida a impossibilidade de poder haver duplicação de faturação”. Segundo a autarquia, “o contrato relativo ao ajuste direto contém uma cláusula que o faz cessar assim que é obtido o visto do Tribunal de Contas relativo ao contrato resultante do concurso público internacional”. Assim que “o contrato de ajuste direto cessa, procede-se ao pagamento das faturas relativas aos consumos realizados no seu âmbito, seguindo-se o seu encerramento e o descabimento do saldo remanescente”. Adiantou que “o contrato resultante do concurso público internacional só se torna eficaz após o encerramento do contrato do ajuste direto, pelo que nunca poderá haver duplicação de faturação” e que “o contrato resultante do concurso público internacional se torna eficaz o seu cabimento é reduzido, sendo-lhe deduzido o valor gasto com o ajuste direto”.
(Foto: D.R.)
Na verdade, em termos práticos, além de ter garantido que vai fornecer uma boa fatia do mercado de refeições escolares na rede pública de escolas em Sintra por mais 1095 dias, o consórcio ICA/Nordigal ainda contabiliza uma ‘borla’: a possibilidade de ‘engolir’ mais 1,04 milhões de euros de dinheiro dos contribuintes sem enfrentar concorrência.
Para justificar este ajuste directo, o município adiantou ao PÁGINA UM que “o contrato no valor de 35,471 milhões de euros, publicado a 16 de agosto, diz respeito à abertura de concurso público internacional lançado pela segunda vez”, na sequência de um primeiro ter ficado deserto por “ausência de propostas”. E acrescenta que “tal facto levou o município de Sintra a lançar um segundo concurso, cujo contrato foi publicado no dia 16 de Agosto, mas que ainda não se encontra eficaz, uma vez que ainda decorre a apreciação do mesmo por parte do Tribunal de Contas para atribuição do respetivo visto”.
Por esse motivo, o município diz que para garantir o fornecimento de refeições escolares neste mês de Setembro, “e numa situação em tudo similar com a ocorrida em 2021, tornou-se necessário proceder ao ajuste direto, conforme previsto na lei, também remetido ao Tribunal de Contas, e que permite assegurar a resposta em tempo até à emissão do referido visto por parte do Tribunal de Contas ao concurso público”.
(Foto: D.R.)
Em 2021, o município de Sintra adjudicou a este consórcio, em 13 de Outubro, um contrato para “fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do concelho de Sintra, em regime de fornecimento contínuo”, através de concurso público, no valor de 21.526.230 euros, sem IVA. Mas acompanhou o ‘prato principal’ com uma ‘entrada’: um ajuste directo firmado a 6 de Outubro de 2021 com a empresa ICA para o mesmo serviço, no valor de 923.616 euros, sem IVA, para o prazo de 40 dias. Também na altura, a “urgência imperiosa” explicou a entrega de mais de um milhão de euros de mão beijada a uma empresa.
Em ambos os contratos, o valor do lanche era então de quase metade do praticado agora: 40 cêntimos, sem IVA. Já cada almoço registou um aumento de 30%. Em 2021, o consórcio cobrou ao município de Sintra 2,28 euros por almoço, menos 69 cêntimos do preço cobrado praticado agora. A inflação destas refeições subiu muito mais do que o índice de preços ao consumidor (IPC).
Certo é que em dois contratos por concurso, e mais dois ajustes directos, o ICA/Nordigal facturou 58,9 milhões de euros com o município de Sintra, garantindo negócios por 2.190 dias à conta de dinheiros públicos.
Mas não fica por aqui a facturação deste consórcio com a Câmara de Sintra. Ainda em 2021, a ICA garantiu o recebimento de 1.231.520,4 euros, sem IVA, por seis contratos firmados com o município, cinco dos quais por ajuste directo e um por consulta prévia.
(Foto: D.R.)
Já a Nordigal tinha facturado, três anos antes, quase 14,2 milhões de euros por via de um contrato assinado em 9 de Julho de 2018, válido por um período de um ano e prorrogável até três anos. Este contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, visou a “aquisição de serviços para fornecimento de refeições escolares para o ano lectivo 2018/2019”, além do “fornecimento diário de refeições em estabelecimentos escolares do 1º ciclo de ensino básico e pré-escolar da rede pública no Concelho de Sintra, assim como da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.
Tudo somado, desde 2018, no global, a Câmara de Sintra entregou a farta quantia de 74,3 milhões de euros em contratos às duas empresas que agora voltaram a ser contratadas pelo município. Se forem contabilizados contratos anteriores, feitos por ajuste directo ou ao abrigo de acordo-quadro, a soma eleva-se para cima dos 87,6 milhões de euros.
De resto, segundo os dados constantes do Portal Base, o município de Sintra tem entregue contratos de fornecimento de refeições escolares a outras empresas, mas os valores estão aquém dos montantes entregues ao ICA/Nordigal.
Foto: D.R.)
Por exemplo, em Julho deste ano, o município firmou um contrato com a espanhola Mediterranea de Catering, envolvendo 12.879.972 euros, neste caso para “aquisição de serviços de fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do Concelho de Sintra e na Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.
O contrato assinado em 12 de Julho foi depois ‘acrescentado’, no mês seguinte, a 29 de Agosto, de um ajuste directo no valor de 921.580 euros para prestar, durante dois meses, o serviço de… “fornecimento e distribuição de refeições escolares em estabelecimentos escolares do 2.º, 3.º ciclo e secundária da rede pública do Concelho de Sintra e Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.
Por coincidência, o primeiro contrato adjudicado pelo município de Sintra a este consórcio foi por ajuste directo em 15 de Julho de 2015, quatro meses depois do Tribunal da Relação ter decretado a prescrição da acusação da Autoridade da Concorrência contra o ‘cartel das cantinas’, que tinha entre os acusados o agrupamento ICA/Nordigal, o qual foi condenado pelo Tribunal da Concorrência a pagar 600 mil euros por ter trocado informação comercial com concorrentes.
Saliente-se que um dos nomes mencionados na acusação do ‘cartel das cantinas’ surge, ‘preto no branco’, nos dois contratos agora assinados entre o ICA/Nordigal e a Câmara Municipal de Sintra: Nuno Perdigão, em representação do agrupamento empresarial. Na altura do ‘cartel das cantinas, entre a documentação, foi ‘apanhado’ um e-mail recebido por Perdigão, na qualidade de inspector de vendas da ICA, que comprovou a existência de troca de informação comercial entre as empresas do cartel.
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Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No sexto episódio, analisa-se o estranho fenómeno que afectou a cobertura jornalística de um anúncio da supermodelo Elle MacPherson e as notícias sobre a decisão do Brasil de aderir ao grupo de países que proíbe a liberdade de expressão e persegue opositores reais ou potenciais.
Luís Menezes Leitão, 60 anos, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, não tem dúvidas de que o que mais contribuiu para a actual crise no acesso a habitação em Portugal foram as medidas “hostis” impostas pelos governos socialistas de António Costa, que lesaram proprietários e inquilinos. Frisou que muitos proprietários desistiram de arrendar e desmente informações divulgadas nos media de que existe uma grande fatia de arrendamentos sem contrato e não declarados ao Fisco. Militante do PSD, o advogado também se mostrou muito desiludido com a forte viragem à esquerda do partido e pela ausência de políticas diferentes das dos socialistas. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados também alertou que está a haver uma tentativa de interferência do poder político no poder judicial, o que considera preocupante. Também receia que, no futuro, se possa repetir a violação dos direitos fundamentais dos portugueses e o desrespeito pela Constituição que se observou durante a pandemia de covid-19. Sobre o sector da Justiça, apontou que a situação calamitosa em que se encontram os tribunais administrativos e fiscais favorece a impunidade de políticos e constitui uma ameaça à democracia.
Luís Menezes Leitão não tem dúvidas: o principal responsável pela crise no sector da habitação, nomeadamente do mercado de arrendamento, é António Costa. O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) reconhece que a tendência internacional de crescimento do alojamento local ajudou à crise, mas culpa os dois últimos governos socialistas pelo que considera ser um retrocesso das políticas relativas ao sector, com medidas que lesaram tanto proprietários, como inquilinos.
Para o advogado, “grande parte do que se está a passar na elevação dos valores das rendas resultou de o governo anterior ter adoptado uma política de tal forma hostil aos proprietários que levou que grande parte deles desistissem de se manter no mercado de arrendamento”. Apontou que “a cereja no topo do bolo foi quando se decidiu o travão à subida das rendas”.
Segundo Luís Menezes Leitão, “estes últimos 8 anos foram desastrosos”, o anterior primeiro-ministro, António Costa, a conseguir destruir em semanas o que tinha levado décadas a conseguir.
Luís Menezes Leitão. (Foto: D.R./Ordem dos Advogados)
Com cerca de 10.000 associados, a ALP é a mais antiga estrutura representativa de proprietários urbanos a nível nacional. Fundada em Fevereiro de 1888, preside à Confederação Portuguesa de Proprietários e ocupa actualmente a vice-presidência da União Internacional da Propriedade Imobiliária (UIPI). Apesar de centenária, a associação ainda luta, no século XXI, por eliminar medidas já muito antigas, como o congelamento de rendas que, segundo o presidente da ALP, provoca uma distorção no mercado, obrigando proprietários a ter rendas mais elevadas para compensar rendas congeladas. Aliás, a ALP tem promovido uma petição pública Pelo Fim Imediato do Congelamento de Rendas em Portugal, que conta com mais de 2.500 assinaturas.
Apesar de esperar que o actual governo suportado pela AD (PSD/CDS-PP) possa avançar com soluções para os problemas do sector, tem pouco esperança. Um militante do PSD, o advogado lamenta que, “nos últimos anos, o partido tenha virado muito à esquerda”. Afirmou que se nota, “infelizmente, uma política muito próxima do que defende o PS”. E defendeu que “essa viragem do partido à esquerda e tem contribuído para terem surgido outros partidos à direita”, como o Chega.
Para o presidente da ALP, não “parece que seja muito correcto um partido do governo que aspira ser alternativa e que defende exactamente as mesmas políticas que o partido do anterior governo, apenas com algumas nuances”. Frisou que “era esperado que houvesse uma postura mais reformista e uma viragem no que se tinha passado”, mas “o que se tem visto é praticamente uma evolução na continuidade” porque “não vimos nenhuma reforma e nenhuma viragem digna desse nome como muitos esperavam” e ele próprio esperava.
Comentando a actual situação da Justiça, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados considera que podemos estar “perante um ataque concertado ao Ministério Público”, já que existem inúmeros comentários e movimentos de políticos com vista a que haja uma interferência do poder político no poder judicial.
(Foto: D.R./ALP)
“Não podemos cair na questão de tentar um controlo do Ministério Público por parte do poder político. É isso que está em curso. Está em curso com o Manifesto dos 50, que é um manifesto de políticos para defender que os políticos controlem o Ministério Público”, afirmou.
Reconheceu que “é preciso voltar a credibilizar a nossa justiça”. “Mas também estamos a ter simultaneamente uma tentativa de intervenção do poder político na Justiça que me parece bastante preocupante”, avisou.
O ex-bastonário também alertou para a situação calamitosa em que se encontra a Justiça administrativa e fiscal. Mas apontou que os políticos beneficiam com a situação, pois se houver cidadãos que os queiram responsabilizar, só haverá decisões em 10 anos, quando já ninguém se interessar pelo tema. Para o advogado, esta situação põe em causa a responsabilização efectiva do poder político e constitui um problema para a nossa democracia.
Luís Menezes Leitão, que foi um dos críticos das medidas inconstitucionais impostas em Portugal durante a pandemia de covid-19, teme que os direitos fundamentais dos portugueses voltem a ser violados no futuro. “Fiquei bastante chocado com o que se passou, na altura. Surgiram uma série de medidas inconstitucionais que o Parlamento, praticamente, aprovava ‘de cruz’”, disse. Por outro lado, defendeu que “devia ter havido imensas entidades que tinham competência para fazer a fiscalização da constitucionalidade, mas nada fizeram”, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República e a Provedora de Justiça. Acresce que “não se viu uma oposição eficaz dos partidos da oposição”. Ou seja, “o nosso sistema constitucional foi colocado à prova” e mostrou ser “frágil”, o que “é preocupante”.
“Tenho algum receio que a situação se volte a repetir. Infelizmente, nós não temos visto, quer da parte de alguma opinião pública, quer especialmente por parte do poder político, o facto de se tomar consciência do que se podia ter feito e o que se devia fazer”, lamentou. E concluiu: “só num país como Portugal, se pode ouvir um primeiro-ministro dizer que um confinamento é para manter, diga o que disser a Constituição”.
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Começo esta recensão com uma declaração de interesses: conheço o autor e tenho acompanhado, ao largo, a sua caminhada no mundo da escrita e da publicação das suas obras e também as suas partilhas de experiências gastronómicas. Conhecemo-nos de uma ‘outra vida’ minha, quando escrevia a tempo inteiro sobre mercados financeiros e economia. De vez em quando, lá o questionava, fosse para tirar dúvidas ou para lhe pedir comentários sobre acontecimentos da actualidade.
Feita a declaração, também sentia que tinha de fazer esta recensão. Este livro, por acaso, é do Octávio. Mas, a partir do momento que o abri e li, passou também a ser um bocadinho meu.
Depois, reúne dois temas que muito aprecio: ‘comida’ e ‘estórias’. Sim, gosto de receitas. Mas gosto mais da ‘comida’. É que as receitas, dependendo de quem as executa, resultam em experiências sensoriais únicas. Cada pessoa tem a sua assinatura na cozinha (nem sempre para o saboroso). E, no meu caso, até posso (com muito esforço) seguir a receita a preceito. Mas, é certo e sabido, que da segunda vez já será feita ‘a olho’ e, com azar, levando uma pitada extra disto ou daquilo.
Assim, depois de deixar o Octávio (e muitos leitores) aterrorizados com esta minha confissão, passo a partilhar um olhar mais detalhado sobre as ‘receitas’ e as complementares ‘estórias’.
Para começar, as receitas já ganham um aroma específico só pelo facto de serem acompanhadas pelas mais diversas situações e personagens. Acredite: quando experimentar executar uma das receitas do livro na cozinha, se tiver lido a estória que a acompanha, vai lembrar-se dos personagens e imaginá-los ali, ao pé de si (e, até, a fazer comentários).
Por mim, agradeço ao Octávio por ter escrito e publicado este livro (já andava para escrever sobre ele desde que foi publicado). Só pela página 35 já valeu a pena ler o livro. Melhor: pelas páginas 33, 34 e 35. Trata-se de uma receita de torta di ricotta e pistacchio (descrita na página 35). A breve estória em torno desta receita inclui uma noite fria de Inverno, em plena pandemia de covid-19, que em Itália, como em Portugal, infelizmente, envolveu um radical e irracional fecho de actividades, que afectou também o sector da restauração.
Também recomendo que espreite o capítulo 23 sobre “os gnocchi da Simona, Roma, Itália”.
O livro de receitas (e as suas estórias) são de uma riqueza sensorial imensa e remetem para um mundo de prazer, beleza e paz. Um retiro. Gourmet e delicioso. Bellissimo.
Peguei no livro e saí a correr. Só mais tarde, quando me sentei para o ler, me dei conta do equívoco. Pensava que era um livro sobre como construir um barco. Literalmente. Daqueles livros práticos sobre ‘como fazer sozinho’. Não era. Não sei porque me equivoquei. Afinal, bastava olhar para a capa com reduzida atenção para perceber que se trata de uma obra de ficção. A etiqueta que diz que a obra foi nomeada para o The Booker Prize de 2023 era outra pista esclarecedora. Não estou a ver um livro que ensine a construir um barco a ser nomeado para um prémio do género (por muito que adore livros práticos sobre como fazer coisas). Adiante, ultrapassado o meu espanto (parvo) causado pela desatenção, aceito a situação: tinha um romance pela frente para ler.
A capa era auspiciosa. Além da etiqueta de nomeação para o tal prémio, tinha uma recomendação de um vencedor do The Booker Prize, Douglas Stuart. Diz que se trata de “um romance cheio de esperança e de humanidade”. Na contracapa, prossegue: diz que é uma “daqueles raros livros que nos fazem sentir menos sós” e que se trata de “uma história inspiradora sobre uma comunidade e as pequenas coisas que podem mudar uma vida.”
Não consegui ler o livro sentada, sossegada. Mexi-me muitas vezes no meu lugar no sofá. Para alguns, será talvez menos fácil de ler. (Percebi, depois, que a autora publicou também obras de poesia e teatro, o que explica alguns dos caminhos que percorreu para contar esta história.) Alguns parágrafos ganham vida e as palavras escorregam para as linhas seguintes, em sequência, exigindo atenção e abertura mental. Reli algumas partes para ver se tinha compreendido bem (mas admito que possa ser, também, feitio meu e da minha ocasional parca concentração). Acredito que cada um, seja neurodivergente ou neurotípico, ‘ouve’ as palavras que lê de forma única e compreende (ou não) e vivencia de modo próprio cada história, cada linha.
Posto isto, acabei a marcar várias páginas para as mencionar ao leitor desta recensão. Só tinha o marcador que vem com o livro e uma caneta. Acabei por marcar as restantes páginas com as caixinhas compridas de incenso que tinha comprado e que ainda aguardavam na almofada do sofá para ir para o armário. O resultado foi um livro gordo (mas sem páginas dobradas) e com as páginas devidamente seleccionadas.
A obra tem como personagem central um rapaz, Jamie O’Neill, com 13 anos, que tem dois desejos ou sonhos. Mas seria muito redutor dizer que é disto que o livro trata. Entre histórias de personagens paralelas e o percurso do rapaz, há muitas enseadas, ondas, mergulhos, marés baixas e altas e redemoinhos. O leitor é confrontado consigo próprio e com a sua vida (eu, pelo menos, fui). Simples frases levam-nos em viagens por novos mares, que não os do enredo do livro. Como no parágrafo que fala que a construção de um barco não é um processo aleatório, “tem muitas fases, vamos eliminar todas as irregularidades” e, “se alguma coisa estiver mal feita, a camada seguinte vai revelá-lo”. Como a vida? Ou o parágrafo que diz que “tudo o que é bom começa com um bom impulso”. Ou aquele que garante que “para criar é preciso sentir-se e estar desconfortável, e por vezes sentir-te-ás desacompanhado”. (Fico por aqui e, afinal, não precisava usar todas as caixinhas de incenso como marcador.)
Concluindo, tirando-se os inúmeros “foda-se” e “merda”, que detesto (distraem-me na leitura como uma mosca a ziguezaguear junto aos olhos), é um livro a ler. Com calma e paciência, devagar. O ‘slow reading‘, que é avesso ao consumo de papa-livros de Verão para mostrar, depois, nas redes sociais, a foto da pilha de obras lidas). Mas também esses leitores o lerão bem. Com asneiras e tudo (ou, sobretudo, porque as asneiras talvez ainda estejam na moda, não só na capa de livros, como no seu interior).
Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No quinto episódio, analisa-se a cobertura que a imprensa portuguesa faz da corrida à Casa Branca. Em análise, também as notícias sobre o calor e o fenómeno do novo “Marcelo” a banhos no Verão em que se transformou a eurodeputada Marta Temido.
João Duque, presidente do ISEG-Instituto Superior de Economia e Gestão, fala com paixão da ‘sua’ escola, que tem raízes históricas, e do ensino. Nesta entrevista, que decorreu na sede do PÁGINA UM, o professor catedrático de Finanças, de 63 anos, falou sobre os projectos do ISEG e de como a escola é cada vez mais internacional, mas portuguesa, com uma cultura que promove a diversidade de ideias e o debate. Sobre a economia portuguesa, sublinhou os perigos de um modelo económico assente no turismo e no trabalho não qualificado e mal remunerado. Na política, deu um ‘Bom -‘ aos seis meses de governação de Luís Montenegro, até porque, com António Costa, sentia que o país “estava a morrer em lume brando”. João Duque alertou que a demografia é o maior risco e desafio que Portugal enfrenta e que o país deve criar incentivos para atrair imigrantes qualificados e também jovens. Um europeísta convicto, defendeu que, na União Europeia, Portugal deve ter uma voz activa e não ser subserviente e apontou que o perigo são os burocratas com poder, mas não eleitos.
O turismo é como oxigénio para a Economia portuguesa, mas está a dar sinais de fadiga. Por isso, João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), recomenda que o Governo crie um novo modelo, com uma economia “assente no conhecimento e no investimento”.
Nesta entrevista, que decorreu na sede do PÁGINA UM, em Lisboa, o professor catedrático de Finanças defendeu ainda a criação de incentivos para o país conseguir atrair imigrantes qualificados e também jovens, já que a demografia, com o progressivo envelhecimento da população, é o principal desafio que Portugal enfrenta. E aguarda para ver se o primeiro-ministro, Luís Montenegro, vai concretizar a ideia pré-eleitoral de o país vir a pagar a jovens para virem para Portugal estudar, o que poderia ter impacto no modelo de financiamento das universidades, fazendo uma “diferença colossal”, pela positiva.
Na política, deu nota positiva aos seis meses de governação da AD, mas deixou avisos. “Temos crescido muito com o turismo e estamos a chegar àquele nível de mudar da simpatia para a antipatia e é perigoso. Se forem embora os turistas, é o colapso da Economia portuguesa”, disse João Duque. Defendeu que “o plano é manter o turismo e estimular e fazer crescer outros sectores” de valor acrescentado.
João Duque, presidente do ISEG desde 2022. O professor catedrático de Finanças já tinha presidido ao ISEG entre 2009 e 2014. (Foto: D.R./ISEG)
Crítico do Governo de António Costa, João Duque defendeu o diálogo entre o PS e a AD, como a melhor opção para o futuro do país. “Com António Costa, sentia-me como um caracol, a morrer em lume brando”, afirmou. Na actual conjuntura, considera que o Governo “ainda anda a aprender a dançar com o PS e Pedro Nuno Santos”. “Isto é um tango e ainda não se encontraram”, disse.
Também lamentou que os políticos mudem assim que “chegam ao Terreiro do Paço” e que deviam ter como missão servir o país e não os partidos. “É a questão do poder”, afirmou.
Como europeísta convicto, não deixa de apontar alguns perigos que existem na União Europeia, com destaque para os burocratas com poder e não eleitos, os quais precisam ser escrutinados e contrariados pelos políticos que receberam os votos dos europeus. Também avisou que pode haver, no futuro, uma ruptura cultural, se a entrada de imigrantes de culturas diversas se descontrolar.
Mas os seus olhos brilham é quando fala da família e também do ‘seu’ ISEG, que classifica de escola internacional, mas portuguesa. “É preciso saber que, quando se entra no ISEG, há uma sardinha em cima de uma fatia de pão para comer; não são hambúrgueres”, afirmou. A escola tem, actualmente, cerca de 5400 alunos de 40 nacionalidades diferentes.
João Duque, fotografado no PÁGINA UM.
Lembrou que metade do financiamento do ISEG vem dos cofres públicos e que a escola vai continuar a ensinar em português. Fundado oficialmente em 1911, recordou que o ISEG tem raízes históricas, que remontam ao Instituto do Comércio criado por Marquês de Pombal, em meados do século XVIII.
A escola, que já é reconhecida internacionalmente, acaba obter a acreditação das grandes associações de internacionalização, o chamado ‘triple crown‘, e também aderiu, recentemente, à rede internacional de ‘business schools’ Hermes.
Nesta entrevista, João Duque fala de alguns dos projectos do ISEG, como o projecto de apoio, com bolsas, a novos alunos. Em 2023, foram 80 os alunos que beneficiaram desse apoio. E, numa época em que a ‘moda’ é a cultura de cancelamento e a defesa do ‘pensamento único’ em muitas áreas, João Duque salientou que no ISEG se promove a diversidade de pensamento e o debate de ideias, afastando dogmatismos.
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Rebeca Mateus, membro da direcção da organização ambientalista Associação Dunas Livres, não tem dúvidas de que as autoridades, autarcas e a Justiça têm falhado no seu dever de proteger o ambiente e o bem-estar das populações, face ao avanço agressivo de projectos turísticos e imobiliários de luxo na costa que vai de Melides a Tróia. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a bióloga faz um balanço da actividade da Associação, que entretanto se juntou a outras 10 organizações de defesa do ambiente na Plataforma Dunas Livres. Além de elencar as principais ameaças ambientais na região, alertou que está a ser feito um ‘greenwashing’ em muitos dos projectos turísticos e imobiliários em andamento naquela zona costeira. Apesar das adversidades, Rebeca Mateus garantiu que a sua Associação, que nasceu de um movimento de cidadãos formado em 2020, não vai baixar os braços na defesa dos habitats e das populações daquela zona costeira. Mas mostra-se algo desiludida com o parco interesse dos cidadãos na protecção do ambiente e diz que existe mesmo um preconceito em relação aos ambientalistas.
Perante a ameaça de subida do nível do mar e a anunciada emergência das alterações climáticas, o que fazem os ricos e os muito ricos quando constroem e investem em propriedades numa zona costeira, como é o caso da Península de Tróia? E se Portugal enfrenta os perigos de seca e desertificação, porque motivo é autorizada a construção de campos de golfe e plantações de culturas intensivas de abacate, que consomem imensos volumes de água?
Pondo o ‘dedo na ferida’, Rebeca Mateus, membro da direcção Associação Dunas Livres, uma organização ambientalista, apontou que os ricos não querem campos de golfe em zonas ambientalmente degradadas, “querem jogar golfe e ter vista para o mar” e “ir para a praia de carro”. Por isso, estão a ‘tomar de assalto’, com a conivência das autoridades competentes e de autarcas, o ‘paraíso’ que é a costa que vai de Tróia a Sines. “O dinheiro compra e corrompe quase toda a gente e as autoridades responsáveis por dizer ‘não’”, disse Rebeca Mateus em entrevista ao PÁGINA UM.
Rebeca Mateus na sede do PÁGINA UM. A investigadora foi uma das três fundadoras do movimento de cidadãos que depois deu origem à Associação Dunas Livres, formalmente criada em 2022.
A bióloga e investigadora, de 30 anos, também não duvida de que há muito greenwashing em muitos dos projectos e empreendimentos turísticos que nascem como cogumelos naquela costa e que, para a sua Associação, põem em risco a biodiversidade e o futuro de muitas espécies e habitats da região. Mas não só. Também estão a ter um impacto social e cultural e afastam cada vez mais a população local, que está a ser praticamente ‘expulsa’ do paraíso que é aquela zona com 40 quilómetros de dunas a beijar o mar.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a ambientalista faz um balanço da actividade da sua Associação, que nasceu formalmente em 2022, mas que teve na sua origem o movimento de cidadãos fundado por Rebeca Mateus, Maria Santos e Catarina Rosa em 2020, em plena pandemia. Entretanto, fruto de uma coligação com outras 10 organizações de defesa do ambiente, nasceu a Plataforma Dunas Livres, que agrega organizações não governamentais como a Quercus, a Zero e a Liga para a Protecção da Natureza (LPN).
Projectos na região (Mapa da Associação Dunas Livres)Dunas na Península de Tróia (Mapa da Associação Dunas Livres)
Além de sensibilizar para a necessidade de proteger aquela zona costeira da agressiva construção de empreendimentos de luxo e casas para os ricos e os muito ricos, através das redes sociais e dos media, a Associação Dunas Livres tem promovido acções de protesto e mobilizado a população a actuar em consultas públicas e petições. Mas também avançou para a Justiça para pedir acesso a informação a avançar com um procedimento cautelar. (Aliás, a Dunas Livres tem tido como advogado Rui Amores, que é também advogado do PÁGINA UM nas muitas acções que o jornal tem tido na Justiça, graças ao Fundo Jurídico do jornal).
A esperança parece desvanecer-se para a Associação, que vai vendo as gruas e os avanços dos muitos projectos na zona, alguns classificados como Projecto de Interesse Nacional (PIN), a nascer em cimas das dunas ou ao lado de outros habitats ricos e únicos. (Recorde-se que o Ministério Público suspeitou que o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, favoreceu o Grupo Espírito Santo na classificação da Herdade da Comporta e da Herdade do Pinheirinho como PIN). Mas, ouvindo Rebeca Mateus, percebe-se que a Dunas Livres está muito longe de desistir de combater os avanços dos empreendimentos de luxo.
A costa que abrange Melides e se prolonga até Tróia é vista como um paraíso que está sob a ameaça da pressão do negócio do imobiliário e do turismo para os ricos e muito ricos. (Foto: D.R./ Vítor Oliveira).
Rebeca Mateus mostra-se desiludida e sobretudo lamenta que as autoridades e entidades responsáveis por protegerem o ambiente, a água (que escasseia) e os acessos livres às praias da região estejam a ser cúmplices da construção de cada vez mais projectos imobiliários e outros, que têm riscos ambientais.
Mas também deixou uma nota sobre a falta de envolvimento de grande parte da população da luta pela causa ambiental. Atribui este afastamento, às dificuldades financeiras em que vive boa parte dos portugueses, mas também defende que “há um certo preconceito pelo activismo ambiental”. Também aponta que “há uma falta de noção de que este planeta é a nossa casa”. E de que é preciso mantê-la e cuidar dela.
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Este é um livro fácil de ler. Se pensou que este comentário é superficial e fútil, aviso já que vai gostar menos do próximo. Este livro leva-se bem para qualquer lado. Pode parecer algo de somenos, mas o peso conta quando só queremos levar a toalha no ombro para a praia e pouco mais.
Dito isto, desaconselho a leitura deste livro a homens. (A autora e a editora que me desculpem). Está cheio de detalhes sórdidos e crus de coisas que só acontecem mesmo a mulheres. Iriam ficar com as imagens na mente. Não seria bonito. Como quando comemos aquela folha de alface que estava murcha no fundo do pacote de salada ‘já lavada’. Só que, neste caso, algumas imagens gráficas ficariam gravadas na mente. Talvez para sempre. Não seria algo que passaria comendo outra coisa, logo a seguir, como no caso da alface podre. Ainda por cima, é narrado por uma mulher que é ‘overthinker’. Penso que apenas uma minoria de homens conseguiria ler, compreender e até apreciar (mesmo ficando traumatizado para a vida).
Depois, também não será aconselhável a mulheres românticas e sensíveis. Nem a crentes ou religiosas. Não entra nas listas de livros aconselhados a cristãos. Em algumas das famílias que encontramos no livro, Jesus só há ao Domingo, e, e…
As ansiosas em relação a relacionamentos, a partos ou com traumas com a mãe, vão rever-se em muitas partes.
Ademais, está cheio de detalhes, daqueles que conseguimos mesmo ver a acontecer, como se estivesse ali, à nossa frente.
E tem muitas histórias e peripécias. São histórias deliciosas (outras repugnantes, algumas chocantes, muitas vulgares) dentro da ‘história’ principal do livro. Como as histórias da Tia do Gás e as da Tia Perseguida. Não vou contar para não estragar. (Mas, se tiver oportunidade, espreite a história sobre a Tia do Gás, a partir do segundo parágrafo da página 62.)
Sendo leve no peso e fácil de ler, não quer dizer que seja fácil no mastigar e no digerir. Não é. Tem capítulos que fazem doer. Tem outros que fazem rir. Conseguimos sentir o que o personagem sentiu. Em outros, ficamos apenas boquiabertos, parados, congelados, como quando vemos algumas cenas de um filme do Tarantino, pela primeira vez.
Sem dúvida, é um livro a ler. Não porque se leva bem com a toalha para a praia, mas por aqueles parágrafos que nos tocam. Como um verso triste e belo que se agarra a nós e já não nos larga. Nem se comermos algo logo a seguir.