Autor: Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira

  • Florbela Espanca a dobrar: Isaltino pagou 100 mil euros por cópia de escultura

    Florbela Espanca a dobrar: Isaltino pagou 100 mil euros por cópia de escultura

    “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”- assim escreveu Fernando Pessoa. Cerca de nove décadas depois, Inácio Esperança, presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa, diz que viu “a estátua de Florbela Espanca no Parque dos Poetas”, em Oeiras, e decidiu falar com Isaltino Morais para “ter uma igual” na vila alentejana onde a poetisa nasceu em 1894.

    E deste sonho, “nasceu uma permuta” e um acordo que, segundo declarações à imprensa de Inácio Esperança, “passou pela cedência de blocos de mármore alentejano à Câmara de Oeiras”, e a entrega na vila alentejana de uma réplica da estátua do Parque dos Poetas.

    Inácio Esperança ‘sonhou’ e o escultor Francisco Simões ganhou mais 100 mil euros pagos pela autarquia de Oeiras, i.e., pelos contribuintes..

    Mas a história não termina aqui. Apesar da inauguração dessa réplica ter ocorrido no final de Março deste ano, na passada quinta-feira, 17 de Julho, a autarquia de Oeiras celebrou um contrato de 100 mil euros para pagar ao escultor Francisco Simões, autor da escultura original inaugurada em 2003.

    Apesar de a escultura estar ainda abrangida por direitos de autor, por norma o escultor deveria receber entre 5% e 10% do preço de venda, ou seja, do contrato inicial com a autarquia de Oeiras. Em casos de artistas consagrados, ou quando o escultor tem forte controlo sobre a produção, esse valor pode ir até aos 15% ou 20%.

    Original da estátua de Florbela Espanca, no Parque dos Poetas, em Oeiras. / Foto: Vítor Oliveira/ D.R.

    Ora, os 100 mil euros pagos, ainda mais tendo a autarquia de Vila Viçosa cedido os materiais (ou seja, o mármore) será bastante exagerado.

    No contrato assinado na semana passado não é referido sequer o destino da réplica nem que a obra já estava executada há mais de três meses e meio, o que aliás inviabilizaria a adjudicação. No ajuste directo celebrado entre o vice-presidente de Oeiras, Francisco Rocha Gonçalves, e Francisco Simões apenas é referido ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”..

    Assim, ficando protegidos os direitos do autor da estátua original, ficam dúvidas se foram protegidos os direitos dos contribuintes à boa gestão dos dinheiros públicos.

    O escultor Francisco Simões tem tido na Câmara de Oeiras um ‘patrono’ de luxo. Pelo menos desde 2009, o escultor ganhou cinco contratos por ajuste directo com aquele município, mas isso nem sequer incluiu ainda as 20 esculturas que fez para o Parque dos Poetas. Certo é que só com a autarquia de Oeiras, facturou 1,3 milhões de euros nos últimos 16 anos.

    Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras. / Foto: D.R.

    Aliás, foi precisamente com Oeiras que o escultor ganhou o seu maior ajuste directo público. Foi em 2012, no montante de 850 mil euros relativo à “Aquisição de um conjunto escultórico em homenagem ao poeta Luis Vaz de Camões e a sua obra Os Lusíadas”.

    No global, em 16 anos – período em que estão disponíveis contratos com o escultor no Portugal Base – Francisco Simões ganhou mais 450 mil euros em ajustes directos com outros seis municípios: Vila Franca de Xira (três contratos), Covilhã (dois), Lisboa, Grândola, Fundão e Boticas. Ou seja, Oeiras representou 75% da facturação do escultor com contratos públicos.

  • Falhas de segurança  informática nas autarquias duplicaram em quatro anos

    Falhas de segurança informática nas autarquias duplicaram em quatro anos

    Num mundo cada vez mais digital, os cibercriminosos têm também cada vez mais alvos disponíveis para os seus ataques informáticos. E no grande oceano digital, os organismos públicos não estão imunes a caírem nas ‘redes’ de piratas informáticos em busca de roubar dados para revenda, a exigir dinheiro para não apagar informações vitais ou para ‘devolver’ um servidor tornado ‘refém’.

    No caso das autarquias, em cinco anos, duplicou o número de munícipios que detectou problemas de cibersegurança. Em concreto, no ano passado, uma em cada quatro das 308 câmaras municipais do país identificou a existência de falhas de segurança ou mesmo ataques cibernéticos, segundo dados disponibilizados hoje pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), usando dados de um inquérito da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

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    Foto: D.R.

    Em 2020, de acordo com os dados oficiais, apenas 39 municípios tinham identificado identificaram falhas na segurança informática. No ano passado, foram já 77 as autarquias a encontrar problemas. Este é o valor mais elevado desde que existem registos, iniciados em 2005.

    Aliás, nos últimos três anos este número tem vindo a escalar de forma evidente em termos absolutos e relativos. Em 2020 foram detectados problemas de segurança informática em 39 municípios, diminuindo no ano seguinte para 35, mas depois contabilizam-se crescimentos assinaláveis: 48 em 2022 e 60 em 2023.

    Dependendo da vulnerabilidade, se uma autarquia for alvo de ataque informático podem ficar expostos dados sensíveis dos munícipes, funcionários da autarquia e até dos fornecedores. No limite, o município pode ficar incapaz de fornecer serviços aos cidadãos.

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    Foto: D.R.

    Apesar de todos os 308 municípios do país terem software anti-vírus instalado, três ainda não dispõem de firewal. Por razões de segurança, o INE não divulga quais os municípios alvo de ataques ou mais susceptíveis a ciberataques por deficiências do sistema de defesa. Do total, há ainda 15 autarquias que não estão equipadas com servidores seguros e 51 não dispõem sequer de um sistema de backup externo, para poder ter uma cópia dos seus dados em lugar seguro. Em termos de filtros anti-spam, há oito autarquias que não têm qualquer sofware instalado.

    Ainda assim, estes dados de 2024 mostram uma melhoria face ao ano anterior. Mais uma autarquia passou a ter um firewall instalado e mais três instalaram servidores seguros. De 2023 para 2024, foram onze os municípios que passaram a guardar uma cópia dos seus dados num local externo e três instalaram filtros anti-spam.

    Contudo, apesar destas melhorias, e apesar dos riscos crescentes em matéria de crime informático, menos de metade das câmaras municipais do país tem implementada uma estratégia para garantir a segurança dos seus dados e sistemas.

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    Foto: D.R.

    Segundo os dados do INE, apesar de serem 241 autarquias as autarquias com uma estratégia definida nesse âmbito, apenas 142 estão em conformidade, apresentando efectivamente um plano em funcionamento. Do total, 78 municípios até têm uma estratégia, mas o processo para sua implementação está ainda sob revisão. Em 21 municípios nem sequer existe um plano de cibersegurança definido.

    A situação mais grave é nos Açores, onde apenas um quarto dos municípios está em conformidade em matéria de ter uma estratégia de cibersegurança implementada. Das 19 câmaras municipais existentes naquela Região Autónoma, apenas cinco tem um plano em vigor.

    Na região Autónoma da Madeira, quase dois terços dos municípios não tem em vigor nenhum plano de segurança informática.

    Foto: Captura de ecrã de comunicado emitido no site do Município de Murça a 13 de Março de 2025.

    No Continente, a situação melhora mas ainda é assim é alarmante: mais de metade das autarquias não está em conformidade em termos de ter em vigor uma estratégia. Assim, dos 278 municípios do território continental, apenas 133 tem uma estratégia a vigorar na prática. Um sinal de que a vulnerabilidade das autarquias face a ataques informáticos é real.

    Por exemplo, em Novembro do ano passado foram públicos os casos de ataques informáticos maliciosos às câmaras municipais de Chaves, Nelas e Alcobaça. Este ano, a 13 de Março, a Câmara de Murça sofreu também um ciberataque.

    Assim, a tendência crescente de municípios afectados por problemas de segurança informática que se verificou nos últimos três anos deverá continuar. Até porque, os 77 municípios que detectaram problemas de cibersegurança no ano passado, são apenas a ‘ponta’ visível de um icebergue de falhas que pode estar por debaixo deste oceano digital que tem piratas cada vez mais sofisticados.

  • Em quatro anos, Marcelo derrete 1,75 milhões a alugar  carros

    Em quatro anos, Marcelo derrete 1,75 milhões a alugar carros

    Em menos de quatro anos, Marcelo Rebelo de Sousa autorizou a despesa de 1,75 milhões de euros em viaturas para o parque automóvel da Presidência da República — mas nenhum desses veículos pertence ou pertencerá ao Estado.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM, desde Setembro de 2021, todos os contratos para viaturas da Presidência têm sido feitos em regime de aluguer operacional de (suposta) longa duração, porque duram geralmente apenas três anos, o que significa que os veículos são devolvidos às empresas no final do prazo, sem qualquer entrada no património público. São carros que custam como se fossem do Estado, mas que acabam por ser apenas emprestados — a preço de ouro.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. / Foto: P.R.

    Apesar de estar a pouco mais de seis meses de abandonar o Palácio de Belém, Marcelo mandou renovar mais uma vez a frota oficial. Na passada quinta-feira foram assinados mais dois novos contratos, envolvendo uma despesa adicional de 279.516 euros. Ou seja, mesmo prestes a sair, continua a deixar contratos fechados e facturas abertas — a serem pagas já pelo futuro Presidente da República.

    Os novos contratos foram celebrados para três “lotes” de veículos. Num dos contratos, no valor de 170.920,80 euros, a empresa PPL Car foi contratada para fornecer quatro viaturas Peugeot 508 Allure Plug-in Hybrid, cada uma com 225 cv de potência. Cada viatura custará 42.730 euros pelo período de três anos — sem ficar na posse do Estado. No mercado, o preço-base deste modelo ronda os 50 mil euros, mas sem ter de ser devolvido ao ‘vendedor’ ao fim de três anos.

    No segundo contrato, no valor de 108.595,80 euros, a adjudicatária foi a habitual Lease Plan, empresa que tem vindo a ganhar praticamente todos os contratos com a Presidência desde 2021. Neste procedimento foram alugadas duas viaturas: um Mercedes Classe V 300 d Longo Avantgarde, por 71.744,23 euros, e um Peugeot 5008 Allure Plug-in Hybrid de 195 cv, por 36.851,59 euros. Só o Mercedes representa um custo diário de 65 euros, incluindo fins-de-semana e feriados — e no fim dos três anos, regressará à empresa como seminovo pronto a revender. Se a opção fosse comprar, a Presidência pagaria cerca de 90 mil euros, e o veículo poderia durar mais de três anos e ficar no Estado. No caso do Peugeot, o preço-base deste modelo está um pouco acima dos 47 mil euros.

    O aluguer de quatro viaturas Peugeot 508 Allure Plug-in Hybrid de 225 cv de cilindrada por um período de três anos vai custar aos contribuintes o valor de 170.920,8 euros. / Foto: D.R.

    A Presidência da República tem recorrido exclusivamente ao aluguer operacional de longa duração (AOLD), uma opção que permite o uso de viaturas novas mediante o pagamento de uma mensalidade fixa durante um período determinado (geralmente três ou quatro anos). Este tipo de contrato inclui manutenção e seguro, mas não transfere a propriedade do veículo para o Estado, nem no final do contrato, nem mediante qualquer valor residual.

    Embora essa modalidade seja frequente em empresas privadas e possa apresentar vantagens de gestão logística (sobretudo em frotas de uso intensivo), a sua aplicação sistemática na Administração Pública levanta sérias dúvidas de racionalidade económica, porque mesmo que uma entidade possa, por questões até de dignidade protocolar, desejar renovar a frota, os veículos com três anos (e uso pouco intensivo) poderiam ser encaminhados para instituições pública.

    Apesar de quase todos os contratos terem sido precedidos de concurso público, a Lease Plan venceu 19 dos 21 contratos dos últimos quatro ano, no valor global de 1.542.5781 euros. As ‘migalhas’ ficaram para a SGald, com um contrato de aluguer de um Mitsubishi Outlander em 2021, e para a PPL Car, com o contrato dos quatro Peugeot 508 Allure celebrado na passada quinta-feira no valor de um pouco menos de 171 mil euros.

    Mercedes Classe V 300 d Longo Avantgarde: opção pelo aluguer operacional é aparentemente implica que, ao fim de três ano, em vez de o Estado ficar com o veículo, este regressa à empresa.

    Os dados do Portal BASE mostram ainda que em 2023 se atingiu o pico de despesa, com 680.190 euros, enquanto em 2024, até meados de Julho, a Presidência já comprometeu 343 mil euros, ficando assim a nova frota já assegurada para o futuro chefe de Estado que será eleito em Janeiro.

    Não se conhece publicamente qualquer estudo sobre a opção por este modelo de renovação contínua de frota da Presidência da República que implicam que os veículos circulam três anos — e saem a partir daí pela mesma porta para não mais regressarem. Regressam outros, quase ao mesmo preço da compra.

  • Galinha de ovos d’ouro: Dona da SIC e Expresso recompra edifício-sede e vende agora com lucro de 22 milhões de euros

    Galinha de ovos d’ouro: Dona da SIC e Expresso recompra edifício-sede e vende agora com lucro de 22 milhões de euros

    A Impresa, dona da SIC e do Expresso, tem enfrentado dificuldades com o negócio da comunicação social, que está em crise há vários anos. Terminou o ano passado com prejuízos recorde de mais de 66 milhões de euros e conta com um passivo de 250 milhões de euros, dos quais 150 milhões são empréstimos bancários que exigem um esforço de mais de um milhão de euros por mês apenas em juros.

    Mas, apesar do seu ‘core business’ ser a comunicação social, nos negócios imobiliários envolvendo o seu edifício-sede em Paço de Arcos, o grupo de Pinto Balsemão descobriu a sua ‘galinha dos ovos d’ouro”. Entre venda, recompra e nova venda, a Impresa conseguiu, através de estranhos (por absurdamente favoráveis) negócios , e num espaço de menos de três anos, um lucro de 22 milhões de euros. Isto depois de em 2022 ter recomprado o mesmo edifício ao Novo Banco por 19,6 milhões de euros.

    Esta conclusão surge depois de o grupo de media ter anunciado na semana passada que vai (re)vender o seu edifício ao BPI Imofomento, um fundo imobiliário pertencente ao grupo BPI, do qual foi administrador até 2024 o actual vice-presidente da Impresa, Pedro Barreto. Este fundo vai pagar um valor total agregado de 37 milhões de euros, divididos em duas tranches: a primeira de 25 milhões, no momento de aquisição do imóvel, no próximo mês, e a segunda de 12 milhões, a ser paga no prazo de dois anos.

    Este montante significa que o fundo do BPI Imofomento pagará mais 12,8 milhões de euros pelo imóvel do que o valor que o Novo Banco pagou em 2018 e mais 17,4 milhões de euros do que o preço que a Impresa pagou para recomprar o imóvel em 2022. E a Impresa passará a inquilina desse fundo imobiliário.

    O mais estranho neste negócio é que o edifício em causa, construído de raiz para alojar os órgãos de comunicação social da Impresa, tem características que acabam por servir apenas à própria Impresa. Mas mesmo assim, em 2018, o grupo fundado por Francisco Pinto Balsemão conseguiu convencer o Novo Banco a comprá-lo por 24,2 milhões de euros, ficando o grupo de media com o direito a arrendar o imóvel por um período de 10 anos e também com a possibilidade de recompra, que exerceria cinco anos mais tarde.

    Interior do edifício-sede da Impresa. Em 2018, o imóvel foi vendido ao Novo Banco, mas no final de 2022 a Impresa recomprou o edifício numa operação discreta que não foi comunicada ao mercado. / D.R.

    Esta operação foi anunciada com pompa e circunstância e teve direito a comunicado publicado no site do ‘polícia da Bolsa’, a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM).

    Mas, em Dezembro de 2022, a Impresa decidiu recomprar o edifício ao Novo Banco, que o aceitou vender por 19,6 milhões de euros — um valor cerca de 4,6 milhões inferior ao da transacção inicial. Esta redução dever-se-á, em parte, às rendas entretanto pagas no âmbito do modelo de venda com arrendamento de retorno (lease-back), mas a Impresa terá beneficiado ainda de vantagens fiscais, ao apresentar como despesas os encargos com as rendas e manter contabilisticamente o edifício-sede como activo, permitindo deduções por via das depreciações. Seja como for, do ponto de vista da chamada ‘engenharia financeira’, tratou-se de um excelente negócio imobiliário para a Impresa. Acresce que, em 2022, foi o próprio Novo Banco a financiar a recompra, como noticiou o PÁGINA UM.

    Este negócio foi feito de forma discreta e nem sequer comunicado ao mercado, mas foi um excelente negócio para a Impresa e mais um dos ruinosos para a instituição bancária herdeira do chamado ‘BES bom’. A própria CMVM, de forma ostensiva, não quis intervir.

    O negócio da venda do imóvel em 2018 ao Novo Banco foi efectuada numa altura em que a instituição bancária era presidida por António Ramalho, actual presidente da Lusoponte, e recebia injecções de capital estatais, através do Fundo de Resolução. A operação avançou apesar de naquela época a ‘ordem’ na banca ser para reduzir a exposição ao sector imobiliário e vender carteiras de crédito.

    A Impresa recomprou o edifício ao Novo Banco, segundo a caderneta predial consultada pelo PÁGINA UM. Mas a operação nunca foi comunicada ao mercado até hoje. / Foto: PÁGINA UM

    Estas operações chegaram a ser alvo de investigação por parte do Ministério Público por suspeita de corrupção activa e passiva. Mas o inquérito, aberto este ano com base numa alegada denúncia anónima, acabou arquivado de forma célere, abrindo a porta à revenda do imóvel e ‘limpando’ as anteriores operações envolvendo o edifício e o Novo Banco.

    Agora, com o imóvel a ser vendido ao BPI Imofomento – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, que vai pagar 37 milhões de euros, o Grupo Impresa consegue quase o dobro do valor pago ao Novo Banco há apenas dois anos e meio.

    Curiosamente, desta vez a Impresa informou o mercado sobre a operação. Segundo o comunicado publicado no site da CMVM no passado dia 20 de Junho, com esta venda ao fundo do BPI, o grupo de media vai aproveitar para pagar 14,9 milhões de euros ao Novo Banco, de forma a amortizar o empréstimo que financiou a compra do imóvel no final de 2022.

    Significa assim que a Impresa amortizou, naquele período, cerca de 4,7 milhões de euros do empréstimo, correspondente a cerca de 157 mil euros por mês. Deste modo, liquidando esse empréstimo, a Impresa ficará com um valor remanescente de 22,1 milhões de euros. Ou seja, a Impresa terá um encaixe próximo do que arrecadou quando em 2018 vendeu o edifício-sede ao Novo Banco.

    Pedro Barreto, que foi administrador do Banco BPI até 2024, é o actual vice-presidente da Impresa. O grupo BPI detém a BPI-Gestão de Activos, que gere o fundo que vai ser o novo dono do edifício-sede da Impresa. / Foto: Captura de ecrã de vídeo do BPI | D.R.

    Este valor vai entrar nos cofres da Impresa em duas tranches. A primeira, de 25 milhões de euros deverá render na prática 10,1 milhões de euros, já que o grupo terá de pagar o empréstimo junto do Novo Banco. A segunda tranche será no valor de 12 milhões de euros a ser paga no prazo de 48 meses após a concretização da venda. A Impresa ficará como arrendatária do imóvel.

    Esta nova aquisição do edifício-sede da Imprensa será uma ‘gota’ na carteira detida por este fundo gerido pela BPI Gestão de Activos, liderada por Jorge Teixeira, pelo que pode dar-se ao luxo de ser eventualmente pouco lucrativo. Com efeito, o BPI Imofomento gere uma carteira de 805,5 milhões de euros – ou seja, o edifício-sede da Impresa representará menos de 5% dos activos -, detendo imóveis num valor de 563,74 milhões de euros, segundo a informação trimestral divulgada no primeiro trimestre deste ano.

    De entre os seus activos imóveis estão o Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, sabendo-se também que “investe maioritariamente numa carteira de imóveis em Portugal, predominantemente nas áreas de Lisboa e Porto, e privilegia igualmente a diversificação sectorial, com baixa exposição a imóveis para habitação”.

    Jorge Sousa Teixeira, presidente-executivo da BPI-Gestão de Activos. / Foto: Captura de ecrã de vídeo do grupo BPI.

    Este fundo indica que se destina “a investidores que estejam dispostos a assumir perdas de capital e assumam uma perspectiva de valorização do seu capital no médio/longo prazo e, como tal, que estejam na disposição de imobilizar as suas poupanças por um período mínimo recomendado de cinco anos”.

    No ano passado, o fundo apresentou uma rentabilidade anualizada de 2,99%, ligeiramente abaixo dos 3,33% e 3,62% registados em 2023 e 2022, respectivamente; significa tal que, para que as rendas agora a pagar pela Impresa ao seu novo ‘senhorio’ atinjam níveis de rentabilidade entre 3% e 4%, será necessário que o grupo de media desembolse entre 1,11 milhões e 1,48 milhões de euros por ano, o que equivale a valores mensais entre 92.500 e 123.333 euros. Ou seja, para a Impresa, este negócio foi um autêntico balão de oxigénio, mas numa perspectiva de longo prazo vai aumentar os encargos.

    Esta operação representa o ‘regresso’ do grupo BPI, detido pelo catalão Caixabank desde 2016, como ‘financiador’ da Impresa. Historicamente, o BPI era o ‘banco’ parceiro do grupo de Balsemão e chegou a ser sócio na SIC. Mas em 2017, com o BPI a ser integrado no Caixabank e após a Impresa ter falhado uma emissão de obrigações, o grupo de media teve de se virar para o novo ‘amigo’ Novo Banco, liderado por António Ramalho.

    A possível revenda do edifício-sede pela Impresa já tinha sido pré-anunciada no comunicado com as contas de 2024 do grupo de media, que revelou prejuízos recorde no ano passado de 66,2 milhões, quando em 2023 tinham sido de 2,0 milhões.

    Visita do Presidente da República, às novas instalações da SIC, em Fevereiro de 2019, na sede da Impresa, em Paço de Arcos. Marcelo Rebelo de Sousa entrou no edifício ao lado de Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, e seguido por Francisco Pinto Balsemão e Isaltino Morais, presidente da Càmara Municipal de Oeiras. / Foto: Captura de ecrã de vídeo da SIC | D.R.

    Com as receitas praticamente estagnadas, o grupo de media atribuiu a descida nos resultados líquidos sobretudo a uma revisão em baixa do valor do segmento televisivo (SIC), que gerou uma imparidade de 60 milhões de euros. Ou seja, o seu activo encolheu. Com a dívida líquida a aumentar de 115 milhões de euros para 131 milhões de euros, o grupo anunciou que admitia “a possibilidade de realizar uma operação de venda e subsequente arrendamento das suas instalações em Paço de Arcos”, o que agora se veio a confirmar.

    Certo é que, com esta revenda, a Impresa prova, mais uma vez, que tem jeito — ou muita sorte — a fazer negócios com este seu imóvel, o qual lhe tem rendido milhões. E, dos 24,2 milhões de euros pagos pelo Novo Banco em 2018, o imóvel valorizou mais de 52% em sete anos. Nada mau.

  • Gerentes da Trust in News andaram a ganhar salários de luxo

    Gerentes da Trust in News andaram a ganhar salários de luxo

    O que nasce torto tarde ou nunca se endireita. No caso da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, o célebre ditado popular parece estar a confirmar-se, já que a empresa está em crise há vários anos, encontra-se formalmente em processo de insolvência, mas a laborar, apesar de os seus trabalhadores terem convocado a partir de hoje uma greve por tempo indeterminado. Salários e subsídios em atraso regressaram depois de meses de intervenção de um administrador judicial, mas nas últimas semanas houve um volte-face, com o regresso à gerência da TIN do seu proprietário único: Luís Delgado.

    O regresso do antigo jornalista, que em 2018 comprou mais de uma dezena de títulos à Impresa de Pinto Balsemão, não deixa de ser surpreendente, porque a quantidade de calotes que deixou em apenas seis anos de existência é colossal. Mas também espantoso é saber-se agora, através de uma investigação do PÁGINA UM, que durante vários anos Luís Delgado distribuiu, para si e para os outros dois gerentes da TIN, salários de luxo, sobretudo atendendo a tratar-se de uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros.

    Luís Delgado é o sócio único da sua sociedade unipessoal Trust in News, dona da Visão. Está actualmente a cumprir uma pena suspensa de cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, sob condição de pagamento das dívidas até ao final de 2029, mas arrisca outras condenações. / Foto: D.R.

    Apesar de ter sido fundada como empresa unipessoal, com um investimento pessoal de apenas 10.000 euros, Luís Delgado decidiu atribuir a si mesmo um salário de 12 mil euros brutos. Ou seja, ao fim de um mês de passar a deter as antigas revistas de Balsemão já tinha lucro pessoal.

    Os outros dois gerentes da TIN também não se saíram mal financeiramente. Cláudia Serra Campos foi ganhar 11 mil euros mensais. Luís Filipe Passadouro levou para casa 10 mil euros por mês. No ano de 2019, a tripla gerência da TIN chegou a custar 462.000 euros à empresa. Qualquer um dos gestores chegou a ganhar mais do que os 106.400 euros brutos anuais recebidos pelo patriarca da família Balsemão na presidência do grupo Impresa. E, no conjunto, os rendimentos dos gerentes da TIN eram superiores aos encargos remuneratórios, incluindo despesas de representação, de toda a administração da RTP, que gere um orçamento de mais de 200 milhões de euros.

    Delgado, que completa em Novembro os 70 anos, está agora reformado e, desde 2022, aufere uma pensão de reforma. Nos dois primeiros anos de existência da TIN, Delgado recebeu da sua empresa unipessoal um total de 334.909 euros em salários, segundo documentos consultados pelo PÁGINA UM e que constam de um processo judicial que levou à condenação dos gerentes da empresa de media por abuso de confiança fiscal na forma agravada. Ou seja, com um investimento de 10 mil euros, numa empresa que foi coleccionando passivo, que agora ultrapassa os 30 milhões de euros, Luís Delgado conseguiu, apenas através de salários, um retorno de 3.250%. Leia-se bem: um retorno de três mil, duzentos e cinquenta por cento.

    Estes valores auferidos em 2018 e 2019 por Luís Delgado na sua TIN contrastam com os rendimentos de trabalho dependente que declarara nos dois anos anteriores. No processo criminal que levou à condenação dos três gerentes da TIN por dívidas ao Fisco, refere-se que Delgado auferira nos dois anos anteriores à criação da sua empresa apenas “15.750 euros e 25.000 euros de rendimentos” brutos de trabalho dependente. Tanto em 2018 como em 2019, o salário anual de Delgado rondou, na TIN, os 168.000 euros, o que corresponde a 12.000 euros por mês, acrescido dos subsídios de férias e de Natal, segundo os documentos consultados pelo PÁGINA UM. Não estão incluídas outras despesas pessoais suportadas pela empresa.

    Em 2020, quando a empresa já tinha os seus principais títulos penhorados ao Fisco e à Segurança Social, Delgado baixou a sua remuneração para os 1.700 euros mensais e nesse ano ganhou ‘apenas’ 24.000 euros na TIN. Até 2022, pelo menos, não ganhou mais nenhum vencimento na sua empresa unipessoal, mas, no global, em três anos, Delgado arrecadou 358.909 euros em vencimentos pagos pela empresa de media.

    Porém, os outros dois gerentes da TIN — Cláudia Serra Campos e Luís Filipe Passadouro — mantiveram salários de luxo para uma empresa que acumulava dívidas de todo o quilate, incluindo ao Fisco, à Segurança Social. Note-se que em todos os anos em que apresentaram contas, a TIN omitiu as remunerações dos seus gerentes na Informação Empresarial Simplificada (IES), incumprindo o dever de rigor, não permitindo assim que se conhecessem, até agora, os seus salários de luxo.

    Luís Filipe Passadouro renunciou ao cargo de gerente da TIN em Abril de 2024. Entre 2018 e 2022 ganhou 640 mil euros na empresa. Está também a cumprir uma pena suspensa de 5 anos até ao final de 2029 sob condição de pagamento de uma dívida fiscal da TIN. Mas ainda arrisca outras condenações por outros crimes fiscais e falha no pagamento de contribuições à Segurança Social. Na sua página na rede social LinkedIn indica estar “à procura de novos desafios e oportunidades”.(Foto: D.R.)

    De acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Cláudia Serra Campos ganhou em 2018 um salário de 10.928 euros mensais, acrescido dos subsídios de férias e de Natal. Em 2019, auferiu de um salário de 11.000 euros por mês, valor que se manteve, pelo menos, até ao final de 2022. No global, esta gerente da TIN, que ainda se mantém em funções, levou para casa 769.000 euros em apenas cinco anos.

    A gestora tem sido uma aliada de confiança de Delgado há, pelo menos, 25 anos, depois de ter começado a sua actividade profissional na Volkswagen-Autoeuropa, como relações públicas. Em 2000, iniciou funções como diretora da Caneta Electrónica, empresa proprietária do Diário Digital, um jornal online fundado por Luís Delgado, tendo passado a administradora-delegada e sócia em 2003.

    No ano seguinte, tornou-se assessora de administração da Lusomundo Media, cargo em que se manteve até 2005. Depois disso, voltou a aliar-se a Delgado, como sócia fundadora e gerente-delegada das empresas Capital da Escrita e MC-Mercados da Capital, proprietária da Revista Time Out em Portugal, e que explorou o Mercado da Ribeira em Lisboa..

    O PÁGINA UM consultou o primeiro processo judicial contra os gerentes da TIN, que teve início em 2021, e que viria a resultar na sua condenação. A condenação pelo Tribunal Judicial de Lisboa Oeste surgiu em Abril de 2024 e foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Outubro do mesmo ano. Foi só depois de serem condenados, na primeira instância, a uma pena de prisão de 2 anos e um mês, suspensa por 5 anos mediante pagamento das dívidas, que os gerentes da TIN avançaram para o Processo Especial de Revitalização da TIN e, posteriormente, para a insolvência da empresa dona da Visão. / Foto: PÁGINA UM

    Quanto a Luís Filipe Passadouro — que renunciou ao cargo de gerente em 15 de Abril de 2023, apesar de ter sido registado apenas no final do ano passado —, entrou na TIN com um vencimento mensal de 10.000 euros, o que perfaz um rendimento bruto anual de 140.000 euros. Em 2021, recebeu ‘apenas’ 136.000 euros e no ano seguinte 84.000 euros. Assim, no total, em cinco anos, Passadouro amealhou 640 mil euros em salários na dona da Visão.

    Este gestor já tinha trabalhado numa outra empresa de media, a luso-angolana Newshold, liderada pelo polémico empresário Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola. Esta empresa, que foi entretanto encerrada, era detentora dos jornais i e Sol. Passadouro foi administrador financeiro da Newshold entre Julho de 2012 e Setembro de 2014, segundo informações que constam do seu perfil na rede social LinkedIn. Entre Novembro de 2016 e Novembro de 2017, assumiu a função de director-geral de novo conteúdo na mesma empresa de media.

    Antes de ingressar na Newshold, Luís Filipe Passadouro trabalhou durante cinco anos no grupo angolano Finertec, onde foi ‘colega’ de Miguel Relvas e também de António Maurício, antigo vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos. Curiosamente, na altura em que Relvas foi ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e se ponderou a privatização da RTP, a Newshold chegou a surgir como interessada em ficar com a empresa que detém o serviço público de televisão.

    Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, em 2018, na assinatura do acordo de venda do portfólio de publicações que incluía a Visão e a Exame. Na altura, o negócio ‘salvou’ a Impresa, que se encontrava em dificuldades financeiras, depois de ter falhado uma emissão de obrigações, e precisa livrar-se de activos ‘tóxicos’ da Impresa Publishing. / Foto: D.R.

    Por outro lado, o antigo patrão de Passadouro, Álvaro Sobrinho — que é arguido num processo em que é acusado de ter roubado milhões do BESA —, também estará por detrás do World Opportunity Fund, o fundo misterioso que se tornou o principal accionista do Grupo Global Media em 2023, segundo noticiou recentemente o Expresso.

    Apesar do regresso à TIN de Luís Delgado e de Cláudia Serra Campos, tanto eles como Luís Filipe Passadouro têm já cadastro, estando formalmente a cumprir uma pena de prisão efectiva suspensa por cinco anos se pagarem uma dívida fiscal de cerca de 830 mil euros, uma pequena parte do que agora devem à Autoridade Tributária e também à Segurança Social. Significa, em termos práticos, se até ao início de 2030 pagarem o IVA em falta entre Janeiro e Março de 2020 e entre Setembro de 2020 e Abril de 2021, estarão livres da prisão. Saliente-se que, neste processo, a TIN foi condenada a uma pena de multa de 900 dias, convertida em 13.500 euros.

    De acordo com o processo que correu no Tribunal Judicial de Lisboa Oeste (Oeiras), cuja sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação, Luís Delgado confessou os crimes e afirmou ser o responsável exclusivo pelo não pagamento do IVA. Mas o Tribunal considerou não ter ficado provada essa versão. Segundo a sentença, “os arguidos agiram sempre de modo idêntico, animados pela facilidade de acesso às quantias em causa e pela circunstância de a sua actuação não ter sido prontamente detectada e sancionada pelas entidades competentes”, isto é, pela Autoridade Tributária. Aliás, mostra-se insólito que o Fisco tenha permitido, como permitiu, que uma empresa da dimensão da TIN, mas com um capital social de apenas 10 mil euros, acumulasse dívidas fiscais de superam actualmente os sete milhões de euros.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Na sentença destaca-se ainda que “os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida”. Mais adianta que “os factos descritivos da consciência da ilicitude e do dolo directo com que os arguidos agiram, julgam-se provados, porquanto a sociedade comercial arguida tinha contabilidade organizada e havia sido alertada para a necessidade de proceder à entrega dos tributos declarados e para as consequências legais da omissão dessas prestações”.

    O tribunal também não teve dúvidas da responsabilidade factual de Luís Delgado e dos gerentes por si escolhidos. “As pessoas singulares arguidas são empresários/gestores que lograram construir e comandar um grupo de comunicação social de relevante dimensão”, salienta a sentença, acrescentando que, apesar das “dificuldades económicas do sector da comunicação [social] e a revitalização dessa empresa”, conseguiram “tirar proveito de fluxos monetários na ordem de grandeza das dezenas/centenas de milhar de euros”. E conclui: “daí que terão ao longo da vida forçosamente constituído pecúlio e formado património equivalente, pelo menos, ao valor em dívida”. Em suma, os gerentes, em vez de pagarem ao Estado, decidiram pagarem-se a si próprios.

    Mas a sentença falha, aparentemente, num ponto fulcral, porque refere que a TIN estava já a conseguir cumprir os pagamentos à Autoridade Tributária, apontando mesmo que “se crê que no período de suspensão da execução da pena de prisão prossiga e consolide a sua reestruturação”. Ora, como se sabe, a TIN foi acumulando mais e mais dívidas, conforme o PÁGINA UM revelou em primeira-mão em Julho de 2023, tanto ao Fisco como a outros credores, atingindo uma dívida global superior a 30 milhões de euros.

    Processo criminal consultado pelo PÁGINA UM na passada quarta-feira.

    Saliente-se que a condenação dos gerentes da TIN em primeira instância ocorreu em 18 de Abril de 2024, e essa decisão terá espoletado o Processo Especial de Revitalização (PER) da TIN, que foi iniciado logo no mês seguinte. Essa decisão foi estratégica para Luís Delgado parar alguns processos em tribunal, incluindo outros do Fisco e da Segurança Social, bem como de credores diversos.

    Porém, este PER acabou ‘chumbado’, porque, de forma intencional ou não, a gerência da TIN faltou às promessas e continuou sem cumprir pagamentos regulares ao Fisco e à Segurança Social. E avançou-se para a insolvência, que somente não seguiu para a liquidação porque se anda, de promessa em promessa, a adiar aquilo que parece inevitável, enquanto as dívidas, incluindo ao Estado, estarão a aumentar.

    Independentemente do regresso de Luís Delgado aos comandos da TIN, numa situação já próxima do descalabro total com a greve dos trabalhadores, em que a insolvência é o objectivo final, há mais processos judiciais que continuam a ameaçar os gerentes. Por exemplo, corre desde Fevereiro deste ano, um recurso de Luís Delgado, Cláudia Serra Campos e Luís Mendes Passadouro junto do Tribunal Tributário para tentar contrariar uma execução do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social por dívidas da Trust in News no montante de mais de 9,4 milhões de euros por não pagamento de comparticipações à Segurança Social.

    Apesar de a TIN estar em processo de insolvência, situação que visa encontrar uma solução menos lesiva para os credores – que pode passar pela venda de revistas a potenciais interessados -, a simples liquidação só não aconteceu ainda porque Luís Delgado prometeu, como sócio único da TIN, injectar 1,5 milhões de euros na sociedade. Mas não se sabe como Delgado vai arranjar a verba, já que nenhuma instituição bancária estará interessada em financiar uma empresa de 10 mil euros de capital social, mais de 30 milhões de euros de passivo, em falência técnica e com sinais de ‘engenharia financeira’ que serviram para esconder prejuízos de milhões.

    Além da Autoridade Tributária, também a Segurança Social avançou para tribunal e processou os gerentes da TIN por contribuições não pagas. Em causa, está um crime de abuso de confiança similar ao que levou à condenação a pena de prisão, suspensa por cinco anos, por dívidas ao Fisco. Além disso, haverá outros processos na Justiça por dívidas fiscais da TIN e processos de execução por outros credores. / Foto: D.R.

    Mostra-se, aliás, bastante estranho que a Autoridade Tributária e a Segurança Social tenham aprovado um plano de Delgado quando subsistem sérias dúvidas sobre a verdadeira situação das contas da TIN, incluindo as do ano passado que ainda não são conhecidas.

    Uma das principais dúvidas contabilísticas da TIN prende-se com a rubrica ‘Outras contas a receber’, inscrita nos activos com o valor de cerca de 14 milhões de euros, que Luís Delgado terá atribuído a receitas futuras, mas que aumentou ao mesmo ritmo das dívidas ao Estado. Assim, persistem dúvidas quanto à sua correspondência como activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro. Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros.

    À estranha relação da TIN com a Autoridade Tributária e a Segurança Social – que permitiram um acumular de dívidas assombroso para a dimensão do capital social da empresa – junta-se também o empréstimo de cerca de 3,5 milhões de euros concedido pelo Novo Banco e pelas inúmeras renegociações do contrato feito com a Impresa.

    Foto: D.R.

    Aliás, o grupo liderado pela família Balsemão, dona da SIC e do Expresso, nunca revelou de forma clara, nem nas contas da Impresa, quanto foi efectivamente pago por Luís Delgado, apesar de o negócio em 2018 ter sido anunciado como valendo 10,2 milhões de euros. No final desse ano, a TIN admitia que ainda tinha uma dívida de 6,2 milhões de euros à Impresa – ou seja, terá pagado no primeiro ano, quatro milhões de euros, que terá sido de um empréstimo do Novo Banco. A instituição bancária ficou a ‘arder’ em cerca de 3,5 milhões de euros, que ainda não foram pagos por Delgado.

    De mistério em mistério, os trabalhadores que ainda resistem na empresa de media estão numa situação mais do que precária, temendo pelo seu futuro. Para já, o seu presente está nas mãos do mesmo gerente que os conduziu até aqui.

    N.D. Há quase dois anos, o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social, e durante muitos meses o único, a alertar para a dívida astronómica da TIN ao Estado e a expor a situação financeira grave em que a empresa de encontrava. Na altura, Mafalda Anjos, então directora da Visão, rotulou os artigos do PÁGINA UM como “fantasiosos”. Leia todas as notícias e artigos sobre a crise na TIN (AQUIAQUI AQUI). Hoje, a manutenção de um grupo de media nestas condições é indigno de um país decente, e o regresso de Luís Delgado um ultraje para o jornalismo e para a decência.

  • Duas ‘Noitadas’ em Portimão custam 1,6 milhões de euros

    Duas ‘Noitadas’ em Portimão custam 1,6 milhões de euros

    Verão não é Verão sem festança na ‘aldeia’. Neste caso, a ‘festança’ tem sido em Portimão, dura dois dias (ou noites) e promete sempre ser de arromba, com espectáculos de música e luzes. De arromba é também o preço, pago com dinheiros públicos: 1.648.200 euros por duas edições deste evento designado por ‘Noitada‘.

    A organizadora é uma empresa com sede em Paço de Arcos, Oeiras — a New Sheet, Brand Activation —, que, depois de ter conseguido ‘vender’ o evento ao executivo camarário de Portimão em 2024, voltou a conseguir novo contrato este ano. Ambos os contratos foram adjudicados por ajuste directo, alegando-se direitos de autor.

    O município realizou a primeiro edição de ‘Noitada Portimão’ nos dias 26 e 27 de Julho de 2024. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo de promoção do evento

    O primeiro ajuste directo foi efectuado há um ano, tendo a autarquia presidida pelo socialista Álvaro Miguel Bila pago 738 mil euros (com IVA) pela organização do evento ‘Noitada’. O evento decorreu nos dias 26 e 27 de Julho de 2024, no âmbito das celebrações do centenário da cidade. O evento contou com seis palcos, 23 pontos de animação, 20 instalações de luz, e mais de 100 artistas itinerantes.

    No palco principal, na Praça da República, actuaram os HMB, Pânico, Para Sempre Marco e Bateu Matou, entre outros, acompanhados de DJ sets como os de Nikky e do grupo Rebel Kidz Show, havendo também um palco dedicado ao fado. Para além da componente musical, o festival apostou fortemente na dimensão estética e sensorial, com espectáculos de video mapping a cada meia hora na Praça 1.º de Maio e laser shows sobre a Ponte Velha.

    Este ano, voltou a repetir o ajuste directo à New Sheet, mas por um valor mais alto, de 910 mil euros. A segunda edição do evento vai decorrer nos próximos dias 25 e 26 de Julho, mas ainda não foi divulgado o programa.

    A edição deste ano promete ter, segundo o caderno de encargos do procedimento, “uma mistura de arte, design, espectáculo, entretenimento e arquitetura que visa trazer vida ao centro da cidade durante duas noites, pretende criar uma movida pelo centro da cidade, numa rota que percorrerá as principais artérias e pontos de interesse no centro da cidade”.

    A edição deste ano contará com “6 palcos, 23 pontos de animação na cidade, 20 instalações de luz, 80 artistas itinerantes e 100 artistas itinerantes”.

    Em resposta a questões do PÁGINA UM, a autarquia fundamentou o facto de não ter efectuado concursos para a organização das duas ‘Noitadas’ com o facto de estarem em causa “direitos de propriedade intelectual”.

    Foto: Captura de imagem a partir de vídeo de promoção do evento ‘Noitada 2024’

    Segundo o gabinete de comunicação da autarquia, “o conceito do evento ‘A Noitada’ foi apresentado ao município de Portimão em março de 2024 por iniciativa da empresa New Sheet, Brand Activation Lda., que detém os direitos de propriedade intelectual sobre o mesmo, devidamente registados”. Explicou que, “face à originalidade do conceito e à titularidade exclusiva desses direitos, a única forma legalmente admissível de contratualizar a sua realização foi através de ajuste directo”.

    Segundo o município, a primeira edição do evento “revelou-se um enorme sucesso, atraindo milhares de visitantes”. A autarquia afirma que decidiu fazer a segunda edição com base num estudo que encomendou a investigadores do CiTUR – Universidade do Algarve, o qual concluiu que “a primeira edição gerou uma nova receita direta na economia local de 2.641.407 euros, agregada entre residentes e visitantes”.

    A autarquia garante que, “à semelhança de 2024, todas as despesas associadas à realização do evento “A Noitada 2025″ são da exclusiva responsabilidade da empresa promotora”, sendo o contrato concebido para o fornecimento de serviços do tipo ‘chave-na-mão’.

    Mas como não há duas sem três, o município não exclui voltar a contratar esta empresa para nova ‘Noitada’ em 2026. A decisão vai depender do “novo estudo de impacto relativo à edição de 2025, cujos resultados fundamentarão a decisão quanto à eventual continuidade da colaboração com a entidade detentora do conceito”. Dependerá também das eleições autárquicas que se realizam este ano e que poderão ou não alterar a configuração do executivo daquela autarquia.

    Seja como for, com mais ou menos luzes e artes cénicas, estamos perante um festival musical e de entretenimento, ou seja, existem dúvidas sobre se se aplica o conceito de propriedade intelectual.

    Com efeito, a propriedade intelectual divide-se em dois ramos: a propriedade industrial, que compreende as invenções (patentes), as marcas, os desenhos e modelos industriais e as denominações de origem, enquanto os direitos de autor abrangem as obras literárias e artísticas.

    Ora, segundo a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), não são protegidos e não podem ser registados os conceitos, as ideias, os processos, os sistemas e os métodos operacionais. Isto é, com a mesma ou outra denominação, um festival com música e outros espectáculos não pode ser considerado ‘propriedade’ exclusiva de uma empresa, logo não pode ser feito sem concorrência.

    Álvaro Bila, presidente da autarquia de Portimão a divulgar no ano passada a Noitada.

    Em todo o caso, estes dois grandes ajustes directos já ‘estão no papo’ da New Sheet. E não são os únicos. A autarquia fez outros dois ajustes directos no ano passada com esta empresa de Oeiras, embora com valores mais pequenos.

    O primeiro, no valor de 98.400 euros (com IVA), consistiu na ‘aquisição de serviços para o projecto ‘100 anos, 100 sardinhas’. O outro, no montante de 81.075 euros foi justificado com a ‘aquisição de serviços para a contratação de artistas para animação musical ‘Celebrações Passagem de Ano 2024/2025′”.

    Estes montantes estão mais em linha com os restantes contratos que a New Sheet obteve junto de outras autarquias. Desde 2019, quando conseguiu o primeiro contrato público, a empresa de Oeiras já obteve 40 contratos, no total. Com a excepção das duas edições de ‘Noitada’ com o município de Portimão, os valores dos restantes contratos oscilam entre os 6.300 euros e os 90.000 euros (sem IVA).

    Ou seja, a autarquia de Portimão garantiu à New Sheet, em apenas dois contratos, cerca de 60% da facturação total que a empresa já registou junto de entidades públicas nos últimos sete anos. Isto em duas ‘noitadas’ de festa e animação. A ressaca, se houver, essa fica sempre para os contribuintes.

    Portimão fez quatro ajustes directos com a New Sheet em menos de um ano. No total, o município pagou 1,8 milhões de euros à empresa. Fonte: Portal Base

    Por fim, não se diga que falta animação a Portimão, e mais gastos públicos. Tanto no ano passado como este ano, pois dias passados do fim da ‘Noitada’ vem o Festival da Sardinha, com mais espectáculos ‘grátis’ que custam centenas de milhares de euros. A edição do ano passado ocorreu entre os dias 30 de Julho e 4 de Agosto, ou seja, começou três dias depois da ‘Noitada’.

    Nesse caso, a autarquia foi mais ‘comedida’, e fez adjudicações com várias empresas,que custaram, no total, cerca de 350 mil euros com IVA.Mas, pelo menos foram seis dias inteiros de festa, que incluíram concertos com Aurea, Marisa Liz, Richie Campbell, Anjos e Delfins.

  • Trust in News: Cada vez mais próximo da prisão, Luís Delgado ainda arrisca processo por insolvência dolosa

    Trust in News: Cada vez mais próximo da prisão, Luís Delgado ainda arrisca processo por insolvência dolosa

    Encurralado pela Justiça, Luís Delgado, dono e gerente da Trust in News (TIN), encontrou no plano de insolvência para a sua empresa de media o ‘bilhete’ para tentar salvar-se da prisão e também de processos de execução que tem ‘à perna’. O plano de insolvência da TIN, dona das revistas Visão e Exame, já terá colhido o apoio dos principais credores — a Autoridade Tributária e a Segurança Social —, mas aguarda ainda a ‘luz verde’ do Tribunal.

    Mas o empresário e comentador político ainda não está a salvo de ainda ser acusado de insolvência dolosa por prejudicar credores, uma vez que o passivo da Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros, supera já os 30 milhões de euros. Para ser processado por insolvência dolosa, punida com uma pena até cinco anos de prisão, será necessário previamente que o Tribunal considere que houve uma “insolvência culposa”. Ora, a juíza do processo de insolvência concedeu, no passado dia 14, mais seis meses para serem apresentadas provas que indiciem culpa dos gerentes no descalabro financeiro do grupo que detém mais de uma dezena e meia de títulos de media.

    Luís Delgado na audição parlamentar de 18 de Dezembro de 2024 sobre a situação em que se encontra o grupo de media. Foto: Captura de imagem a partir de um vídeo da audição

    Uma das várias dúvidas sobre a contabilidade da TIN prende-se com a existência de cerca de 14 milhões de euros em activos que Luís Delgado atribui a receitas futuras. Esse montante está registado na rubrica “Outras contas a receber”, subsistindo dúvidas quanto à sua correspondência a um activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro. Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros.

    O pedido de prolongamento do prazo foi iniciativa do actual administrador judicial, como medida de cautela e prevenção, já que ainda não há nenhum plano de insolvência aprovado. Com a eventual aprovação do plano, o administrador judicial não deverá, por agora, recorrer a essa figura legal. Contudo, permanecerá sempre aberta para os credores lesados.

    Em paralelo, as grades estão mais próximas de Luís Delgado por outra via. Como o PÁGINA UM noticiou em Setembro do ano passado, o antigo jornalista e os outros dois gerentes da Trust in News, viram o Tribunal da Relação confirmar a condenação a uma “pena de 2 anos e 1 mês de prisão” pelo crime de crime de abuso de confiança fiscal, mas suspensa por cinco anos sob condição de “pagamento da dívida”.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Luís Delgado compartilha a gerência com Cláudia Serra Campos. Um terceiro membro, Luís Mendes Passadouro, renunciou em 15 de Abril de 2023, mas o facto só foi registado oficialmente no dia 9 de Dezembro de 2024. Em todo o caso, na ficha técnica continuam os três referidos como gerentes, o mesmo sucedendo no Portal da Transparência dos Media, sob gestão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. A passividade e mesmo conivência do regulador dos media na evolução financeira da TIN tem sido, aliás, manifesta.

    A pena de prisão refere-se, contudo, apenas a uma pequena parcela (828 mil euros) das dívidas fiscais TIN, constituída em Dezembro de 2017, para comprar as publicações ‘tóxicas’ da Impresa, dona do Expresso e da SIC, que já se encontrava em dificuldades financeiras. Após a decisão do Tribunal da Relação, o PÁGINA UM sabe que já transitou em julgado e o processo retomou ao Tribunal Judicial de Lisboa Oeste para a aplicação da sentença.

    Luís Delgado (à esquerda) ficou com o portfólio de revistas da Impresa, activos que se revelaram tóxicos. O valor acordado foi de 10,2 milhões de euros, tendo o Novo Banco estranhamente financiado a arriscada operação. Agora, o comentador e dois outros gerentes da Trust in News arriscam pena de prisão por abuso de confiança fiscal e pelo crime de abuso contra a Segurança Social. (Foto: D.R.)

    E o cerco aperta porque, entretanto, como confirmou o PÁGINA UM no portal Citius, corre desde Fevereiro deste ano, um recurso de Luís Delgado, Cláudia Serra Campos e Luís Mendes Passadouro junto do Tribunal Tributário para tentar contrariar uma execução do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social por dívidas da Trust in News no montante de mais de 9,4 milhões de euros por não pagamento de comparticipações à Segurança Social.

    Além disso, Luís Delgado enfrenta pelo menos um outro processo de execução, accionado pela gestora do Taguspark, a empresa QDF, onde a Trust in News tem a sua sede e as publicações. Em causa está uma dívida de 85.435,29 euros respeitante a rendas não pagas.

    O processo de insolvência da Trust in News é, assim, a derradeira tábua de salvação não tanto das revistas do grupo mas sobretudo do próprio Luís Delgado, que está a tentar não haver execução das dívidas que, em caso de não serem pagas, resultarão em prisão efectiva. Recorde-se que o processo de insolvência arrasta-se desde finais de Novembro do ano passado, tendo que o administrador judicial encontrado uma situação de limite, em que até as receitas correntes do mês já estão ‘cativadas’ para pagar despesas dos meses anteriores, através do serviço de ‘factoring‘).

    Luís Delgado recorreu, em Fevereiro deste ano, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, de um processo de execução da Segurança Social por dívidas da Trust in News. / Imagem do portal Citius
    A Qdf, SA, que gere a Quinta da Fonte, onde se situa a sede da Trust in News, executou Luís Delgado por uma dívida de 85.435,29 euros relativa a rendas da Trust in News. / Imagem do portal Citius

    Luís Delgado anunciou, entretanto, um plano de insolvência que, segundo a imprensa, terá a aprovação por parte dos principais credores, a Autoridade Tributária e a Segurança Social. O plano envolverá o pagamento em prestações das dívidas ao Fisco e à Segurança Social e uma injecção faseada no grupo num valor até 1,5 milhões de euros por parte de Luís Delgado.

    Esta aprovação ainda não é conhecida formalmente e falta a homologação da eventual aprovação do plano de insolvência da Trust in News por parte da juíza do processo, Diana Campos Martins.

    Com todo este histórico, resta saber como vai ser financiada esta injecção milionária prometida pelo accionista único da TIN, já que o grupo não tem acesso a crédito e Luís Delgado está sob acções de execução e arrisca mesmo um prisão efectiva. Além disso, o seu património pessoal é reduzido.

    Levantamento do Novo Banco ao património de Luís Delgado e às suas empresas.

    Segundo uma análise do Novo Banco, elaborada para avançar com uma possível penhora, Luís Delgado apenas terá, em seu nome, um “duplex com arrecadação na cave e logradouro, com uma área de 47,68 metros quadrados” na freguesia de Alcântara, em Lisboa, com um valor global de 500 mil euros. Mas está já sob hipoteca e penhora.

    Pelo meio, subsiste a dúvida sobre se prosseguem na Justiça outros processos pendentes contra os gerentes da TIN por abuso fiscal e de Segurança Social, os quais, a prosseguir, resultarão, provavelmente, em novas condenações dos gerentes do grupo de media.

    N.D. O PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a alertar para a dívida astronómica da TIN ao Estado e a expor a situação financeira grave em que a empresa de encontrava já em 2023. Na altura, Mafalda Anjos, então directora da Visão, rotulou os artigos do PÁGINA UM como “fantasiosos”. Leia todas as notícias e artigos sobre a crise na TIN (AQUI, AQUI e AQUI).

  • Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Já diz o ditado que não há duas sem três. E um outro adágio acrescenta que quem vai para o mar avia-se em terra. Pelo terceiro ano consecutivo, há uma iguaria da gastronomia portuguesa que vai parar à mesa do programa de celebrações do Dia da Marinha: porco no espeto.

    O célebre prato da gastronomia portuguesa tem andado nas ‘bocas do mundo’ devido à tentativa — frustrada e considerada provocatória — do partido Ergue-te de o levar até ao Martim Moniz. Esta praça lisboeta, bem como as suas imediações, como a Rua do Benformoso, é bastante frequentada pela comunidade muçulmana, para quem o porco é considerado um animal impuro e o seu consumo é estritamente proibido pela lei islâmica (sharia). A rejeição do porco é, em muitos casos, um marcador de identidade religiosa, funcionando como gesto de fidelidade à fé islâmica.

    Mas para os portugueses, o ‘porto no espeto’ constitui sobretudo um símbolo de convívio com barriga cheia. E na Marinha, não vai faltar o petisco nas celebrações que decorrem entre 14 e 20 de Maio, segundo as indicações de um contrato por ajuste directo para a aquisição de 8.235 euros desta iguaria. A preços de mercado serão entre 15 e 20 porcos.

    Esta será o terceiro ano consecutivo, atendendo aos registos do Portal Base, que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    / Foto:D.R.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros.

    O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões sobre estas aquisições de porco no espeto ao gabinete de comunicação do Chefe do Estado-Maior da Armada, Nobre de Sousa, mas não obteve qualquer reacção. Fica-se assim sem saber quantos vão dar ao dente no porco comprado com o dinheiro dos contribuientes nem sequer onde o repasto vai suceder.

    A tradição destes ajustes directos para a compra de porco no espeto para ser servido no âmbito das comemorações do Dia da Marinha, que foi iniciada em 2023 quando a Marinha era liderada por Gouveia e Melo. E nem se pode dizer que seja uma prática comum nas entidades públicas. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    A Marinha bateu recorde de ajustes directos sob a liderança de Gouveia e Melo e foi sob o seu comando que se iniciaram os ajustes directos anuais para a compra de porco no espeto . / Foto: D.R.

    De resto, os ajustes directos são também uma tradição da Marinha. Como o PÁGINA UM noticiou, sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu em 2024 o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público.

    A despesa em compras por ajuste directo no ano passado ultrapassou (até Novembro)os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros.

    Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Entre 2022 e 2024, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondaram os 30 milhões de euros. Nem o ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, serviu para mudar a tradição dos ajustes directos.

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    Mas há excepções para a tradição do ajuste directo. Veja-se o caso da compra de bacalhau pela Marinha no valor de 113.791 (com IVA incluído à taxa de 6%), num contrato celebrado no dia 9 de Maio após a realização de um “concurso público urgente”. O contrato indica que foi pago um preço de 11.30 euros por cada quilo de bacalhau fornecido.

    Não se sabe se o bacalhau irá ser servido com o porco no espeto nas celebrações do Dia da Marinha. Mas são ambos, sem dúvida, pratos bem nacionais e capazes de ‘chamar’ novos recrutas para o serviço militar.

  • Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Eleição após eleição, o caso repete-se: num país que se orgulha pelo mais de meio século de regime democrático, os partidos sem representação parlamentar são ‘enxotados’ para uma ‘segunda divisão’ pelas televisões para uma espécie de ‘debate individual em simultâneo’ com direito a uns meros ‘minutos de glória’, respondendo sobretudo ao jornalista. E ficam assim arredados dos debates com os oito partidos com deputados, mesmo se o PAN tenha apenas um.

    No ínicio de Abril, o partido Alternativa Democrática Nacional (ADN), liderado por Bruno Fialho e que terá Joana Amaral Dias como cabeça-de-lista em Lisboa, decidiu apresentar uma a providência cautelar com o objectivo de ainda conseguir, através de uma decisão urgente do Tribunal Cível de Lisboa, ser integrado nos debates com os ‘grandes’. O partido, que sucedeu ao PDR, fundado em 2014 por Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, não tem assento parlamentar, mas conseguiu 1,58% dos votos nas eleições de Março do ano passado, com 102.132 votos, obtendo a partir daí subvenção pública.

    Porém, apesar do carácter urgente, sucedeu o que sistematicamente sucede em Portugal com a Justiça: a urgência é um termo teórico, e a acção em ‘banho-maria’, impedindo assim que houvesse uma decisão judicial a tempo das eleições do próximo domingo.

    Agora, o ADN decidiu processar o Estado por denegação de Justiça, mas não pretende ficar-se por aqui. O partido promete também processar as principais estações de televisão pelos “prejuízos” causados, alegando ter ficado em desvantagem face aos partidos que puderam participar nos debates, que lhes aumentou a capacidcade de transmitir mensagens a mais eleitores.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa às eleições legislativas de 18 de Maio, e Bruno Fialho, presidente do partido e cabeça-de-lista pelo Porto. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do ADN

    Recorde-se que a providência cautelar do ADN, que deu entrada no Tribunal Cível de Lisboa no dia 4 de Abril, tinha caráter urgente, exigindio-se a inclusão do partido “nos debates televisivos promovidos pela RTP, SIC e TVI, no âmbito da campanha para as eleições legislativas de 2025”.

    O partido só poderia avançar para a Justiça, “após a comunicação por parte das estações televisivas de que o ADN não será incluído em nenhum dos debates agendado”, apesar de “apresentar candidaturas válidas em todos os círculos eleitorais do território nacional e reunir os mesmos requisitos formais de outros partidos incluídos, como o Livre, PAN ou Iniciativa Liberal”.

    Mas o Tribunal, que tem poderes para decidir em prazos muito curtos, mesmo sem ouvir as televisões, somente esta semana cntactou o ADN, questionando sobre se pretendia prosseguir com a providência cautelar. “Respondemos que não, porque já não faz sentido, dado que as eleições são no domingo e o Tribunal só poderia agendar uma audiência, na melhor das hipóteses, para a próxima semana”, disse Bruno Fialho, presidente do ADN, ao PÁGINA UM.

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    Foto: D.R.

    O também cabeça-de-lista do ADN pelo Porto, adiantou que caso o ADN prosseguisse com a acção, além dos custos envolvidos, incorria no risco de ser condenado, eventualmente por má-fé, por estar a ocupar Tribunal com uma matéria que sabia que já não teria efeito prático, dado que a decisão judicial só seria tomada após a realização das eleições.

    De facto, um dos pressupostos da caducidade da providência cautelar é a extinção do “direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina”: Ou seja, se aquilo que estava em causa era a participação de debates eleitorais na campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio, nenhum efeito produziria uma sentença nas próximas semanas.

    Mas dada a ausência de uma decisão judicial atempada, o ADN diz que não ficará de braços cruzados. “Vamos processar o Estado por não ter havido uma decisão atempada em relação a esta providência cautelar. Vamos também, em paralelo, processar as estações de televisão pelos prejuízos”, afirma Bruno Fialho, que se mostra, mesmo assim, confiante de eleger um deputado. “, mas “Até podíamos eleger mais se tivéssemos podido participar nos debates, como os partidos que participaram”, admite.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa, diz também não ter dúvida de que aa ausência de uma decisão atempada por parte da Justiça prejudicou o partido. “Não há Justiça”, disse ao PÁGINA UM.

    Debates a dois nas televisões só entre partidos com deputados.

    Esta questão da participação dos debates televisivos continua a ser, de forma inexplicável, um dos problemas mais candentes do regime democrático português, que colide com o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento entre candidaturas, consegrada na Lei Eleitoral da Assembleia da República. A lei determina que “as televisões estão obrigadas a garantir tratamento equitativo durante o período eleitoral, o que inclui o acesso aos debates”, mas tal nunca se verifica, quer para o ADN quer para outros partidos pequenos, o que configura uma discriminação.

    Em Portugal, a única chance dos pequenos partidos elegerem deputados tem sido, geralmente, nos distritos de Lisboa e Porto, cque elegem 48 e 40 deputados, respectivamente. Exceptuando os partidos históricos(PS, PSD, PCP e CDS), todos os partidos com assento parlamentar (Chega, IL, Livre, Bloco de Esquerda e PAN) estrearam-se na Assembleia da República com um único deputado, em Lisboa. Nestas eleições existe a forte possibilidade de surgir uma excepção a esta regra: o partido regionalista Juntos Pelo Povo (JPP) garantirá um representante, podendo chegar mesmo aos dois deputados, se conseguir uma votação próxima dos números obtidos nas recentes eleições regionais da Madeira.

  • Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Há bens que surgem de males. No caso da instabilidade política, há quem lucre e bem. Que o digam alguns órgão de comunicação social generalista que, em pouco mais de três anos, receberam nos seus cofres cerca de 5,7 milhões de euros dos contribuintes como compensação pela alegada perda de receita devido aos tempos de antena dos partidos políticos na corrida às eleições legislativas.

    De facto, se a ‘normalidade’ democrática prevalecesse, as eleições seguintes à vitória de António Costa em 2019 teriam ocorrido em 2023, às quais sucederiam novas apenas em 2027. Mas não, menos de seis anos após as eleições de 2019, já se realizaram três em vez de uma. As eleições previstas para 2023 foram antecipadas pela queda do Governo minoritário em finais de 2021, com Costa a garantir para o Partido Socialista uma maioria absoluta em Janeiro de 2022. Mesmo com esse ‘poder’, o Governo socialista não aguentou um escândalo político, e Luís Montenegro venceria por uma ‘unha negra’ novas eleições antecipadas em Março de 2024. Aguentou apenas um ano, estando agora marcadas novas eleições, novas campanhas e novos direitos de antena para todos os partidos.

    O primeiro-ministro, Luís Montenegro, em campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio de 2025. / Foto: D.R./PSD

    Quem ganha sempre com o antigo modelo de tempos de antena, e o famoso relógio ‘countdown’, têm sido os órgãos de comunicação social com características de serviço público, nomeadamente televisões generalistas e determinadas rádios. A SIC, do grupo Imprensa, foi o canal que mais tem esfregado as mãos de contente: contabilizando as três eleições legislativas (2022, 2024 e 2025) recebeu mais de 2,2 milhões de euros para passar as campanhas partidárias no seu canal. Só em compensação pelo tempo de antena no âmbito das eleições de 18 de Maio deste ano, a estação recebe 793.492 euros dos contribuintes, segundo o despacho que autorizou a despesa. Sem a instabilidade política a marcar o panorama nacional desde 2022, receberia apenas cerca de um terço dos 2,2 milhões.

    Na lista dos beneficiados segue-se a TVI, do grupo Media Capital, que auferiu de 2,1 milhões de euros graças à realização de três eleições à Assembleia da República. Pelo tempo de antena do acto eleitoral que está a decorrer agora, a estação recebe 779,392 euros. O mesmo raciocínio (e montante recebido) se aplica se não houvesse instabilidade política.

    No caso da estação pública, a RTP, coube-lhe receber 1,3 milhões de euros de compensação em três períodos eleitorais das legislativas, sendo que 470.618 euros lhe foram atribuídos pelas eleições que agora decorrem. Saliente-se que pagamento das compensações surge na sequência do leilão de atribuição de tempos de antena que, no caso das actuais eleições legislativas, decorrer no dia 30 de Abril.

    Compensação paga pelo Estado aos canais generalistas de televisão e estações de rádios pelos tempos de antena nas eleições legislativas de 2022, 2024 e 2025. / Fonte: Diário da República / PÁGINA UM

    Mas não são só as televisões que beneficiam da instabilidade política. As principais rádios generalistas também lucram com a realização de eleições e respectivos tempos de antena. Segundo o despacho publicado em Diário da República, e feito pelo ministro dos Assuntos Parlamentares no dia do ‘apagão’, a Rádio Renascença é a que mais beneficiada, cabendo-se agora quase 320 mil euros. Somando os três actos eleitorais encaixa 913.740 euros de compensação do Estado.

    Segue-se a Rádio Comercial, que recebe 697.701 euros em três legislaticas, sendo que a verba que lhe cabe nestas eleições é de 255.133 euros. Por fim, coube à RDP a verba de 212.387 euros de compensação pelos tempos de antena dos partidos, no conjunto dos três últimos actos eleitorais para a Assembleia da República.

    A estas despesas juntam-se valores mais pequenos (95.486 euros) pagos às rádios TSF, M80 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal pelo tempo de antena nas eleições legislativas deste ano. Saliente-se que, no âmbito das eleições na Madeira, do passado dia 23 de Março, os contribuintes pagaram 77.972,11 euros ao Centro Regional da Madeira da Radiotelevisão Portuguesa, Antena 1 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal.

    Tempo de antena do PS nas eleições para a AR de 18 de Maio de 2025. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do tempo de antena do PS

    Contas feitas, no total, as três estações de TV e as três rádios generalistas encaixaram mais de 7,5 milhões de euros de compensação dos tempos de antena referentes a eleições para a Assembleia da República desde 2022, rondando assim um custo de 2,5 milhões de euros por cada acto eleitoral. Se considerarmos que desde 2019 somente deveria ocorrer um acto eleitoral, estes órgãos de comunicação social tiveram ‘receitas extraordinárias’ de cerca de 5 milhões de euros.

    É caso assim para dizer que, para estas televisões e rádios, a crise política é mesmo uma oportunidade de negócio, porque, além de a instabilidade gerar mais notícias para preencher noticiários e ‘encher chouriços’ na programação, acumulando comentadores, também serve para encher os cofres com uma receita fácil. É só receber a ‘fita’ gratuita e mandar a factura.