Autor: Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira

  • Casa roubada, trancas à porta: ICNF vai gastar 27,5 milhões em veículos de prevenção e combate a fogos

    Casa roubada, trancas à porta: ICNF vai gastar 27,5 milhões em veículos de prevenção e combate a fogos


    Mais vale tarde do que nunca. Mas no caso dos fogos rurais, há medidas que chegam tarde demais. Depois de um ano trágico de fogos rurais em Portugal, é no Outono que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)dá ordem de compra de meios terrestres e equipamento para prevenção e combate a incêndios.

    No total, em quatro concursos públicos, o ICNF vai gastar até perto de 27,5 milhões de euros, sem IVA, para comprar viaturas ligeiras, tractores, uniformes e equipamento de protecção individual para equipas de sapadores de prevenção e combate aos fogos rurais.

    / Foto: D.R.

    O caso não é para menos. Afinal, segundo dados do Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais, citados pelo ICNF, arderam este ano 269.941 hectares, dos quais 46% relativos a área ardida de povoamentos florestais, 43% de matos e 11% de terrenos agrícolas. este ano foi o quarto pior de sempre, apenas atrás de 2017, 2003 e 2005. No total, até ao dia 22 de Outubro, registaram-se 8.458 ocorrências.

    Paradoxalmente, o investimento na prevenção é feito em mais um ano de desastres, e numa altura em que o Orçamento do Estado até reduz em nove milhões as verbas públicas disponibilizadas, que passará para apenas 44,7 milhões de euros. Porém, o ICNF tem os bolsos cheios para ir às compras por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

    No total, através deste pacote financeiro pós-covid, foram atribuídos a este Instituto 188 milhões de euros para gastar em 138 projectos aprovados no âmbito do PRR.

    Área ardida por ano desde 2021. Fonte: ICNF. Análise: PÁGINA UM.

    Perante as estatísticas, o ICNF “abriu os cordões à bolsa” — com financiamento do PRR — e lançou concursos para a compra de equipamento. Um dos concursos que está a decorrer envolve a compra “de 218 unidades de maquinaria pesada (tractores) e respectivas alfaias destinadas à prevenção e combate de fogos rurais”. O valor base do contrato é de 22.544.500 euros.

    Este concurso é composto por dois lotes, um para a compra de 51 tractores florestais “de tipo 1 e respectivas alfaias” e outro relativo à aquisição de 167 tractores florestais “de tipo 2 e respectivas alfaias”.

    Outro concurso que está a decorrer, também financiado pelo PRR, envolve “a aquisição de 55 veículos ligeiros de combate a incêndios para as equipas de sapadores florestais”. Neste caso, o valor base é de 4,4 milhões de euros, com o preço base unitário de 80 mil euros.

    Imagem que consta do caderno de encargos relativo ao concurso para compra de veículos ligeiros pelo ICNF.

    Também a decorrer está o concurso do ICNF para “aquisição de uniformes e de equipamentos de proteção individual para os operacionais na área da gestão de fogos rurais”, composto por três lotes distintos, e que envolve uma despesa de 320.513 euros. O contrato a adjudicar terá um prazo de execução de sete meses. Este procedimento é cofinanciado pelo PRR.

    Já fechado está o concurso para “aquisição de serviços de operação de veículos no âmbito do DECIR (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais) 2025” e que tem um valor base de 220 mil euros. Esta compra sai do bolso do ICNF, já que não menciona qualquer financiamento comunitário.

    Mas estas medidas já chegam tarde para os que perderam tudo nos fogos deste ano, em Portugal.

    a fire is burning on the side of a road
    Foto: D.R.

    O mesmo se aplica à campanha publicitária de prevenção de incêndios rurais que o ICNF aprovou em Maio e que só viu a luz do dia no final de Agosto, como o PÁGINA UM noticiou. Nessa campanha, o governo despejou, através dos cofres do ICNF, 725 mil euros em publicidade na comunicação social para a “difusão de publicidade institucional, no âmbito da campanha de sensibilização para a redução dos incêndios rurais”.

    Agora, com a chuva de Outono à porta e temperaturas amenas, os meios de combate e prevenção de incêndios estão a ser encomendados pelo ICNF e a população está a ser informada. Para a floresta já ardida, já chegam tarde. Pelo menos, no próximo Verão o ICNF terá meios para evitar o pior.

  • ‘Quinta de luxo’: Banco de Portugal gasta 61.500 euros em peças para piscinas

    ‘Quinta de luxo’: Banco de Portugal gasta 61.500 euros em peças para piscinas


    O Banco de Portugal encomendou a troca de peças para as duas piscinas que tem na sua quinta de luxo em Odivelas, que classifica como ‘centro de formação’. Pela troca das peças o Banco de Portugal deverá gastar 61.500 euros.

    Em causa está a “substituição das centrais hidráulicas das piscinas da Quinta da Fonte Santa”, um espaço com 22 hectares, às portas de Lisboa, que é propriedade do Banco de Portugal.

    Quinta da Fonte Santa, em Odivelas. / Foto: D.R.

    Em concreto, o objecto da encomenda abrange “a remoção de equipamentos e componentes existentes nas centrais hidráulicas e posterior fornecimento, instalação, ligação e comissionamento de novos equipamentos e componentes, nas centrais hidráulicas das piscinas do Centro de Formação da Quinta da Fonte Santa do Banco de Portugal”. A informação consta do caderno de encargos do concurso público cujo prazo terminou no dia 15 deste mês.

    Segundo os detalhes da encomenda, “pretende-se dotar a central hidráulica da piscina 1, com três unidades de electrobomba do tipo ARAL Plus C-3000 7.5CV 400V, ou equivalente”. Para a “circulação do chapinheiro, piscina das crianças, pretende-se o fornecimento, instalação e comissionamento de duas unidades de eletrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1CV 230V, ou equivalente.

    Por fim, “para a central hidráulica da piscina 2, pretende-se o fornecimento e aplicação de duas unidades de electrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1.5CV 400V, ou equivalente”. O serviço inclui a “substituição dos equipamentos existentes, com todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários ao seu correto funcionamento”.

    A verba que agora o Banco de Portugal vai despender é uma “gota de água” no contexto dos gastos de manutenção que a sua quinta de luxo exige anualmente. Recorde-se que só na manutenção dos espaços verdes da Quinta da Fonte Santa foram gastos 1,6 milhões de euros (com IVA) em sete anos.

    Uma das piscinas da Quinta da Fonte Santa. / Foto: D.R.

    Quanto à limpeza do espaço, tem um encargo de 1.724.460 euros (com IVA) nos próximos cinco anos, segundo o contrato assinado pelo Banco de Portugal no início de Dezembro do ano passado.

    De resto, com a excepção dos contratos referentes aos encargos com a quinta, pouca informação pública se encontra sobre a propriedade, designadamente no site e relatórios do Banco de Portugal.

    A informação mais completa foi divulgada num comunicado que o Banco de Portugal emitiu em 2012 com um esclarecimento. Nesse comunicado, a instituição indicou que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao banco”.

    As duas piscinas foram ‘herdadas’, mas já registaram algumas remodelações ao longo do ano. Uma piscina de 25 metros de comprimento por 13 metros de largura não é para todas as ‘bolsas’: pode atingir um custo mínimo de 1,3 milhões de euros, com custos de manutenção anual acima de 50 mil euros.

    Vista aérea da Quinta da Fonte Santa. / Foto: Captura de imagem do Google Maps

    Ainda de acordo com o comunicado, “o banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho”. Também explicou que, “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações”.

    Uma certeza existe agora: com este contrato que o Banco de Portugal vai adjudicar em breve, as águas das duas piscinas da sua quinta de luxo estarão garantidamente mais limpas para o bem-estar dos seus funcionários e convidados a desfrutar das várias actividades lúdicas disponíveis na propriedade.

  • Festa do Livro em Belém 2025: Marcelo estoura em música o dinheiro que daria para 15 bolsas literárias

    Festa do Livro em Belém 2025: Marcelo estoura em música o dinheiro que daria para 15 bolsas literárias


    Na próxima quinta-feira, e durante quatro dias, os jardins do palácio presidencial de Belém abrem as portas aos amantes do livro para mais uma celebração dedicada à literatura e aos escritores. Mas a edição deste ano do evento cultural promovido por Marcelo Rebelo de Sousa desde 2016 dever-se-ia chamar antes, mais apropriadamente, Festa da Música Pop & Rock. Isto porque, na derradeira festa em prol da promoção dos escritores e das letras, o Presidente da Republica decidiu puxar da pena e do tinteiro e ‘passar um cheque’ de 235.594 euros para a contratação de estrelas da música rock e pop nacionais.

    Assim, em quatro dias de festa do livro, só em cantorias e guitarradas (e outros instrumentos, claro) a Presidência da República vai gastar uma verba equivalente a quase 16 bolsas anuais de criação literária de 15.000 euros, como as que são atribuídas anualmente pelo Governo. Essas bolsas podiam acrescentar-se às (apenas) 24 que serão atribuídas este ano pelo Governo para a poesia, ficção narrativa, dramaturgia e ensaio. A verba para os efémeros concertos daria para comprar quase 14 mil livros ao preço unitário de 17 euros.

    Feira do Livro de Belém: escritores são os reis, mas quem recebe são os músicos.. Foto: Pedro Matias / Museu da Presidência.

    O evento, que tem este ano a sua oitava edição — depois de uma pausa de dois anos na pandemia de covid-19 — sofreu um adiamento devido à tragédia no elevador da Glória. Vai agora ter lugar entre os dias 25 e 28 de Setembro e conta com uma programação que inclui jogos didáticos, debates, sessões de autógrafos, apresentações de livros mas, sobretudo, concertos musicais.

    O cartaz de música anunciado conta com a performance de cinco estrelas nacionais: Xutos & Pontapés, Rui Veloso Trio, Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco e Fernando Daniel — este último adicionado à programação após o adiamento do evento.

    A animação musical do primeiro dia da Festa do Livro em Belém custou 68.080 euros aos contribuintes. Isto porque sobem ao palco no dia 27 de Setembro o Rui Veloso Trio, cuja contratação, feita através da PG Booking, ascendeu a 34.870 euros, com IVA incluído. O contrato não foi redigido a escrito, pelo que não está disponível no Portal Base, onde ficam registados os contratos públicos. Também actuará no mesmo dia a cantora Carolina Deslandes, por um custo de 33.210 euros, por via de um contrato feito com a empresa Sons em Trânsito, que também não foi redigido a escrito.

    Marcelo Rebelo de Sousa na primeira edição da Festa do Livro em Belém com o escritor luso-americano Richard Zimler / Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Museu da Presidência

    No segundo dia do evento, a animação musical ficará a cargo de Bárbara Tinoco, que cobrou 33.210 euros à Presidência da República, através da empresa Primeira Linha.

    No dia 27 de Setembro, será a vez de subir ao palco o cantor Fernando Daniel, que bisa a presença neste evento anual da Presidência. A contratação do artista ainda não se encontra registada no Portal Base. Mas no ano passado, o cantor cobrou 31.057 euros, com IVA, através da Universal Music Portugal, para actuar na Festa do Livro em Belém.

    A edição deste ano do evento termina com um concerto dos Xutos & Pontapés que cobraram 53.505 euros para actuar, através da Xutos 6 Pontapés – Produções Musicais. O contrato também não foi redigido a escrito.

    A banda de rock Xutos & Pontapés encerra a Festa do Livro em Belém 2025 por um custo de 53.505 euros. / Foto: D.R.

    Aos custos da contratação destas “estrelas” acrescem mais três contratos. Um deles, no valor de 23.973 euros, é relativo à “aquisição de serviços de riders técnicos de som e luz para os concertos”. Para o efeito, foi contratada a empresa Rapsódia de Ritmos, sem haver contrato escrito.

    Foi também adjudicado um contrato no valor de 17.035 euros à empresa Wireless Voice referente à “aquisição de serviços audiovisuais, som e luz para os viveiros e cablagem e transmissão vídeo e áudio dos concertos no Led Wall”. Já a “aquisição de aluguer de palco” foi adjudicada à WiseDevotion, por 8.733 euros.

    Além de apostar em concertos de música rock e pop, esta edição da Festa do Livro em Belém contrasta com as anteriores em matéria de custos com animação musical. Uma análise aos contratos registados no Portal Base revela que a despesa com a contratação de cantores e bandas nos anos anteriores foi muito inferior à registada este ano.

    Jardins de Belém enche de livros mas escritores continuam a ser o parente pobre da Cultura. Foto: Museu da Presidência

    Marcelo Rebelo de Sousa despede-se, assim, com uma Festa do Livro de arromba do seu mandato final na Presidência. Mas, se tivesse antes aplicado os 235.594 euros gastos em concertos este ano, no investimento em literatura, Marcelo poderia ter incluído no seu legado como Presidente da República a criação de 15 bolsas de criação literária, e ainda dava mais um meses para uma mais.

    Mas, numa sociedade que vive de costas voltadas para a leitura e em que proliferam posts e selfies, não admira que até a Presidência prefira gastar verbas em arraiais de música, mas, claro, com a Literatura na lapela e os escritores no bolso.

  • Caricato: Autarquias pagam milhões de euros por formação em literacia financeira que o Estado até dá de borla

    Caricato: Autarquias pagam milhões de euros por formação em literacia financeira que o Estado até dá de borla


    No que toca a literacia financeira, há autarquias que, não se duvide, precisam de umas aulas para aprender a gerir melhor o seu orçamento e poupar. É que alguns municípios têm gastado milhares de euros a contratar, por ajuste directo, serviços de educação financeira nas escolas públicas quando têm disponível um programa educativo gratuito da iniciativa ‘Todos Contam’ dos três reguladores financeiros.

    Só este mês de Setembro, no espaço de oito dias, duas autarquias entregaram quase 100 mil euros à empresa privada Doutor Finanças para fornecer manuais sobre literacia financeira e disponibilizar um curso online.

    Foto: Imagem do vídeo sobre a plataforma gratuita ‘Todos Contam’ dos três reguladores financeiros: CMVM, Banco de Portugal e ASF. / D.R.

    O município de Santa Maria da Feira adjudicou no passado dia 8 de Setembro um contrato no valor de 74.250 euros à Doutor Finanças para a aquisição de “serviços para acções formativas de promoção de literacia financeira para alunos do 8.º ano do 3.º CEB (ciclo do ensino básico) enquadrado no Plano Estratégico Educativo Municipal”. O contrato tem um prazo de execução máximo, de forma continua, de 36 meses e foi adjudicado por ajuste directo após um procedimento de “contratação excluída”.

    O contrato foi registado incorrectamente no Portal Base, que justifica o ajuste directo com a alínea d) do artigo 20º do Código dos Contratos Públicos que permite a ausência de concurso público “quando o valor do contrato for inferior a 20.000 euros”.

    O contrato prevê a realização de “duas sessões de literacia financeira por turma, para um total de 50 turmas (um total de 100 sessões para o prazo total do contrato)” bem como a “elaboração
    de conteúdos programáticos de literacia financeira”.

    A empresa Doutor Finanças, fundada em 2014, presta aconselhamento financeiro e fornece outros serviços serviços, como a intermediação de crédito. / Foto: Captura de ecrã do site da empresa Doutor Finanças

    A empresa terá a seu cargo “o recrutamento da equipa de facilitadores, materiais de desgaste e todas as deslocações necessárias à implementação semanal do projeto nos 9 agrupamentos de escolas do município”.

    O contrato exige que sejam alocados dois formadores com o mínimo de dois anos de experiência para o desempenho do serviço: um formador qualificado na área de intervenção social, com formação em finanças pessoais e desenvolvimento pessoal; um formador qualificado em administração e gestão de
    empresas, com formação em finanças pessoais a particulares e
    empresas.

    Também o município de Espinho contratou a Doutor Finanças por ajuste directo, através de um contrato assinado no passado dia 1 de Setembro, no montante de 19.999 euros, para a “aquisição de livros e curso online” no âmbito de um projeto literacia financeira. Recorde-se que a legislação permite a realização de ajuste directo se o valor do contrato for inferior a 20.000 euros.

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    Foto: D.R.

    Este contrato visa conferir literacia financeira a alunos e respectivas famílias, sobretudo as mais vulneráveis, e tem um prazo de execução de 45 dias.

    O montante pago inclui a aquisição de exemplares do livro Doutor Finanças e a Bata Mágica, “que introduz os mais novos ao mundo das finanças de forma lúdica e acessível”. Inclui ainda “a aquisição do curso online “Orçamento Pessoal e Familiar” com a duração de oito horas. Este curso “oferece aos adultos formação prática e concreta para a gestão do orçamento familiar” e, por ser online, “as famílias poderão fazer o mesmo, ao ritmo que desejarem e sem interferir no seu quotidiano”.

    Assim, em apenas oito dias, a empresa Doutor Finanças facturou 94.249 euros, valor a que acresce IVA, para fornecer serviços de “literacia financeira” em escolas. Em Outubro do ano passado, a empresa já tinha obtido um primeiro contrato, com a autarquia de Ovar, no valor de 11.644,40 euros, sem IVA, no âmbito de um “ciclo sobre literacia financeira”.

    Folheto do Plano Nacional de Formação Financeira e do portal ‘Todos Contam’ que fornece informação e formação gratuita sobre literacia financeira. / Foto: Imagem de um folheto da iniciativa ‘Todos Contam’

    Esta empresa, criada em 2014, presta aconselhamento financeiro e de investimentos e actua ainda como intermediário de crédito à habitação, entre outros serviços.

    Além de se questionável as autarquias estarem a promover uma marca privada de serviços financeiros a alunos, pais e professores de escolas públicas, a principal dúvida é por que motivo estes municípios não solicitaram acções de formação da iniciativa ‘Todos Contam’, a qual é gratuita.

    A iniciativa insere-se no Plano Nacional de Formação Financeira criado em em 2011 pelos três reguladores financeiros: Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM); Banco de Portugal; e ASF-Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. O seu objectivo é melhorar os conhecimentos financeiros da população e contribuir para que tenham comportamentos financeiros adequados. O Plano trabalha com uma rede de parceiros públicos e privados.

    A iniciativa dos reguladores disponibiliza acções de formação, manuais de literacia financeira e uma área de e-learning, entre outros recursos educativos. Todos os serviços prestados são grátis.

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    Foto: D.R.

    As autarquias podem contactar a iniciativa ‘Todos Contam’ para pedir acções de formação gratuita em literacia financeira. Também podem descarregar a imprimir os manuais e outros recursos pedagógicos disponibilizados no site. E várias autarquias têm-no feito.

    No caso dos manuais de literacia financeira para os mais novos, a iniciativa ‘Todos Contam’ disponibiliza a série Cadernos de Educação Financeira que conta com um Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-escolar, três volumes para os três ciclos do ensino básico, os Cadernos de Educação Financeira 1, 2 e 3, respetivamente, e um para o ensino secundário, o Caderno de Educação Financeira 4. Estes cadernos estão disponíveis para serem descarregados no portal ‘Todos Contam’ e no site da Direção-Geral da Educação.

    Além dos cadernos e outros guias e recursos técnico-pedagógicos disponíveis gratuitamente, a iniciativa também dá formação a professores. A mais recente noticiada na plataforma decorreu em Lagos, no passado mês de Abril.

    Dois dos cadernos de educação financeira disponíveis para descarregar no portal ‘Todos Contam’ e também no site da Direcção-Geral da Educação.

    De resto, o portal oferece guias, informação e simuladores dirigidos a particulares, mas também a empresas.

    O PÁGINA UM questionou os dois municípios sobre a contratação da empresa Doutor Finanças. Em resposta por escrito enviadas ao PÁGINA UM, o município de Santa Maria da Feira justificou a adjudicação do contrato por ajuste directo, no âmbito de um procedimento de “contratação excluída”, com o facto de “o objeto específico do contrato corresponde à realização de sessões de formação”.

    Justificou também que “o preço base foi obtido através de consulta preliminar informal ao mercado, conforme previsto no Código dos Contratos Públicos”.

    Segundo a autarquia, não foi solicitada formação gratuita no âmbito da iniciativa ‘Todos Contam’ porque “a entidade convidada [Doutor Finanças] apresentou um plano específico dirigido aos alunos do 8.º ano, com sessões em formato presencial”. Segundo o município, “esta abordagem representa uma mais-valia pedagógica, uma vez que favorece a transferência efetiva de competências para os alunos”.

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    Foto: D.R.

    Adiantou que, “apesar do seu inegável interesse, esta iniciativa [Todos Contam] não contempla sessões presenciais para os alunos do 8.º ano”. Contudo, a iniciativa ‘Todos Contam’ dá formação a professores e educadores para que estes possam também transmitir informação sobre literacia financeira aos mais novos. A iniciativa tem respondido positivamente a solicitações de autarquias sobre formação em literacia financeira e os municípios podem pedir acções de formação grátis quando quiserem.

    Quanto ao município de Espinho, até à publicação deste artigo ainda não respondeu às questões enviadas ontem de manhã pelo PÁGINA UM.

    Mas a Doutor Finanças não é a única entidade que tem lucrado com os programas de literacia financeira. Nos contratos disponíveis no Portal Base analisados pelo PÁGINA UM a Fundação António Cupertino de Miranda destaca-se como campeã nos contratos públicos para prestação de serviços relacionados com literacia financeira.

    Esta Fundação facturou nos últimos 10 anos um total de 2.286.494 euros em 56 contratos públicos relacionados com literacia financeiras, grande parte dos quais nos anos mais recentes. Só desde 2023, a fundação criada pelo banqueiro Artur Cupertino de Miranda, falecido em 1988, e com sede em Vila Nova de Famalicão, assegurou a adjudicação de 30 contratos desta natureza com autarquias e comunidades intermunicipais, que somam quase 1,5 milhões de euros.

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    Foto: D.R.

    Entre os municípios, destacam-se os acordos estabelecidos com Gondomar, que totalizam 203.475 euros em diferentes contratos, bem como o Porto, com 174.400 euros. Também Santa Maria da Feira firmou contratos no valor de 102.000 euros, enquanto Valongo se comprometeu com 109.660 euros. Outros municípios a surgirem com contratos relevantes são Guimarães (67.400 euros), Paredes (93.000 euros) e a Trofa (72.000 euros), valores que confirmam uma rede de cooperação financeira alargada entre a fundação e as autarquias do Norte do país.

    No plano das comunidades intermunicipais, o peso financeiro é igualmente notável. Só a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa contratualizou 135.000 euros, seguido da do Cávado, que celebrou dois contratos no valor conjunto de 92.325 euros. A Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa figura também como um parceiro assíduo, com três contratos que somam 153.000 euros, ao passo que a Comunidade do Ave aparece com um total de 52.175 euros.

  • Impresa: em 10 anos, Balsemão pai & filhos sacam 6,6 milhões em salários e pensões

    Impresa: em 10 anos, Balsemão pai & filhos sacam 6,6 milhões em salários e pensões


    Francisco Pinto Balsemão, fundador e ainda ‘patrão’ da Impresa, tem recebido nos últimos tempos várias homenagens e galardões públicos, como a Ordem de Camões na semana passada. Mas também tem levado para casa outros valores: mais concretamente milhões de euros em salários e complementos de pensão pagos pelo seu grupo de media, que vive uma crónica crise financeira.

    Mas não é só o ‘pai’ que tem amealhado fortuna à custa de uma holding que tem um saldo negativos de resultados acumulados na última década de 47,3 milhões de euros, com prejuízos particularmente elevados em 2017 e no ano passado. Os seus filhos Francisco Pedro e Francisco Maria – que estão a herdar os destino do grupo que detém, entre outros, a SIC e o Expresso -, não se têm saído nada mal, segundo uma análise do PÁGINA UM aos vencimentos dos três Franciscos que constam nos relatórios e contas anuais.

    Francisco Pinto Balsemão, fundador e ‘chairman’ da Impresa, dona da SIC e do Expresso, num vídeo de apresentação do livro ‘Memórias’, em 2021./ Foto: D.R.

    No global, se a Impresa é conhecida por nunca ter pagado dividendos aos accionistas, a cúpula da família Balsemão tem visto os frutos da sua gestão do grupo de media caírem à sua mesa: na última década, contabilizam-se quase 6,6 milhões de euros apenas em salários e complemento de pensão. De fora, estão outros benefícios eventuais, incluindo viaturas e despesas diversas pagas pela Impresa.

    No caso do patriarca da família, Francisco Pinto Balsemão – que foi CEO até 2012, passando a partir daí, aos 75 anos, a ser a chairman (sem funções executivas) – tem auferido anualmente um salário de 106.400 euros a que acresce 184.739 euros de complemento de pensão da própria empresa. Somado, Balsemão tem recebido desde 2016 mais de 291 mil euros por ano do seu grupo. Ou seja, uma média mensal de quase 21 mil euros em 14 meses. Na última década, amealhou 3,0 milhões de euros, valor que inclui as verbas recebidas em 2015 e também os três anos em que auferiu de prémios no valor global de 79.800 euros.

    Já Francisco Pedro, actual CEO com 45 anos, tem recebido 280 mil euros de vencimento como presidente-executivo do grupo desde 2017. Em 2016, o salário foi de ‘apenas’ 236 mil euros. Assim, em 10 anos, o filho/gestor recebeu 2,7 milhões de euros da dona da SIC. O valor engloba um total de prémios de 240 mil euros obtidos em três exercícios, mas exclui despesas e outros benefícios pagos pela Impresa, como viatura, despesas de deslocação, subsídio de almoço e outras.

    Francisco Pedro Balsemão tem desempenhado o cargo de CEO da Impresa desde 2016, levando para casa 280 mil euros por ano, excluindo extras. / Foto: D.R.

    Quanto a Francisco Maria, nascido em 1970, mantém-se na administração há mais de uma década. Em 2015, ganhaou, como vice-presidente da Impresa, 406 mil euros em vencimento fixo. Com a entrada de Francisco Pedro para o cargo de presidente-executivo, o seu vencimento passou para apenas 49 mil euros, excluindo eventuais extras. Tudo somado, na última década, ganhou 847 mil euros em vencimentos na Impresa.

    Os rendimentos da cúpula Balsemão contrastam com os resultados do grupo: do lucro líquido de 11 milhões de euros que a Impresa ainda registou em 2014, há uma década, o grupo passou para um prejuízo recorde de 66,2 milhões de euros no ano passado.

    Mas o passivo subiu de 80 milhões em 2014 para quase 128 milhões de euros no ano passado, mesmo depois de se ter libertado dos ‘activos tóxicos’ da Impresa Publishing, que dariam origem à Trust in News, nas mãos de Luís Delgado, agora em insolvência. Enquanto isso, as receitas quebraram: eram de 237 milhões de euros em 2014 e no ano passado ficaram nos 182 milhões, ou seja, uma queda de 23% – e isto sem contabilizar a inflação.

    Evolução em bolsa das acções da Impresa.

    Nos seus relatórios e contas, a Impresa aponta que um dos critérios usados para decidir as políticas de remuneração dos quadros de gestão é o facto de a empresa estar cotada em Bolsa e, portanto, querer alinhar os salários dos gestores aos de outras cotadas de similar dimensão. Isto apesar de as acções da Impresa estarem hoje a cotar em Bolsa na casa dos 10 cêntimos quando em Abril de 2014 ainda chegaram a aproximar-se dos 2 euros. Daí para cá, em pouco mais de 11 anos, a queda em bolsa foi de quase 95%.

    Mas, além do trio formado pela cúpula da família Balsemão, também Mónica Balsemão, filha do patrão da Impresa, tem trabalhado no grupo, ocupando um lugar de destaque no sector do marketing há mais de 30 anos. Começou no Expresso, mas, mais tarde, também assumiu a pasta de marketing tanto da Impresa Publishing como das marcas da SIC. Esteve durante mais de uma década à frente da direcção de marketing, comunicação e criatividade, do grupo.

    Desde 2023, Mónica Balsemão deixou estas funções para passar a tratar do reforço de imagem e reputação institucionais da Impresa bem como do desenvolvimento de projectos transversais, com apoio directo à comissão executiva.

    Foto: PÁGINA UM

    Assim, enquanto o grupo vai sangrando ao longo dos anos, com o despedimento de quadros, incluindo jornalistas, a família Balsemão vive uma era de ouro, como se não houvesse crise no seu grupo de media nem no sector da imprensa.

    Mas a crise está lá. Com efeito, como o PÁGINA UM noticiou, o império de media da família Balsemão, através da empresa Balseger, está em verdadeiro colapso financeiro. E a sua manutenção no controlo da Impresa – onde só detém 35,9%, uma vez que tem 71,41% dos direitos de votos via Impreger – está a transformar-se numa mão ‘cheia de quase nada’.

    Segundo uma análise do PÁGINA UM, a erosão financeira da Balseger – a holding criada em 2010 por Francisco Pinto Balsemão para concentrar os seus interesses na Impresa – é gigantesca: em apenas década e meia, os capitais próprios caíram de cerca de 75 milhões de euros para apenas 9,4 milhões, uma perda de 87%, quase nove décimos do “património mediático” de Pinto Balsemão.

    Resultados anuais da Impresa entre 2015 e 2024. Fonte: Relatórios e contas da Impresa. Análise: PÁGINA UM

    Além disso, o nome Imprensa tem estado envolvido em controversias. As dificuldades financeiras têm levado o grupo a fazer alguns negócios polémicos, como a venda do portefólio de revistas à Trust in News (TIN), de Luís Delgado, que está em situação de insolvência. Delgado está mesmo a cumprir uma pena suspensa de cinco anos devido a dívidas fiscais acumuladas pela TIN e arrisca novas condenações que o podem levar a cumprir pena efectiva.

    Outro negócio polémico foi a venda, e posterior recompra, ao Novo Banco do seu edifício-sede em Paço de Arcos. Estes negócios levaram o Ministério Público a investigar a existência de eventual corrupção envolvendo a Impresa, mas concluiu, com fraca fundamentação, pela não existência de matéria criminal.

    Foto: D.R.

    Recentemente, Francisco Pedro Balsemão tentou vender, de novo, o edifício, desta vez a um fundo imobiliário do BPI, grupo onde o actual vice-presidente da Impresa foi administrador até 2024. Mas o negócio ruiu devido a alegados problemas fiscais passados em torno do imóvel.

    Seja como for, nem os prejuízos recorde, a desvalorização das acções ou os negócios estranhos têm afectado o estilo de vida abastado dos membros família Balsemão, nem os seus rendimentos. Pelo menos os que vêm da Impresa.

  • Elevador da Glória: Fidelidade é a seguradora da Carris

    Elevador da Glória: Fidelidade é a seguradora da Carris


    A Fidelidade, da chinesa Fosun, é a companhia de seguros contratada pela Carris, à qual deverá caber pagar as eventuais indemnizações devidas às vítimas e respectivas famílias, na sequência do trágico acidente que ceifou 17 vidas e deixou duas dezenas de feridos graves.

    A companhia de seguros foi contratada pela Carris no dia 16 de Novembro de 2023, após o lançamento de um concurso público. O contrato, no valor de 11.738.184 euros, teve início a 1 de Janeiro de 2024, com um prazo de 12 meses, sendo prorrogável até ao máximo de três anos.

    / Foto: D.R.

    Segundo o contrato, a apólice cobre “serviços de seguros para a Carris, nos seguintes ramos: responsabilidade civil automóvel; acidentes de trabalho; multirriscos; responsabilidade civil exploração”.

    Refere que “no ramo automóvel (Lote 1), estão os riscos e responsabilidades a transferir, e abrangem: seguro obrigatório de responsabilidade civil; coberturas facultativas (para a frota de apoio – danos próprios, furto ou roubo, quebra isolada de vidros, fenómenos da natureza e actos de vandalismo, assistência
    em viagem, ocupantes e viatura de substituição”.

    As especificações técnicas respeitantes a este procedimento constam das cláusulas técnicas e respetivos anexos, que são parte integrante do caderno de encargos, o qual não está disponível publicamente.

    / Foto: D.R.

    Ao concurso público lançado em 2023, concorreram, além da Fidelidade, a Generali, a Lusitânica, a MDS e a Willis.

    Este contrato com a Fidelidade é o mais recente adjudicado pela Carris para a aquisição de serviços de seguros e divulgado no Portal Base. Não consta na plataforma outro contrato de seguros da Carris recente, designadamente um específico para os ascensores.

    As indemnizações a pagar na sequência deste trágico acidente poderão ser superiores ao habitual se forem abertos processos contra a Carris nos países de origem das vítimas.

    Uma das questões que se colocou ontem, após o acidente, foi o facto de a Carris não ter nenhum contrato de manutenção dos ascensores em vigor que esteja divulgado no portal de registo de contratos públicos, o Portal Base, como o PÁGINA UM noticiou em primeira mão.

    A companhia terá indicado que tem um contrato de manutenção válido por via de um ajuste directo que adjudicou. Mas, até ao momento, ainda não divulgou qualquer contrato. Resta agora saber se o contrato eventualmente efectuado por ajuste directo, a existir, foi assinado antes ou depois do dia 1 de Setembro ou se terá sido assinado com efeitos retroactivos. Aspectos que são, eventualmente, cruciais para uma seguradora.

    Foto: D.R.

    Por norma os contratos são assinados com assinatura digital, cujo registo contém um ‘timestamp‘, um resgisto do dia e da hora da assinatura que torna quase impossível a adulteração de datas. Caso se conclua que não existia contrato de manutenção válido na altura do acidente, pode agravar o grau de negligência.

    O PÁGINA UM tentou obter respostas junto da Carris, através de diversos meios de contacto, designadamente solicitando a disponibilização do contrato de manutenção que a empresa afirma ter adjudicado por ajuste directo, mas até à publicação deste artigo, ainda não obtivemos respostas. Também consultado o Portal Base, não se encontra ainda publicado esse eventual contrato. Ainda não possível contactar a Fidelidade.

    Adenda:

    Cerca de 45 minutos depois da publicação desta notícia, a Fidelidade fez um comunicado de imprensa onde expressa “o seu profundo pesar e endereça sentidas condolências às famílias e amigos das vítimas”, Adiantou que “a prioridade absoluta neste momento é apoiar todos os que foram afetados por esta tragédia”.

    A companhia de seguros anunciou ainda a disponibilização de linha directa de atendimento telefónico “para apoiar as vítimas e as suas famílias”. Frisa que, “tendo em conta o elevado número de cidadãos estrangeiros envolvidos”, a linha está disponível em português, inglês e francês, “através do número (217948826), disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana”. A seguradora disponibiliza também “equipas especializadas de apoio psicológico”.

    Concluiu o comunicado reiterando a “total disponibilidade para colaborar com todas as entidades competentes e facilitar de forma rápida e transparente os processos de indemnização e de assistência necessários”.

  • Amadora: Câmara socialista gasta 246 mil euros em obra de cimento de oito toneladas para celebrar Mário Soares

    Amadora: Câmara socialista gasta 246 mil euros em obra de cimento de oito toneladas para celebrar Mário Soares


    A arte urbana vale ouro – pelo menos quando sai das mãos de Vhils, nome artístico de Alexandre Farto, um dos mais conceituados artistas plásticos da cena de street art ligada ao graffiti com obras em cidades como Londres, Xangai, Paris, Los Angeles e Hong Kong. E sobretudo vale ouro quando sai dos cofres públicos.

    Na sexta-feira passada, em vésperas de eleições, o município da Amadora, liderado pelo socialista Vítor Ferreira, decidiu encomendar uma uma peça artística — um diorama de oito toneladas — para comemorar o centenário do nascimento de Mário Soares, apesar de o antigo presidente da República e primeiro-ministro, falecido em 2017, ter nascido em Dezembro de 2024. Preço: 246 mil euros, com IVA incluído, uma vez que Vhils usará a sua empresa, a Silhuetas Difusas.

    Obra de Vhils na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. / Foto: D.R.

    De acordo com o caderno de encargos, a que o PÁGINA UM teve acesso, a obra ficará instalada na Praça da Liberdade, no antigo Ski Skate Park, na cidade da Amadora, e terá uma altura de 2,5 metros e um comprimento de cinco metros. E será “construído integralmente em cimento, conferindo-lhe uma solidez e durabilidade apropriadas para o espaço público. No documento, destaca-se que “a escolha do material reforça a ideia de permanência e resistência, em consonância com os ideais que a obra procura representar”, ou seja, o papel de líder socialista na implantação da democracia.

    O contrato relativo a esta encomenda, que foi adjudicado por ajuste directo, prevê que o prazo para conclusão da peça artística “não poderá ser superior a 120 dias”, o que permitirá, eventualmente, que esteja pronta para as comemorações não do 100.º aniversário de Mário Soares, que foi em 7 de Dezembro de 2024, mas pelo menos de 101.º aniversário.

    Os custo da obra contempla tanto a “criação e concepção artística” como a “a execução, coordenação, desenvolvimento e finalização da obra artística e respetivos materiais e equipamentos de apoio”, e inclui ainda o transporte desde o atelier de Vhils até á praça escolhida para a instalação do diorama.

    Mário Soares. / Foto: D.R.

    O município da Amadora fica, porém, “responsável pelas intervenções necessárias, preparação do local e equipamento necessário (grua) para a instalação da obra artística no Parque da Liberdade, antigo Ski Skate Park, sito na Rua Carvalho Araújo, 105”.

    Este é o primeiro grande contrato público que Vhils garante em 2025. Até agora, desde Janeiro, tinha apenas registado um contrato por ajuste directo, de 11.880 euros, adjudicado pela autarquia de Santa Maria da Feira para “serviços de Restauro e Manutenção da Peça Diorama Cork Factory”.

    Mas ainda faltam quatro meses para o ano terminar e Vhils pode ainda angariar mais encomendas públicas. Foi o que aconteceu em 2024, quando facturou 442.505,6 euros através de quatro contratos com municípios. Um deles foi o da Amadora, que pagou então 113.955,60 euros pelo “fornecimento de obra artística pública”. Os outros três municípios foram Albufeira, Grândola e Castelo de Vide.

    Foto: D.R.

    Em 2023, o artista de 38 anos “apenas” ganhou 71.500 euros da autarquia de Albufeira pela “locação de exposição ART REEF by VHILS por Nuno Sá”.

    Em 2021 e 2022 não há registo de contratos públicos com o artista, mas o ano de 2020 foi o melhor: facturou 474.577 euros, sobretudo graças a uma aquisição de obra artística e prestação de serviços pela Estrutura de Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021. 

    Antes, Vhils ganhou 420.060,97 euros em 2017. Os outros dois anos em que houve encomendas públicas foram os de 2013 e 2014, com contratos de 11.550 euros e 19.900 euros, respectivamente.

    Foto: Instagram / D.R.

    Assim, apesar de 2025 ainda estar longe dos seus melhores anos em termos de encomendas públicas, com este ajuste directo do Município da Amadora, o ano já ficou “composto”.

    Assim, a empresa do artista lisboeta ainda poderá encaixar mais alguns milhares de euros com entidades públicas este ano. Para já, a Silhuetas Difusas tem outra tarefa a cumprir: publicar as contas de 2024, que já estão em atraso. E também as de 2023.

  • Joana Marques tornou-se milionária em 2024 e terá dinheiro para pagar a pronto uma (eventual) indemnização aos Anjos

    Joana Marques tornou-se milionária em 2024 e terá dinheiro para pagar a pronto uma (eventual) indemnização aos Anjos

    É uma sentença muito aguardada e ainda não tem data marcada, embora seja esperada para Setembro. Mas se o ‘julgamento do ano’ em Portugal, que opõe o dueto Anjos a Joana Marques, causou estupefacção pelo pedido de indemnização de mais de 1,1 milhões de euros, fica-se agora a saber que dinheiro não faltará: as demonstrações financeiras da Marques Leitão, empresa detida pela humorista e pelo marido, mostram um saldo bancário, no final de 2024, no valor total de 1.230.277 euros e mais 65 cêntimos. Na verdade, Joana Marques e o marido Daniel Leitão tornaram-se milionários no ano passado.

    Com efeito, de acordo com as contas da empresa constituída em 2016, inicialmente denominada Joana Marques e Daniel Leitão Lda., o ano passado foi de sucesso financeiro extraordinário, fruto de um crescimento dos negócios. Os lucros atingiram os 602 mil euros no ano passado. Este valor não inclui os 94 mil euros que o casal também recebeu a título de honorários como gerentes da empresa.

    Em 2024, Joana Marques e o marido, Daniel Leitão, facturaram mais de 1,3 milhões de euros através da sua empresa, Marques Leitão, Lda. / Foto: D.R./Instagram

    Este lucro de 2024 somou-se aos dos anos anteriores, pelo que em resultados transitados (lucros acumulados), a Marques Leitão soma agora quase 1,1 milhões de euros, sabendo-se que o ‘investimento’ inicial do casal (leia-se, capital social) foi de apenas 1.000 euros.

    Em todo o caso, de acordo com a análise do PÁGINA UM, os últimos dois anos marcam o ‘boom’ da empresa, muito fruto de Joana Marques se ter tornado uma das humoristas mais requisitadas, incluindo para campanhas publicitárias.

    No ano passado, a facturação da Marques Leitão ascendeu a quase 1,4 milhões de euros, quase triplicando as receitas de 2023, que se tinham cifrado nos 484 mil euros. Os lucros de 2024, por sua vez, quadruplicaram face ao ano de 2023, passando de 152 mil euros para 602 mil. Ou seja, mais de dois terços do património da empresa da humorista proveio dos resultados de 2023 e 2024. Acrescem ainda os honorários como gerentes no valor de 200 mil euros nesse período.

    A humorista da Renascença tem diversos contratos publicitários. Na imagem, surge na sua conta no Instagram a “vender” produtos de uma conhecida cadeia de lojas de cosmética e perfumaria. Mas também publicita outras marcas, como a fabricante dos chocolates Regina. / Foto: D.R. / Instagram

    Assim, contas feitas, numa eventualidade de Joana Marques ser condenada – e não quiser recorrer da decisão – terá liquidez para arranjar o valor máximo da indemnização solicitada pelos Anjos, bastando, por hipótese académica, uma simples transferência bancária. De facto, se os Anjos ganharem — e quando uma decisão judicial transitar em julgado —, no limite, os bens da humorista da Rádio Renascença podem ser executados, ou a sua quota na empresa, até porque Joana Marques e o marido têm um casamento em regime de comunhão de adquiridos.

    Ao invés, se a sentença absolver a humorista, os dois irmãos Nelson e Sérgio Rosado, integrantes dos Anjos, arriscam a pagar custas de 31 mil euros.

    Recorde-se que os Anjos processaram Joana Marques e exigem uma indemnização superior a 1,1 milhões de euros alegando que sofreram prejuízos — e até acne — depois da humorista ter gozado com a dupla que cantou o hino nacional numa cerimónia no âmbito daprova do MotoGP no Algarve em Abril de 2022.

    Nos seus diversos contratos publicitários, Joana Marques também “vende” hamburgers do McDonald’s. / Foto: D.R.

    O julgamento terminou no dia 11 de Julho e aguarda-se que seja marcada a sessão para leitura da sentença pela juíza Francisca Preto. Certo é que se a humorista for condenada ao montante máximo, não terá de se endividar para pagar aos Anjos, e até será previsível que, com o tempo entre recursos, venha a facturar mais uns milhões. E sem grandes dramas. de facto, a empresa marques Leitão conta apenas com dois empregados – a humorista e o marido -, e nem sequer tem dívidas bancárias nem custos com juros, sendo que o principal activo é o reconhecimento da própria Joana Marques como marca.

    O processo dos Anjos concedeu, na verdade, maior visibilidade à humorista que aprecia ‘atacar’ celebridades mas protegendo o status quo político e económico, até porque uma parte substancial das receitas provém de campanhas publicitárias, como as que tem feito recentemente para a seguradora Generali (Logo), a McDonald’s e a Perfumes & Companhia. A saúde financeira da sua empresa agradece e aplaude.

  • Youtuber brasileiro com 12 milhões de seguidores acusado de adultização pondera vir para Portugal

    Youtuber brasileiro com 12 milhões de seguidores acusado de adultização pondera vir para Portugal

    O anúncio espalhou-se rapidamente entre jovens fãs portugueses: um popular youtuber brasileiro, cujo canal foi banido no YouTube, surge num vídeo onde anuncia que pondera mudar-se para Portugal. O objectivo do streamer é poder escapar a nova legislação que o impede de gravar conteúdos com a participação de menores, sem autorização judicial prévia.

    Trata-se do influencer Felipe Sápio, conhecido como Taspio, que arrecadou 12 milhões de seguidores nas redes sociais junto do público infanto-juvenil, sobretudo com a publicação de vídeos em que participavam crianças e adolescentes.

    O influencer brasileiro Taspio tinha 12 milhões de seguidores nas redes sociais antes de o seu canal no YouTube ter sido fechado por alegadamente violar a lei, após denúncias feitas na plataforma. / Foto: D.R./ Instagram

    O anúncio de Taspio surgiu após vários streamers brasileiros que publicam vídeos no YouTube em que participam crianças e adolescentes terem visto os seus canais serem apagados pela plataforma. O canal de Taspio foi um deles, mas não foi o único. A plataforma também eliminou os canais dos populares streamers brasileiros João Caetano e Paty e Dedé, com a justificação de que violavam as políticas de segurança infantil. A decisão do YouTube foi confirmada ao portal de notícias da Globo, g1.

    Os três canais banidos pelo YouTube pertenciam a criadores de conteúdos residentes no estado do Paraná, no Brasil, e são conhecidos precisamente por produzirem vídeos com a participação de crianças e adolescentes. Os jovens que apareciam nos vídeos e em publicações nas redes sociais dos streamers eram organizados em grupos informais e chamados de “tropas”.

    Os canais foram banidos na noite de quarta-feira, 20 de Agosto, e permanecem inactivos. O YouTube indicou ao g1 que as denúncias que motivaram a remoção dos canais foram feitas de forma anónima na plataforma.

    João Caetano. O streamer brasileiro tornou-se uma celebridade junto do público mais jovem, graças aos seus vídeos. / Foto: D.R. / Instagram

    Os streamers estão agora a procurar reverter a decisão do YouTube. Num comunicado enviado ao g1, os influencers banidos garantiram que “não houve qualquer notificação prévia” por parte do YouTube e que a eliminação dos canais foi “em desacordo com a lei, uma vez que não oportunizou aos influenciadores o direito de resposta”.

    Mas os streamers ponderam uma alternativa. Num vídeo aparentemente feito em directo (‘live‘) na plataforma TikTok, e que tem sido republicado por várias contas nas redes sociais, Taspio sugere que, se não for possível voltar a gravar e a publicar vídeos com menores no Brasil, Portugal será o “plano B”. “Como isso é uma lei que aconteceu no Brasil, caso não dê certo (o recurso da decisão do YouTube e a reversão de legislação), a gente vai, todo o mundo, se mudar para Portugal, morar em Portugal e começar do zero em Portugal; são outras leis, outro mundo”, afirmou no vídeo feito em directo.

    Os canais destes streamers agora banidos do YouTube arrecadavam, em conjunto, dezenas de milhões de seguidores numa altura em que crianças e jovens trocaram há muito a televisão por conteúdos no YouTube e nas redes sociais. Entre crianças e adolescentes portugueses, os populares streamers brasileiros são muito conhecidos, com as suas casas com piscina, carros topo de gama e vídeos apelativos.

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    Foto: D.R.

    A decisão do YouTube surge após um caso polémico e também na sequência de uma decisão judicial no Paraná. Recorde-se que o Ministério Público (MP) do Estado do Paraná, obteve uma decisão judicial que proíbe influencers e empresas da cidade de Londrina, no Paraná, de produzir, gravar, divulgar ou partilhar conteúdos com crianças e adolescentes sem autorização judicial prévia.

    A decisão formalizada em Junho surgiu a partir de uma investigação iniciada em Abril, após o MP ter recebido denúncias sobre conteúdos audiovisuais considerados sensíveis e inadequados, envolvendo a participação de menores. A decisão também se aplica a conteúdos produzidos fora da cidade, desde que realizados por influencers e empresas sediados em Londrina.

    Entre os temas apontados nas publicações analisadas estavam violência física, sequestros, afogamentos, sexualização e relações precoces, bem como exposição de seminudez, bullying em público, consumo de álcool e tabaco, uso de armas – reais ou simuladas-, e tentativas de homicídio.

    João Caetano numa das suas publicações no Instagram. / Foto:

    A decisão do YouTube também surge no rescaldo da polémica em torno dos influencers Hytalo Santos e o seu companheiro, Israel Vicente, conhecido como Euro, que foram detidos por suspeitas de tráfico humano e exploração sexual de menores.

    Desde 2020 que o streamer publicava vídeos de menores com “cenas de namoro” e danças de teor sexual. Os dois streamers foram detidos depois do influencer Felca ter denunciado perfis que usam crianças e adolescentes para promover a “adultização infantil”. As suas contas nas redes sociais foram encerradas mas o canal do Spotify continua activo, como o PÁGINA UM verificou. O single ‘Empina essa bunda’ conta com mais de 9 milhões de audições.

    Estes casos no Brasil estão a colocar novos holofotes no tema dos limites da exposição de menores na Internet e no papel das gigantes tecnológicas na regulação de conteúdos sensíveis para crianças e jovens.

    Hytalo Santos e o companheiro encontram-se detidos acusados de tráfico humano e exploração sexual de menores. / Foto: D.R. / Instagram

    Mas não só. segundo o advogado Miguel Santos Pereira, caso algum, ou vários, dos populares influencers brasileiros se mudem de armas e bagagens para Portugal, vai também ser colocada na agenda o tema da exploração de menores em produção de conteúdos, sejam eles emitidos na Internet — redes sociais e plataformas — ou em outros media, como a televisão.

    “Pode mesmo haver um debate sobre a alteração da lei para melhor proteger os menores”, disse Santos Pereira. Isto porque “os pais, quando recebem dinheiro para os filhos participarem em produções, são beneficiários e podem não proteger os melhores interesses dos menores”, disse Santos Pereira.

    Um dos casos que em Portugal tem merecido críticas é a popular série Morangos com Açúcar – que está agora a reposição num canal por cabo – por acusações de exploração de menores e adultização de crianças e adolescentes.

    Foto: D.R.

    Recentemente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu arquivar uma participação contra o canal Biggs, dedicado ao público juvenil, na sequência da emissão de um episódio da conhecida série juvenil, que inclui uma cena sugestiva de um encontro sexual a três entre adolescentes, como o PÁGINA UM noticiou.

    Em todo o caso, o debate em torno do tema da adultização de menores na produção de conteúdos, bem como da responsabilização dos pais, pode ganhar nova força em Portugal, com a polémica em torno dos streamers no Brasil. Sendo que a transferência do exercício dos poderes parentais para as mãos do poder judicial, no caso de autorização para um menor participar em produção de conteúdos, levanta muitas questões.

    Seja como for, o debate sobre os limites da exposição de menores em vídeos e encenações e as questões sobre os efeitos da adultização de crianças e adolescentes estão, cada vez mais, na ordem do dia. Bem como o tema do acesso do público infanto-juvenil a certo tipo de conteúdos tanto na Internet como na televisão.

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    Foto: D.R.

    Na Austrália, foi anunciado, no final de Julho, que o YouTube será incluído na proibição das redes sociais para menores de 16 anos, na nova legislação que deverá entrar em vigor em Dezembro e que tem gerado forte polémica. Inicialmente, o Governo australiano tinha excluído a plataforma da proibição, a qual irá abranger o TikTok, o Instagram, o Facebook, o X e o Snapchat.

    A legislação está a ser tanto aplaudida como contestada por eventuais violações de privacidade, já que todos passarão a ter de provar a sua idade para aceder àquelas plataformas digitais.

    Por outro lado, há a dúvida sobre se menores de 16 poderão continuar a ter acesso a conteúdos naquelas plataformas, através de televisões, ou mesmo que não tenham conta. Além disso, poderão continuar aceder a outras plataformas e redes como o LinkedIn, o WhatsApp e o Roblox, que também apresentam perigos.

  • Trust in News: sem data para divulgar contas anuais, mantém-se dúvida sobre ‘rubrica misteriosa’

    Trust in News: sem data para divulgar contas anuais, mantém-se dúvida sobre ‘rubrica misteriosa’

    A comunicação oficial do encerramento definitivo de actividade da Trust in News (TIN) — dona de várias publicações, incluindo a revista Visão — está suspensa a aguardar, de novo, uma decisão dos credores, sobretudo a Autoridade Tributária e da Segurança Social, que são os principais credores da empresa que se encontra insolvente. Mas, enquanto se decide o futuro desta empresa de media, mantém-se uma incógnita sobre as contas de 2024, o que impede, até agora, de apurar a verdadeira magnitude das dívidas e de saber se o ‘reinado’ de Luís Delgado esteve envolto em contabilidade criativa com contornos de potencial fraude.

    A divulgação do relatório e contas da empresa referente a 2024 deveria estar concluída em finais de Julho, mas está atrasada e sem data para publicação. As contas nem sequer estão ainda fechadas, conforme apurou o PÁGINA UM. Aguarda-se assim por saber se a TIN vai efectuar uma ‘limpeza’ contabilística e alterar, por exemplo, uma rubrica misteriosa que permitiu a Luís Delgado evitar o registo de prejuízos ao longo de anos e esconder a real situação da empresa perante os trabalhadores, os credores e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Aliás, nenhuns dados financeiros relativos ao ano passado foram referenciados no Portal da Transparência dos Media, algo que deveria ter sido feito até finais de Junho.

    white Canon cash register
    Foto: D.R.

    Nas últimas semanas, a TIN voltou a ser gerida pelo administrador de insolvência, André Correia Pais . Será com este administrador no leme que a TIN vai, em princípio, divulgar os seus resultados de 2024.

    Uma das várias dúvidas financeiras que paira sobre a contabilidade da TIN prende-se com a existência de cerca de 14 milhões de euros em activos que Luís Delgado atribuiria a receitas futuras. Esse montante está registado na rubrica “Outras contas a receber”, que nem sequer são registadas com factura emitida, subsistindo dúvidas quanto à sua correspondência a um activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro.

    Luís Delgado conseguiu esconder os problemas financeiros da sua empresa unipessoal Trust in News graças a um malabarismo contabilísticos. / Foto: Captura de ecrã a partir de vídeo do Canal Parlamento.

    Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros. 

    A sociedade unipessoal de Delgado, cujo capital social é de uns meros 10.000 euros, fechou o exercício de 2023 com um resultado líquido negativo de ‘apenas’ 115 mil euros, apesar de ter um passivo superior a 30 milhões de euros. Este prejuízo foi o primeiro que a TIN registou, segundo os dados disponíveis na Plataforma da Transparência da ERC. Nos anos anteriores, anunciou sempre resultados positivos, mas ‘milimetricamente’ próximos de zero, enquanto o passivo disparava. Em 2018, teve um lucro de 14.281 euros. Em 2019, o lucro subiu para 16.345 euros e a partir daí foi sempre a descer. Em 2020, a TIN ainda registou resultados positivos de 10 mil euros, mas em 2021 ficaram-se por 27 euros e, em 2022 , pelos 1.061 euros.

    Com a empresa em situação de insolvência, estranhamente, nem os credores, nem os trabalhadores nem o gestor de insolvência pediram ainda explicações fundamentadas para a existência da rubrica misteriosa nas contas da TIN em anos passados. Nem sequer foi pedida uma auditoria.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    O tema tem sido ignorado, apesar das suas implicações graves. Na prática, se o activo registado nas contas da TIN nunca existiu, estamos perante um activo fictício e, portanto, um caso de apresentação de contas fraudulentas.

    Se, por outro lado, esse activo existiu, mas a recuperabilidade deixou de ser provável, terá de ser reconhecida como uma imparidade, resultando assim num prejuízo de milhões. A diferença reside no momento em que a administração sabia — ou tinha o dever de saber — que o activo não existia ou nem sequer era recuperável.

    Assim, mostra-se expectável, ainda mais porque agora será o administrador judicial a ter de se responsabilizar pelas contas. que a demonstração de resultados e o balanço de 2024 tenha esta ‘rubrica misteriosa’ completamente clarificada, ficando a saber-se, afinal, do que se tratava e se foram, ou não, cometidos crimes.

    woman in dress holding sword figurine
    Foto: D.R.

    Se se concluir que foi feita, de forma intencional, uma sobreavaliação fraudulenta de activos, estamos perante mesmo um crime. Ou seja, se o balanço apresentava um valor que não tinha base real, e isso foi feito com intenção de enganar credores, trabalhadores e reguladores, entra no âmbito de contas falsas ou falsificação de demonstrações financeiras. Os crimes estão previstos nos artigos do Código das Sociedades Comerciais referentes a ‘contas falsas’ e ‘deveres dos administradores’.

    Também o Código Penal prevê o crime de falsificação de documento, sendo que as demonstrações financeiras são documentos.

    Acresce que, se as contas da TIN foram aprovadas com conhecimento da falsidade, há dolo, o que pode levar a responsabilidade criminal dos administradores mas também dos revisores oficiais de contas (ROC) e, eventualmente, de quem tenha participado conscientemente no esquema contabilístico.

    Se um ROC certificou as contas da TIN e não detectou ou não reportou a inconsistência existente, pode haver responsabilidade disciplinar e civil, e até criminal se se provar conluio.

    Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, em Janeiro de 2018, na assinatura do acordo de venda do portfólio de publicações da Impresa Publishing à TIN. A venda permitiu ‘salvar’ financeiramente a Impresa que se encontrava numa situação financeira difícil, já naquela altura.
    / Foto: D.R.

    Recorde-se que, como o PÁGINA UM noticiou, Delgado esteve a esconder durante anos a situação de dívidas ao Estado, porque nem sequer emitiu a Certificação Legal de Contas (CLC), que no seu caso era claramente obrigatória por ser uma sociedade por quotas com um balanço superior a 1,5 milhões de euros, deter vendas anuais superiores a 3 milhões de euros e contar mais de 50 trabalhadores.

    De facto, nas contas de 2018 a 2022 depositadas regulamente na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA), a TIN informava sempre que não estava obrigada a ter contas certificadas por um revisor oficial de contas. 

    Mas isso foi até ao dia 4 de Julho de 2024. A empresa de media apresentou no dia 5 de Julho do ano passado uma “declaração de substituição” respeitante às contas do ano civil de 2021, para assim ‘eliminar’ aquela que fora apresentada em 15 de Julho de 2022, e que o PÁGINA UM tinha obtido.

    Foto: PÁGINA UM

    Na altura, a alteração mais relevante que a TIN fez às suas contas consistiu num acto do revisor oficial de contas. A DFK & Associados fez, então, uma reserva extremamente relevante: “Chamamos a atenção para o facto da Entidade [Trust in News] apresentar dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária [e Aduaneira] no montante total aproximado de 8.200.000 euros. Do valor indicado refira-se que até à emissão da presente Certificação tinham sido liquidados, pelo menos, 790.000 euros e celebrado acordos de pagamentos prestacionais no montante de 2.500.000 euros”. 

    O desfecho de anos de acumulação de dívidas, sobretudo ao Estado, foi um Processo Especial de Revitalização (PER) falhado, seguido de um pedido de insolvência. No dia 18 de Julho, a juíza Diana Martins, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, não deu ‘luz verde’ ao plano de insolvência da TIN que tinha sido apresentado por Delgado por violar a lei no que toca às garantias dos credores. Delgado, que está a cumprir pena suspensa durante cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado, pretendia ficar imune a novas acções de penhora e execução. O Tribunal decretou o encerramento da empresa, o que espoletou o processo de despedimento colectivo.

    No dia 4 de Agosto, o Tribunal deu o seu aval ao pedido de adiamento da comunicação oficiosa ao Fisco do encerramento da actividade da TIN, que tinha sido pedido pelo Correia Pais, segundo noticiou a Lusa. Assim, o administrador de insolvência ganhou tempo para que surjam soluções que travem o definitivo encerramento da TIN, pelo menos até 8 de Outubro.

    Os credores, sobretudo a Autoridade Tributária e a Segurança Social, têm de decidir se aceitam a proposta de um grupo de trabalhadores da Visão para a aprovação do plano de insolvência excluindo a clausula ilegal que protegia Luís Delgado, ou, em alternativa, dar o seu aval para manter a revista em funcionamento até à sua eventual venda. / Foto: D.R.

    Por outro lado, um grupo de onze trabalhadores da revista Visão, incluindo o seu diretor, Rui Tavares Guedes, solicitaram ao Tribunal, no dia 25 de Julho, para convocar uma nova assembleia de credores da empresa. Propõem que o plano de insolvência avance excluindo a cláusula ilegal que visava proteger Luís Delgado, ou, em alternativa, seja permitido que a revista continue a funcionar até à sua eventual venda, sob supervisão do administrador de insolvência —, o qual exige “imunidade” pessoal nas responsabilidades fiscais e junto da Segurança Social.

    Entretanto, alguns dos trabalhadores da TIN, que tem estado a ser afectada por uma greve por tempo indeterminado, têm vindo a deixar a empresa. Os que ficaram, têm a esperança de ser encontrada uma solução que evite o fecho da TIN, mas enfrentam um futuro sem garantias, nem de postos de trabalho, nem de salários. Depois de serem despejados das instalações no Tagus Park, os trabalhadores estão agora a trabalhar a partir de casa.

    Quanto a Delgado, recorreu da decisão da não homologação do seu plano de insolvência, segundo noticiou a agência Lusa. Mas esta acção não terá efeitos suspensivos. O dono e gerente da TIN corre ainda o risco de vir a ser acusado de insolvência culposa, algo que ficou deixado em aberto pela juíza do processo de insolvência.

    Num artigo publicado na Visão, no passado dia 8 de Agosto, a ex-directora da revista, Mafalda Anjos, lava as suas mãos da ‘queda em desgraça’ da TIN e atribui o descalabro da empresa a uma “gestão gravemente danosa e incompetente”.

    Mafalda Anjos foi publisher da TIN durante cinco anos e directora da Visão durante seis anos. A Lei da Imprensa concedia-lhe o direito de ser informada da situação económica e financeira da empresa.

    Mas a Lei da Imprensa concede aos directores das publicações o direito de “ser informado sobre a situação económica e financeira da entidade proprietária e sobre a sua estratégia em termos editoriais”. Ora, Mafalda Anjos foi ‘publisher’ da TIN e directora editorial de vários títulos (Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima) entre 2018 e 2022, tendo apenas saído da liderança da Visão em Dezembro de 2023 – ou seja, teve seis anos para se informar, como a Lei da Imprensa lhe permitia, sobre a situação financeira e económica da empresa de Luís Delgado.

    Se exerceu esse direito de directora responsável, ignora-se, mas sabe-se que, em Julho de 2023, Mafalda Anjos apelidou de “artigos fantasiosos” as notícias do PÁGINA UM que alertavam para os graves problemas financeiros da TIN e o seu gigantesco passivo. O tempo confirmou que o PÁGINA UM escreveu a verdade que muitos queriam esconder debaixo do tapete.