Autor: Diogo Cabrita

  • Para uma ética das reivindicações

    Para uma ética das reivindicações


    Lutar sempre por dar e receber.

    Consciencializar que o dinheiro dos patrões não cresce nas árvores.

    Solidificar que por cada preguiçoso há trabalho que sobra para quem é diligente.

    Interiorizar que todos terem dinheiro é bom para a sociedade.

    Há um mundo ideal em que todos se dedicam ao que fazem bem.

    selective focus photography of woman wearing black cold-shoulder shirt using megaphone during daytime

    Há vantagens em que o salário torne inútil os apoios sociais.

    É verdade que todos fazemos falta, mas uns mais que outros.

    É indesculpável retirar lucros do boicote.

    Aos horários cumprem funções.

    Mas se pagarmos as funções podemos eliminar os horários.

    Desejem-se focos diferentes, como semanas de menos dias.

    Exijam-se condições de bem-estar, para lá das remuneratórias.

    Inclua-se SNS ; Justiça, Educação nas listas com exigências.

    Acabar com dirigentes sindicais que se perpetuam como mármores.

    Perceber que aos salários correspondem tarefas.

    woman in black tank top and blue denim jeans holding white camera

    Perceber que às tarefas são inerentes riscos.

    Colocar nas vantagens dos trabalhadores os seguros de trabalho.

    O despedimento é essencial à avaliação, é uma arma dirigente.

    Perpetuar um sinuoso, aldrabão, incompetente, promove revolta.

    A ética das reivindicações obriga a reclamações diferentes.

    A subtileza e a sofisticação das exigências é uma reviravolta.

    O trabalhador deve receber por funções que cumpre num tempo.

    Podemos negociar trabalhos com orçamentos.

    Num orçamento tem de estar um tempo previsto.

    Aos que servem deve ser dada a possibilidade de mandar.

    Os mecanismos de crédito são matéria para os cadernos laborais.

    As rendas de casa podem ser uma alínea mais nas exigências.

    Todos devem pagar impostos para usufruir dos bens de todos.

    Todos devem observar o princípio de pagar e exigir pagamentos.

    O Estado é um bem colectivo que pode ser vigiado e melhorado.

    Um bem colectivo é nosso. Mais rápido, mais eficiente, mais barato.

    Nas exigências deve estar sempre a da cobrança dos impostos.

    Patrões e trabalhadores devem ter contas transparentes.

    Todos devem pagar o que é devido e todos devem ser fiscalizados.

    Os impostos nunca devem passar os vinte e oito por cento.

    woman standing holding umbrella and white megaphone during daytime

    Cobrar os lucros é devido. Cumprir com o tributo é exigido.

    Nos salários deve haver coerência.

    Nos ordenados têm de existir progressões.

    O salário mínimo tem de ser maior que a mais alta prestação social.

    Tem de ser desejável trabalhar. Tem de ser importante o desempenho e a dedicação.  

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dedos aos tiros

    Dedos aos tiros


    A política está numa fase madura de divórcio com os cidadãos de bem e com posses. A forma construída de fazer oposição passou a ser a judicialização dos actos decisórios. Num país de diarreia legislativa, facilmente se encontram imperfeições, discutíveis fundamentos, responsabilizações ao absurdo por consequências de deliberações.

    É fácil colocar um carimbo e é fácil esquartejar um cidadão na comunicação social. Os dedos saem dos bolsos em riste, apontados à alma das pessoas.

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    Talvez porque a construção da sociedade esteja errada, a pobreza galgue as mesas, os salários miseráveis proclamem a inveja, todos estão na mira dos dedos acusadores e todos estão potencialmente a caminho de um processo legal.

    Uma razão mais para esta quantidade de processos pode ser também o custo da justiça. Se fosse mais caro, havia menos utilização, mas isso é como na saúde – reduzir a utilização por custo aumenta o risco de doenças fatais tardiamente diagnosticadas.

    A percepção da qualidade dos actores políticos é posta em causa ao menor sopro, e deste modo os cidadãos em boa condição, os que perdem dinheiro ao entrar na política, os que herdaram bens mais que suficientes, os que casaram com um baú, os que têm contratos milionários, dificilmente se querem expor neste escrutínio de chinelo e mão na anca.

    Muitos políticos usam demagógicos argumentos para pintar de ilegalidades as vidas alheias. Bruto não vem de faca na mão, atira com o Ministério Público, utiliza a Judiciária, apresenta suspeição na comunicação social, solta os chacais da rede social.

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    Muitos casos que se apontam como inenarráveis actos de corrupção, nunca o foram. Muitos processos de acusação redundam em nada, injustas acusações comprovam-se como vilipêndio e injúria. Esta abusiva utilização da lei leva à disfunção da própria Justiça, onde a construção de megaprocessos é uma imagem pública de ineficácia.  

    Usar a Justiça como intermediário da política é um pouco a história do árbitro ser sempre o culpado do jogo da equipa. Se marcar muitos golos, uma equipa ganha independentemente da qualidade do apito.

    Na matéria da política o sistema internacional mergulhou num teatro bufo, de livre-arbítrio, de acusações vis. Pelo meio disto, suja-se toda a gente. Queremos ganhar as eleições, ou provocar a sua repetição, em constantes litígios judiciários.

    Portugal não é excepção, e deve haver muito abuso, muita falta de senso nas decisões, muita incompetência entre os correligionários escolhidos, mas não será toda a que se vê e sobretudo não do modo que os pintam. O povo rejubila do escândalo, os jornais ejaculam com vendas de faca e alguidar.

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    Neste cenário, não há atração para pessoas discretas, cultas, interessantes, ricas, com salários óptimos antes da política. Este é um problema do recrutamento dos partidos. A política é um lugar onde é fácil pisar o risco, mas nem todos puseram a mão na massa e nem todos precisam disso.

    O exemplo maior deste sistema de dedo em riste é a bajulação ao Bruno Nogueira e ao Ricardo Araújo Pereira, verdadeiros supositórios da má língua, vendedores do vitupério, milionários da ignomínia.   

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O cofre, o mealheiro e a churrasqueira

    O cofre, o mealheiro e a churrasqueira


    O cofre terá sido inventado por Alejandro Fichet e era um lugar de guardar bens queridos por valor ou emoção. Em todas as casas, os cofres fizeram furor e deram origem a cenas de faca e alguidar até que os bancos se tornaram lugares credíveis onde estavam garantidos os depósitos dos cidadãos poupadores. Os cofres tornaram-se instituições.

    Os mealheiros são outra coisa diferente; serviam para guardar pequenas poupanças disponíveis a qualquer momento. No século XVIII guardava-se muito dinheiro em potes de uma cerâmica tipo pygg e, por corruptela linguística, se confundiu com pig e assim desataram a surgir os mealheiros com formas de porco.

    Numbers on metal deposit boxes in a bank

    Um mealheiro não é um cofre! Uma carteira não é um alforge. Um cofre não pode ser uma churrasqueira, porque os bens lá guardados não se trituram, não servem para desbaratar. No entanto, à Rua dos Bacalhoeiros em Lisboa lá está a churrasqueira O Cofre que podia ser a sede nacional do Partido Socialista. Ali se faz bom churrasco.

    Portugal é o Fort Knox dos avençados de um partido de poder. Lá na América é no Kentucky; aqui, fica situado ao Largo do Rato, em Lisboa, e ali se distribui emprego, se criam desnecessidades para catapultar existências e ali se produz o nepotismo mais medíocre.

    Deve haver um curso em Forte Knox de como delapidar o dinheiro alheio, como destruir as poupanças dos portugueses, como subtrair em impostos o que os esforçados produzem e como entregar em migalhas aos mais necessitados, apenas o suficiente para que se perpetue a miséria.

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    Este Forte Knox onde a conversa mais usual é: “O que podes dar ao Luís? Ou: ”Tens por aí uma direcção de Hospital, ou uma instituição que dominamos”? Um lugar na Misericórdia? Na CP ou noutra instituição pública também serve. Na TAP? Na Banca? OK. Ele só fez a licenciatura, mas está pronto!

    Terminada a conversa em Forte Knox, vai-se à churrasqueira O Cofre queimar mealheiros. Este é o país da mãozinha onde os portugueses confiaram as suas poupanças. Neste momento, pagam a maior quantia jamais vista de impostos directos, indirectos e taxas.

    Também estamos perante a maior produção de obra pública de necessidade duvidosa jamais pensada, mesmo comparando com os tempos do cavaquismo betonado. Não estamos a fazer auto-estradas, nem a dizer que se está a construir a Torre Eiffel, nem uma nova Expo, mas estamos a sonhar com milhões de euros que vão ser entregues pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) sem a capacidade de vigilância pela oposição.

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    Um governo de esquerda, corajoso e sem mácula, colocava homens do André Ventura a percorrer os contratos e as obras do PRR – quem não deve não teme. Na churrasqueira O Cofre é importante tostar o Chega e as suas potenciais vantagens para o sistema.

    O problema português está na oposição, que tem de pensar seriamente neste problema: o que leva o povo a iludir-se com o homo larapiens (feliz expressão do Dr. Cândido Ferreira em artigo recente)? O que impede a confiança na oposição? O que prejudica a imagem dos partidos na hora do voto?

    Uma das razões é a não clara distanciação dos partidos aos seus militantes suspeitos de abuso do poder. Outra é a dificuldade em definir linhas que marcam lideranças sem demagogia e sem medo. Até lá o homo larapiens está em Forte Knox a cuidar dos mealheiros alheios e aforrar os cofres que tem em casa. Entretanto, brinda na churrasqueira O Cofre.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A pobreza e os excessos

    A pobreza e os excessos


    Os dados sobre a pobreza em Portugal são demolidores e devem-se sobretudo a duas décadas de incompetência governativa.

    Antes das transferências sociais, 43% das famílias portuguesas são pobres. Depois dos apoios sociais, são 23%. Aquilo que dói nestes números é que a maioria destas famílias trabalha.

    Anteontem, 23 de Dezembro, estive a ouvir um programa da Antena 1 em que a historiadora Raquel Varela teve uma prestação intocável, curta, precisa, concisa, assertiva. Em 1994 era muito diferente, para melhor. Ou seja, desde que pagamos mais impostos.  Desde a subida do IVA, dos escalões brutais de IRS, do IRC dos mais excessivos da Europa, das taxas acopladas a pagamentos, das subidas do IMI, do Imposto sobre circulação automóvel, do pagamentos às Entidades Reguladoras, etc.. Congelaram os salários, “afogaram” a classe média, perdemos milhares de camas no SNS, temos pior justiça. Portanto, desde então, vivemos muito pior.

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    Há portugueses em sofrimento real, sem aquecimento da habitação, sem obras de beneficência da habitação, sem uma única visita a um dentista. Há milhares a recorrer a ajudas alimentares.

    Mas não há dinheiro? Mas não há capacidade financeira para vivermos todos melhor?

    Claro que sim. Houve lucros importantes da cobrança de impostos devido à inflação. Houve fim de gastos com as medidas pandémicas. Há um PRR a insuflar vontades governativas.

    Aquilo que Portugal tem que o consome e destrói é uma dívida externa colossal que urge abater. Portugal carece de uma solução energética que pode e deve ser discutida de modo aberto e público. Carecemos de uma opção pela água, uma política de gestão dos recursos hídricos e, talvez, de dessalinização. O que não precisamos é de mais estruturas públicas que impeçam a prioridade – reduzir a dívida.

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    Depois de reduzir a dívida, temos de avançar com a reforma administrativa e reduzir o número de municípios, mais que a demagogia que sempre fala nos deputados.

    Portugal precisa de ser governado, e isso significa ter um foco nas pessoas, ter uma estratégia de melhoria de vida, ter uma política pública de colocar dinheiro nas mãos dos cidadãos. As prestações sociais são um penso para que todos tenhamos esta ferida social menos sangrenta, menos dolorosa.

    Num país ideal, todos trabalham, todos recebem com dignidade, todos têm funções adequadas às suas capacidades. Não somos todos iguais e nem todos produzimos com a mesma eficiência, mas todos podemos ser necessários.

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    O problema é que o ideal é idílico, é utópico e temos de nos ficar pelo melhor ganho para todos. A pobreza é uma chaga que não beneficia ninguém, mas nas políticas para a sua redução não pode haver contradições, falta de transparência e, sobretudo, tem de haver combate duro à fraude.

    Os lucros excessivos da pandemia, como os excessivos das energias, da banca e das farmacêuticas devem ser um contributo essencial à redução da pobreza também.

    Diogo Cabrita é médico


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  • A invasão do Centro de Reabilitação Rovisco Pais

    A invasão do Centro de Reabilitação Rovisco Pais


    Dados estatísticos que fundamentem a decisão sobre o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e sua construção – e inclusive o seu aumento ou extensão para Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro (vulgo, Rovisco Pais) e ao Hospital de Cantanhede – são, por certo, de uma acuidade intocável. Fui ver!

    Apresenta estudos bem-feitos de índices de saúde na Região Centro, mas terminam em 2015. Não devem ser estes que fundamentam a decisão.

    O Instituto Nacional de Estatística em 2020 disseca diversos pontos, revelando, por exemplo, que a região do país com menos camas é a do Centro; nesta região os internamentos especializados são os mais longos (incluam aqui o Rovisco Pais), e as despesas de saúde têm aumentado, sendo agora 9,4% do PIB (o caminho traçado de alterações parece não ter qualquer sucesso), o valor da despesa privada está a diminuir e a pública a aumentar (o fim das PPP não foi avaliado). Nada sugere que a concentração seja um bom caminho.

    Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro é uma unidade especializada da rede de referenciação hospitalar de medicina física e de reabilitação do Serviço Nacional de Saúde.

    Um trabalho importante – que todos os anos alguns insistem em escrever e os políticos gostam de esquecer – é o do Observatório Português do Sistemas de Saúde, de onde retiro uma frase que contraria a fusão em mega-estruturas: “E, diga-se também, que não valerá a pena insistir na inaceitável ideia das falsas urgências: se o recado pode ser aceitável para quem desenha os serviços e o acesso a eles – embora também por aí algo injusto, pois não se pode imaginar que é possível uma mudança radical num curto espaço de tempo – o que se exige é não culpar a vítima. Espera-se antes a evidência de um caminho que progressivamente racionalize o acesso aos cuidados e no qual as telecomunicações podem ter um papel essencial.”

    Para a solução dos problemas não tem bastado construir mais e cada vez maior, excepção feita aos apocalípticos cruzeiros de agora, aos mega-aviões. Como sempre, eles condicionam problemas graves de ambiente que vão obrigar a repensar o conceito. Na saúde, o conceito do cruzeiro tem seus defensores em entidades privadas – como o Hospital da Beneficência do Brasil, ou o Hospital das Clínicas de São Paulo.

    São estruturas orientadas para o lucro, financiadas por grandes grupos económicos onde os direitos não são iguais aos dos sindicatos da Função Pública portuguesa nem aos compadrios políticos desta alma pátria.

    Centro de reabilitação funciona na Quinta da Fonte Quente, na freguesia da Tocha (concelho de Cantanhede), desde 1996.

    Outra ideia forte deste relatório é o da domiciliação de cuidados que ganha força no mundo e contraria totalmente estas concentrações apocalípticas.

    Ou seja, a decisão de assaltar “Mariupol” (Rovisco Pais) ou “Donetsk” (Cantanhede), como já se fizera à “Crimeia” (Covões/ Maternidades) tem a mesma lógica do Putinismo mais primário: invadir sem plano e sem estratégia, abafar e apagar. Dos planos escritos não há nenhum que nos indique esta solução escolhida “superiormente”.

    Os erros de Cantanhede e Rovisco Pais foram desenhados em estratégias obtusas do PS que os converteu em locais de emprego de militantes – que denunciei no seu tempo próprio –, gente que foi para destruir e empregar votos em vez de corrigir os defeitos e transportar soluções. Quando menos se trabalhava nessas casas era quando mais gente ficava funcionária delas. Votos comprados para o PS.

    Diogo Cabrita é médico


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  • Desejamos mesmo a liberdade?

    Desejamos mesmo a liberdade?


    Este é o debate que opõem as sociedades. Há questões como os vírus, o 5G, a cozedura das lagostas e dos caracóis, e outros problemas muito fracturantes, que servem de mote sempre ao mesmo problema: o da convicção de um se sobrepor aos demais, e o do limite do discurso do outro como fronteira de decência minha.

    A observação limitativa dos argumentos adversos usa tudo, desde a dieta, o animalismo, a obsessão por certificações contra a experiência, a rotina contra a imaginação, a opção pelos monopólios contra o pequenino – tudo o que for possível para aplainar os discursos e uniformizar as certezas. Agora os cubos só têm as faces que se podem ver. 

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    Esta é uma das batalhas do século XXI em relação à filosofia política, pois nela se substantiva os contínuos desejos de limitar o que se diz e o que se escreve nas redes sociais. A liberdade total seria impossível para a vida em comum. As regras até ao absurdo converter-nos-iam numa manada que se precipita num destino sem discussão, ou num formigueiro sem imaginação e sem criatividade.

    Um exemplo no limite, que não é absurdo. Um cirurgião que faz cirurgia robotizada pode ser substituído por um miúdo que joga computadores, pois o gesto técnico do miúdo é substancialmente mais fino em duas dimensões, e o jogo de ressecar a próstata, por entre veias artérias e nervos, empurrando a bexiga, fugindo do intestino, é-lhe fácil. Joga, e ganha ou perde. Se perder, precisa de um tipo que conhece as complicações, conhece as soluções que não estão no jogo; mas na inteligência artificial os erros aprendem-se e, portanto, o miúdo volta a afastar o cirurgião.

    As regras definidas do por que se joga, quando se joga, dependem de valores laboratoriais e de mecanismos de imagem, convertendo-se em critérios que podem mais uma vez excluir os humanos. O problema está nas subtilezas que fogem das regras, na soma de factores que obrigam ao pensamento elaborado. Claro que isto também pode diminuir a intervenção humana.

    timelapse photo of people passing the street

    A liberdade total é a condução sem “código de estrada”, é uma rotunda em Bombaim, uma experiência de condução em Nápoles, ou a entrar no Benim vindo da Arábia Saudita; mas, mesmo assim, no caos quase total, as pessoas vão na mesma direcção. As regras levadas ao extremo são os códigos cumpridos sob vigilância de câmaras, drones e portais.

    Vamos sempre cumprindo o código, sem infracções, mesmo quando a solidão é total e a segurança está garantida. É o enfado, é a condução robotizada e sem condutor que se preconiza no futuro, evitando acidentes e impedindo conflitos. Para que servirá ter carros diferentes então? Para que servirá variar as potências nessa altura?

    A uniformização da importância de cada um também serve para compactar salários cada vez mais esmagados. Se fazemos todos o mesmo e da mesma maneira, valemos pouco, recebemos pouco.

    Os discursos uniformizados são um dos sonhos do regime chinês, que tentou acabar com as religiões, que induziu um discurso único nas escolas, uma total homogeneização do silêncio crítico. A liberdade irrompe sempre na oposição, exerce-se na argumentação. Se nem percebemos outras realidades, como vamos argumentar outra solução?

    people with hands gathered in the middle

    Imaginemos um menino pobre que só viveu na favela e nunca saiu dali. Imaginemos um médico que se formou e exerceu sempre na mesma instituição. As realidades de ambos estão coarctadas pela falta de exposição. Não podem criticar porque não sabem que há outras realidades, outros modos de trabalhar. 

    Não sei qual é a solução para reduzir o ruído, o lixo linguístico, tal como é difícil reduzir o tom de voz na emoção, o embargo das palavras na dor, mas sei que temos de aumentar a eficácia do conhecimento, objectivar a diversidade como caminho e optar pela liberdade e a criatividade mesmo que elas pareçam loucura. Estou de novo com Agamben no seu último livro sobre a propalada loucura de Hölderlin.

    Agamben quer mostrar agora, como antes, que o isolamento do discurso crítico pode ser o começo de duas realidades: a alienação do eu, remetido à loucura imposta pelos outros; ou o fim da democracia, isolando e ostracizando o outro, o que pensa diferente de nós.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Assim é e vai o país político…

    Assim é e vai o país político…


    Ouvir Manuel Pizarro aludir a parcerias público-privadas (PPP), para resolver a construção de instituições de saúde, causa-me alguma náusea quando me lembro que, há dois anos, o mesmo Manuel Pizarro, a cavalo do Bloco de Esquerda, apontava o problema das PPP como causa de uma saúde deficiente e incompetente. Assim se fecharam os hospitais PPP em Braga, em Vila Franca de Xira e em Loures. Já se tinha feito semelhante no Amadora-Sintra, no hospital de Vila da Feira.

    Sempre camaradas socialistas na origem do processo e na resolução ideológica do mesmo. Sabe-lhes bem o farnel, mas depois vomitam com o peso da consciência. Desde então as coisas nas urgências só pioraram, e agora também naqueles municípios. Vila Franca de Xira, com edil socialista, pedia há pouco tempo o regresso da PPP. A revisão constitucional também não abarca a saúde, mas a este ritmo…

    Este registo diletante, delirante, sem as contas feitas antes da decisão, sem antecipação de problemas, está a conduzir Portugal a uma nova bancarrota. As decisões custam muitos euros, e quando revertidas, outro tanto. A TAP custou três mil milhões aos portugueses, e agora é para vender, mas sem encaixe aos investidores. Manter política de soluços para instituições de alto custo não podia ser para quem não valoriza o que os portugueses já pagam em carga fiscal.

    A reforma da Administração Pública e a reforma dos tribunais administrativos teriam impactos colossais nas finanças portuguesas. O tribunal administrativo arrasta processos de milhões até à eternidade e, desse modo, colapsa empresas, destrói energias, afasta investidores. Os custos da sua mediocridade decisória são comparáveis a uns três casos BES. Essa indefinição criada pelo PSD devia ser vertida na Constituição nova. A justiça tem de ter prazos e listas de espera possíveis de tratar.

    A reforma administrativa reduziria milhões de euros de custas em burocracia e funcionalismo público de cariz eleitoral. Portugal, com mais de três centenas de câmaras, tem municípios de sete mil habitantes onde se empregam 30 a 60% da sua capacidade laboral. É uma corrosão de estrutura.

    Há câmaras a mais, onde já só existem idosos. Retiradas todas as funções do Estado, as pequenas comarcas definham. Sem justiça, sem saúde, sem escolas, com boas estradas para ir embora, as pessoas partem e todos se vão. Há também juntas em demasia. A ausência de visão vai a cavalo da maioria absoluta oferecida por Rui Rio e sua comissão política.

    Tudo isto é subvertido por assuntos de lana caprina, como as idas de Marcelo a Doha, ou a discussão dos direitos humanos no Catar. Portugal é acusado todos os anos por sistemas de fiscalização internacional de não cumprir direitos humanos nas cadeias. Também na legislação laboral faltam passos para elevar a liberdade e não aumentar a repressão.

    Na ausência de auditorias a grandes empresas, surgem as que elaboram esquemas de escravatura, empresas onde nunca reconhecem méritos dos trabalhadores, as que nunca procedem a aumentos salariais de moto proprio.  Podíamos ver coisas importantes com uma maioria absoluta, mas era preciso visão, menos compadrio, reduzido nepotismo, focos no desenvolvimento e sobretudo menos demagogia.

    Neste contexto, o PSD – único culpado da maioria absoluta do PS, ao ter inviabilizado, por incompreensível recusa de coligação, os cem mil votos do CDS, enviados para o lixo porque temos uma lei eleitoral com inúmeros defeitos – está numa de revisão constitucional.

    Juntou-se o PSD ao seu “sócio de pandemia”, de nome PS. Resolveu dar nova mão a António Costa, viabilizando os seus arrojos constitucionais, entre as quais uma lei de violação da liberdade em nome de uma sanidade.

    Pelo meio, além de um aumento do mandato presidencial para sete anos, que nada justifica, ficará por fazer a alteração à regionalização, à justiça, ao sistema eleitoral para melhor representatividade. Entretanto, na China começamos a ver os primeiros motins derivados da insanidade de como quis gerir a liberdade utilizando a doença. Que nos sirva de lição e de aviso sobre os perigos dos totalitarismos para a democracia.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A Reforma do Serviço Nacional de Saúde obriga a muitos Rs

    A Reforma do Serviço Nacional de Saúde obriga a muitos Rs


    O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de reformas urgentes, que tentarei de forma sucinta identificar nestas linhas.

    1) A relação da saúde com a tecnologia carece de uma reforma de mentalidade e de modo de actuar. Muitos contactos com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderiam fazer-se por WhatsApp ou sistemas similares como o Skype, ou o Signal, ou Telegram, onde a presença com imagem se tornaria mais apelativa e diagnóstica. A massificação deste método permitiria poupar milhares de deslocações e reduziria listas de espera. Com uma conversa que seria olhos nos olhos estava construída uma relação de proximidade e com muitas características de modernidade, pois as análises, os exames complementares podiam ser realizados à distância e vistos e repassados por técnicos de saúde e doentes.

    person wearing lavatory gown with green stethoscope on neck using phone while standing

    2) Uma melhor aposta na literacia em saúde em vez de um investimento absoluto no rastreio. Devemos ensinar os sinais de perigo de muitas doenças e devemos ensinar a conviver com pequenos problemas e pequenas lesões, sem drama, sem acrescento de ansiedade. O saber não ocupa lugar, e isso retiraria muita gente das urgências por lesões de lana caprina. Os rastreios não se mostraram melhores que a prevenção ganha por literacia em saúde. Ver e palpar a mama, e reconhecer o que é anormal.

    3) A prevenção passa por educar para uma vida mais saudável, que recusa os excessos alimentares, que reduz os consumos, que responsabiliza as escolhas dos cidadãos. Temos de intervir na dieta da população, educando, negociando com as produtoras de hidratos de carbono e de comida que não é alimento. Responsabilizar pelos excessos de lixo e de hidratos e proteínas animais, criando impostos assertivos, dirigidos, para premiar os que optam pela sustentabilidade e a alimentação saudável.

    4) Investir na redução de lixo dos hospitais. As quantidades enormes de consumíveis e de objectos não reutilizáveis foi uma filosofia e uma ideologia que premiava o negócio mais do que a sustentabilidade. A quantidade de lixo produzida por embalagens, pacotes e plásticos deve ser estudada, e idealizado outro caminho.

    two men playing chess

    5) Os doentes com clínica importante devem estar nos hospitais mais do que em outras instituições. Nessa linha deve apostar-se em hospitais melhores que os cuidados continuados, onde a resposta à doença é realizada com vista à autonomia. Reabilitar doentes de pé diabético, obesidade mórbida, doença oral, doença psíquica com distúrbio social, fisioterapia do trauma e da doença vascular, pode ser feito em hospitais que rentabilizariam a sua acção na educação, ensino. Teriam uma componente hoteleira não hospitalar, mas uma funcionalidade de ambulatório com resposta emergente, se necessário, e de diagnóstico e encaminhamento às especialidades. Hospitais que chamaríamos de retaguarda, sem pijamas, com roupa de casa, com jardins, com caminhadas, com patuscadas.

    6) A reforma da saúde oral e da saúde mental são urgentes. A segunda está a conduzir doentes aos presídios. A primeira é um sintoma da pobreza e da má condição social do país.

    7) Independência dos doentes. Há uma importante caminhada a fazer para ter os doentes nas suas casas, construir encaminhamentos cultos e suportados que permitam que no domicílio, sempre que possível fora de instituições, as pessoas enfrentem os seus infortúnios sentindo-se acarinhados, apoiados, sem dor, sem manifestação clínica exuberante. Se estas surgem, o doente deve estar internado no hospital adequado. Na noção de independência incluo saber fazer pensos, retirar pontos, perceber o que está bem e não está.

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    8) Reavaliar protocolos insanos onde se coloca medicação encarniçada para pessoas em fim de vida. Ser idoso não obriga a tomar estatinas, a ser consumidor de anticoagulantes, a tornar-se detentor de uma caixa de vinte fármacos. Com coragem há que rever os protocolos que conduzem cada pessoa que vai a um hospital, cada pessoa com mais de 85 anos acamada, a um calvário de estudos dispendiosos e muitas vezes inadequados e desnecessários. Protegem-se muito os funcionários com linhas orientadoras que consomem inúmeros recursos. 

    9) Investir no envelhecimento saudável. Um envelhecimento no lugar de sempre, no apoio à melhoria das habitações, corrigindo constrangimentos, mudando banheiras em polibans, apoios para não cair, legalidade em favor da mobilidade. Sou manifestamente mais a favor de sustentar os indivíduos do que levá-los para instituições. As doenças infectocontagiosas comprovam que a concentração institucional dos idosos é uma barbaridade com mortalidade. Construir mecanismos que apoiam as famílias a serem cuidadoras dos seus idosos, com formação adequada, gerando emprego aos que o não tinham ou aos que queiram converter-se em cuidadores. Estas medidas reduzem o número de instituições cuidadoras e melhoram as famílias.

    Tenho consciência de que estas propostas não estão na linha mestra ou no foco dos dirigentes da saúde, que preferem claramente o tratamento à prevenção, que escolhem manifestamente as instituições ao envelhecimento em casa junto das famílias, que odeiam a independência dos doentes, porque constroem negócios de cuidar.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Talidomida, Constituição e legítimas suspeições

    Talidomida, Constituição e legítimas suspeições


    A vontade de alterar a Constituição pelos partidos maioritários deve provocar-nos interrogações. Na República Popular da China houve recentes alterações para aumentar indefinidamente o poder da liderança. Mustafa Kemal Atatürk, na Turquia, até simulou um atentado para mudar a Constituição e tentar perpetuar-se no poder. Putin mudou as regras da substituição para se eternizar.

    Infelizmente, as mudanças constitucionais só surgem em países de fraca ou de recente democracia, pois Inglaterra e Estados Unidos perpetuam os seus textos fundamentais, construindo emendas em situações muito específicas sempre com um foco: garantir a Liberdade; marcar os limites do Estado sobre os indivíduos.

    red and white no smoking sign

    Os títeres e os pseudo-democratas gostam de marcar a História, de garantir os seus nomes para a posteridade. Fazem monumentos, alteram textos fundamentais e nunca respeitam os pais fundadores.

    A emenda constitucional a pedido da Presidência é no sentido de corrigir “dificuldades” legais colocadas pela pandemia. Há, depois, mais desejos de alteração que, feitos sobre o joelho, trarão dificuldades
    democráticas e constrangimentos à Justiça.

    Para mim, a Constituição deve garantir os direitos fundamentais à vida, à habitação, ao trabalho, à educação, à saúde, à liberdade, à justiça e, desse modo, não carece de ser um texto longo, mas tem de ser claro e orientador para os princípios que anuncia.

    Ou seja, um texto constitucional não tem nada que se enredar em assuntos pandémicos, ou de guerra de nações, ou de terrorismo. As leis vertidas em decreto podem orientar esses, e outros problemas, escudadas no livro dos princípios e das traves condutoras que tem de ser a Constituição.

    Perigosos e ignaros deputados querem uma lei sanitária para garantir que coarctam a liberdade de quem se lhes opõem em situações limite. Pois é aí que se distingue a democracia, a ética e os princípios entre um canalha e um democrata. Não concordo contigo, mas luto até ao fim para que tenhas a tua opinião, e garanto que a possas expressar.

    A democracia depende das oposições e das discordâncias. A garantia de que nem todos cumprem tudo é imperiosa para surgirem alternativas, descobertas surpreendentes. Haver quem não tome um medicamento porque sim, é vital para que se mantenham grupos de controlo, presenças que servem de comparação.

    A talidomida foi uma recomendação científica que redundou numa tragédia planetária. Felizmente, milhares de mulheres recusaram tomar aquela “recomendação” médica. Não esqueçam também o The Cutter Incident, que foi uma tragédia desencadeada pelos primeiros lotes de vacina anti pólio, ou o julgamento de Calmette em Lübeck, que foi consequência, em 12 de outubro de 1931, das mortes por
    uma tentativa de vacinação contra a tuberculose.

    As inúmeras multas pagas pelas grandes farmacêuticas são a prova desses factos, como quando mentiram sobre efeitos colaterais de oxicodona, do Seroquel, do depakote, do zyprexa, a hormona do crescimento. Pagaram milhares de milhões de dólares de indemnizações e de multas.

    O mundo não tem “negacionistas” porque enlouqueceram. Tem inúmeros “negacionistas” como consequência dos múltiplos incidentes que a indústria farmacêutica já produziu e, por questões de negócio, não travou antes das tragédias.

    A suspeição é legítima e saudável. Mudar a Constituição para fazer uma lei sanitária que prende os que recusam, que retira direitos aos que colocam dúvidas, que impede oposição em momentos críticos é um dos maiores crimes contra a Liberdade e a Democracia.

    Este avanço contra a Democracia pode até suspeitar-se que é financiado por quem quer obrigar cidadãos a usar fármacos que nunca foram integralmente testados. Por esta razão, o PS e o PSD estão doentes.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pé diabético, ou uma história sobre o ridículo

    O pé diabético, ou uma história sobre o ridículo


    Encontrei no Google diversas publicações antigas sobre a consulta de pé diabético que se fazia no Hospital dos Covões, vulgo Centro Hospitalar de Coimbra, agora Hospital Geral. Mas talvez muitos saberão que, no passado dia 31 de Outubro, ali se procedeu afinal à “inauguração oficial da Consulta de Pé Diabético”. A notícia nos jornais assim o confirma.

    Porém, inaugurou-se o que já está aberto há 30 anos.

    persons feet on green grass

    A história comprova que ali exerceram, durante décadas, serviços médicos e de enfermagem diversas pessoas de renome, como o endocrinologista Álvaro Coelho, e ali foram atendidos milhares de doentes desde 1998, pelo menos. Mas, em boa verdade, eu comecei a trabalhar nos Covões em 1993, e já então tratávamos o pé diabético nas suas múltiplas vertentes, dermatológica, ortopédica, vascular e médica.

    O pé diabético é um problema social grave, que também representa um item de qualidade em saúde. Devido a esta patologia, há inúmeras amputações e demasiados internamentos em Portugal. Muita medicina do adulto é feita sem verificar os pés, e os pés têm muito para nos mostrar. Um pé sem pulsos, um pé descuidado, um pé com feridas ou unhas mal-tratadas, tudo representa sinais de alguma coisa – miséria, doença, alteração comportamental, demência, famílias desinteressadas…

    Os pés são lindos, se forem cuidados e tratados, banhados e polidos. São a estrutura mais distante da bomba propulsora, que é o coração, e por essa razão são aqueles que primeiro sofrem com a isquémia. Notem bem que a isquémia se deve ao entupimento das artérias, e é uma doença do corpo todo, não de partes dele.

    Hospital dos Covões

    A aterosclerose provocada por alterações do endotélio (camada interna dos vasos sanguíneos) deve-se ao tabaco, ao colesterol, à diabetes e a outros processos inflamatórios e alterações da elasticidade das artérias, que conduz a um aperto, ou estreitamento, do seu lúmen.

    O pé diabético é, assim, uma medida da qualidade alimentar, um sinal do estado de pobreza do país, um semáforo dos cuidados de saúde.

    Por essa razão, o Hospital dos Covões tinha há 30 anos cuidados desse jaez. Mas, agora, uns atrevidos, uns produtos da condução do pensamento alheio, decidiram apagar a História e avançar com a inauguração da consulta do pé diabético na instituição que já o andava a tratar há décadas.

    person wearing orange and gray Nike shoes walking on gray concrete stairs

    Claro que, para cumprir essa missão, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (esse enorme aborto parido na cidade de Coimbra por Correia de Campos e seus acólitos) tornou impossível a antiga consulta, retirou os serviços que a prestavam, mudou as pessoas que faziam a consulta, destruiu o material que se usava. E depois, feita a destruição e garantida a sua morte lenta, desoxigenada, abriu-se uma nova unidade, para ser inaugurada com pompa e circunstância – a consulta do pé diabético.

    Não há vergonha nenhuma e, infelizmente, o ridículo não dispara, e só por isso não mata.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.