Autor: Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares

  • Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


    As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

    Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

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    Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

    Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

    Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

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    Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

    Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

    Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

    Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

    Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

    Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

    Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

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    No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

    No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

    A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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  • Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal Público pela inclusão de conteúdos comerciais disfarçados de notícias na secção Azul, dedicada ao tema do ambiente. Em causa está um conjunto de conteúdos publicitários publicados no âmbito de um contrato de ‘parceria comercial’ feito com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N). O regulador dos media também identificou uma jornalista que assinou quatro peças de carácter comercial no âmbito dessa parceria comercial, o que constitui uma incompatibilidade com a profissão, pelo que decidiu remeter para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a análise da infracção. Esta acção do regulador dos media resulta de uma notícia do PÁGINA UM em Junho do ano passado, e que, na altura, mereceu um direito de resposta do director do Público a negar a veracidade das revelações. A ERC confirma agora, implicitamente. quem dizia a verdade.


    Mais vale tarde do que nunca. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tardou mas decidiu abrir um processo de contra-ordenação ao Público por publicar conteúdos comerciais disfarçados de ‘notícias’ na sua secção de ambiente, Azul.

    Em causa estão quatro conteúdos publicados há um ano no âmbito de um contrato celebrado com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), um organismo da Administração Pública com nomeação governamental. Nas cláusulas contratuais constava a “obrigação de produzir uma série de conteúdos editoriais relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, ficando o jornal do Grupo Sonae obrigado a publicar os referidos conteúdos encomendados pela CCDR-N nos sites do Azul, do Público e no podcast Azul.

    Na sua deliberação, a ERC refere que decidiu avançar com a “instauração de um processo de contraordenação contra o Público – Comunicação Social, SA, por violação do disposto no nº 2 do artigo 28º da Lei da Imprensa“, o qual estabelece que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

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    A deliberação, adoptada a 4 de Setembro e que foi comunicada esta semana ao PÁGINA UM em primeira-mão, surge na sequência de questões colocadas à ERC pelo nosso jornal em 3 de Outubro do ano passado sobre a legalidade dos contratos de prestação de serviços entre o Público e duas entidades, a CCDR-N e a Biopolis, que envolviam a obrigação de publicação de conteúdos editoriais.

    Os contratos assinados entre o Público e aquelas duas entidades foram revelados pelo PÁGINA UM numa notícia publicada em Junho de 2023. No caso da Biopolis, o contrato determinava até o número de artigos a publicar pelo jornal, e no caso da CCDR-N constava mesmo a condição de prévia entrega de conteúdos para a respectiva validação por aquela entidade. A decisão do PÁGINA UM de remeter para a ERC um pedido formal de análise dos contratos da Biopolis e da CCDR-N foi tomada após o director do Público, David Pontes, ter exigido a publicação de um direito de resposta.

    David Pontes acusou então o PÁGINA UM de, “através de uma leitura parcelar de documentos” ter construído “uma teia de falsidades com que se procura[va] denegrir a actividade profissional” dos jornalistas do Público e da secção Azul. Numa primeira fase, o PÁGINA UM, convicto da veracidade das revelações, recusou a publicação do direito de resposta do director do Público, mas o regulador considerou que esse direito pode ser exercido independentemente das circunstâncias relatadas serem verídicas. Agora, a deliberação da ERC de abrir um processo de contra-odenação ao Público atesta que não houve qualquer “teia de falsidade” criada pelo PÁGINA UM, mas apenas mercantilização do jornalismo à margem da lei por parte do jornal dirigido por David Pontes.

    O processo de contra-ordenação aplica-se apenas ao contrato com a CCDR-N, porque o Público alegou que o contrato com a Biopolis “nunca chegou a ser concretizado por não ter sido viável o cumprimento das obrigações dele decorrentes pelo que o mesmo foi revogado por mútuo acordo”. Segundo o jornal, os textos envolvendo a Biopolis que foram mencionados no ofício que a ERC enviou ao Público, foram elaborados e publicados exclusivamente devido ao seu interesse noticioso, não estando abrangidos por nenhum contrato comercial.

    No entanto, até hoje não constava qualquer referência no Portal Base à revogação do contrato público entre estas duas entidades, assinado no dia 2 de Março do ano passado, como deveria suceder se tal tivesse mesmo ocorrido. Na verdade, já este ano, em 9 de Março, o Público e a Biopolis assinaram um novo contrato, em tudo similar ao do ano anterior, e que inclui especificamente a promoção de “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas da Biopolis”. Tudo a troco de 90 mil euros.

    Foto: PÁGINA UM

    A intenção destes apoios até pode, em teoria, ser boa, mas este tipo de prestação de serviços é incompatível com a Lei da Imprensa, e se generalizado pode implicar que, por exemplo, uma petrolífera ou uma farmacêutica possa também pagar para ver promovidos na imprensa “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas” da sua confiança ou de temas que lhe sejam queridos.

    No caso da CCDR-N, estão em causa conteúdos comerciais publicados como notícias entre 29 de Setembro e 11 de Novembro de 2023. A ERC constatou que nos quatro artigos publicados, alguns com referências positivas e elogiosas a empresas e instituições públicas, não existem referências “nem quaisquer elementos verbais ou gráficos que identifiquem a relação contratual”. Os quatro textos com o tema comum de ‘Mudar o Atlântico em quatro vagas’ são assinados por uma jornalista com carteira profissional, Inês Loureiro Pinto (CP 8264). A jornalista assina os quatro textos, bem como um podcast sobre a mesma temática. Esta jornalista é freelancer, ou seja, não tinha vínculo ao Público. A ERC enviou documentos para a CCPJ para eventual processo de cassação da carteira profissional.

    Na sua deliberação, a ERC assinalou também que “a não identificação [pelo PÚBLICO] da natureza contratual estabelecida, bem como da entidade adjudicante [CCDR-N], é susceptível de comprometer a independência do órgão de comunicação social perante interferências do plano económico”. O regulador constatou ainda que “tal actuação é também passível de inobservar o livre exercício do direito à informação”, garantido na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Imprensa.

    Por outro lado, o regulador presidido por Helena Sousa, considerou que, “ao comprometer-se contratualmente nestes termos, o Público restringe a liberdade e autonomia editorial do seu director, em desrespeito” pela Lei da Imprensa, acrescentando que tal “pode perigar o rigor e a objectividade da informação”.

    Foto: PÁGINA UM

    Além da instauração de um processo de contra-ordenação, a ERC advertiu “o Público para a necessidade de garantir que os conteúdos publicados ao abrigo de contratos de natureza comercial com entidades externas não sejam concebidos, nem assinados, por jornalistas”. Recorde-se que a ERC está a realizar um estudo sobre a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos promocionais ou publicitários. embora a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalismo sejam extremamente claros sobre esta temática.

    O regulador ainda tem em curso, desde Junho do ano passado, um conjunto de processos de contra-ordenação por contratos públicos de mercantilização do jornalismo que atingem sete grupos de media, nomeadamente a Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Medialivre (ex-Cofina) e Público. Houve também 14 ‘jornalistas comerciais’ identificados, que elaboraram artigos e conteúdos noticiosos contratualizados com entidades públicas, mas nenhum caso teve efeitos na CCPJ.

    Apesar destes processos, a promiscuidade mantém-se na imprensa, sobretudo nas ambíguas ‘parcerias comerciais’ ou de ‘media partner’, com a ERC e a CCPJ a fecharem os olhos a casos evidentes de elaboração de notícias e entrevistas que são feitas ao abrigo de contratos com empresas e entidades públicas, passando mensagens de cariz promocional ou promovendo gestores, organismos, empresas e até políticos. Além disso, proliferam nos media outros formatos, como podcasts, cujos conteúdos poderão estar também contratualizados, passando a ideia de que se trata de informação isenta, quando não passa de promoção dos entrevistados ou de entidades ou produtos. Ao contrário do que sucede nos contratos públicos, divulgados no Portal Base, os acordos comerciais envolvendo empresas de media e entidades privadas não são de divulgação obrigatória, mantendo-se secretos. A única excepção sucede com as farmacêuticas, obrigadas pela Lei do Medicamento a divulgar fluxos financeiros de promoção, incluindo nos média, mas o regulador, o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, tem intencional e claramente fechado os olhos à ausência sistemática de registos no Portal da Publicidade e Transparência.

    Resta agora aguardar pelo estudo do regulador dos media sobre a promiscuidade evidente, que em muito tem contribuído para desacreditar a imprensa e os jornalistas, ajudando a melhorar as receitas de órgãos de comunicação, mas afastando cada vez mais o público e os leitores. Para já, de acordo com a Lei da Imprensa, o ‘crime’ compensa do ponto de vista financeiro: a coima máxima para o caso do Público é de apenas 5.000 euros. A ERC costuma, porém, fazer ‘descontos’, ou seja, por regra atenua as ‘multas’.


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  • ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    Uma associação criada pelo cantor Dino D’Santiago em Dezembro passado, mas que só se deu a conhecer em Maio deste ano, não teve de andar muito, e muitos menos até Santiago de Compostela, para receber uma ‘prenda’ da autarquia de Lisboa. Em vez de ser obrigada ao incómodo de apresentar candidatura aos apoios municipais, com um projecto concreto, como as demais associações, à Mundu Nôbu, presidida pelo músico, bastou convencer a empresa municipal EGEAC a dar-lhe 130 mil euros por troca de uma tertúlia e um concerto de Dino d’Santiago e uns poucos convidados. O concerto está agendado para próximo dia 28 de Setembro, duas semanas depois de um outro concerto deste músico em Lisboa, contratado por 21.500 euros pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. A EGEAC nega que se esteja perante um ‘subsídio encapotado0 e que tenha havido pressões para contratar a associação, cuja apresentação oficial foi apadrinhada por Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa, que se ‘desunharam’ em elogios ao músico. A Mundu Nôbu não respondeu ao PÁGINA UM nem tem, no seu site, a lista dos órgãos sociais nem qualquer programa de actividades.


    Será um ‘milagre’ de D’ Santiago. A associação Mundu Nôbu, fundada há apenas nove meses pelo cantor e compositor Dino D’ Santiago, aparenta ter caído nas ‘boas graças’ da empresa municipal que gere os eventos culturais da capital. De uma assentada e sem grandes burocracias, e dois meses após a apresentação pública da Mundu Nôbu com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas, a EGEAC decidiu contratá-la por 130 mil euros, através de um contrato por ajuste directo, para a co-organização de uma tertúlia e um concerto a realizar ainda este mês, na Praça do Município. O ‘prato especial’ é, aparentemente, o próprio Dino D’Santiago himself, que é o presidente desta associação que, no site, nem sequer apresenta os órgãos sociais nem tão-pouco um plano de actividades.

    Segundo o contrato disponível no Portal Base, a Mundu Nôbu foi contratada para conceber, coproduzir e apresentar o ‘Festival Mundo Nôbu 2024 – a interculturalidade portuguesa no top do Spotify, no âmbito da programação Festas na Rua 2024’, a ter lugar no dia 28 de Setembro, em Lisboa. A EGEAC também garante a instalação do palco na Praça do Município e toda a logística do concerto, incluindo a sua divulgação, que em circunstâncias normais ‘vale’ pelo menos cerca de 10 mil euros.

    Carlos Moedas (à esquerda) e Marcelo Rebelo de Sousa (ao centro), ‘apadrinharam’ a sessão de apresentação oficial da associação de Dino D’ Santiago (segundo a contar da direita), com sede na casa de Liliana Valente (segunda a contar da esquerda). Foto: D.R./MN.

    O valor do contrato serve assim apenas para a execução de uma simples conferência nos Paços do Concelho, com a presença de Dino D’ Santiago e convidados (não especificados) e dos eventuais cachets e acomodação dos artistas do concerto na Praça do Município, “com nomes como: Irma, Soluna, Criolo, Maro, Bateu Matou” [sic]. O concerto terá a duração de três horas, com acesso livre, mas pela leitura do contrato não se mostra claro se contará com Dino D’Santiago. No contrato, o seu nome apenas consta explicitamente na conferência vespertina na Sala de Arquivo dos Paços do Concelho, com início às 17h45, com convidados não especificados e sobre um tema ignoto.

    Mesmo se Dino D’Santiago participar no concerto de fim de tarde, a verba em causa está muito acima dos valores de mercado, incluindo os seus convidados. O músico algarvio de ascendência cabo-verdiana costuma cobrar, geralmente, entre 15 mil euros e um pouco acima dos 20 mil euros. Aliás, duas semanas antes deste espectáculo na Praça do Município, Dino D’Santiago vai estar no Largo José Saramago, junto ao Campo das Cebolas, como um dos cabeças de cartaz do festival Portas do Mar, organizado pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Por esse concerto, a agência que representa Dino D’Santiago, a Arruada, vai receber 21.500 euros. De acordo com alguns contratos no Portal Base e consultores do mercado de espectáculos consultados pelo PÁGINA UM, os cachets habituais dos nomes indicados pela Mundu Nôbu rondam os cinco mil euros. Ou seja, quem quisesse fazer um contrato com os nomes indicados no contrato assinado por Dino D’Santiago – ou melh0r dizendo, por Claudino de Jesus Borges Pereira – nunca gastaria mais de 30 mil euros. Com Dino D’Santiago, a ‘coisa’ ficaria, no máximo, por 50 mil euros.

    Aliás, o valor pago pela EGEAC à Mundu Nôbu aproxima-se do valor que Dino D’ Santiago já facturou em 10 contratos públicos em 2024. Até agora, entre Janeiro e Setembro deste ano, sem incluir este contrato com a sua associação, o artista de ascendência cabo-verdiana custou ao erário público 137.799 euros pela realização de 10 concertos pelo país. Há seis anos, Dino d’Santiago era bem mais baratinho: um concerto contratado pela autarquia de Lisboa custou apenas seis mil euros.

    (Foto: D.R./MN)

    O sucesso da associação de Dino D ‘Santiago – que a fundou em parceria com Liliana Valpaços, antiga directora de operações da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em cuja casa, em Lisboa, se encontra a sede – advém muito da sua popularidade entre políticos de todos os quadrantes. Na sessão oficial de apresentação ao público da Mundu Nôbu, em finais de Maio, no Hub Criativo do Beato, Dino D’Santiago deu e recebeu elogios de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

    Na altura, à comunicação social, Liliana Valente diria que a ideia da associação surgiu após “uma viagem aos Estados Unidos da América”, depois de terem conhecido a organização Brotherhood Sister Sol, em Nova Iorque, que, diga-se, registou nos últimos dois anos receitas globais de 25,6 milhões de dólares e conta com um staff de cerca de meia centena de pessoas.

    Mas, afinal, porque decidiu a EGEAC entregar 130 mil euros a uma associação através de um ajuste directo e não pelos habituais procedimentos de apoio a este tipo de organizações de génese cultural e social? A pergunta pode ser indirectamente respondida pela consulta do regulamento de atribuição de apoios pelo município de Lisboa aos projectos associativos de vária índole, incluindo os relativos aos direitos humanos e sociais. Por um lado, estão, neste momento, a decorrer já os processos de avaliação das candidaturas para o próximo ano, onde se exigem projectos em concreto, e há um limite de 70 mil euros por associação.

    Questionada sobre se existem outros casos de associações de índole socio-cultural que tenham conseguido contratos desta natureza em tão pouco tempo, uma porta-voz da empresa municipal indicou que ao PÁGINA UM que, “de facto, a EGEAC realiza vários contratos com associações, promotores culturais e demais entidades para concretizar a sua atividade cultural ao longo do ano”, sem especificar quais. Mais adiantou que “a relação com a Associação [Mundu Nôbu] não é uma parceria, mas [fruto de] um contrato de aquisição de serviços de concepção, coprodução e apresentação ao público do Festival Mundu Nôbu”. Para a associação de Dino D’Santiago, a EGEAC surge classificada, porém, como parceira, ao lado de entidades privadas, e também da própria autarquia de Lisboa e de outra empresa municipal, a Gebalis.

    Duas semanas antes do evento pelo qual a EGEAC pagou 130 mil euros à novel associação presidida por Dino D’Santiago, o músico vai actuar num festival da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (Lisboa). A agência que o representa cobrou 21.500 euros.

    A EGEAC também descartou que tenha havido uma indicação expressa da autarquia para a realização da adjudicação à Mundu Nôbu, que anunciu também para este mês um programa de intervenção comunitária intitulado “O teu lugar no mundo“, envolvendo 160 jovens, nesta fase exclusivamente para residentes em bairros sociais. Mas esta iniciativa é uma incógnita. No site da associação apenas consta a ligação para inscrições (já terminadas) onde se diz haver formação (não especificada) duas horas por semana, em grupo, além de contacto com artistas, atletas e profissionais de sucesso, da realização de estágios, visitas a empresas e universidades, e também organização de espectáculos, prometendo-se “monitores disponíveis 24/7”.

    Apesar desta benesse recebida por uma empresa municipal da capital, as ligações a eventos da autarquia alfacinha têm trazido alguns dissabores a Dino D’Santiago, colocando-o no centro de polémicas. Por exemplo, quando Fernando Medina, um seu admirador, presidia à autarquia, dois eventos em que D’ Santiago participou foram alvo de notícias críticas. Não se sabe se este novo apoio da autarquia à novel associação do artista se irá transformar numa maldição, ou se vai ficar-se pelo milagre. Para já, os tempos são de bonança para a jovem organização, já ‘crismada’ com dinheiros da EGEAC, depois da benção, à laia de padrinhos, de Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa.

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de seis perguntas à associação de Dino D’Santiago e de Liliana Valente, que se se apresenta no LinkedIn como directora executiva da Mundu Nôbu, mas não teve uma resposta sequer.


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  • ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM já escrevia sobre os lucros pornográficos dos laboratórios de análises clínicas só por causa dos ‘testes covid’, mas tudo andava a ser ‘turbinado’ por esquemas de cartelização típicas das famílias mafiosas como se vêem nos filmes, mas estas de ‘bata branca’ com uma associação a servir de charneira. Agora que a Autoridade da Concorrência aplicou coimas históricas a grupos laboratoriais a operar em Portugal, o PÁGINA UM foi ver a ‘mossa’ que vai causar às contas de uma das mais importantes empresas deste sector, e concluiu que o ‘crime’ compensou: o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa foi condenado a uma coima de 9,3 milhões de euros, mas no triénio da pandemia (2020-2022) registou acréscimos de lucros da ordem dos 62 milhões de euros. Os capitais próprios da empresa fundada pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos mais que quadruplicaram entre 2019 e 2022, situando-se em quase 36 milhões de euros.


    Haverá, por certo, nos próximos dias, ‘vestes rasgadas’ dos laboratórios, a clamar inocência e choque, por hoje terem sido condenadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a pagar coimas no valor total de 48,61 milhões de euros devido a esquemas de cartel que operam no mercado português entre, pelo menos, 2016 e 2022, e que atingiu o seu auge durante a pandemia com os testes PCR e antigénio de detecção do SARS-CoV-2. Mas a verdade é cristalina: mesmo parecendo haver mão pesada, o crime mais do que compensou: os milhões eventualmente perdidos em coimas não beliscam lucros fabulosos daquilo que pode vir a ficar conhecido por ‘Máfia dos Testes’.

    Um dos casos mais evidentes passa-se com o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, fundado pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos, que viu na covid-19 uma espantosa oportunidade de negócio, ainda mais potenciada pelos esquemas agora denunciados e penalizados pela Autoridade da Concorrência. Mesmo sendo certo que existia já cartelização antes da pandemia, nomeadamente em análise de vitamina D, foi nos testes à covid-19 que os laboratórios de Germano de Sousa, e todos os outros singraram.

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    De acordo com as demonstrações financeiras da empresa do antigo bastonário, antes da covid-19 a situação não era nada má: as vendas e prestações de serviços no triénio pré-pandemia (2017-2019) tinham sido de 29,1 milhões, 30,5 milhões e 35,7 milhões de euros, respectivamente, que resultaram em lucros líquidos de 3,7 milhões, quase 3,9 milhões e 8,1 milhões de euros, respectivamente. A margem de lucro líquida andava próxima dos 13% em 2017 e 2018, e subira para 17% em 2019.

    Com a covid-19, a história foi outra: para melhor, na perspectiva da empresa; para pior, na perspectiva dos dinheiros públicos. Com efeitos, as receitas do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa dispararam literalmente, e ainda mais os lucros. Em 2020, a empresa mais que duplicou a facturação face ao ano anterior, com 74,4 milhões de euros, obtendo um lucro de 23,3 milhões de euros e uma margem de lucro líquida de 31%. Ou seja, os testes vendiam-se com elevadíssima margem. Em 2021, as receitas chegaram a uns impressionantes 115,4 milhões de euros e lucros de 35,1 milhões de euros, ou seja, de quase seis vezes o valor de 2019. Em 2022, os resultados decaíram um pouco, para os 17,1 milhões de euros, em virtude da retracção das vendas de testes (as receitas baixaram para os 78 milhões de euros) mas mesmo assim bem superior aos lucros do triénio de 2017-2018.

    Na verdade, mostra-se impressionante comparar os lucros da empresa de Germano de Sousa no período pré-pandemia (2017-2019) com o período da pandemia (2020-2022): lucros acrescidos de 61.927.101 euros, ou seja, foi o ‘lucro da pandemia’ só para esta empresa, que agora viu ser-lhe aplicada uma coima de 9,3 milhões de euros. Contas feitas, fica um ‘saldo’ confortável de quase 52 milhões de euros a acrescer aos lucros expectáveis. Quem ganhou foram os capitais dos accionistas, que passaram de 7,9 milhões em 2019 para os quase 35,6 milhões em 2022. Ou seja, mais do que quadruplicaram.

    (Foto: D.R./Germano de Sousa)

    Com as devidas proporções, associadas aos volumes de negócios, os outros laboratórios terão tido um comportamento e sucessos similares, até por haver uma estreita relação quer na definição de preços quer na quota de mercado. Segundo o processo da AdC, “as visadas Affidea [Hormofuncional e Alves & Duarte], Germano de Sousa, Joaquim Chaves, Redelab, Beatriz Godinho e ANL [Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos] agiram deliberadamente, de forma ilícita e culposa, com manifesto dolo, implementando um acordo suscetível de consubstanciar uma infração por objeto ao direito da concorrência”.

    De acordo com a decisão tornada hoje pública, a Hormofuncional/Alves & Duarte (grupo Affidea) foram condenadas a pagar uma coima de 26,1 milhões de euros, a coima aplicada à Joaquim Chaves foi de 11,5 milhões de euros, a Germano de Sousa terá de pagar 9,3 milhões de euros, a Labeto 1,4 milhões de euros, a Redelab (e Jorge Leitão Santos) 300 mil euros e a ANL 10 mil euros.

    A AdC adiantou que a presente decisão anunciada hoje “foi precedida por duas decisões condenatórias no mesmo processo, adotadas em 21 e 26 de dezembro de 2023, que resultaram do recurso ao procedimento de transação por parte de dois grupos laboratoriais multinacionais”. Através da adesão ao procedimento de transação, estas empresas “abdicaram de contestar a imputação da AdC e procederam ao pagamento voluntário das coimas aplicadas no valor global de €8.900.000, tendo optado por colaborar com a investigação e fornecer à AdC prova relevante da existência das práticas anticoncorrenciais em causa”.

    Existem dois acordos individuais que identificam a Synlab e a Unilabs como as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas, respectivamente de 5 milhões e 3,9 milhões de euros. No caso da Unilabs, a coima diz respeito à actuação da sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres.  

    Uma vez que o processo teve origem em pedido de dispensa ou redução da coima ao abrigo do Programa de Clemência, foi concedida dispensa da coima à Affidea BV, que denunciara o esquema e que cumpria todos os requisitos aplicáveis. Segundo o regulador, a empresa Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, uma das empresas que recorreu ao procedimento de transação, “beneficiou ainda de uma redução adicional da coima ao abrigo do Programa de Clemência”.

    Ou seja, no conjunto, “este processo envolveu um total de sete grupos laboratoriais e uma associação empresarial, com um total de coimas aplicadas de €57.510.000, dos quais €8.900.000 foram voluntariamente pagos”.

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    Graças ao esquema, salienta a AdC, “a taxa de crescimento anual do volume de negócios agregado na prestação de análises clínicas em território nacional em 2020 e 2021, correspondente ao período da pandemia, por parte dos grupos laboratoriais visados foi entre 50 e 60% em cada um dos anos”. Não admira, só o Serviço Nacional de Saúde comparticipou 40 milhões de testes até finais de Março de 2022.

    A combinação entre os laboratórios teve impacto significativo no preço unitário dos testes em Portugal. O regulador recorda que “em Setembro de 2020, o valor os testes covid (PCR) estavam, em Portugal, ao nível dos preços na Europa”, mas “em Junho de 2021, Portugal era o país da Europa com o preço por teste covid mais alto da Europa”. 

    Apesar da decisão de hoje, este caso remonta a Fevereiro de 2022, quando a Concorrência procedeu à abertura de inquérito na sequência de a decisão de “um pedido de dispensa ou redução da coima referente à existência de um conjunto de práticas” irregulares, mas sem haver então muitos elementos.  Posteriormente, outro laboratório pediu clemência. Em Março de 2022, a AdC chegou a realizar diversas diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto. No entanto, o PÁGINA UM já escrevera em Dezembro de 2021 sobre os pornográficos lucros da laboratório de Germano de Sousa e também de Joaquim Chaves.

    Segundo a AdC, o cartel forjado entre os laboratórios e com a participação da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos procedeu à “fixação dos preços aplicáveis e a repartição geográfica do mercado de prestação de análises clínicas e de fornecimento de testes covid-19”. A Concorrência concluiu ainda que a “a concertação entre os cinco laboratórios ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas com as quais negociaram o fornecimento de análises clínicas e de testes COVID-19, levando à fixação de preços e de condições comerciais potencialmente mais favoráveis do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços”.

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    “A partir de Março de 2020, os laboratórios visados concertaram entre si os preços para o fornecimento de testes covid aos utentes do SNS e da ADSE e impuseram-nos nas negociações com a tutela”, refere a AdC no comunicado. Adianta que “os laboratórios visados ameaçaram, aliás, a tutela com um boicote ao fornecimento de testes covid em represália contra as atualizações (reduções) dos preços convencionados”.

    De acordo com a AdC, a ANL teve um “papel determinante” na formação do cartel, visto que “o acordo em que estiveram envolvidos os laboratórios Affidea, Joaquim Chaves, Germano de Sousa, Beatriz Godinho e Redelab, foi facilitado por esta associação a pretexto da respetiva atividade, alavancando-se os laboratórios visados no exercício de cargos de Direção na associação”.

    Segundo o processo, a ANL – que só apanhou uma coima de 10 mil euros – foi crucial para a viabilização dos contactos entre os laboratórios visados, com a associação a actuar como um “elemento facilitador” da “formação de consensos que se concretizaram designadamente, na fixação de preços e na repartição do mercado entre as demais visadas, bem como na transmissão das posições acordadas às entidades com as quais, nas várias circunstâncias descritas nesta Decisão, foi negociada a prestação de análises clínicas/patologia clínica”.

    Dos laboratórios, “as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa desempenharam um papel de destaque, estando diretamente envolvidas na quase totalidade dos comportamentos identificados, ao contrário das visadas Redelab e Beatriz Godinho”.

    Os “os elementos probatórios juntos aos autos indiciam que as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa, que integram o grupo de laboratórios privados com maior capacidade de produção e rede de colheitas, integram um grupo de laboratórios privados representados na Direção ANL mais restrito que manteve um grau de proximidade maior entre si e uma cooperação mais estreita, levando a que, muitas vezes, estes laboratórios beneficiassem dos resultados da colusão em detrimento dos demais laboratórios visados”.

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    Mas a AdC destaca, na sua decisão, que “cumpre fazer uma distinção entre o grau de participação da Germano de Sousa e o grau de participação das visadas Affidea e Joaquim Chaves”. Assim, “embora a Germano de Sousa tenha estado diretamente envolvida” na formação do cartel, “cumpre constatar que o seu grau de envolvimento é menor face ao envolvimento das visadas Affidea e Joaquim Chaves, na medida em que, embora fosse consultada pela Direção ANL e convidada para as respetivas reuniões em data anterior a 18.07.2018, manifestando o seu alinhamento com os consensos alcançados”, a AdC observou que “a Germano de Sousa tem intervenção em menos conversações, só tendo sido nomeada vogal da Direção ANL nessa data”.

    A decisão final da AdC é ainda susceptível de recurso de impugnação judicial e não se encontra ainda transitada em julgado. A ANL anunciou, através de um comunicado citado pelo Eco, que vai recorrer da decisão da Concorrência, manifestando “o seu total desacordo e indignação” face à decisão da AdC e defendendo que esta é “caracterizada por erros factuais e de direito” e “representa um grave atentado à justiça e à integridade do setor convencionado da saúde em Portugal”.

    N.D.: Notícia actualizada às 21H20 do dia 25 de Julho com mais informação sobre as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas e as duas empresas que pediram dispensa ou redução de coima.


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  • Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Em vésperas do Parlamento Europeu votar a eventual reeleição da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen recebeu uma má notícia: perdeu um processo junto do Tribunal Geral da União Europeia sobre o secretismo em torno dos contratos de compra das vacinas contra a covid-19. O Tribunal anulou a decisão da Comissão de manter secretos algumas das condições e termos do negócio e também esclareceu que as farmacêuticas são responsáveis por indemnizar os lesados das vacinas, mesmo que os contratos de compra as ilibem de responsabilidades. A sentença, tornada hoje pública, adianta que, no entanto, nada impede que outra entidade assuma o custo das responsabilidades pelos efeitos adversos das vacinas se assim o desejar. Este desfecho traz esperança ao processo rocambolesco que o PÁGINA UM tem a correr na Justiça contra o Ministério da Saúde desde Dezembro de 2022, ou seja, há mais de 18 meses. A existência de contratos secretos a nível europeu era um dos derradeiros argumentos do Governo para não se mostrar os contratos e correspondência entre as autoridades portuguesas e as farmacêuticas.


    A derrota da Comissão Europeia no processo levantado por eurodeputados sobre o secretismo dos acordos prévios de compra (advance purchase agreement, APA) das vacinas contra a covid-19, celebrados entre Ursula von der Leyen e as farmacêuticas, vai retirar um ‘precioso argumento’ ao Ministério da Saúde num longo processo de intimação do PÁGINA UM para o aceder aos contratos e outros documentos assinados posteriormente pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    Este processo de intimação – instaurado pelo PÁGINA UM e que, por lei, tem carácter de urgente – decorre há mais 18 meses no meio de mentiras, traduções de centenas de páginas sem qualquer relevância e um pedido de incompetência de jurisdição para decidir o acesso a documentos administrativo por as compras nacionais decorrerem dos tais acordos prévios celebrados em Bruxelas.

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    Em Dezembro de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa face à recusa da DGS em facultar os contratos de compra por si executados, bem como as guias de remessa e outra correspondência com as farmacêuticas. Quatro destes contratos chegaram a constar no Portal Base, onde surgiam alguns elementos, como preços e quantidades, mas depois do pedido do PÁGINA UM para aceder a todos, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção – a entidade pública responsável pela gestão do Portal Base – permitiu que a DGS sonegasse esses quatro contratos e deixasse de colocar os restantes.

    Neste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, dirigido pela juíza Telma Nogueira – que não é ‘mexido’ desde Fevereiro deste ano, apesar de ser considerado urgente, correndo mesmo durante as férias judiciais -, o Ministério da Saúde já tentou de tudo. Em Janeiro de 2023, a ainda directora-geral da Saúde Graça Freitas enviou um ofício ao PÁGINA UM remetendo apenas para os acordos prévios, apesar de aquela responsável ter assinado contratos para a aquisição de doses para Portugal. Além disso, Graça Freitas dizia, para convencer o Tribunal da impossibilidade legal de acesso, que estava a decorrer “uma auditoria aos procedimentos“, o que se mostrava falso. Nunca foi dado a conhecer qualquer auditoria.

    Depois disso, o Ministério da Saúde tentou convencer a juíza Telma Nogueira de que os contratos que existiam eram apenas os que constavam no site da Comissão Europeia, o que era falso. Apesar de o PÁGINA UM ter apresentado requerimento a alertar a juíza de que aquilo que constava no site da Comissão Europeia eram os acordos prévios assinados por Ursula von der Leyen – e não os contratos nacionais que tinham sido pedidos -, o Tribunal Administrativo de Lisboa solicitou então que a DGS traduzisse para português os tais acordos, uma vez que não são sequer aceites textos em outras línguas. No processo de intimação constam centenas de páginas traduzidas para português, que demoraram mais de dois meses a realizar, com as imensas rasuras agora consideradas ilegais pelo Tribunal Geral da União Europeia. Todas essas páginas são completamente inúteis.

    Graça Freitas assinou mais de uma dezena de contratos, uns sonegados do Portal Base, outros nunca ali colocados.

    Perante a constatação de que não se tratavam dos documentos requeridos, o Ministério da Saúde usou outro estratagema, então sugerido por André Peralta-Santos, sudirector-geral da Saúde: como os acordos assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas continham “cláusulas de confidencialidade que obrigam todos os intervenientes”, então “, donde, “os contratos nacionais subordinados a elementos legalmente considerados essenciais do contrato, como quantidades e preços, estipulados nos Acordos/Protocolos/Contratos-Quadro, ficam sujeitos às mesmas regras de confidencialidade, porquanto, devem ser considerados como contratos (parciais) integrantes dos Acordos assinados pela Comissão Europeia em representação dos Estados-Membros, que foram interessados [sic], como foi o caso de Portugal”.

    Nesta sua temerária interpretação – que advoga que os Estados democráticos perdem o exercício de Justiça independente interna em caso de acordos comerciais por entidades externas e supranacionais não-eleitas (Comissão Europeia) –, o subdirector-geral da Saúde defendia ainda que o Vaccine Order Form – cujos primeiros quatro documentos estiveram no Portal Base, para serem depois sonegados pelo Ministério da Saúde – “não se trata, assim, de um qualquer contrato celebrado pelo Estado português, através da Direcção-Geral da Saúde”, mas “apenas da formalização necessária para operacionalização do APA/PA [acordos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas] em território nacional com o pedido de entrega das vacinas respetivas”.

    Contudo, a juíza Telma Nogueira aparentou acolher esta tese, concluindo em despacho de 15 de Dezembro do ano passado que “resulta dos documentos juntos e supra referidos, que os Formulários de encomenda de vacina são celebrados pelos Estados-Membros e as empresas da indústria farmacêutica em execução dos APA, nomeadamente os supra referidos, sendo que estes APA foram outorgados entre a Comissão Europeia e as empresas da indústria farmacêutica e contêm nas suas cláusulas um pacto atributivo de jurisdição”.

    Esconder, mentir e ludibriar: esta tem sido a estratégia do Ministério da Saúde para não mostrar contratos de compra, guias de remessa e correspondência com farmacêuticas.

    E a juíza solicitou então que o PÁGINA UM se pronunciasse “sobre a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal decorrente da violação das regras de competência internacional, que a ser procedente conduzirá à absolvição da Entidade demandada da instância”. No entanto, depois da resposta do PÁGINA UM em 12 de Fevereiro deste ano, a juíza nunca mais se pronunciou. Ou seja, mais de cinco meses de silêncio. Em mais de duas dezenas de intimações do PÁGINA UM em tribunais administrativos, nunca nenhum outro demorou mais de um ano até à sentença de primeira instância. Este, sobre os polémicos contratos das vacinas, já vai em mais de 18 meses sem se vislumbrar uma primeira decisão, sempre passível de recursos de ambas as partes.

    Em todo o caso, este inexplicável atraso do Tribunal Administrativo de Lisboa acaba por ser agora favorável às pretensões do PÁGINA UM. Com efeito, o acórdão de hoje do Tribunal Geral da União Europeia – que derrota a opacidade sobre os polémicos contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que terão permitido a facturação pelas farmacêuticas de mais de 2,7 mil milhões de euros provenientes dos Estados-Membro – retira indelevelmente o argumento do secretismo para recusar o seu acesso. Além disso, a Lei do Acesso dos Documentos Administrativos refere-se sempre a documentos produzidos ou detidos por uma entidade pública, independentemente da sua origem..

    Na sua histórica decisão, que constitui uma importante defesa dos princípios democráticos da transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o Tribunal Europeu considerou que a Comissão “não demonstrou que um acesso mais amplo a essas cláusulas [tornadas secretas] prejudicaria efetivamente os interesses comerciais” das farmacêuticas.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer, na entrega de um prémio do Atlantic Council, em Novembro de 2021.
    (Foto: Captura a partir de vídeo do evento)

    Nos últimos anos, Ursula von der Leyen vinha sendo pressionada para mostrar todos os termos e condições dos contratos, tanto por eurodeputados como por particulares, mas a Comissão Europeia sempre concedeu acesso muito limitado aos contratos, os quais foram disponibilizados online com muita informação expurgada.

    Na sentença conhecida hoje, o Tribunal também proferiu decisão sobre as condições estipuladas nos contratos das vacinas contra a covid-19 sobre eventuais indemnizações por danos que estas empresas estão obrigadas a pagar em caso de defeito das suas vacinas. De acordo com o comunicado de divulgação da decisão, o Tribunal Geral da União Europeia sublinhou na sentença que “o produtor é responsável pelo dano causado por um defeito no seu produto e a sua responsabilidade não pode ser reduzida ou excluída em relação ao lesado por uma cláusula limitativa ou exoneratória de responsabilidade ao abrigo da Diretiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos”.

    Contudo, salientou que “nenhuma disposição da referida Diretiva proíbe que um terceiro reembolse a indemnização a título de danos que um produtor tenha pagado em razão do defeito do seu produto”.

    Depois deste dissabor, e apesar de ter garantido a reeleição para o segundo mandato para a presidência da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen ainda enfrenta outros potenciais problemas com negociação da compra de vacinas contra a covid-19, que vieram beneficiar sobretud0 a Pfizer. Neste momento, a Procuradoria Europeia investiga ainda eventuais irregularidades criminais relacionadas com as negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla. A Procuradoria Europeia assumiu a investigação que estava a ser conduzida por procuradores belgas que investigavam von der Leyen por “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses”.

    Quando era ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen também foi investigada num caso que envolveu o uso de telemóveis. (Foto: D.R./Comissão Europeia)

    Não é a primeira vez que Ursula von der Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A ainda presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    A compra de vacinas contra a covid-19, à qual os Estados-membro estão ‘presos’, tem gerado um enorme desperdício, com milhões de vacinas a ir para o lixo. O próprio Tribunal de Contas, num relatório de Setembro do ano passado, apontava para um elevado desperdício financeiro devido à inutilização de doses não administradas, com o número provisório a atingir as 3,5 milhões de doses no valor de 54,5 milhões de euros, até ao final de Dezembro de 2022. Mas, segundo uma análise do PÁGINA UM, com base em informação oficial, Portugal terá desperdiçado mais de 40 milhões de doses de vacinas.


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  • Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    A revista Visão é semanal, mas agora a sua dona, a Trust in News, ‘dá’ notícias quase diárias, e todas más. Ontem, a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado decidiu entrar com uma correcção das contas de 2021 para ‘introduzir’ uma reserva do revisor oficial de contas (ROC) onde se alertava para a dívida ao Estado que era então de 8,2 milhões de euros. A Trust in News, que tinha obrigação legal de certificar as suas contas, nunca o fez, violando o código das sociedades comerciais. Mas isso é apenas mais uma peça de um puzzle que não explica o essencial: como é que um empresário dos media, mesmo se com boas relações no poder socialista (é ainda sócio de João Cepeda, director de comunicação do Governo Costa, na empresa Capital da Escrita) conseguiu sem incómodo endividar-se tanto (30 milhões de euros) em tão pouco tempo (seis anos), tendo investido apenas 10 mil euros? E depois disso, será que o Estado (Governo) vai dar-lhe a mão e usar dinheiros públicos para ‘salvar’ empregos de jornalistas que andaram seis anos a assobiar para o ar?


    Já não é apenas um caso de crise na imprensa, mas sim um caso de polícia. A Trust in News, a empresa unipessoal de Luís Delgado – dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa – esteve a esconder durante anos a situação de dívidas ao Estado, porque nem sequer emitiu a Certificação Legal de Contas (CLC), que no seu caso era claramente obrigatória por ser uma sociedade por quotas com um balanço superior a 1,5 milhões de euros, deter vendas anuais superiores a 3 milhões de euros e contar mais de 50 trabalhadores.

    Nas contas de 2018 a 2022 – as do ano passado ainda não foram aprovadas – depositadas regulamente na Base de Dados das Contas Anuais, a Trust in News informava sempre que não estava obrigada a ter contas certificadas por um revisor oficial de contas. Mas isso foi até ontem, porque a empresa de media apresentou esta quinta-feira uma “declaração de substituição” respeitante às contas do ano civil de 2021, para assim ‘eliminar’ aquela que fora apresentada em 15 de Julho de 2022, e que o PÁGINA UM tinha obtido numa consulta aos registos no ano passado.

    Esta declaração de substituição não alterou absolutamente nada das demonstrações financeiras já conhecidas (balanço, demonstração de resultados, demonstrações dos fluxos de caixa e alteração do capital próprio). A alteração é mais relevante por um formalismo substancial: o revisor oficial de contas – DFK & Associados – faz uma reserva extremamente relevante: “Chamamos a atenção para o facto da Entidade [Trust in News] apresentar dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária [e Aduaneira] no montante total aproximado de 8.200.000 euros. Do valor indicado refira-se que até à emissão da presente Certificação tinham sido liquidados, pelo menos, 790.000 euros e celebrado acordos de pagamentos prestacionais no montante de 2.500.000 euros“.

    Este ‘adiamento’ de dois anos, violando o Código das Sociedades Comerciais, em relevar as dívidas fiscais e o não pagamento das contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores, mesmo com um acordo (secreto) com o Estado, pode ser fundamental para uma eventual responsabilidade civil e judicial de Luís Delgado e dos outros dois gestores da Trust in News, Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro. No limite, pode haver lugar a reversão fiscal sobre o património dos gerentes em caso de insuficiência patrimonial, que sempre se mostrou insuficiente.

    Também não deixa de ser anormal que a auditora DFK & Associados – com regras específicas e sob supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) se tenha aprestado a proceder, agora em 2024, a uma adição de uma reserva às contas de 2021. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos à empresa de auditoria – que tem uma vasta experiência em consultoria financeiras com entidades públicas, contabilizando 87 contratos no valor de quase 2 milhões de euros – sobre as razões deste extemporâneo alerta, e se as contas de outros anos sofreriam idêntica alteração.

    Informação constante no IES das contas de 2021 da Trust in News na declaração entregue em 15 de Julho de 2022 (A) e na declaração de substituição em 4 de Julho de 2024 (B)

    Contudo, fonte desta sociedade escusou-se a responder, dizendo apenas que “a DFF & Associados presta serviços de auditoria e encontra-se sujeita a supervisão das entidades competentes e regras deontológicas deste setor de atividade”, acrescentando que “neste enquadramento não fará publicamente ou através de órgãos de comunicação social comentários sobre situações particulares dos seus clientes”. Essa posição não retira a anormalidade desta situação.

    Em todo o caso, a assumpção pela Trust in News – mesmo que esc0ndida durante dois anos, embora com o ‘rabo de fora’ por serem detectáveis na análise ao passivo – das dívidas ao Estado para o ano de 2021 sugere que, em breve, o mesmo seja extensível aos anos seguintes, onde o ‘calote’ foi aumentando. Na verdade, quase duplicou, uma vez que se situa agora, sendo os dados do Processo Especial de Revitalização (PER), em quase 16 milhões de euros.

    Os montantes em dívida em 2021, bem como os actuais, indiciam que a Trust in News nunca cumpriu, desde a sua fundação, e após a compra das revistas à Imprensa, quaisquer obrigações fiscais e de Segurança Social. Por exemplo, no caso dos trabalhadores, os encargos da empresa de media respeitante a IRS e Segurança Social atingiu ultrapassou os 1,6 milhões de euros, que não terão ido para os cofres do Estado. Mas para que a dívida seja agora tão elevada, não apenas ficaram por cumprir como se acumularam outras obrigações. Certo é que entre 2022 e o primeiro semestre deste ano, a dívida ao Estado aumentou mais de 250 mil euros em cada mês, não tendo havido ninguém, dentro do Governo, que tenha mandado parar o ‘regabofe’ que se iniciou logo no primeiro ano de existência da Trust in News.

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    Recorde-se que há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM começou a revelar, apesar do então silêncio absoluto da generalidade da imprensa mainstream, as dívidas astronómicas da Trust in News ao Estado já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

    O montante dessa dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

    Recorde-se também que o director de comunicação do Governo Costa era João Cepeda, que se mantém como sócio de Luís Delgado na empresa Capital da Escrita, fundada em 2007. Tendo sido a proprietária inicial da revista Time Out, esta empresa – ‘irmã’ da Mercados da Capital, que geriu o franchising Time Out no Mercado da Ribeira até ser vendida em 2015 à Oakley Capital Investments – ainda existe, embora sem actividade. Nas últimas contas apresentadas, relativas a 2022, a Capital da Escrita não teve vendas e só registou gastos de 80 euros, mas ainda possuía activos de 567 mil euros, além de uma dívida ao Estado de quase 142 mil euros. Certo é que os sócios ainda têm esperança de vir a distribuir entre si cerca de 303 mil euros se dissolverem a empresa. Mas isso são outras contas.

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    No caso da Trust in News, a dissolução não é sequer possível; o mais provável será a insolvência, no caso de o PER não ser aprovado face à quase impossibilidade de equilibrar a situação financeira mesmo sem Luís Delgado. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta, actualmente, dívidas de cerca de 30 milhões de euros, sendo 8,9 milhões de euros de comparticipações não pagas à Segurança Social e mais 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais.

    A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

    Também relevante é o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco: 3,5 milhões de euros, uma parte dos quais foram financiamento para o pagamento de uma parte da compra das revistas à Impresa, o que significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos. Fica ainda na dúvida sobre quem, no Novo Banco, sob intervenção do Fundo de Resolução, concedeu autorização de milhões para uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

    Sabe-se também que existem cerca de 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros). E há também, conforme apurou o PÁGINA UM, antigos jornalistas da Visão que são credores da empresa, no âmbito de processos de rescisão, como são os casos de Cláudia Lobo, Rosa Ruela; Sara Belo Luís e Cesaltina Pinto. Até ao Sindicato dos Jornalistas são devidas verbas, mostrando assim que a Trust in News não enviava para a estrutura sindical as quotas descontadas do salário. O PÁGINA UM confirmou junto do Sindicato dos Jornalistas a existência de atrasos no envio das quotas de jornalistas sindicalizados, o que também constitui crime.

    Luís Delgado, que mantém silêncio sobre a situação da Trust in News desde que lançou o PER, continua, em todo o caso, a fazer as suas frequentes curtas crónicas no site da revista Visão. Numa delas, no passado dia 13 de Março, a pretexto da greve dos jornalistas, chegou a defender que “esta nova AR [Assembleia da República] e Governo têm o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social”. E acrescentava: “Era o que faltava preocuparem-se apenas com a RTP, RDP e Lusa. Merecem, sem dúvida, mas são a ínfima parte da Imprensa em Portugal”, concluindo que “com a Imprensa em greve, está suspenso um dos pilares fundamentais e independentes da Democracia. Assim não pode ser!”


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  • Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Os habituais fornecedores de armamento para Israel – Estados Unidos (69%) e a Alemanha (30%) – estão a sofrer cada vez mais pressões para refrear os ímpetos belicistas de Benjamin Netanyahu sobre Gaza. O Governo alemão já só exportou este ano 32.449 euros em armamento para aquele país do Médio Oriente, mas em Portugal, onde aparentemente o negócio das armas se faz com a máxima discrição, os valores estão a subir em flecha. Este ano, até Março, já se exportou mais de meio milhão de euros para Israel, de acordo com uma investigação do PÁGINA UM, ou seja, 16 vezes mais do que a Alemanha. E desde o início do conflito, a partir de Outubro do ano passado, já se ultrapassou um milhão de euros. Embora Portugal seja um player residual no lucrativo ‘negócio da guerra’, o país que colocou literalmente Gaza a ferro e fogo desde Outubro do ano passado está já na terceira posição como destino final. Apesar de as vendas até 2020 de armas para Israel a partir de empresas portuguesas serem praticamente inexistentes, os últimos meses mostram que o negócio apresenta agora uma tendência bastante crescente para ‘prosperar’.


    Sobem as pressões para os países ocidentais suspenderem as exportações de armamento para Israel, mas Portugal, através de empresas a operarem em território nacional, está a aumentar os negócios com o governo de Benjamin Netanyahu desde o início do conflito em Gaza.

    Apesar de Portugal ser um player diminuto à escala mundial no negócio do armamento, sobretudo por já nem sequer ter produção própria, de acordo com dados de exportações consultados pelo PÁGINA UM, Israel já passou a ser o terceiro destino final de armas provenientes do nosso país. Entre Outubro do ano passado e Março deste ano, foi exportado para Israel material de guerra classificado como “bombas, granadas, torpedos, minas e outras munições e projécteis” no valor total de 1.076.734 euros, um acréscimo de 56% face aos seis meses anteriores (Abril a Setembro de 2023) e quase quatro vezes mais do que o período homólogo anterior (Outubro de 2022 a Março de 2023).

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    Saliente-se que o negócio de armamento em Portugal é bastante incipiente face aos colossos internacionais do Ocidente, tendo envolvido apenas 91,7 milhões de euros no ano passado, sendo que o destino final é sobretudo os Estados Unidos (69%) e a Bélgica (21%). Porém, mais do que montantes avultados que movimenta não milhões mas sim biliões à escala planetária, o simbolismo conta também. Entre 2010 e 2020, o envio de armamento de Portugal para Israel cifrou-se em insignificantes 7.702 euros – por uma exportação em Novembro de 2012 –, mas tem sido crescente a partir de 2021. Em todo esse ano atingiu 140.329 euros, subindo para 636.888 euros em 2022, ou seja, uma média mensal de cerca de 53 mil euros

    No período de 2023 antes dos ataques do Hamas contra Israel – e da violenta contra-ofensiva em Gaza –, já se evidenciava a tendência de aumento. Entre Janeiro e Setembro do ano passado, as exportações nacionais para Israel ultrapassaram os 91 mil euros por mês, mas nos último trimestre de 2023 e no primeiro trimestre deste ano, o valor quase duplicou, com uma média mensal de quase 180 mil euros. Considerando estes valores, Israel ultrapassou Espanha como terceiro destino de armamento proveniente de Portugal. Saliente-se que não houve exportações directas, envolvendo transacções monetárias, de armamento nem para a Ucrânia nem para a Rússia nos últimos anos

    Podendo parecer pequeno o valor das exportações para Israel, num contexto mundial e especificamente no conflito que grassa aquela região do Médio Oriente nos últimos seis meses, Portugal apresenta condições para, face ao nulo debate sobre o negócio das armas em território nacional, se tornar uma ‘charneira’ para mais exportações.

    Soldier Holding Rifle

    Por exemplo, a Alemanha – que tradicionalmente tem sido o segundo maior fornecedor de armamento de Israel (30% do total entre 2019 e 2023), com negócios de 326,5 milhões de euros no ano passado –, refreou drasticamente os envios face às críticas externas e internas. No dia 10 de Abril, o Ministério da Economia alemão revelou que só foi vendido armamento para Israel no valor de 32.449 euros. Ora, Portugal, no período entre Janeiro e Março deste ano, exportou armamento para aquele país do Médio Oriente no valor de 532.395 euros, ou seja, 16 vezes mais.

    Nos Estados Unidos – que, com quase 70% do total, é o maior fornecedor de armas a Israel –, as pressões para se cortar o ímpeto belicista de Benjamin Netanyahu estão ao rubro. Anteontem, em entrevista à CNN, Joe Biden ameaçou congelar o fornecimento de armas se as forças israelitas atacarem a cidade de Rafah, em Gaza. E já esta semana foi suspenso o envio de um carregamento de bombas pesadas e anti-bunker, armas que têm sido usadas pelas forças israelitas na sua ofensiva contra o Hamas, que já causou a morte a perto de 35.000 palestinianos na Faixa de Gaza.

    Também a Itália – que é o terceiro maior fornecedor de armas a Israel, com um pouco menos de cerca de 1% – suspendeu novas autorizações de exportação de armamento para aquele país desde o início da guerra em Gaza.

    Valores (em euros) das exportações por mês, desde 2020, de armamento de Portugal para Israel. Fonte: INE.

    Também o Canadá e a Holanda – países exportadores de armamento para Israel em pequena escala, como Portugal – já suspenderam qualquer envio por se temer que pudessem ser usadas em Gaza, provocando vítimas civis.

    Saliente-se que o negócio legal de armamento requer licenciamentos especiais e autorizações por parte dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.


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  • Autoridade de segurança alimentar em França põe em xeque águas minerais da Nestlé

    Autoridade de segurança alimentar em França põe em xeque águas minerais da Nestlé

    É um ‘escândalo das águas minerais’ por agora apenas em França, mas que poderá vir a ter repercussões em todas as marcas. A Agência Francesa para a Segurança Alimentar, Ambiental e da Saúde no Trabalho (ANSES) concluiu, num relatório oficial confidencial divulgado ontem pelo jornal Le Monde, que as nascentes da Nestlé Waters, líder mundial do mercado de águas minerais, apresentam problemas de poluição bacteriológica e de contaminantes persistentes, e acusa o grupo suíço de recorrer a técnicas não autorizadas de purificação. Em declarações ao PÁGINA UM, a directora de comunicação da Nestlé Waters na França defende que as águas comercializadas pelo grupo suíço são “regularmente” testadas pelas autoridades, mas não quis comentar o relatório, alegando desconhecer o seu conteúdo. Apesar de uma presença residual da Nestlé Waters no mercado nacional, onde comercializa sobretudo a marca Aquarel (engarrafada em Espanha), na França este caso está a causar grande polémica, e a eurodeputada Marie Toussaint, do partido Les Écologistes, já exigiu que sejam retiradas das prateleiras dos supermercados as garrafas de águas minerais deste grupo suíço, como a Hépar, Contrex, Vittel e Perrier, que provêm de nascentes de Vosges e Vergèze.


    A multinacional Nestlé, líder mundial no sector das águas minerais, está sob a mira das autoridades francesas depois de ser revelado um relatório oficial que alerta para a “qualidade sanitária” das águas minerais engarrafadas pelo grupo suíço. Apesar de ser um segmento residual, com 3,5% do total das vendas do grupo, as águas da Nestlé representaram vendas de 3,4 mil milhões de euros em 2023 a nível mundial, embora a quota em Portugal seja marginal, vendendo sobretudo as marcas Aquarel e Perrier.

    O jornal Le Monde e a France Info revelaram ontem que um relatório da Agência Francesa para a Segurança Alimentar, Ambiental e da Saúde no Trabalho (ANSES) afirma que as águas minerais do Nestlé Waters não têm garantida de qualidade sanitária. Esta conclusão surge depois de um outro relatório desta entidade enviado ao Ministério da Saúde em Outubro do ano passado recomendar uma monitorização mais intensa aos procedimentos de captação e engarrafamento das águas minerais. Apesar de ter outras nascentes, em diversas países, as principais fontes da Nestlé Water, que comercializa sobre as marcas Hépar, Contrex, Vittel e Perrier, entre outras, localizam-se em Vosges e Vergèze, em território francês. Em Portugal, a Nestlé comercializa a Aquarel, proveniente de nascentes em Herrera del Duque, na Extremadura, e no Parque Natural de Montesny, na Catalunha.

    Foto de uma garrafa de água mineral da marca ‘Vittel’, da Nestlé. (Foto: D.R.)

    As aguas minerais naturais (AMN) são águas de circulação subterrânea, consideradas bacteriologicamente próprias, com características físico-químicas estáveis na origem, distinguindo-se das águas de nascentes que, para serem comercializadas apenas necessitam de ser bacteriologicamente puras. Por lei, com excepção de alguns tratamentos físicos específicos, nenhuma destas águas pode ter qualquer adição de produtos de purificação ou de alteração das características organolépticas, como cor e sabor.

    As suspeitas sobre a qualidade das águas da Nestlé surgiram depois de um denunciante do Grupo Alma em 2021 ter desencadeado sucessivas investigações por parte da agência de controlo do consumidor francesa (DGCCRF) sobre as práticas dos produtores franceses de água engarrafada. Da investigação, saiu a descoberta de que a Nestlé Waters utilizaria métodos de desinfecção proibidos, como purificação por luz ultravioleta, tratamentos com carvão activado e microfiltração inadequada. Esses métodos são geralmente usados em tratamento de água para torneira, vendida obviamente a preços mais muitíssimo mais baixos.

    De acordo com o Le Monde, as autoridades públicas francesas passaram meses a desvendar gradualmente até que ponto os fabricantes de águas minerais engarrafadas estavam a usar tratamentos proibidos para lidar com a deterioração da qualidade das nascentes. Em teoria, o interesse comercial, e de marketing, das águas minerais é de serem provenientes de zonas isentas de poluição bacteriana ou química.

    (Foto: D.R.)

    No documento da ANSES, ontem citado pela imprensa francesa, confirmava-se a contaminação generalizada com bactérias, pesticidas, produtos perfluoroalquiladas (PFAS) – considerados contaminantes sintéticos de longa duração – das fontes naturais de água mineral exploradas pelo grupo Nestlé em França. Os especialistas apontam também um “nível de confiança insuficiente” para garantir “a qualidade sanitária” das águas minerais naturais engarrafadas das marcas Perrier, Contrex, Vittel e Hépar, entre outras, propriedade do grupo. 

    Perante um caso que já é considerado como o “escândalo da água”, o partido francês Les Écologistes, onde se destaca a eurodeputada Marie Toussaint, exigiu hoje a retirada das águas da Nestlé dos supermercados.

    Já no final de Janeiro deste ano, a Radio France e o Le Monde revelaram que um relatório da Inspeção-Geral dos Assuntos Sociais, apresentado ao Governo em Julho de 2022, que estimava que pelo menos 30% das marcas de água engarrafada utilizavam tratamentos proibidos por regulamentos, incluindo todas as marcas operadas pela Nestlé.

    O PÁGINA UM colocou questões à Nestlé Portugal sobre estas revelações e sobre os impacte no mercado nacional. As respostas vieram, porém, da própria directora de comunicação da Nestlé Waters em França, Elodie Lemeunier, não esclarecendo as questões concretas sobre as águas comercializadas em Portugal. Segundo esta responsável, “nos últimos três anos, a Nestlé Waters France empreendeu um plano de transformação com total transparência e sob o controlo das autoridades, partilhando com elas todos os
    dados relativos às nossas águas minerais naturais nas nossas duas unidades de produção em Vosges e Vergeze”, acrescentando que ainda não tiveram acesso ao relatório da ANSES “referenciado nos meios de comunicação social, pelo que não estamos em posição de comentá-lo”.

    Partido Les Ecologistes exige retirada das águas da Nestlé.

    E reitera que “a Nestlé Waters France sempre operou sob um sistema integrado de gestão da qualidade”, baseando-se “num sistema de filtragem combinado com um programa rigoroso de limpeza das tubagens de água e na análise de mais de 1.500 parâmetro, incluindo parâmetros físico-químicos, microbiológicos e sensoriais, para garantir a segurança das águas minerais naturais durante todo o processo produtivo”.

    Elodie Lemeunier garante também que houve reforços no controlo através de análises que “são constantemente partilhados com as autoridades que testam regularmente as nossas águas minerais, tanto na origem como no produto acabado, para confirmar a conformidade com os requisitos regulamentares aplicáveis, incluindo padrões de segurança e qualidade alimentar”.


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  • Do céu ao purgatório: Pfizer cota em mínimos de cinco anos e despede 26 em Portugal

    Do céu ao purgatório: Pfizer cota em mínimos de cinco anos e despede 26 em Portugal

    Em três anos, a Pfizer vendeu 85,8 mil milhões de euros de vacinas contra a covid-19, mas os tempos da pandemia já lá vão. A ‘ressaca’ financeira está agora a bater forte: os resultados em 2023 foram decepcionantes e as expectativas para este ano são pouco risonhas. A cotação da empresa no mercado de capitais norte-americano está em mínimos dos últimos cinco anos. Depois de uma ‘festa’ em que conseguiu vender vacinas até para deitar ao lixo, é agora a altura de despedir sem contemplações. Em Portugal, apurou o PÁGINA UM, está a decorrer um despedimento colectivo que atinge, para já, 26 funcionários.


    A Pfizer está em processo de despedimento em Portugal, que atingirá, nesta primeira fase, um total de 26 empregados. O despedimento colectivo atinge mesmo altos funcionários em Portugal da farmacêutica norte-americana, tendo o PÁGINA UM tido acesso à lista completa de rescisões.

    Fonte da farmacêutica confirma esta decisão, não querendo indicar qual o impacte operacional deste despedimento colectivo – que está a criar um sentimento de ‘traição’ após resultados financeiros excepcionais durante a pandemia –, dizendo que se enquadra num “programa de restruturação da sua actividade a nível global, de que resulta a necessidade de ajustamento da dimensão da Companhia em Portugal face ao novo modelo de funcionamento”, acrescentando que pretende “minimizar o impacto desta decisão nos colaboradores, e, sempre que possível, proporcionar oportunidades de realocação em funções disponíveis dentro da organização”.

    Ursula von der Leye, presidente da Comissão Europeia, e Albert Bourla, presidente da Pfizer
    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer. Negócios de compra de vacinas deram resultados excepcionais entre 2020 e 2022. Agora, é a ‘ressaca’.

    A Pfizer reitera ainda “o compromisso de que todas as decisões serão tomadas com transparência, respeito e em conformidade com as leis aplicáveis”, mas o PÁGINA UM sabe existirem casos de despedimentos com cláusulas de confidencialidade para evitar queixas futuras.

    Depois de um triénio de ouro, no decurso da pandemia, a actual situação financeira da Pfizer assemelha-se ao mito de Ícaro: de forma demasiado ambiciosa, quis rentabilizar ao máximo a pandemia, recorrendo a um modelo de negócio de lucros iniciais excepcionalmente elevados, mas de repente está a sofrer os efeitos de uma menor procura de vacinas contra a covid-19 e do antiviral Paxlovid, devido à menor agressividade das variantes do SARSC-CoV e à perda de eficácia dos dois fármacos.

    No final de Janeiro, a farmacêutica norte-americana anunciou resultados decepcionantes com lucros por acção (EPS) em 2023 de apenas 0,37 dólares, que representam uma queda de 93% face ao ano anterior. As receitas caíram para 58,5 mil milhões de dólares, que resultaram de uma descida de facturação da vaciona Comirnaty e do Paxlovid de 41% face a 2022. Este último ano já se revelara mais fraco do que o de 2021.

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    Pandemia já foi ‘chão que deu uvas’ à Pfizer, e a ‘peritos’ que promoveram as vacinas Comirnaty e o antiviral Paxlovid. Agora, é tempo de despedir.

    As ‘coqueluches’ da Pfizer durante a pandemia têm agora expectativas de vendas bastante fracas: a farmacêutica prevê vender apenas 5 mil milhões de euros de vacinas Comirnaty e 3 mil milhões de euros de Paxlovid. As receitas da vacina contra a covid-19 da Pfizer – a mais vendida de todas as autorizadas – tinha totalizado uma facturação de 11,2 mil milhões de dólares em 2023, que já mostrava uma queda de 70% face ao ano de 2022, quando tinham sido vendidas doses no valor de 37,8 mil milhões de euros.

    Saliente-se que, em apenas três anos, a Pfizer consegui com as várias versões da vacina Comartiny facturar um total de 85,8 mil milhões de dólares entre 2021 e 2023. Agora, previsivelmente, mesmo se as expectativas de vendas para 2024 não falhem para a vacina contra a covid-19, esta perderá a liderança para o fármaco Eliquis, usado para tratamento de trombose venosa profunda, cujas vendas andam na ordem dos 6 mil milhões de dólares por anos.

    Quanto às vendas do antiviral Paxlovid – que nunca mostrou uma grande adesão por parte da generalidade dos médicos, mas que beneficiou de fortes compras pelo Governo Federal norte-americano –, em 2022 ainda conseguiram uma facturação bastante significativa (18,9 mil milhões de dólares), colocando-o no segundo lugar dos fármacos mais rentáveis (apenas atrás da vacina contra a covid-19). Porém, no ano passado descambou para menos de 1,3 mil milhões de dólares de receita, reposicionando-a na quarta posição. Nesse sentido, dificilmente se atingirá em 2024 as expectivas de vendas de 3 mil milhões de dólares indicada pela administração da farmacêutica.

    Evolução da cotação da Pfizer no New York Stock Exchange (NYSE) nos últimos cinco anos.

    Quem também não está nada optimista sobre o desempenho da farmacêutica são os investidores, que estão a penalizar as acções. Hoje, os títulos da Pfizer negociados no mercado de Nova Iorque (NYSE) fecharam em mínimos dos últimos cinco anos, cotando nos 26,58 dólares, caindo quase 14% no último ano, e estando 55% abaixo do máximo atingido em 17 de Dezembro de 2021 (59,48 dólares).

    A evolução da cotação da Pfizer nos últimos cinco anos mostra uma queda de 35,3%, um cenário que não se observa em grande parte das farmacêuticas que estiveram muito ‘activas’ durante a pandemia. Mesmo a Moderna – com uma cotação hoje em redor dos 95 dólares, apesar de ter caído quase 80% em relação ao máximo de 2021 (quando teve um pico a 449,38 dólares) – regista ainda uma valorização de 329% face à cotação registada em Março de 2019.


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  • Bolo-rei: Lei e Código dos Contratos Públicos não impede ninguém de ser Rei Mago

    Bolo-rei: Lei e Código dos Contratos Públicos não impede ninguém de ser Rei Mago


    Existem milhares de entidades da Administração Pública, mas só 33 decidiram, em pelo menos um ano, gastar dinheiro público para oferecer bolo-rei em época de festividades natalícias. O destino da iguaria seguiu para as mais distintas bocas, desde comunidades mais desfavorecidas até funcionários públicos, sem que se entenda os critérios para aquisição e os limites de gastos. Desde 2008, o PÁGINA UM descobriu no Portal Base um total de 92 contratos de aquisição especificamente de bolo-rei, em grandes quantidades, para ofertas, sobretudo feitas por autarquias. A ‘fava’ fica com os contribuintes: desde 2014, a conta já atinge quase 570 mil euros. Só no ano passado, e pelos dados já disponíveis, gastaram-se mais de 84 mil euros. Bom proveito.


    Belém fica ali próximo, na vizinha Lisboa, mas é nas terras de Isaltino Morais, no município de Oeiras, que o bolo-rei é generosamente oferecido… com a ‘fava’ a seguir para os contribuintes, porque sendo eles a pagar, quer gostem ou não da iguaria, só poucos lhe metem o dente. Na verdade, não são assim tão poucos: em Dezembro passado, foram 4.000 bolos comprados ao Pingo Doce por 27.200 euros (sem IVA). No ano anterior, o ‘brinde’ saiu à Pastelaria Vera Cruz de Caxias que vendeu 6.120 bolos-reis à Câmara Municipal de Oeiras por 30.784 euros.

    Mas longe está o ‘rei mago’ Isaltino Morais de ser o único a ficar com os louros da bondade à custa do dinheiro dos contribuintes. Numa análise do PÁGINA UM aos contratos inseridos no Portal Base que explicitamente remetam para a aquisição de bolos-reis, encontram-se 33 entidades públicas que decidiram, desde 2008, fazer 92 compras destas iguarias consumidas sobretudo na época natalícia. Quase todas são Câmaras Municipais. Além de outras entidades ligadas a autarquias, como empresas municipais, não se detectou qualquer instituição da Administração Central a comprar bolos-reis.

    Por lei, não há qualquer limite nem limitações para a aquisição deste tipo de bens de consumo, mesmo não sendo de primeira necessidade. Ou seja, bastando cumprir os formalismos do Código dos Contratos Públicos em termos de procedimento, os gestores públicos até podem comprar caviar beluga para supostas ofertas.

    A lei também não limita os montantes deste tipo de género, que beneficia os políticos que os oferecendo, olhados por quem os recebe como generosos, embora com o dinheiro dos outros, neste caso os contribuintes. Na generalidade dos contratos dos bolos-reis, a aquisição por ajuste directo foi a prática mais habitual.

    Só na última década, entre 2014 e 2023, os gastos das entidades públicas em bolo-rei para ofertas totalizaram 569.347 euros. Se se abranger o período com dados na plataforma da contratação pública, a partir de 2008, a factura sobe acima dos 834 mil euros. O ano de maiores gastos foi o de 2020, com 112.700 euros, embora a tendência seja de aumento dos gastos médios. Desde 2020, os bolos-reis para oferta têm custado, em média, cerca de 88 mil euros por ano aos cofres públicos. Não estão aqui incluídos os casos em que esta iguaria integra os famosos cabazes de Natal.

    Carlos Carreiras (Cascais), Isaltino Morais (Oeiras), Ricardo Leão (Loures) e Carlos Moedas (Lisboa). Apesar de até haver uma Belém na capital portuguesa, o edil de Lisboa é o único destes quatro autarcas que não dá bolos nem se investe de Rei Mago com o dinheiro dos contribuintes.

    A autarquia de Oeiras é, além daquela que mais gasta – cerca de 278 mil euros desde 2008 e quase 180 mil na última década –, a que já tornou um hábito de entregar o brinde a alguns munícipes e a ‘fava’ aos contribuintes, porque desde 2008 só houve um ano em que não se encontra qualquer contrato de compra de bolos-reis.

    O ano de 2010 foi aquele em que a autarquia liderada actualmente por Isaltino Morais mais abriu os cordões à bolsa, gastando 33 mil euros. Mas nos últimos cinco anos também foi pródiga: os gastos estiveram sempre acima dos 19 mil euros em qualquer dos anos. Em 2022 os gastos atingiram os 30.784 euros, enquanto em 2023 ficou a factura em 27.320 euros.

    Encontram-se outras duas autarquias com indícios de quererem tornar tradição a oferta de bolos-reis à custa dos contribuintes: Ovar e Vila Pouca de Aguiar adquiriram sempre esta iguaria nos últimos cinco e quatro anos, embora em montantes mais baixos.

    Montante anual gasto na aquisição de bolos-reis por entidades públicas. Fonte: Portal Base.

    Na verdade, Oeiras destaca-se dos demais, até porque importantes municípios como Lisboa, Porto e Sintra não indicam compras deste tipo de produtos na descrição de contratos públicos. Em todo o caso, a ‘vizinha’ Câmara Municipal de Cascais é a segunda entidade que se investiu de ‘rei mago’ e já gastou quase 123 mil euros desde 2008, dos quais um pouco mais de 65 mil na última década.

    A terceira autarquia com mais compras de bolo-rei na última década fica no Norte: o município de Baião fez despesas de 58 mil euros nos últimos 10 anos, seguindo-se Loures, com quase 37 mil, Vila Pouca de Aguiar, com aproximadamente 32 mil, e Paços de Ferreira, com valores próximos de 26 mil euros.

    Com montantes entre os 15 mil e os 20 mil euros gastos em bolos-reis na última década, o PÁGINA UM detectou os municípios de Seixal, Vila Nova de Gaia, Sines, Ovar e Almada.

    Pegando na cor política dos presidentes das 11 autarquias que mais compraram bolos-reis na última década, não é notória qualquer questão ideológica. Desses 11 autarcas, seis (55%) são do Partido Socialista (Baião, Loures, Paços de Ferreira, Vila Nova de Gaia, Sines e Ovar), o que não difere muito da representatividade nacional (149 em 308 municípios, ou seja, 48%). ‘Rei magos’ social-democratas encontram-se três (Cascais, Vila Pouca de Aguiar e Ovar), estando o PCP representado no Seixal e os movimentos ditos independentes em Oeiras.

    No futuro, e dada a tendência de se recomendar a redução do consumo de produtos açucarados – nomeadamente em hospitais e escolas –, resta saber por quantos anos se vai aguentar esta tradição de algumas autarquias reservarem uma fatia do seu orçamento para comprar bolos-reis. A acontecer, para os fornecedores da Câmara Municipal de Oeiras, depois de anos de ‘brinde’, seria uma grande ‘fava’.