Processo arrastou-se por mais de cinco anos, depois da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ter deliberado já em 2017 que o canal da Cofina tinha violado a Lei da Televisão. É a terceira coima em apenas um ano aplicado ao canal televisivo da Cofina por motivos similares.
O Grupo Cofina, detentor da CMTV, foi condenada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a pagar uma coima de 10.000 euros por violação da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP). Esta foi a terceira coima no espaço de um ano daquela estação televisiva.
Em causa, desta vez, esteve a emissão de imagens explícitas do atentado terrorista em Nice, em 14 de Julho de 2016, durante as comemorações do Dia da Bastilha, que não foram editadas e nem tiveram advertência prévia sobre o carácter chocante das imagens.
O processo contraordenacional que levou à aplicação da coima, concluído em Fevereiro passado, mas divulgado somente na semana passada no site da ERC, demorou mais de cinco anos a ser concluído pela ERC. E pode ainda vir a ser impugnado judicialmente.
A entidade reguladora, após a recepção de 24 queixas de telespectadores, aprovou uma deliberação em 15 de Fevereiro de 2017, em que, além concluir ter a CMTV violado “princípios essenciais à actividade jornalística”, determinou “a instauração do competente procedimentos contraordenacional”.
Contudo, essa tarefa também da responsabilidade da ERC só seria iniciada em 14 de Outubro de 2020 – ou seja, 44 meses depois – com a notificação da acusação à CMTV. Após a resposta do canal televisivo, a ERC demorou quase mais 16 meses para aplicar uma coima.
Recorde-se que o atentado em Nice em 2017, considerado um acto terrorista, foi provocado por um tunisino residente em França que acometeu um semi-reboque contra a multidão, deixando um rasto de 86 mortos e 458 feridos.
Tendo sido um momento marcante, a CMTV catapultou o atentado como notícia marcante entre 14 e 16 de Julho daquele ano, transmitindo imagens de carácter violento independentemente do horário.
Em muitos casos, para a emissão dos vídeos, com durações diferentes, a CMTV utilizou mesmo a técnica “multiscreen” (para difundir vários em simultâneo) e o efeito “loop”, para que as imagens continuassem a ser transmitidas sem interrupção, enquanto os pivots ou convidados comentavam os acontecimentos.
De acordo com o processo instaurado pela ERC, a CMTV iniciou a transmissão das primeiras imagens a partir das 22:39 horas do dia 14 de Julho, com um especial de informação que durou quase cinco horas. Nesta emissão foram transmitidos tanto imagens recolhidas por operadores de televisão da França e do Reino Unido como vídeos anónimos colocados nas redes sociais.
Um desses vídeos, com 23 segundos, foi repetido 14 vezes num curto espaço de cinco minutos, contendo dois cadáveres ensanguentados. Numa versão mais alargada, a CMTM expôs mesmo o corpo de uma mulher em roupa interior deitada de barriga para cima, chegando mesmo a ser mostrado o rosto desta vítima, bem como o corpo desarticulado de um jovem.
A ERC ocupa quase cinco páginas – entre os pontos 28 e 58 da sua deliberação de 2017 – a descrever minuciosamente a tétrica e sangrenta cobertura noticiosa da CMTV, que contou entre os seus comentadores com Rui Pereira, antigo ministro da Administração Interna, e André Ventura, actual líder do Chega.
Além de reportagens de enviados a Nice, a CMTV mostrou imagens cruas das vítimas do atentado.
Em defesa da emissão destas imagens, o jornalista Carlos Rodrigues – actual director-geral da CMTV, Correio da Manhã e Sábado – justificou “estar em causa a relevância noticiosa de um acontecimento de elevado interesse público”, e que era “uma forma de alerta e denúncia de um ato terrorista”. E defendeu ainda que a ausência de advertência prévia foi ima opção edfitorial porque, segundo ele, “faz parte da missão dos órgãos de comunicação social divulgar a realidade tal como é, desprovida de quaisquer filtros”.
Na pronúncia, a CMTV acabou também por advogar a “liberdade editorial” reconhecida pela Constituição, e fazendo referências à relevância histórica de imagens chocantes, exemplificando com o massacre em Timor no cemitério de Santa Cruz, em 1991, e considerando até que “o combate à fome em África não seria eficaz, se o mundo não fosse constantemente bombardeado por imagens de crianças moribundas cobertas por moscas”.
A ERC nunca foi sensível a estas esdrúxulas comparações, e concluiu que a CMTV sabia bem que estaria a “violar normas referentes à emissão de conteúdos suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”. Até porque, acrescenta, “os próprios colaboradores afetos à Arguida [CMTV], ao longo das emissões de três dias”, classificaram as imagens emitidas como “violentas”, “terríveis”, “devastadoras”, inqualificáveis” e “É o terror tal como é”.
A coima aplicada à CMTV, apesar da violação de três normas legais, e a ERC a classificar como dolosa, acabou porém atenuada para metade do mínimo previsto na lei (20.000 euros). No limite, poderia ter atingido os 150.000 euros. A ERC optou por ser benevolente com a CMTV ao defender que “o efeito preventivo pretendido com a coima pode ser atingido com montante inferior” aos tais 20.000 euros.
Saliente-se que esta é a segunda coima aplicada à CMTV em menos de quatro meses. Em Novembro passado, a ERC também aplicou uma coima de 10.000 euros pela emissão de imagens da violência ocorrida em 26 de Abril de 2016 entre o proprietário do restaurante Palácio do Kebab, na zona lisboeta de Santos, e um grupo de jovens que o assaltavam.
Há exactamente um ano, a CMTV recebeu outra coima (75.000 euros) por repetir em vários programas noticiosos, ao longo de quatro dias (entre 17 e 20 de Maio de 2017), um vídeo de sexo explícito envolvendo uma jovem alegadamente abusada num autocarro durante a Queima das Fitas do Porto.
A decisão, de 24 de Março do ano passado, teve, contudo, o voto contra do próprio presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas, que defendia uma coima de 25.000 euros.
Somam-se ainda mais quatro admoestações da ERC, transitadas em julgado, desde que o canal televisivo da Cofina foi criado em 2013.
Durante 20 dias, Nuno André, jornalista do PÁGINA UM, esteve na Ucrânia e em trabalho humanitário no centro de acolhimento de refugiados em Przemyśl, com incursões até Lviv.
A sua função, e foi a combinação, não era fazer jornalismo; era auxiliar pessoas.
Por esse motivo, ao longo de três semanas, o Nuno André teve poucas oportunidades para escrever ou mesmo para falar. Assim, “apenas” publicámos um artigo no dia 9 de Março e ainda um conjunto de 10 depoimentos da série “A terra da guerra“.
De regresso a Portugal, na quinta-feira, Nuno André teve uma conversa informal com o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, destacando alguma das suas experiências e a sua interpretação dos acontecimento, sobretudo na parte oeste da Ucrânia.
A democracia é, entre outras coisas, a possibilidade. A de mudar os governos e as suas ideologias, dialogar pela mudança, fazer oposição ao dominante do momento e aceitar este enquanto vigora.
A diferença de opiniões e, portanto, o pluralismo, é essencial para o escrutínio e para uma eficácia que se traduza na aplicação de uma determinada lei, preceito ou regra, e que estas, quando aplicadas, realmente produzam efeitos positivos nos representados e/ou eleitores.
Na ordem dos últimos tempos, está a ascensão de um partido cuja ideologia e programa é constantemente apelidada de antidemocrática, exclusiva – aqui assumindo o significado de ser o oposto à percepção do que é ser inclusivo –, racista, populista, xenófoba e extremista.
Uma vez que vivemos na era dos exageros, de uma intolerância atroz e perseguição a quem não caia no politicamente correto e, portanto, no discurso dominante, é de bom tom (para não dizer, útil) que se procure no conteúdo programático do Chega, sinais claros e inequívocos que possam consubstanciar todo este aparato e indignação.
André Ventura, presidente do Chega
O programa do Chega divide-se em 13 pontos que se distribuem em diversas áreas, desde a definição de um modelo familiar, ao papel do Estado e mudanças do atual sistema social, económico e até militar. Importa fazer um apanhado desses pontos na tentativa de verificar a correspondência entre as catalogações, acima mencionadas, e o conteúdo programático.
Não se terá em conta as ideias eficazes, não porque não terão mérito, mas porque a boa ideia política não precisa de prémio – ela é o que todas as outras devem ser.
O foco deste artigo é, assim, fazer uma observação às medidas deste partido através da lente dos soundbites julgadores, e se fazem sentido as críticas de que é alvo.
Ponto Um
Focando logo no primeiro ponto do programa do Chega, aparece desde logo uma enorme ênfase à família, para depois mencionar a criação de um Ministério dedicado ao tema, e aplica ainda o termo conservador no que toca à ideia de que a família natural é entre um homem e uma mulher.
Quanto à ideia da inclusividade, pouco haverá a dizer, uma vez que parece evidente o que esta ideia deixa de fora, ou seja, todo o modelo familiar que o transgrida, desde a família monoparental à homossexual.
Importa ainda falar do conceito de família e como está relacionada, nos meandros conservadores, com o modelo pós-guerra americano, cujas forças disseminadoras tanto têm de marketing político (como o kitchen debate, em que à família lhe era dita quais os papeis a desempenhar e, portanto, o lugar de cada um na sociedade), como de construção social.
Não é, portanto, um modelo imutável nem verdadeiro. É um hábito, e apenas isso; e, em nome desse hábito, criou-se a heteronomia e a dominância desse modelo. Essa é a grande confusão das tradições e a resistência aos zeitgeists.
Ainda há que realçar que uma relação íntima é, por definição, uma aproximação entre pessoas, e que só a essas pessoas diz respeito, pelo que afirmar que a intimidade entre heterossexuais tem um valor mais intrínseco, ou superior, não faz qualquer sentido objetivo. Em nada é eficaz, a não ser na “desdemocratização” da escolha.
Ponto Dois
Neste ponto, o Chega submete a desresponsabilização individual ao socialismo falando numa espécie de hiper-solidariedade que levou à corrupção, falhanço moral e toda uma série de impropérios que esconde o liberalismo que este partido parece defender (por exclusão de partes). E, embora não caia diretamente na análise deste artigo, também carece de explicação objetiva para esta ligação entre desresponsabilização e alguma qualquer ideologia política.
Ponto Três
Este ponto apela ao orgulho nacional com expressões como o território ancestral, o direito inalienável de se defender a dignidade, a história secular e a busca pela verdade.
Aqui o que se deduz é um puro-nada. Se o orgulho em ser português é exaltado a despeito de outras comunidades ou minorias – e em busca de uma verdade que não é explicada –, entramos num completo vazio que, em nome de um simbolismo romântico, nada faz mais do que perseguir e classificar o outro, criando um clima de divisão, que aí sim, é antidemocrático, exclusivo e convida a xenofobia e o preconceito.
Importa ainda dizer que o espírito aventureiro português, que nos trouxe os Descobrimentos e a Diáspora, foi possível devido a outras enormes características do português: a adaptabilidade e a flexibilidade de inserção em outras culturas, o que parece indicar uma abertura à inclusividade, multiculturalismo e jogo de cintura. São características que chocam com o rigor (mortis) do conservadorismo e tradição.
Ponto Quatro
Este ponto é o liberalismo em sede populista, como uma espécie de publicidade apelativa ao que é obvio, ao mesmo tempo que enumera iniciativas sem dizer como as vai fazer. É, em suma, pouco sumo.
É de notar a colagem entre o Governo e a família, isto depois de designar o carácter afunilado e normativo do que isso deve ser. Já o argumento da prioridade quer às crianças quer aos idosos não tem qualquer imputação negativa, embora careça da forma como se a implementa, algo que parece ser transversal a este programa. É também transversal, neste caso, à ideologia, o cumprimento de prazos e contratos. Essa exaltação aparenta ser exclusiva ao programa do Chega, mas é, na realidade, elementar.
A alínea mais demagógica, mas de especial apreciação liberal, é sobre a redução de impostos. Apenas menciona que os vai reduzir, sem explicar quais, quantos e onde irá buscar receita para pagar as contas reminiscentes do Estado.
Ponto Cinco
Este ponto discorre sobre um dos calcanhares de Aquiles dos sucessivos governos portugueses: a justiça que é, no mínimo, morosa e, muitas vezes, impopular.
Ainda assim, apesar de fáceis concórdias, quer no que toca às molduras penais quer no poder dissuasor que penas altas possam ter, convém informar que o princípio de inocência deve ser soberano – e que um suspeito não é nem um acusado nem um arguido e muito menos um culpado. Junta-se ainda a ideia do princípio reabilitador que a prisão e a justiça possuem. Será um debate a ter as possíveis exceções que possam ocorrer.
Ponto Seis
Se Aquiles tivesse outro calcanhar frágil, a Saúde (ou falta dela) estaria nomeada para ocupar esse lugar. A par da Justiça, a percepção que existe sobre a Saúde em Portugal é que não funciona e o privado é melhor. Pelo menos até vir a conta no fim.
Por essa percepção é também fácil concordar com a melhoria do sistema de saúde, critérios de transparência, observância rigorosa e tudo que soa bem a quem quer uma melhoria substancial do sistema. A questão aqui não é o mau funcionamento da saúde, é de que ela funciona mal, porque o governo é de esquerda. E aí, entra-se outra vez na propaganda, no apelo emotivo.
Ponto Sete
Neste ponto, o Chega enumera várias alíneas, depois de colar o insucesso de qualidade de ensino ao multiculturalismo e ideologia de género, classificando estes de fundamentalismo progressista. Diz ainda que o ensino controlado pela esquerda é inimigo do conhecimento, respeito e boa educação.
Quanto à contradição entre o respeito e a ideologia do género ou multiculturalismo, ficará para uma reflexão maior. Importa aqui mencionar que o atentado à liberdade é a redução da escolha e a uniformização normativa do que devemos ou não ser.
Em primeiro lugar, não existe relação nenhuma entre a falta de qualidade do ensino em Portugal e um qualquer fundamentalismo de esquerda. É, alias, de salientar que o abandono escolar tem vindo a descer, e que os quadros profissionais são de alta qualidade, e são solicitados um pouco por toda a parte.
Quanto às alíneas, é inegável o trabalho árduo de um formador e a discrepância entre os esforços, que muitas vezes implicam deslocações longas para escolas distantes das suas áreas de residência – quanto a isso, pouco haverá a dizer e muito a melhorar.
Na alínea seguinte, desde logo seria preciso divulgar os números da suposta violência nas escolas para que esta ideia dos fenómenos crescentes tivesse algum valor. A indisciplina combate-se com diálogo e estudo sobre as causas. A transição, essa sim, deve subentender o mérito e demonstração de conhecimentos adquiridos. Também não existe ligação entre o exame nacional e a sua deslegitimação por Governos de esquerda.
Ponto Oito
Ao contrário do que o Chega pretende veicular, Portugal não tem um problema com o fluxo migratório de estrangeiros a entrar. Terá mais depressa com os emigrantes a sair. Existe, de facto, exploração de mão-de-obra barata, que ainda recentemente esteve na ribalta da imprensa. Daí à generalização vai toda uma demagogia que este partido tanto usa. Não há custos identitários, nem nefastas ambições globalistas. Há apenas uma ênfase ao jeito de uma narrativa que pega em possíveis casos pontuais para construir um generalismo.
Outro aspeto deste oitavo ponto é a ineficácia da imigração regulada assente nas qualificações. Veja-se o paradigma britânico que tem nesta altura um enorme défice de mão-de-obra, e para reter o seu próprio talento tem de aumentar brutalmente os ordenados praticados nos cargos mais qualificados.
Ponto Nove
O Chega afirma que irá praticar uma cultura de respeito pelas forças de autoridade. Diz também que existe uma contracultura de mentes esquerdistas que viciam e instigam a sentimentos que causam desordem, violência e guetização social.
Portugal é um dos países mais seguros do Mundo. É um país onde a maioria dos crimes são passionais, com especial incidência na violência doméstica. Não existe, portanto, nenhuma estatística que apoie este ponto do conteúdo programático. É, mais uma vez, vazio e propagandístico.
Ponto Dez
O combate ao desequilíbrio entre o mundo rural e urbano deve ser travado, e quanto a isso nada haverá a dizer. Os incentivos à aquisição de produtos nacionais é também uma iniciativa louvável, tal como o desenvolvimento das energias alternativas onde Portugal já é pioneiro, e com Governos de esquerda. Fica aqui a ideia de que as iniciativas só são “boas” se forem da direita, o que é no mínimo, falso.
Ainda um breve comentário às atividades tradicionais relevantes. Em primeiro lugar, não são relevantes por serem tradicionais. A tradição não pode ser a razão para se manter seja o que for. As atividades sofrem, e sofrerão sempre, os efeitos da passagem do tempo e das vontades.
Existe atualmente um espectro na sociedade que afirma ser contra a tauromaquia. E isso é a democracia em funcionamento, a possibilidade de haver grupos que opinam de acordo com os seus princípios. Não existem a proibição destas atividades e, portanto, não há imposição proibicionista nenhuma. Existem vozes que se fazem ouvir e se algum dia houve uma maioria a favor de mudança, ela irá aparecer. Só pode aparecer se puder ter voz. Isto é valido para atividades tradicionais, progressivas e tudo o mais.
Ponto Onze
Este ponto é um incentivo ao voto jovem e ao pensionista, prometendo melhorias ao sistema contributivo, fim dos cortes às pensões e a liberdade de escolha entre o sistema público e o privado. Menciona, mais uma vez, o peso do Estado na Economia, e faz um apelo ao liberalismo através do “dinamismo económico.” Só não diz como o vai fazer nem quanto muda a vida dos visados. Alude também aos PPRs, que já existem. Há aqui um claro populismo de voz alta, sem nada que o sustente.
Ponto Doze
A galvanização e apelo à credibilidade das Forças Armadas é o mote deste ponto. Não se encontra verdadeiramente nenhuma crítica ao regime em vigor, nem menciona a atual perceção e prestígio que as Forças Armadas já possuem, nomeadamente no ramo dos Grupos de Operações Especiais (GOE), ramo que é reconhecido internacionalmente desde há muito.
Conclui-se mais uma vez a veia populista deste conteúdo programático na tentativa de ir buscar eleitores que se identifiquem com este tipo de galvanização.
Ponto Treze
Neste último ponto, o Chega demonstra, de uma forma aberta, o seu conservadorismo amarrado (mais uma e outra vez) a uma narrativa de ataque à esquerda, através de um léxico vazio. A herança intelectual secular da cultura portuguesa, afinidade ao património português, não tem significado objetivo que justifique um retorno a uma educação tradicional.
Alias seria de incluir, em nome da verdade dos acontecimentos históricos, o papel de Portugal na criação de uma rede de escravos e até as desastrosas políticas do colonialismo.
Porém, o verdadeiro engodo deste ponto é o “uniculturalismo” que o Chega quer implementar, e que efetivamente terá, como consequência, a ignorância, a informação inquinada e a obsolescência conceptual, num mundo que, entretanto, avança na direção oposta.
Conclusão
Facilmente se conclui o que este conteúdo programático demonstra e tenta ocultar.
Por um lado, o programa do Chega pretende um retorno a valores sem substância, que se apoia num romantismo patriótico que quer ir muito além do orgulho de ser português. Pretende, através desse romantismo, ignorar os efeitos nefastos da rigidez de identidade, como foram os papeis atribuídos aos membros de uma qualquer unidade familiar no passado.
Oculta também a possibilidade da autoafirmação de indivíduos ou grupos que não se identifiquem nessa rigidez, como sejam os segregados – como os homossexuais, no passado, e os não-binários, no presente –, cujas identificações pós-modernistas, e fragmentadas, não constituem nenhuma ameaça, apenas a possibilidade de serem quem desejam ser, sem interferência de um Estado conservador, que lhes informe sobre quem devem ser.
O Chega utiliza ainda os chamados temas fraturantes, como sejam o “majorar” de minorias étnicas ou estrangeiras, com o objetivo de fim de criar um pânico moral que se baseia em nada mais do que o medo da diferença ou perda de costumes.
Alude às forças militares como se estas não tivessem já o reconhecimento que lhes é devido. E guarda para último o resquício das narrativas do Estado Novo, como sejam a galvanização do Portugal de outrora, o respeito pela autoridade dos pais, formadores e autoridades, num país onde maioritariamente ele já existe.
Não sendo um conteúdo abertamente fascista, o programa do Chega é populista, na medida em que as forças por detrás de vários dos pontos apelam à irracionalidade e aceitação de valores e princípios unilaterais.
Na vertente económica é claramente liberal, e apoia a iniciativa privada, mas de uma forma utópica, já que não apresenta nenhuma forma de implementação de medidas. Apela assim o voto ao eleitor desinteressado e insatisfeito, aquele que não se revê no diálogo político e não procura informar-se no quê ou em quem está a votar.
Em última nota, não deixa de se notar alguma ironia na assunção ética que o partido faz de si mesmo.
Licenciado em Jornalismo (London Metropolitan University)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.