Originalmente distribuída pela rede de canais televisivos Showtime, em 2019, City on the hill é uma série norte-americana desenvolvida por Chuck Maclean, baseada numa história criada pelo famoso actor Ben Affleck, que, a par de Matt Damon, também a produz. Recordemos que esta dupla ganhou o Óscar Melhor Argumento em 1997 por O bom rebelde (Good will hunting), onde também se destacava o malogrado Robin Williams.
City on the hill é um drama protagonizado por Kevin Bacon e Aldis Hodge, tendo como cenários os anos 90 na cidade de Boston, com a premissa de uma cooperação em constante conflito entre o agente do FBI Jackie Rohr (Bacon) e o Procurador-Geral Adjunto Decourcy Ward (Hodge). Conta ainda, em destaque, com a participação de Jill Hennessy, no papel de Jenny Rohr, mulher de Jackie.
Bacon representa um agente veterano em final de carreira, cuja aprendizagem tem tudo de old school. Corrupção, abuso de drogas e maneirismos fazem de Jackie Rohr um polícia tão desprezível quanto necessário para a trama, onde a fronteira entre anti-herói e vilão se esvanece muitas vezes e só de quando em vez a moralidade aparece.
Já Hedge é o oposto: ainda jovem, é um idealista, incorruptível, mas ambicioso, havendo linhas que não cruza, embora sabendo que , por vezes, há que “fechar os olhos” para apanhar criminosos e trazê-los à justiça.
City on the hill não é, em todo o caso, uma história de detectives, nem um clichê típico de series de advogados. Junta sim dois aspectos conhecidos para criar um enredo bastante mais original e interessante, onde se explora a pobreza, o crime e até o racismo institucionalizado numa cidade como Boston.
Não é propriamente surpreendente que a acção seja passada em Boston, porque tanto Maclean como Affleck e Damon foram criados nesta cidade do Estado de Massachussetts – e o Óscar que arrecadaram com O bom rebelde também tem aí o seu cenário.
Disponível na plataforma HBO Max, City on the hill conta com três temporadas num tempo médio de 55 minutos por cada um dos seus 26 episódios. E se outros motivos não houvesse, aproveitem para assistir à brilhante representação da “decadência” de Kevin Bacon.
Olga Kurylenko; Oona Chaplin; Ciarán Hinds; Charlie Cox; Tracy Ifeachor; Danila Kozlovsky; Samuel Leakey; Beau Gadsdon; Simon Lenagan; Alex Kingston; Avital Lvova; e Adam James
Nota
4/10
Recensão
Estreou no final de Dezembro, a minissérie Treason, na plataforma Netflix. Criada pela mão de Matt Charman, escritor de êxitos como Bridge of Spies (2016) ou de series menos conhecidas do grande público como o policial Black Work (2015), Treason é uma trama de acção e espionagem contada em cinco episódios.
É uma aposta interna da Netflix, por ser realizada por Louise Hooper e Sarah O’Gorman, que já tinham dirigido as séries The Witcher (2021), The Last Kingdom (2020) e, mais recentemente, The Sandman (2022), produzidas por esta plataforma.
Nos principais papéis conta com um elenco de actores famosos como Charlie Cox – mais conhecido por ser o protagonista de Daredevil, uma outra série da Netflix – e o veterano irlandês Ciarán Hinds, actor com mais de quatro décadas de carreira, em que se destacam as participações no filme TheSum of All Fears (2002) e nas series Game of Thrones (2013-2015). Ainda podemos ver nesta série Oona Chaplin, neta do grande Charlie Chaplin, e a actriz ucraniana Olga Kurylenko.
Treason é uma história de espionagem em torno de Adam Lawrence (Charlie Cox), subchefe do MI6 (serviços secretos britânicos), o chefe máximo Sir Martin Angelis (Ciarán Hinds) – a quem é dada o nome de código C – e a interferência de Kara (Olga Kurylenko), ex-espiã do SVR, serviços secretos russos.
O jogo entre estas personagens faz com que que tomem atitudes e decisões que inexoravelmente as levarão a colidir até ao último momento. Para isso aparecem, ao longo dos episódios, personagens mais secundárias, mas ainda assim indispensáveis, que, por um lado, facilitam, e por outro obrigam a constantes adaptações dos jogadores principais.
As linhas entre os heróis e vilões cruzam-se entrecruzam-se: Adam é perseguido pelo MI6 e CIA, à mistura, Kara ora é antagonista ora é assistente oficiosa de Adam, e Sir Martin parece saber e “C”ontrolar tudo o que se passa.
Como habitualmente em séries deste género, e também como o seu nome indica, o enredo de Treason encontra-se cheio de traições e desconfianças, onde ninguém é o que parece ser. E até aqui tudo bem – até porque o carisma e profissionalismo dos actores consegue, numa primeira fase, disfarçar os lugares-comuns.
No entanto, e devido ao formato que este serviço de streaming resolveu apostar – em que o complô é compactado –, o storytelling e arco das personagens é demasiado rápido. E assim os clichês sobrepõem-se ao elenco, os diálogos são pouco ou mesmo nada originais, e as reviravoltas nada têm de surpreendente. É tudo feito à pressa e, por isso, pouco mais há a acrescentar.
Como exemplo máximo de cliché, e sem querer entrar em spoilers, destaca-se o papel da candidata a primeira-ministra Audrey Gratz (Alex Kingston) que, por ser uma mulher com possibilidade de poder, é lésbica. Um pormenor sem interesse para a história, mas ainda assim um enquadramento evitável.
Em suma, Treason é de degustação tão rápida que, para quem é adepto deste tipo de dramas, poderá levar à regurgitação pela traição de uma série que tinha tudo para ser boa – com um autor de sucesso, realizadoras com créditos firmados e actores famosos com trabalhos anteriores bastante bons.
Aquilo que se salva é mesmo o papel de Ciarán Hinds que, apesar deste tipo de pipoca fácil, consegue a espaços trazer alguma substância e profundidade à mimética entre o guardião da segurança nacional e o mal de todos os males.
Olga Kurylenko; Oona Chaplin; Ciarán Hinds; Charlie Cox; Tracy Ifeachor; Danila Kozlovsky; Samuel Leakey; Beau Gadsdon; Simon Lenagan; Alex Kingston; Avital Lvova; e Adam James
Nota
4/10
Recensão
Estreou no final de Dezembro, a minissérie Treason, na plataforma Netflix. Criada pela mão de Matt Charman, escritor de êxitos como Bridge of Spies (2016) ou de series menos conhecidas do grande público como o policial Black Work (2015), Treason é uma trama de acção e espionagem contada em cinco episódios.
É uma aposta interna da Netflix, por ser realizada por Louise Hooper e Sarah O’Gorman, que já tinham dirigido as séries The Witcher (2021), The Last Kingdom (2020) e, mais recentemente, The Sandman (2022), produzidas por esta plataforma.
Nos principais papéis conta com um elenco de actores famosos como Charlie Cox – mais conhecido por ser o protagonista de Daredevil, uma outra série da Netflix – e o veterano irlandês Ciarán Hinds, actor com mais de quatro décadas de carreira, em que se destacam as participações no filme TheSum of All Fears (2002) e nas series Game of Thrones (2013-2015). Ainda podemos ver nesta série Oona Chaplin, neta do grande Charlie Chaplin, e a actriz ucraniana Olga Kurylenko.
Treason é uma história de espionagem em torno de Adam Lawrence (Charlie Cox), subchefe do MI6 (serviços secretos britânicos), o chefe máximo Sir Martin Angelis (Ciarán Hinds) – a quem é dada o nome de código C – e a interferência de Kara (Olga Kurylenko), ex-espiã do SVR, serviços secretos russos.
O jogo entre estas personagens faz com que que tomem atitudes e decisões que inexoravelmente as levarão a colidir até ao último momento. Para isso aparecem, ao longo dos episódios, personagens mais secundárias, mas ainda assim indispensáveis, que, por um lado, facilitam, e por outro obrigam a constantes adaptações dos jogadores principais.
As linhas entre os heróis e vilões cruzam-se entrecruzam-se: Adam é perseguido pelo MI6 e CIA, à mistura, Kara ora é antagonista ora é assistente oficiosa de Adam, e Sir Martin parece saber e “C”ontrolar tudo o que se passa.
Como habitualmente em séries deste género, e também como o seu nome indica, o enredo de Treason encontra-se cheio de traições e desconfianças, onde ninguém é o que parece ser. E até aqui tudo bem – até porque o carisma e profissionalismo dos actores consegue, numa primeira fase, disfarçar os lugares-comuns.
No entanto, e devido ao formato que este serviço de streaming resolveu apostar – em que o complô é compactado –, o storytelling e arco das personagens é demasiado rápido. E assim os clichês sobrepõem-se ao elenco, os diálogos são pouco ou mesmo nada originais, e as reviravoltas nada têm de surpreendente. É tudo feito à pressa e, por isso, pouco mais há a acrescentar.
Como exemplo máximo de cliché, e sem querer entrar em spoilers, destaca-se o papel da candidata a primeira-ministra Audrey Gratz (Alex Kingston) que, por ser uma mulher com possibilidade de poder, é lésbica. Um pormenor sem interesse para a história, mas ainda assim um enquadramento evitável.
Em suma, Treason é de degustação tão rápida que, para quem é adepto deste tipo de dramas, poderá levar à regurgitação pela traição de uma série que tinha tudo para ser boa – com um autor de sucesso, realizadoras com créditos firmados e actores famosos com trabalhos anteriores bastante bons.
Aquilo que se salva é mesmo o papel de Ciarán Hinds que, apesar deste tipo de pipoca fácil, consegue a espaços trazer alguma substância e profundidade à mimética entre o guardião da segurança nacional e o mal de todos os males.
“Não há conspirações que mudaram o mundo quando o mundo é já ele todo uma conspiração em andamento perpétuo.”
Vivemos num mundo entre mundos. Por um lado, temos a ilusão da simplicidade entre os bons e os maus e a segurança de ignorarmos quem é quem. Do outro lado desta trincheira existe a real politique, o tentáculo do poder, o nepotismo e a complexidade gerada por jogadores da alta roda do Poder.
É este o tema de fundo deste As conspirações que mudaram o Mundo, numa edição da Oficina do Livro. As conspirações de outrora e de agora e como é feito o jogo de todos os jogos.
Natural da cidade do Porto, Frederico Duarte Carvalho é um jornalista com uma longa carreira, que passou pelas redacções de jornais como o Tal & Qual e o 24 horas, iniciando o seu percurso no diário O Primeiro de Janeiro ainda antes de finalizar os estudos na Escola Superior de Jornalismo na cidade invicta. Tem feito também colaborações pontuais no PÁGINA UM, sobretudo em temáticas históricas.
Neste seu (já) sétimo livro sob a forma de ensaio, regressa ao tema das conspirações ou mistérios, depois de Eu sei que você sabe: manual de instruções para teorias de conspiração (2003), Oswald Le Winter: poeta & espião (2005), Estado de segredos (2010), Camarate: Sá Carneiro e as armas para o Irão (2012), O Governo Bilderberg (2016) e O último segredo de Fátima (2019).
Este livro é, contudo, uma espécie de obra autobiográfica, que celebra 30 anos de investigação, e onde o autor aproveita para revelar as raízes da sua curiosidade por estas temáticas, entre as piadas do irmão mais velho, os acontecimentos que a televisão mostrava e também uma assinatura de seis meses da revista Time oferecida pelo pai.
Num estilo muito peculiar, Frederico Duarte Carvalho vai também desfiando, ao longo das páginas, as ligações entre acontecimentos e pessoas que à superfície aparentavam ser desconexas, como os casos de Camarate (morte de Sá Carneiro) e o do Irangate.
Através de testemunhos e conversas que foi colecionando, Frederico Duarte Carvalho oferece-nos assim a possibilidade de cruzar a fronteira entre a conversa ignorante de café e os desconfiados crónicos.
Apesar de um estilo de escrita de fácil assimilação, para a leitura e compreensão de algumas temáticas, convém ter-se algum conhecimento prévio sobre determinados assuntos, como o Clube Bilderberg e as suas mãos cada vez mais visíveis. Neste aspecto, nota-se que Frederico Duarte Carvalho é um expert face ao detalhe da informação recolhida.
Estamos, porém, paradoxalmente, perante um livro mordaz, bastante útil até para quem não quer pôr em causa o seu sistema de crenças ou a forma como olha para o mundo.
Como diz o próprio, “qualquer que seja o ano haverá sempre uma conspiração”, porque “este é o mundo onde vivemos, onde a ignorância e secretismo fazem a delícia dos eleitos e poderosos.”
Enfim, As conspirações que mudaram o Mundo é um bom livro, mas não é um livro bom; é difícil manter-se indiferente depois de o ler.
Duas vezes doutorado – em Estudos Americanos, pela Faculdade de Letras de Coimbra, e em Política Comparada no Instituto de Ciências Sociais de Lisboa –, Carlos Martins debruça-se, com o seu ensaio Fascismos, no surgimento desta ideologia no princípio do século XX. Em conversa com o PÁGNA UM, este investigador social, radicado em Cantanhede, fala também das motivações para a escrita deste livro e aborda questões de geopolítica contemporânea.
Quais os propósitos e motivações para este seu ensaio académico passar para um público mais vasto e de interesses gerais?
Acima de tudo, foi a ideia de que aquilo que se passa dentro do mundo académico não pode estar totalmente alheado do conhecimento geral e do interesse por parte do público. Muito aquilo que escrevo no meu livro, exceptuando algumas interpretações pessoais, encontra-se já em muitas outras obras, mas fora do mercado português. No nosso mercado existe uma falta enorme de livros sobre, por exemplo, a História do fascismo romeno. É muito difícil encontrar obras sobre este tema e, portanto, a minha motivação foi essa: achar que se deve partilhar as investigações académicas com o grande público.
Ao longo do capítulo sobre o fascismo italiano, nomeadamente na figura de Mussolini percebe-se que a construção ideológica tem mais de oportunismo do que de fieldade a princípios dogmáticos. Esta ideia é transversal ao Fascismo como um todo ou aplica-se apenas ao caso italiano?
É interessante falar nisso, porque são muitos os académicos que vêem de facto o fascismo italiano como uma ideologia oportunista por excelência. O próprio Mussolini parecia preocupar-se mais com o pragmatismo e a acção directa do que com conteúdos ideológicos, aos quais ele fosse fiel. Mas, de certa forma, é possível dizer que o fascismo italiano tem um conteúdo ideológico, para além de, por exemplo, o nacionalismo e o próprio pragmatismo, que é incorporado no seu conteúdo ideológico. Este mesmo pragmatismo é visto como uma justificação para as decisões que Mussolini diz tomar. Perante as diferentes realidades, que têm, dizem eles, tomam decisões diferentes, desde apoiar uma monarquia ou uma república. Mas em última análise, eu defendo que há sempre ali uma base que remete para algum conteúdo ideológico por mais pequeno que seja.
E no caso alemão, existe alguma verdade na ideia de que os judeus estavam imiscuídos na democracia parlamentar, que de algum modo justificasse o repúdio que sofreram, e que levou ao Holocausto?
Eu repudio que houvesse qualquer fundo de verdade nisso, dentro do ódio que os nazis nutriam aos judeus. Mas a pergunta sobre a origem desse ódio é a questão mais complexa, uma vez que não foram os nazis que inventaram o antissemitismo. A ideia de que os judeus são ricos e controlam o Mundo já é muito antiga. No caso do nazismo, as origens desse antissemitismo remontam ao século XIX, na ideia de que os judeus estavam por detrás do capitalismo materialista ou até do comunismo materialista. Uma certa direita reacionária, em diversos países, começou a utilizar essa ideia de que o judeu era o símbolo de tudo o que eles odiavam. Eram ideias como a destruição da pureza da raça, no contexto nazi, da raça ariana. Com a Primeira Guerra Mundial, esse antissemitismo exacerbou-se. A extrema-direita propagou muito a ideia que a derrota da Alemanha tinha sido uma conspiração dos judeus, e que mesmo o regime soviético era governado por judeus. Se é verdade que o antissemitismo não começa no nazismo, eu penso que ali foi levado a um extremo nunca visto.
No capítulo do fascismo português, mostra que ele não começa no Estado Novo, mas sim centrado à volta da figura de Rolão Preto. Ele tem um arco histórico que é descrito como sendo muito sui generis: começa num anticomunismo e acaba a lutar ao lado destes contra o Salazarismo. Mais uma vez fica aqui a ideia de um certo pragmatismo e oportunismo. Pensa que esta oposição era sede de poder ou discórdia ideológica?
Houve várias razões para que Rolão Preto fosse passando por várias fases ao longo da sua vida, sendo que uma foi o resultado da Segunda Guerra Mundial e a forma como muitos repensaram o que tinham andado a fazer em anos anteriores e a que ideologias tinham aderido. Esse anti-salazarismo de Rolão Preto, em diferentes contextos, levou-o a reformular a sua ideologia. A tentativa de golpe em [10 de] Setembro de 1935 para derrubar Salazar foi o ponto de partida para que o seu fascismo puro perdesse grande parte da força que tinha. Para fazer esse golpe, ele aliou-se a forças de esquerda e isso esvaziou um pouco a retórica de fascismo puro ou anti-esquerda. Aliás, na sua fase de líder do movimento fascista, Rolão Preto sempre incluiu, nos seus programas políticos, a defesa de medidas que seriam a favor da classe operária, e que quase poderiam ser vistas como medidas de esquerda para uma pessoa dos nossos dias.
Em relação ao Salazarismo, concorda com a ideia de ser mais um regime de conservadorismo fascizante do que propriamente fascismo?
Sim, concordo. Essa expressão de conservadorismo fascizante é, para mim, muito interessante, porque remete para a ideia de uma aproximação do Conservadorismo ao Fascismo que, nessa época, existiu, uma vez que foram adoptados princípios e ideias fascistas, enquanto continuava a haver uma linha de demarcação por mais ténue que fosse. Esta linha, mesmo para investigadores, parece um bocado irrelevante, mas no caso do Salazarismo faz sentido marcar-se uma diferença entre um regime conservador, que se baseia nas classes tradicionais, de um regime como o fascismo italiano, que tem por base o movimento de massas, as milícias, “camisas negras”, e o culto da acção directa; e que partilhou o poder com as instituições tradicionais, o que não aconteceu em Portugal.
Tivemos a Mocidade Portuguesa…
Sim. Houve uma fase em que se aproximou do fascismo, nomeadamente com a criação da Mocidade Portuguesa, o que a olho nu parecia quase a mesma coisa. Compreendo até que não se faça essa distinção, mas se formos estudar mais detalhadamente, há alguma necessidade de subtileza. Quero ainda adicionar que esta aproximação do Conservadorismo ao Fascismo não remete necessariamente, ao contrário do que muitas pessoas pensam, que este regime era mais soft ou suave. Um regime conservador pode ser igualmente repressivo e, portanto, não remete para a ideia de que era menos mau. Devido à carga que a palavra Fascismo tem na linguagem coloquial, dizer que algo não é fascista parece que está a dar a ideia de suavizar. Ironicamente, houve regimes conservadores na época que conseguiram ser mais sanguinários do que o de Mussolini.
Porque é que o Fascismo falhou no Reino Unido?
Uma das razões é que os partidos tradicionais de direita não precisaram de fazer uma aliança com o Wiliam Mosley. Não houve uma crise de ideologia política, nem uma crise económica que tenha tido um impacto tão grande como na Alemanha, pelo que não houve aquela multidão de pessoas de classe média que aderiram ao fascismo, em desespero ou raiva.
Mas não será também pelo facto de o Reino Unido ser ainda um império e possuir recursos que a Alemanha, por exemplo, então não tinha?
Há quem faça esse argumento, que o Fascismo chegou ao poder em países com ambições expansionistas e que o movimento fascista desempenhou esse papel. No caso inglês, essa ambição não existia, porque ainda tinha o seu império. Mesmo Mosley ambicionava a conservação do império a todo o custo.
Mas este império também se serviu dos seus recursos para, de algum modo, suavizar o impacto da crise económica, e assim evitar a ascensão das ideias mais extremas ou mesmo da violência, certo?
A Grande Depressão [nos Estados Unidos] também atingiu o Reino Unido, e até mesmo o programa económico do Mosley era voltado para resolver as crises através do corporativismo. Não se pode dizer que teve um impacto tão grande como noutros países, e isso pode ter condicionado a população na forma como olhavam para um eventual movimento fascista. A violência foi vista com maus olhos, quer pela direita tradicional quer pelas classes médias, e houve diversos confrontos entre fascistas e antifascistas britânicos, como a conhecida batalha de Cable Street, que deu um mau nome ao Fascismo.
Mudando um pouco o tema, agora sobre política contemporânea. A Europa e, porque não o Mundo, está em perigo de um reaparecimento destes movimentos, uma vez que se observa uma ascensão de ideologias de extrema-direita?
Sim, está a acontecer. Eu diria que o regresso do Fascismo é possível; há, nestes novos partidos de direita, alguns que podem ser classificados como fascistas. No entanto, a direita é sempre heterogénea. Tal como nos anos 20 e 30 do século passado havia partidos conservadores fascizantes, também hoje é assim – ou seja, nem todos serão fascistas, e aqueles mais próximos do poder também não o são. Isso não quer dizer que não sejam perigosos, e que não possam de forma diferente, prejudicar a nossa democracia, e que dentro de si não tenham alas fascistas. No caso do Chega, não duvido que haja imensas pessoas que possam ser classificadas como fazendo parte do fascismo puro, embora como partido político, eu não considero o Chega um partido fascista.
Entretanto, no Brasil, a direita radical perdeu as eleições…
Eu não tenho uma opinião muito formada sobre a derrota de Bolsonaro, mas diria que a população brasileira não reagiu bem aos grandes problemas do regime, incluindo a forma como a pandemia foi gerida. Ainda assim, é preciso lembrar que Bolsonaro teve um grande resultado com quase 50% dos votos. Acrescento ainda uma ideia: o “Bolsonarismo” veio para ficar, e mesmo que não seja o Bolsonaro, haverá alguém a representar esse espaço político.
E no caso de Trump? Como se explica a ascensão de alguém como ele?
Desde já, a reacção à identity politics da esquerda, a ideia da “nossa” América já não é o que era, a tomada do poder por parte de movimentos antirracistas e a criação de uma identity politics de direita para a raça branca. Depois, há as insatisfações económicas, a revolta contra as elites que a direita tão bem sabe aproveitar, que estão separadas do povo. Trump dizia muito isso, que Washington não conhecia o verdadeiro povo americano do interior, e no fundo ele também não conhece. Mas há também a identificação com Trump, porque ele cria muito aquela imagem do homem de sucesso que faz e não perde tempo a falar, e tornou-se rico por mérito próprio, vendendo a ideia de que nós podemos ser como ele, e que ele tem os nossos valores.
Salazar e Óscar Carmona, à esquerda.
Acha que ele pode ganhar outra vez?
É melhor não fazer previsões, mas sim, acho que há essa possibilidade, até porque, tal como Bolsonaro, Trump não teve um mau resultado em termos de números de votos.
Relativamente à guerra na Ucrânia, na sua opinião qual é a origem deste conflito uma vez que há muitas narrativas?
Respondendo de uma forma simples: são as ambições imperialistas da Rússia numa guerra tipicamente colonialista. No nacionalismo russo sempre existiu essa ideia de que a Ucrânia era uma parte subalterna da Rússia. São vistos como os pequenos irmãos dos russos, e a partir do momento em que se querem afastar do seu grande irmão, não pode correr bem. Estarão a ser, digamos, corrompidos pelo Ocidente.
Há também a questão do perder o comboio com a China e os Estados Unidos…
Sim. Aliás, eu acho que a lógica das ameaças nucleares, assim o espero, sejam nesse sentido: de não darem a Rússia como um poder geopolítico perdido, e ser ainda considerada uma potência mundial. Não penso que o Putin seja propriamente um comunista, mas tenta, sim, recuperar a grandeza de outrora. Talvez a época dos Czares seja a maior fonte de inspiração para ele.
Regressando a Portugal. É notória uma fragmentação política, com o aparecimento de pequenos partidos, tanto à direita como à esquerda. Pensa que irá continuar, que estes partidos ainda estão em crescimento?
Esse crescimento é mais notório na direita, concretamente no caso do Chega. No entanto, o Livre tem algumas posições europeístas, em alguns assuntos até mais do que o próprio PS. Devido ao desastre que foram as últimas eleições tanto para o BE e o PCP, e embora não goste de fazer previsões, é bem possível que o Livre possa crescer, e ir ainda tirar votos de pessoas que votaram no PS e estão descontentes com esta maioria absoluta. E, além disso, os mais radicais dentro do BE podem ir para um partido que começa agora a aparecer, o MAS. Porém, penso que o crescimento de novos partidos é mais notório à direita, e que estamos a assistir a uma reconfiguração da direita portuguesa. O Chega é aquele que tem mais possibilidades de crescimento. Acho que ainda não esgotou o seu potencial para crescer, dependendo um pouco dos eleitores do PSD, que é daí que eu diria que estão a vir os votos no Chega, até porque grande parte do eleitorado do CDS foi para a Iniciativa Liberal, e este pode até substituir o BE como o partido “jovem”.
Faço-lhe agora uma pergunta um pouco idealista: qual é, para si, o regime político mais eficaz?
Como cidadão, penso que, em termos de sistema político propriamente dito, é uma democracia parlamentar, como a que temos em muitos países na Europa. Eu diria que uma democracia puramente parlamentarista é melhor do que uma semiparlamentar, como ainda é o caso da portuguesa, embora se aproxime mais do parlamentarismo do que, por exemplo a França. Ou então as democracias nórdicas, embora estas sejam monarquias constitucionais, e eu não admiro muito a monarquia, mesmo que constitucional. Em termos de sistema económico subjacente seria um misto, que não exclui a Economia de Mercado, mas com uma forte componente de Estado Social. Um pouco como o sistema económico depois da Segunda Guerra Mundial.
Para terminar. Dedica este livro à sua mãe. Alguma razão especial?
Eu nunca teria feito esta investigação sem o apoio dela, eu não sei é se ela ficará muito contente de ter uma dedicatória num livro chamado Fascismos com o Hitler na capa [riso].
“Fascismo! São poucas as palavras tão abundantemente utilizadas e que, ao mesmo tempo, abarcam uma tão ampla quantidade de possíveis significados.”
Carlos Martins é um académico, com percurso iniciado em 2005 pela licenciatura em Línguas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, passando depois por um mestrado em Estudos Anglo-Americanos em 2009, e culminando em dois doutoramentos: em Estudos Americanos ainda na mesma universidade em 2012 e um ano mais tarde em Política Comparada no Instituto de Ciências Sociais de Lisboa.
É com base nesta segunda tese, intitulada Fascist ideology and the conceptual approach: the conceptual configuration of fascist leaders, que a Desassossego, uma chancela da Saída de Emergência, publica esta interessante obra que escalpeliza o surgimento do Fascismo, ou, em bom rigor, dos fascismos ao longo do século XX, e que tantas marcas deixou nas sociedades e na História.
Sendo evidente que o Fascismo na Europa está hoje muito colado aos regimes de Mussolini e de Hitler, aquilo que este livro mostra é que não foram movimentos únicos, antes sim aqueles que fazem parte da memória colectiva, por terem tido um impacte mais desastroso.
E é precisamente isso que este livro – sugestivamente intitulado Fascismos: para além de Hitler e Mussolini – desoculta. Com efeito, Carlos Martins não apenas se dedica ao estudo dos casos mais famosos, mas também revela sobretudo os menos conhecidos, incluindo os regimes protofascistas que surgiram no princípio do século passado em vários países europeus, como a França e a Roménia e ainda no Brasil.
Como se sabe, nem todos os movimentos fascistas tiveram “sucesso”, de que o do Reino Unido constitui um bom exemplo. Mas, neste caso, merece uma análise especial, nem que seja pela curiosidade de o partido em causa, o British Fascists (1923-1934), ter sido liderado por uma mulher, Rotha Linton Orman. Isto sabendo-se que, nesta época, a política (e particularmente o fascismo) era um lugar sobretudo de e para homens, nem que seja pela violência associada.
O fascismo romeno é, aliás, um desses casos paradoxais entre a falta de fama histórica e a extrema violência utilizada na tentativa de impor o regime neste país. A história da Guarda de Ferro e do seu líder, Corneliu Codreanu, merece uma leitura atenta.
No caso português, é comum associar, desde logo, a figura e regime de Salazar ao fascismo. Mas um dos aspectos interessantes deste livro é a visão que Carlos Martins nos mostra de que o fascismo em Portugal se inicia antes do aparecimento do Estado Novo, através de Rolão Preto, um homem que, curiosamente, acaba opositor de Salazar.
Carlos Martins apresenta ainda um glossário onde se encontram as principais organizações fascistas e antidemocráticas que existiram em países como a Argélia, Islândia e até na Austrália, demonstrando assim a amplitude mundial de regimes autoritários.
As últimas páginas deste livro são dedicadas às várias definições que o Fascismo teve ao longo dos tempos, nomeadamente na era mais moderna, a partir da década de 90 – como a do político britânico David Renton que defende que o Fascismo é um regime de massas que acaba a favorecer a burguesia.
Ao longo de 300 páginas, esta obra oferece uma visão sólida e contundente onde se percepciona que o Fascismo tem, talvez, menos de ideológico e mais de oportunista, uma vez que para lá fluem personagens de todos os campos políticos e ideológicos, e que muitas vezes mudaram de ideias de modo a atrair votos.
Para os amantes de História e de Política, este livro é assim, sem dúvida, uma excelente leitura, também pela profusão de pormenores e personagens menos conhecidas, mas que ainda assim tiveram o seu papel na ascensão e queda deste tipo de regime.
Em Setembro, a Europa democrática viu-se confrontada com duas eleições com resultados aparentemente inesperados.
Na Suécia, a coligação de centro e extrema-direita conseguiu 176 lugares no Parlamento, 73 destes preenchidos pelo SD (partido de extrema-direita) que convenceu 20% do eleitorado, tornando-se assim na segunda força política do país. É uma eleição histórica uma vez que nunca um Governo sueco foi composto por partidos desta natureza.
Em Itália as ideologias extremistas foram ainda mais longe, e o partido Irmãos de Itália (FDI) elegeu uma primeira-ministra, em coligação com Salvini e Berlusconi. Dos 50 milhões de votantes, esta “geringonça” obteve 43% dos votos, com cerca de 26% para Meloni e o restante dividido entre os dois outros partidos. Ainda assim a ascensão de Meloni é também o declínio de Salvini, o que indica que nem tudo são rosas no seio do eleitorado extremista.
Se os casos acima mencionados são os mais gritantes, por serem os que já chegaram ao poder, importa ainda lembrar a subida do partido de Le Pen, na França, que chegou à marca dos 41%, e até no caso português. Apesar de números ainda escassos, o Chega é já a terceira força política portuguesa com 7% do eleitorado.
Importa entender o motivo do avanço destas ideias dentro de um espaço comunitário, inclusivo, humanista e colaboracionista como a Europa pretende ser. Em primeiro lugar, destaque-se que os programas eleitorais e os manifestos destes partidos são, grosso modo, bastante idênticos. Se, por um lado, apelam a elementos de coesão social como os valores de Deus, pátria, e família, fazem-no através dos pânicos morais exacerbados que surgem em forma de ameaça a um pretenso bem-estar. Estes medos, que na era das redes sociais ganham uma carga viral, contêm uma mensagem simples e com setas apontadas.
Giorgia Meloni
Para eles, a culpa é dos estrangeiros, dos homossexuais, dos políticos corruptos – e estes partidos vendem-se como diferentes. Apregoam frases e entoações cuja digestão é bem recebida e, como no caso de Donald Trump, conseguem manipular a opinião de algum público ao ponto de conseguirem fazer-se passar por homens e mulheres do povo contra as elites.
Mais perto, dentro da realidade portuguesa, essa dicotomia das elites versus o povo é um grito utilizado por André Ventura que ironicamente (ou não) é apoiado e financiado por, imagine-se… as elites.
Qual é então o falhanço dos valores europeus que têm vindo a dar lugar a plataformas radicais e populistas?
No caso da Suécia e Itália – e, por mais simples que possa parecer –, a subida do eleitorado extremista estará ligado à crise migratória de 2015. Estes dois países abriram as suas fronteiras a refugiados sem gestão da narrativa moderada e inclusiva.
Marine Le Pen
Não é de estranhar o aproveitamento dos extremistas perante um vazio de mensagem humanista. E é fácil, razoável até, mais ainda no caso da Itália – cuja Economia é bastante mais fraca do que a sueca –, perguntar onde estava o apoio financeiro e logístico da Europa às constantes ondas de refugiados a entrar nos seus portos. A consequência disso leva inevitavelmente à pergunta mais simples e também perigosa, que é: e nós?
A proliferação do sentimento anti-europeu torna-se num comboio a alta velocidade e, perante a falha dos moderados e a demora de implementações práticas perdidas nas burocracias do Parlamento Europeu, cria-se o sentimento que nada é feito. Um básico, “Falam, falam, mas não fazem nada”.
É assim que se criam e recriam estes movimentos. Eles não são novos, mas adaptam-se aos tempos. Veja-se o caso das lideranças. Meloni, Le Pen e a alemã Alice Weidel são mulheres. Talvez a líder francesa seja menos surpreendente, porque vem de uma família política e tem já essa tradição.
No entanto, a futura primeira-ministra italiana e líder extremista alemã são já um apelo ao voto feminino que, normalmente, não vota em partidos vistos como patriarcais e conservadores.
André Ventura
Curiosamente, estas políticas de carreira são consequência das lutas progressistas de esquerda pela igualdade de acesso a posições de liderança, que agora são aproveitadas pela extrema-direita para se capitalizar e captar eleitorado.
O espaço das ideias extremistas está conquistado e não irá diminuir enquanto for subestimado ou insultado. Ele só pode ser derrotado em sede de ideias. A estas ideias tem de lhes ser emprestado um novo léxico, uma forma de desmascarar o extremismo pelo que ele é. A manipulação da carga emocional de pequenos e grandes grupos e o vazio de soluções.
E será (extremamente) necessário que esse combate seja feito com a apresentação de soluções humanistas, sustentáveis, mas de rápida aplicação.
Como diz Marcelo Rebelo de Sousa, o povo tem sempre razão.
Em Gelo sob os seus pés, a sueca Camilla Grebe, propõe aos leitores uma viagem pelos mistérios do crime psicológico, distribuída por três personagens que estão destinadas à colisão. Vencedora do Glass Key Award, para Melhor Policial Nórdico e também por Melhor Policial Sueco do Ano, o romance tornou-se um best seller em diversos países europeus. Actualmente a viver em Cascais, o PÁGINA UM conversou com esta escandinava de 54 anos sobre o seu percurso literário, o género policial e a sua vinda para Portugal.
Como é que uma economista acaba a escrever romances policiais?
Sempre tive um interesse em arte e na criatividade, e por isso fui para uma escola de Arte a seguir ao curso de Economia, para tentar pintura, mas cedo percebi que não ia conseguir viver disso. Fui depois trabalhar para uma editora, onde conheci muitos autores e após ter lido alguns manuscritos, entendi que preferia estar do lado criativo em vez de ficar na parte de gestão.
Mas começou por escrever romances a quatro mãos, com a sua irmã. Como foi essa partilha?
Foi tudo um pouco orgânico. Eu escrevi um primeiro capítulo, e ela o seguinte; e depois eu outra vez. A dada altura encontrávamo-nos e discutíamos a continuação da história. E, para nossa surpresa, o nosso primeiro livro [Någon sorts frid, em 2009] foi publicado [risos]. Devido a esse sucesso, tivemos que ser mais estruturadas e nos livros seguintes precisámos de concordar no enredo e personagens logo de início.
Quais as maiores diferenças face à escrita individual?
Há aspectos positivos e negativos. Quando escreves com alguém, tens um amigo com quem podes falar sobre ideias, resolver problemas e apoiam-se mutuamente. E também se aplicas se precisas de fazer algum marketing ou ir em viagens promocionais. Por outro lado, pode haver complicações quando as ideias não coincidem, tanto no enredo como também no processo da escrita, no tempo que se dedica ao desenvolvimento da história. Eu descobri que sozinha, o meu tempo era mais produtivo e o processo de escrita mais rápido. De alguma forma, é mais eficiente, e sou eu que tomo todas as decisões.
O seu percurso literário centra-se em policiais. O que mais a fascina neste género?
Comecei a ler este tipo de livros muito cedo, ainda com sete ou oito anos, e logo nas primeiras páginas fiquei apaixonada. Mas para mim, este é um género onde podemos fazer o que quisermos. Há um contrato com os leitores: é suposto haver um mistério e, em certa altura, temos de os surpreender. Isto é obvio, mas, de resto, podemos fazer da história o que for; pode ser uma história de amor, podemos falar de problemas sociais, política, ou imprimir uma linguagem poética. Na minha opinião há poucas limitações.
Qual foi a inspiração do romance que lançou agora em Portugal, Gelo sob os seus pés?
Para mim, é muito difícil falar sobre este livro, teria de abordar o twist, o que seria decepcionante, mas eu gosto muito de crimes psicológicos. Posso dizer que este romance foi escrito para surpreender o leitor, esse foi o meu objectivo.
Em todo o caso, em relação às personagens, como foi o processo de desenvolvimento que escolheu?
De uma forma geral, eu sabia já, desde o princípio, quem seriam, mas houve também um crescimento orgânico ao longo do manuscrito. Eu gosto que as minhas personagens sejam de carne e osso, que sejam imperfeitas, tenham falhas e problemas. O caso de Hanna é um pouco assim: ela tem demência, que é uma doença horrível, mas interessante no contexto livro, porque se ela não pode confiar nela mesma, em quem poderá confiar? Essa dramatização pareceu-me muito interessante.
O romance aborda temas como o arrependimento, a saúde mental, a inevitabilidade da morte. São temas de circunstância ou foram escolhidos com um propósito?
São temas que fazem parte da condição humana. As questões eternas de vida, morte, amor, e por isso são importantes para mim, também porque são muito existenciais e acho isso muito interessante.
Publicado originalmente em 2017, O gelo sob os seus pés foi editado em português em Abril passado.
As protagonistas femininas passam por mudanças e transformações ao longo do romance. Considera que estas mudanças reflectem a evolução feminista na sociedade?
Talvez a Hanna, sim. Ela é a personagem mais velha, e a geração dela era muito diferente. E embora ela tenha educação, na verdade ela pertence a um tempo em que o lugar da mulher era diferente. Por isso, apesar da sua doença, ela quer sair da relação abusiva onde se encontra.
Este romance mostra-se bastante visual, havendo muitos pormenores mencionados como as roupas, as rugas, os cheiros. Sei que vai ser adaptado para o cinema. Já estava a pensar nesta possibilidade quando o escreveu?
Não foi intencional, mas quando li o manuscrito apercebi-me que sim, que podia resultar, embora não fosse o meu objectivo.
A Suécia é um dos países mais seguros do Mundo. Como se explica que este género seja tão popular no seu país?
Eu penso que é pelo contraste. Na Suécia há muito de natureza, mais as casas vermelhas e todas estas características fazem-nos querer ler livros que reflectem os nossos medos, mas de uma forma segura. Na Suécia temos um fascínio profundo pelo crime, pela morte e pelo medo, mas não queremos estar expostos a isso na vida real. Portanto, os livros e filmes permitem-nos reter um pouco disso.
Entretanto, vive em Portugal? O que a fez vir para cá?
Combinei com o meu marido que, quando os nossos filhos saíssem de casa, íamos mudar para o sul da Europa. O clima sueco é muito frio e, além disso, também muito escuro. Depois de algumas discussões, decidimos visitar Cascais. No princípio era por um ano, e depois íamos para Espanha, onde eu já tinha estado anteriormente, mas senti que os portugueses são mais parecidos com os escandinavos. Os espanhóis são muito latinos e os portugueses parecem-me mais reservados, tal como os suecos. E mesmo em temos de população, nós também somos 10 milhões. Um ano e meio após a chegada a Portugal, decidi que não ia para mais sítio nenhum. Isto é a minha casa e até vou para uma universidade aprender português.
Será possível que a sua inspiração para escrever policiais mude pelo facto de viver em Portugal?
Não está nos meus planos [risos]. Eu preciso do ambiente escandinavo para escrever os meus romances, do escuro, do frio, e é também isso que os meus leitores, espalhados pelo Mundo, esperam de mim. Talvez as minhas personagens possam fazer férias em Portugal [risos].
“O universo das teorias da conspiração está recheado de histórias inacreditáveis. Na maior parte dos casos, essas narrativas obedecem a um discurso que se assume como fora do sistema, uma espécie de contracorrente revolucionária.”
Com um longa carreira feita em várias rádios portuguesas, Fernando Neves, que é também Mestre em Ciências da Comunicação e Tecnologias de Informação pelo ISCTE, escreveu um livro que funciona como o corolário dos mais de 120 episódios emitidos na Antena 1 sobre o tema das teorias da conspiração, disponíveis na RTP Play e também na plataforma Spotify.
São histórias para todos os gostos, como a Área 51, as elites e extraterrestres que mexem os cordelinhos das nossas vidas rumo à Nova Ordem Mundial, ou mesmo sobre a (in)existência de Shakespeare.
Há ainda a curiosidade particular da história de Joseph Gregory Hallett, que disse ter-lhe sido revelado, por entidades divinas, que existiram dois Jesus Cristos, primos, e que viveram no Algarve, mais precisamente no Palácio de Carvalhal.
Com algum humor à mistura, Fernando Neves demonstra uma pesquisa árdua na descoberta das origens e dos protagonistas de muitas destas teorias, muitas que fazem já parte do nosso quotidiano, e outras ainda menos conhecidas, como é o caso da alegada primeira tentativa de ida à Lua séculos antes de russos ou americanos gravitarem em redor da Terra.
Esta é assim uma viagem fascinante que se propõe desvendar mistérios e encontrar respostas alternativas a grandes e pequenas perguntas feitas pela Humanidade ao longo dos tempos. Alguns desafiando a Ciência e a narrativa dominante, oferecendo outras possibilidades, por vezes rocambolescas, mas que, de alguma forma ou por insondáveis motivos, mantêm-se e conquistam adeptos um pouco por todo o Mundo.
Ao longo de 430 páginas pode-se aprender, rir, assustar-se e ponderar até onde vai a distância entre a conspiração real e a imaginação humana, que consegue ser, muitas vezes, demasiado fértil.
Este é alias o grande feitiço desta obra: ao percorrer todas as suas histórias, fica-se com a sensação de que nem todas as teorias da conspiração são fantasias, que vêm preencher um qualquer vazio explicativo que alicia um espectador menos informado. Algumas delas, mostram-se mesmo assustadoramente reais.
Há livros que, segundo as Teorias da Conspiração, não devem ser lidos, sob pena de infortúnios, episódios psicóticos ou mesmo a morte. Este não é um desses livros. Aqui corre-se apenas o risco de saber mais, e ficar mais bem informado.