O Instituto Nacional de Estatística recentemente anunciou que o preço das habitações subiu 17,2% no segundo trimestre de 2025, face a igual período de 2024. Foi o maior aumento da série. Efectivamente, o preço por m2 em Lisboa tem subida a um ritmo anual de 7% ao ano desde 2000, explodindo nos últimos anos, em particular no presente ano (ver figura 1).
O jornal Público, fiel à sua catequese marxista, apressou-se a explicar o fenómeno com o talento teórico de um aluno de economia que chumbou por excesso de confiança: “O maior número de casas novas desde 2011 não trava a aceleração dos preços.”

Lá está – mais oferta e, ainda assim, mais caro! O jornalista, em vez de se espantar, confessa-nos que a culpa é dos “custos de construção” e das “promoções imobiliárias viradas para a classe alta”. O Público continua a acreditar que os custos se repassam por decreto ao cliente, e que o preço é um simples reflexo contabilístico das despesas do construtor com uma margem de lucro desejada.
Ora, o problema é outro – e é mais profundo do que a cabeça dos economistas de redacção do Público consegue alcançar. O preço de qualquer bem não é uma variável objectiva, como a temperatura ou a velocidade da luz. O preço é uma avaliação subjectiva que emerge do encontro entre quem quer vender e quem quer comprar; essa interacção tem uma beleza que uma folha de cálculo desconhece.
Imaginemos um agricultor com três cavalos idênticos. O primeiro será destinado à necessidade mais urgente – por exemplo, lavrar a terra. O segundo, a uma necessidade menos urgente – puxar a carroça. O terceiro, enfim, para passear e ostentar a virilidade na aldeia. Quanto mais cavalos, menor a utilidade marginal do último.

Por essa razão, menor o valor que alguém estará disposto a oferecer. A procura é tanto maior quanto menor o preço. Eis o primeiro princípio que o Público ignora: o preço nasce da importância subjectiva atribuída ao bem, e não da soma de cimento, janelas e burocracia.
No lado da oferta, a coisa é igualmente simples. Quando os preços sobem, os produtores têm incentivo a produzir mais; quando descem, retraem-se. Mas num determinado instante, a quantidade de casas é fixa – não se imprimem paredes como se imprimem euros. Assim, a curva da oferta é vertical no curto prazo.
Se, findo o ciclo de construção, o preço de venda exceder o esperado, o retorno atrai novos construtores. No próximo período, a oferta cresce. É por isso que a curva da oferta tem inclinação positiva – quanto maior o preço, maior a produção futura.

Mas voltemos à cidade dos vícios, onde o raciocínio é mais saboroso. Imaginemos um bordel de luxo em Lisboa, onde a hora de prazer custa trezentos euros. Se a moral social se degrada, como em Berlim nos anos 20 no século transacto, a procura dispara: há mais clientes para o mesmo preço. O bordel, vendo o lucro, contrata mais prostitutas, e outros bordéis abrem. Aumenta a oferta; com o tempo, o preço cai. Ora, é assim em qualquer mercado. O preço alto atrai concorrência; o preço baixo afasta-a.
O problema começa quando a concorrência é estrangulada. Aí entram os heróis da planificação – o Estado, a burocracia e os seus impostos. Suponha-se um construtor que compra materiais e mão-de-obra por 100 euros, esperando vender a casa por 110 no ano seguinte.
O lucro de 10% atrai outros construtores. Se a taxa de juro natural da sociedade for 5%, esse construtor está a ganhar 5% acima do que custaria adiar o consumo – um lucro saudável. Mas logo que novos concorrentes entram, os custos sobem para, digamos, 104,75 euros, reduzindo o lucro líquido para 5%. O sector estabiliza.
Agora, entra o Estado, esse arquitecto do desastre. Decide cobrar uma taxa de segurança social de 33% sobre o trabalho. Os custos disparam, por exemplo, para 111 euros. Se o preço de venda se mantiver em 110, o construtor passa a perder dinheiro. Resultado: falências, despedimentos, e menos oferta.

O mesmo efeito ocorre com um imposto sobre a venda, como um IMT, por exemplo, de 6%. O comprador continua disposto a pagar 110, mas agora só oferece 103,77 para reservar 6,23 para o Estado. O construtor, que antes ganhava 10, perde 6,23. O lucro evapora-se, e com ele a vontade de construir.
A burocracia produz o mesmo veneno. Se o construtor demora dois anos em vez de um a concluir o projecto, o retorno cai de 10% para 4,9% ao ano – investe 100 e recebe 110 ao final de dois anos. Não cobre sequer a taxa natural de juro, no nosso exemplo: 5%. Resultado: menos construtores, menos emprego, menos casas. E o Público, entre um café e uma crónica sobre o “mercado injusto”, pergunta-se por que razão “a oferta não trava os preços”.
Foi isto mesmo o que sucedeu em 2011. Antes da troika, a maioria dos imóveis ainda tinha valores patrimoniais calculados em escudos. O trio FMI, Comissão Europeia e BCE impôs a reavaliação massiva dos imóveis, que fez explodir o IMI e o IMT. Os gráficos do INE não mentem: a construção colapsou: de mais de 120 mil fogos por ano no início do milénio para pouco mais de 7 mil em 2014 (ver figura 2). Após a troika, o número nunca mais recuperou.

Enquanto os construtores desapareciam, o Estado inventava novos Alves dos Reis. Com a impressora do Banco Central Europeu ligada em permanência, o dinheiro multiplicou-se como coelhos de laboratório (ver figura 3).
De 48 mil milhões em 2000 para 184 mil milhões em 2025 – um crescimento médio de 6% ao ano. O novo dinheiro, como no célebre golpe de Alves dos Reis, chega primeiro a uns poucos: bancos, fundos imobiliários, e promotores que compram o cimento antes dos outros.
Esses beneficiam dos preços baixos iniciais, antes que o ouro, as casas e até as prostitutas encareçam. É o efeito Cantillon em toda a sua glória – a inflação não é um aumento geral de preços, é uma redistribuição silenciosa de rendimentos a favor de quem toca primeiro no dinheiro novo.

Mas há uma ironia que desmonta toda a narrativa oficial. Se medirmos o preço das casas não em euros – esse papel enfeitiçado -, mas em gramas de ouro, a história inverte-se. Em 2000, comprar um metro quadrado em Lisboa custava 111 gramas de ouro; em 2025, apenas 53. Uma queda média anual de 3% (figura 4). Ou seja, em termos reais, as casas ficaram mais baratas, o euro é que ficou miserável.
O Público podia ter aprendido isto em qualquer manual pré-keynesiano: não é apenas a oferta e a procura do bem que definem um preço, mas também a oferta e a procura de dinheiro.
Quando o Estado e os bancos criam dinheiro do nada, desvalorizam a moeda e distorcem os sinais do mercado. Os construtores reagem a lucros e preços, não a editoriais piedosos. Só constroem quando os sinais – preços e rendibilidade – lhes dizem que vale a pena.

Enquanto o Público acreditar que os preços sobem porque há mais casas, continuaremos a viver neste manicómio económico onde tudo é invertido: mais oferta, mais caro; mais impostos, mais pobreza; mais burocracia, menos casas.
Como sempre, os jornalistas hão-de culpar o “mercado” – esse espantalho conveniente que serve para esconder a única constante nesta tragédia: o Estado, o maior promotor de miséria do país.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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