Com um misto de perplexidade – e um bocejo profundo – venho eu aqui, da almofada onde descanso, comentar o terrível, devastador e absolutamente catastrófico evento sísmico que abalou Portugal – pelo menos segundo a versão brasileira do Público.
Sim, parece que um terramoto de 10 segundos na Costa da Caparica, com uma força aterradora de 4,7 na escala de “pouco me importo”, foi tratado pelos nossos irmãos tropicais como se estivéssemos na Lisboa de Todo-os-Santos de 1755 e esta tivesse sido engolida por um abismo e os sobreviventes vogassem pelo Tejo.
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Segundo uma epopeica peça jornalística, o pequeno tremor causou “gritaria e choro”. Imagino os jornais japoneses a ler isto e a terem uma síncope colectiva de riso. Mas não nos precipitemos. Vamos aos factos, que foram relatados ao melhor espírito de um ‘urubu de plantão’.
A jornalista Lourdes Souza, brasileira residente há seis anos na capital, afirmou, com horror, que “nunca sentiu um tremor tão forte”. Ora, eu próprio já senti abalos mais intensos quando o meu desastrado dono tropeçou no tapete enquanto me levava a comida! Se formos por essa bitola, exijo que o Público Brasil faça também uma reportagem sobre os tremores de terra causados pela queda ocasional do meu pratinho de ração.
Já o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Alessandro Candeas, mostrou ser homem menos sensível ou medricas, chegando a confessar, à lancinante reportagem do Público, que “de início, achei que fosse um bondinho mais pesado a passar em frente do edifício”. Só que não…
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Acho que ele demorou mais de 10 segundos, o tempo do tremor, a perceber o que era. E quando percebeu o que era, já fora, Notável! Eu, que sou um gato, velho mas de sentidos apurados, posso garantir-vos que o estrondo de uma vassoura me soa mais alarmante.
E o que dizer do aposentado Lúcio Gonçalves, residente aqui na terrinha há três anos, que descreveu o evento como se estivesse em Shaanxi em 1556? Disse ele: “Tudo balançou na minha casa. Corri para fora para ajudar uma senhora que entrou em pânico.” Que coragem, que heroísmo, que bravura! Teria sido mais útil se aproveitasse para salvar um prato de comida, mas isso sou eu a pensar com sensatez felina.
Já o chef Guga Rocha, mais dramático que um peru na véspera do Natal, anunciou ao mundo: ” “O primeiro terremoto na vida a gente não esquece. Estava tranquilo em casa e as coisas começaram a tremer.” Terrível provação. Dizem-me que o abalo numa frigideira onde se faz um omelete ao estilo francês é superior…
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Quanto ao motorista paquistanês Dani Adnan, por sua vez, relatou até que o seu carro tremeu bastante, mas eu desconfiou que terá sido porque pisou um buraco.
Mas a melhor parte da reportagem, essa sim digna de um prémio literário, foi a confissão do analista de sistemas Rafael Argenta. Estava ele tranquilamente sentado no sofá quando sentiu o prédio balançar. “Gritei pela Juliana e descemos correndo com a Zuca”, que é a cachorrinha, que se deve ter assustado não do tremor mas do pânico do dono. Quase consigo ver a cena em câmara lenta: Juliana, Rafael e Zuca, em fuga desesperada de um tremor que durou menos do que um bocejo meu.
E depois tivemos ainda o depoimento de Camila Wolff, prestes a sofrer uma síncope, e da Gabrielle Frigotto, que até telefonou para a polícia depois de ter pensado que fora um “caminhão”, e não um camião, que tombara na rua.
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Mas não me interpretem mal. Eu compreendo o susto. Afinal, os brasileiros não estão habituados a sismos. Mas aquilo que me fascina é como este tremor de terras, que, em Portugal, deveria ser tratado com a mesma indiferença com que um gato observa um humano a chamá-lo sem nada de relevante para oferecer, gerou um nível de cobertura jornalística digno de um evento cósmico.
Agora, estou muito curioso para ver qual será o próximo passo editorial do Público. Por mim, adoraria que apostassem numa versão japonesa do jornal. Pelar-me-ia por saber como seria as reações nipónicas à ‘catástrofe’ desta segunda-feira.
Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.