Confesso-me divertido com algumas propostas do Chega, ainda mais quando anunciadas em parangonas no seu órgão de comunicação doutrinário, a Folha Nacional, registado na ERC. Este curioso periódico, apesar de nem sequer ter jornalistas, ostenta um organograma respeitável: um director, uma directora-adjunta, um subdirector e um editor. Também não precisa de muito mais: afinal, 80% das suas notícias são transcrições seleccionadas da Agência Lusa. É um modelo de eficiência felina, embora pouco criativo – nem todos conseguem o brilho de um gato a caçar borboletas.
Enfim, mas vamos ao osso – ou, melhor dizendo, à espinha; na edição semanal número 92 da Folha Nacional, publicada na passada sexta-feira, anuncia-se que o Chega propõe, com uma solenidade que beira o risível, que os políticos que desviem dinheiro percam o mandato. Ah, muito bem! Palmas felinas para tamanha sagacidade. Bravo, senhores. Mas, como gato, observo o mundo de um ponto de vista mais elevado – e muitas vezes de cima do armário –, e pergunto-me: será isto o pináculo da ambição legislativa de tão engenhoso partido?
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Sejamos francos, uma medida destas é tão audaciosa quanto sugerir que gatos parem de miar quando querem comida. Certamente, qualquer ser minimamente dotado de miolos percebe que quem desvia dinheiro público já devia perder o mandato – e isso sucede se, como deveria, for bater os costados na prisão. Mas, permitam-me: atendendo aos últimos acontecimentos envolvendo militantes do Chega, se a ideia é punir desvios, por que não incluir os políticos que desviam malas dos tapetes rolantes dos aeroportos? Esses, sim, têm uma habilidade quase coreográfica, uma elegância de larápio que deveria ser registada para a posteridade. Um político que exibe tal destreza merece perder não só o mandato, mas também o cartão de embarque.
E já que estamos numa veia de moralização política, não posso deixar de propor que a medida seja extensível aos políticos que desviam crianças para pinhais, com intuitos que nem um gato de rua acharia dignos. Não é preciso ser um felino particularmente perspicaz para desconfiar de quem não consegue sequer guardar a integridade das suas sombras, quanto mais a dos seus mandatos. Talvez, neste caso, a perda do mandato seja uma punição demasiado leve. Um exílio perpétuo numa ilha repleta de ratos gigantes – mas sem gatos para os conter – seria mais apropriado.
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A verdade, caros leitores, é que esta proposta do Chega é o equivalente político de um ratinho de brinquedo: muita aparência, mas pouco impacto real. No entanto, reconheço-lhes um talento inegável para a teatralidade. Já consigo imaginar o congresso partidário onde esta ideia foi aprovada, com discursos inflamados e palmas vigorosas, enquanto os ‘gatarrões’ abanam as caudas, entediados, perante tão pífios esforços legislativos.
Deixo assim uma sugestão ao André Ventura: que tal uma proposta ainda mais revolucionária? Proclamem a extinção de todos os desvios, de malas e mandatos, de dinheiro e dignidade, e, quem sabe, até dos próprios discursos que desviam a atenção do essencial. Talvez, então, o partido possa reivindicar não só as parangonas da Folha Nacional, mas também um lugar digno na história – ou, no mínimo, um arranhão discreto na parede da política nacional.
Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.