O caso gera, no mínimo, estranheza: em plena campanha para a corrida a Belém, cartazes a promover o candidato Gouveia e Melo na capital estão a surgir em outdoors habitualmente alugados pelo Partido Socialista. Isto quando se sabe que os partidos políticos, para garantir os cada vez mais raros espaços para cartazes de grandes dimensões de natureza política, fazem ‘alugueres contínuos’, mesmo quando não se encontram em campanha eleitoral. A razão é simples e explicado de forma popular: “quem vai ao ar, perde o lugar”.
Os exemplos mais carismáticos de cartazes ‘permanentes’ observam-se junto da Assembleia da República e do estádio da Luz, onde o Chega se mantém omnipresente. Ou ainda no cartaz emblemático do PAN, junto da Praça de Touros do Campo Pequeno, na Avenida da República, que o partido usa estrategicamente para apelar à proibição das touradas.

/ Foto: PÁGINA UM
Porém, agora, em Lisboa, vários cartazes de Gouveia e Melo estão nos locais emblemáticos onde, por regra, se promovem mensagens políticas do PS, alguns dos quais usados recentemente pela coligação encabeçada pela ex-ministra socialista Alexandra Leitão para as eleições autárquicas de Lisboa.
Exemplos desta ‘substituição’ são os outdoors habitualmente usados pelo PS na Praça Paiva Couceiro, Areeiro e Alcântara. Onde antes os condutores e transeuntes viam cartazes com campanhas socialistas, deparam-se agora com a campanha de um candidato presidencial, mas não do ex-secretário-geral socialista António José Seguro, que obteve o apoio oficial do Partido Socialista nas próximas eleições presidenciais.
O PÁGINA UM verificou nos locais que nos outdoors em questão, nos cartazes que promoviam a coligação de Alexandra Leitão surgia em rodapé o nome da empresa Espiral de Letras, que é proprietária de outdoors e que tem uma ligação contratual histórica com o PS.
O PÁGINA UM procurou contactar a empresa Espiral de Letras para perceber melhor como cartazes normalmente alocados a um partido ficaram disponíveis para a candidatura de Gouveia e Melo. Contudo, após uma pesquisa na Internet, não detectou nenhum contacto telefónico ou e-mail da empresa.

Por agora, o PS demarca-se desta “coincidência” e garante que não cedeu os espaços à campanha de Gouveia e Melo. “Não há na nossa rede nacional de outdoors qualquer campanha em curso neste momento, nem do PS nem de nenhum candidato presidencial”, garantiu João Paulo Rebelo, administrador do PS, ao PÁGINA UM.
O PÁGINA UM colocou questões à campanha de António José Seguro sobre se houve ‘negociações’ com o PS para a cedência do espaço dos outdoors usalmente contratados pelo partido, mas não obteve ainda resposta, nem após tentativas de contacto telefónico.
Em todo o caso, o PÁGINA UM apurou que a campanha de Seguro já fez sondagens recentes a outras empresas (que não a Espiral de Letras) para contratar a instalação de estruturas para colocar cartazes na área da Grande Lisboa. Estes contactos causaram estranheza, uma vez que o PS dispõe de uma rede de outdoors e contratos que assegurariam, se assim desejasse, uma ampla cobertura para colocação de campanhas publicitárias.

Embora sem se comprometer, João Paulo Rebelo afirma que cartazes de António José Seguro poderão vir a ocupar espaços na rede nacional de outdoors do partido. “Admito que possa vir a acontecer”, disse ao PÁGINA UM, remetendo a decisão para a direcção do partido. Mas nada referiu sobre se houve negociações sobre a concessão à campanha presidencial de António José Seguro de um ‘direito de preferência’ para contratar os outdoors, nos quais tem primazia.
Saliente-se que este episódio surge numa altura em que o PS passa por dificuldades financeiras, após ter registado uma redução no montante de subvenções auferidas na sequência dos resultados eleitorais nas eleições legislativas, que agravam as contas do partido para os próximos anos.
A perda do Governo foi, aliás, financeiramente catastrófica. O PS passou de um lucro líquido de 1,5 milhões de euros em 2023 para um prejuízo de 985 mil euros no ano passado. A subvenção pública anual do partido passou de 8,35 milhões de euros para 7,163 milhões de euros em 2024. E vai anda baixar mais após os resultados das eleições legislativas deste ano, em que passaram de 78 para 58.

Recorde-se que, no ano passado, o PS registou gastos de 5,4 milhões de euros com diferentes campanhas eleitorais: legislativas; europeias; e regionais. Já este ano teve eleições legislativas antecipadas e autárquicas. Sendo que o partido registou um prejuízo de 1,5 milhões de euros com estas campanhas, de acordo com os dados depositados na Entidade das Contas e Financiamentos Públicos.
Assim, manter contratos para assegurar espaços em outdoors para a campanha de António José Seguro torna-se um peso adicional que o partido, eventualmente, não quer agora ter. Ou deseja ter…
