Na vigésima oitava sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a escritor Mário Cláudio.
Um verdadeiro homem do Porto, Mário Cláudio — pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa — é uma das vozes mais singulares da literatura portuguesa contemporânea, com uma carreira que já atravessa mais de meio século. A sua obra revela uma versatilidade rara, não apenas pela extensão dos géneros que explora — do romance à poesia, do conto ao ensaio, e até ao teatro —, mas sobretudo pela sofisticação com que entrelaça arte, biografia e ficção, numa escrita de apuro estético e profunda inquietação intelectual.
Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, começou a exercer advocacia ainda anos 60, mas a sua ligação à literatura foi ganhando espaço, com formação em arquivos e bibliotecas, e ainda um mestrado em Londres sobre literacia e hábitos de leitura, no final da década de 70. Foi ainda professor de Cultura Geral na Escola Superior de Jornalismo do Porto.

O seu mundo literário começou a abrir-se logo em 1969, com ‘Ciclo de Cypris’, obra poética que já anunciava a sua inclinação para o rigor formal e a reinvenção dos cânones. Contudo, foi no romance que consolidou o seu nome, sobretudo a partir da década de 1980, com títulos como Amadeo (1984), Guilhermina (1986) e Rosa (1988) – a chamada Triologia da Mão –, três retratos literários de figuras centrais da cultura portuguesa — Amadeo de Souza-Cardoso, Guilhermina Suggia e Rosa Ramalho.
Escritor de vastíssima erudição, num estilo que remonta a Camilo Castelo Branco, a sua escrita é marcada por um labor meticuloso da linguagem, por um gosto barroco pelas estruturas complexas e por uma constante interpelação dos mecanismos da memória e da representação.
Com um vasto conjunto de romances do género histórico, onde mais do que relatar eventos, procura enquadrar a natureza humanas nesses contextos, Mário Cláudio também conseguiu construiu uma obra onde os limites entre o biográfico e o ficcional são sistematicamente interrogados. Em ‘Tiago Veiga. Uma biografia’ (2011), por exemplo, oferece-nos a vida inventada de um poeta inexistente com tal densidade que a linha entre a realidade e o artifício parece dissolver-se.

Ao longo da sua carreira, recebeu os mais prestigiados galardões literários em Portugal, entre os quais o Prémio Pessoa (2004), o Grande Prémio de Romance e Novela da APE (por três vezes), o Prémio Pen Club (por duas vezes), entre muitos outros.
Figura reservada, mas profundamente comprometida com a literatura como forma de conhecimento e de resistência ao esquecimento, Mário Cláudio é um autor que desafia o leitor a habitar outras vidas, outras épocas, outras formas de ver. E foi, por isso, numa conversa desafiante que recebeu, em sua casa no Porto, Pedro Almeida Vieira para falar sobre o seu percurso literário, mas também sobre literacia, memória, liberdade e o futuro (in)certo da cultura portuguesa.
